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Biomassa aérea e produção primária do estrato herbáceo em campo de Elyonurus muticus submetido à queima anual, no Pantanal

Aerial biomass and primary production of herbaceous communities in a native grassland of Elyonurus muticus under annual burnings in the Pantanal, Brazil

Resumos

O trabalho foi conduzido no Pantanal, em fitofisionomia de campo a savana, regionalmente denominada de caronal, pela dominância de Elyonurus muticus. Os objetivos foram avaliar o efeito da queima anual de caronal sobre a biomassa aérea acumulada, produção primária líquida da parte aérea (PPLA) do estrato herbáceo e cobertura do solo. Foram coletados dados mensais de biomassa aérea acumulada durante dois anos, em uma área com queima em set./95 e ago./96, e outra sem queima. A PPLA foi estimada através das diferenças de biomassa aérea viva coletada mensalmente. A queima reduziu a biomassa aérea acumulada em aproximadamente 36% no primeiro ano e 50% no segundo. Houve uma tendência de redução de biomassa acumulada com a repetição da queima. A PPLA do estrato herbáceo nas áreas sem queima e com queima foi 3.850 kg/ha e 4.980 kg/ha no primeiro ano, e 5.090 kg/ha e 2.880 kg/ha no segundo, respectivamente. A cobertura do solo 30 dias após a queima foi de aproximadamente 30%, e somente quatro a seis meses depois foi restabelecido o porcentual da área sem queima

Axonopus purpusii; cobertura do solo; Mesosetum chaseae; pastagens nativas; ecologia


This work was conducted in a native grassland of the Pantanal, locally called "caronal" due to the dominance of Elyonurus muticus. The objectives were to evaluate the effect of annual burnings of "caronal" on the cumulative aerial biomass, aboveground net primary production (ANPP) of herbaceous communities and soil cover. Monthly data of cumulative aerial biomass were collected during two years in an area which was burned in September/95 and in August/96, and in another area which was free of burning. ANPP was estimated through differences between aerial live biomass gathered monthly. Annual burnings reduced cumulative aerial biomass about 36% in the first year and 50% in the second year. There was a tendency of reduction of cumulative aerial biomass with repetition of the burnings. The ANPP herbaceous communities in the areas free of burning and with burnings were 3,850 kg/ha and 4,980 kg/ha, in the first year, and 5,090 kg/ha and 2,880 kg/ha in the second, respectively. Thirty days after burning, the soil cover was about 30% and only four to six months after burning it was re-established as the area free of burning.

Axonopus purpusii; soil cover; Mesosetum chaseae; native grasslands; ecology


BIOMASSA AÉREA E PRODUÇÃO PRIMÁRIA DO ESTRATO HERBÁCEO EM CAMPO DE ELYONURUS MUTICUS SUBMETIDO À QUEIMA ANUAL, NO PANTANAL1 1 Aceito para publicação em 27 de julho de 1999. Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CECITEC), da Secretaria de Estado de Planejamento e de Ciência e Tecnologia (Seplan-MS). 2 Eng. Agrôn., M.Sc., Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP), Caixa Postal 109, CEP 79320-900 Corumbá, MS. E-mail: evaldo@cpap.embrapa.br, scrispim@cpap.embrapa.br 3 Zootecnista, M.Sc., Embrapa-CPAP. E-mail: crisagr@cpap.embrapa.br 4 Estatístico, M.Sc., Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves (CNPSA), Caixa Postal 21, CEP 89700-000 Concórdia, SC. E-mail: barioni@cnpsa.embrapa.br

EVALDO LUIS CARDOSO2 1 Aceito para publicação em 27 de julho de 1999. Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CECITEC), da Secretaria de Estado de Planejamento e de Ciência e Tecnologia (Seplan-MS). 2 Eng. Agrôn., M.Sc., Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP), Caixa Postal 109, CEP 79320-900 Corumbá, MS. E-mail: evaldo@cpap.embrapa.br, scrispim@cpap.embrapa.br 3 Zootecnista, M.Sc., Embrapa-CPAP. E-mail: crisagr@cpap.embrapa.br 4 Estatístico, M.Sc., Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves (CNPSA), Caixa Postal 21, CEP 89700-000 Concórdia, SC. E-mail: barioni@cnpsa.embrapa.br , SANDRA MARA ARAÚJO CRISPIM2 1 Aceito para publicação em 27 de julho de 1999. Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CECITEC), da Secretaria de Estado de Planejamento e de Ciência e Tecnologia (Seplan-MS). 2 Eng. Agrôn., M.Sc., Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP), Caixa Postal 109, CEP 79320-900 Corumbá, MS. E-mail: evaldo@cpap.embrapa.br, scrispim@cpap.embrapa.br 3 Zootecnista, M.Sc., Embrapa-CPAP. E-mail: crisagr@cpap.embrapa.br 4 Estatístico, M.Sc., Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves (CNPSA), Caixa Postal 21, CEP 89700-000 Concórdia, SC. E-mail: barioni@cnpsa.embrapa.br , CRISTINA APARECIDA G. RODRIGUES3 1 Aceito para publicação em 27 de julho de 1999. Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CECITEC), da Secretaria de Estado de Planejamento e de Ciência e Tecnologia (Seplan-MS). 2 Eng. Agrôn., M.Sc., Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP), Caixa Postal 109, CEP 79320-900 Corumbá, MS. E-mail: evaldo@cpap.embrapa.br, scrispim@cpap.embrapa.br 3 Zootecnista, M.Sc., Embrapa-CPAP. E-mail: crisagr@cpap.embrapa.br 4 Estatístico, M.Sc., Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves (CNPSA), Caixa Postal 21, CEP 89700-000 Concórdia, SC. E-mail: barioni@cnpsa.embrapa.br e WALDOMIRO BARIONI JÚNIOR4 1 Aceito para publicação em 27 de julho de 1999. Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CECITEC), da Secretaria de Estado de Planejamento e de Ciência e Tecnologia (Seplan-MS). 2 Eng. Agrôn., M.Sc., Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP), Caixa Postal 109, CEP 79320-900 Corumbá, MS. E-mail: evaldo@cpap.embrapa.br, scrispim@cpap.embrapa.br 3 Zootecnista, M.Sc., Embrapa-CPAP. E-mail: crisagr@cpap.embrapa.br 4 Estatístico, M.Sc., Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves (CNPSA), Caixa Postal 21, CEP 89700-000 Concórdia, SC. E-mail: barioni@cnpsa.embrapa.br

RESUMO - O trabalho foi conduzido no Pantanal, em fitofisionomia de campo a savana, regionalmente denominada de caronal, pela dominância de Elyonurus muticus. Os objetivos foram avaliar o efeito da queima anual de caronal sobre a biomassa aérea acumulada, produção primária líquida da parte aérea (PPLA) do estrato herbáceo e cobertura do solo. Foram coletados dados mensais de biomassa aérea acumulada durante dois anos, em uma área com queima em set./95 e ago./96, e outra sem queima. A PPLA foi estimada através das diferenças de biomassa aérea viva coletada mensalmente. A queima reduziu a biomassa aérea acumulada em aproximadamente 36% no primeiro ano e 50% no segundo. Houve uma tendência de redução de biomassa acumulada com a repetição da queima. A PPLA do estrato herbáceo nas áreas sem queima e com queima foi 3.850 kg/ha e 4.980 kg/ha no primeiro ano, e 5.090 kg/ha e 2.880 kg/ha no segundo, respectivamente. A cobertura do solo 30 dias após a queima foi de aproximadamente 30%, e somente quatro a seis meses depois foi restabelecido o porcentual da área sem queima

Termos para indexação: Axonopus purpusii, cobertura do solo, Mesosetum chaseae, pastagens nativas, ecologia.

AERIAL BIOMASS AND PRIMARY PRODUCTION OF HERBACEOUS COMMUNITIES IN A NATIVE GRASSLAND OF ELYONURUS MUTICUS UNDER ANNUAL BURNINGS IN THE PANTANAL, BRAZIL

ABSTRACT - This work was conducted in a native grassland of the Pantanal, locally called "caronal" due to the dominance of

Elyonurus muticus

. The objectives were to evaluate the effect of annual burnings of "caronal" on the cumulative aerial biomass, aboveground net primary production (ANPP) of herbaceous communities and soil cover. Monthly data of cumulative aerial biomass were collected during two years in an area which was burned in September/95 and in August/96, and in another area which was free of burning. ANPP was estimated through differences between aerial live biomass gathered monthly. Annual burnings reduced cumulative aerial biomass about 36% in the first year and 50% in the second year. There was a tendency of reduction of cumulative aerial biomass with repetition of the burnings. The ANPP herbaceous communities in the areas free of burning and with burnings were 3,850 kg/ha and 4,980 kg/ha, in the first year, and 5,090 kg/ha and 2,880 kg/ha in the second, respectively. Thirty days after burning, the soil cover was about 30% and only four to six months after burning it was re-established as the area free of burning.

Index terms: Axonopus purpusii, soil cover, Mesosetum chaseae, native grasslands, ecology.

INTRODUÇÃO

A prática de queimar as savanas e os campos naturais durante a época de seca é bastante comum em muitas regiões tropicais e subtropicais. Entre as diversas razões apresentadas para justificar esta forma popular de manejo, destaca-se a necessidade de obtenção de forragem fresca e palatável para o gado, em períodos em que este tipo de alimento torna-se escasso (Coutinho et al., 1982). O fogo, atuando como elemento seletivo sobre a vegetação, propicia o aparecimento de uma flora indicadora, e estimula a rápida formação de brotos verdes, independentemente das chuvas, em razão do seu efeito de poda sobre estas plantas, que utilizam reservas armazenadas no sistema radicular (Coutinho, 1976).

No Pantanal, as pastagens nativas constituem a alimentação básica dos bovinos, e estão sujeitas a flutuação quantitativa e qualitativa, em razão das características ecológicas da região, podendo ocorrer dois períodos críticos na disponibilidade de matéria seca: um, de meados ao fim do período chuvoso, e outro, de meados ao fim da seca (Pott et al., 1989). A queima é realizada anualmente, como alternativa para aumentar a oferta de forragens no período seco; contudo, sua utilização se faz de forma seletiva e localizada, procurando-se eliminar ou conter a expansão de espécies indesejáveis e promover o rebrote das forrageiras de baixa aceitabilidade, sendo comumente queimadas as áreas de caronal (Elyonurus muticus), de capim-fura-bucho (Paspalum carinatum e P. lineare), de capim-rabo-de-burro (Andropogon bicornis) e cerrados ralos (Pott, 1982). A rebrota promovida pelo fogo parece essencial ao aproveitamento das forrageiras de baixa aceitabilidade, embora, talvez, 90% da fitomassa aérea seja perdida pela queima (Pott, 1982).

O caronal recobre grandes áreas no Pantanal, especialmente nas sub-regiões da Nhecolândia e dos Paiaguás. Esta fitofisionomia de campo a savana, geralmente pouco ou não alagável, tem como componente principal o capim-carona (Elyonurus muticus), gramínea grosseira e de baixa aceitabilidade, cuja rebrota pós-fogo é pastejada na seca, e possui, ainda, entre suas touceiras, forrageiras nativas de melhor qualidade, que são aproveitadas na cheia (Comastri Filho, 1984; Pott, 1988).

O estudo da produção primária é fundamental para o conhecimento da estrutura trófica de uma comunidade, pois a energia armazenada pela fotossíntese é, posteriormente, utilizada por todos os componentes do ecossistema (Meirelles, 1981). Segundo Wiegert & Evans (1964), a quantificação da taxa de energia que é fixada pela vegetação é o ponto de partida para o entendimento do fluxo de energia no ecossistema. Vários trabalhos que estudaram o efeito do fogo relatam um aumento da produção primária após a queima, atribuído, em parte, à retirada da camada de litter e da cobertura vegetal viva que impedia a insolação do solo; no entanto, isto varia conforme a época e freqüência da queimada, tipo de solo e clima da região (Batmanian, 1983). Embora a queima seja considerada instrumento de manejo das pastagens nativas e uma prática comumente empregada, constata-se, no entanto, que ainda são inexistentes as informações fundamentadas em trabalhos científicos que elucidem os seus efeitos no Pantanal.

Este trabalho teve por objetivo avaliar o efeito da queima anual de um campo de caronal sobre a biomassa aérea acumulada, produção primária líquida da parte aérea do estrato herbáceo e cobertura do solo.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido na fazenda Nhumirim, campo experimental da Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP), sub-região da Nhecolândia, localizada na latitude 18°59' S e longitude 56°37' W, Pantanal Sul-Mato-Grossense, no período de setembro de 1995 a julho de 1997.

De acordo com a classificação climática de Köppen, o Pantanal possui clima tropical subúmido (Aw), com média em torno de 1.100 mm anuais de chuva, e há uma estação chuvosa de outubro a março e uma relativamente seca de abril a setembro; a temperatura média anual é de 26°C; pode ocorrer geada esporádica (Cadavid García, 1984).

O estudo foi desenvolvido em uma área regionalmente denominada de caronal, livre de queimadas em anos anteriores, cuja caracterização, realizada por meio de 40 quadrados de 1 m x 1 m lançados aleatoriamente, evidenciou as seguintes espécies, com sua respectiva freqüência absoluta (freqüência superior a 5%): Elyonurus muticus (95%), Mesosetum chaseae (95%), Richardia grandiflora (55%), Axonopus purpusii (50%), Andropogon selloanus (35%), Trachypogon sp. (30%), Waltheria communis (20%), Borreria verticillata (10%), Desmodium barbatum (5%), Hyptis crenata (6%), Ruellia sp. (5%) e Cyperus sp. (5%). O relevo plano é o dominante, e o solo foi classificado como Areia Quartzosa Hidromórfica distrófica, com os seguintes resultados de análises químicas de amostras coletadas na camada de 0 a 20 cm: pH em água = 5,2; P = 1 mg dm-3; cátions trocáveis em mmolc dm-3: Ca + Mg = 3,0; K = 0,95 e Al = 0.

No campo de caronal, delimitaram-se duas áreas de 100 m x 40 m, devidamente aceiradas e cercadas com fios de arame, para impedir a entrada de animais, correspondendo respectivamente, aos tratamentos-testemunha (sem queima - SQ) e com queima anual (CQ). Em cada área, foram demarcadas dez parcelas adjacentes de 20 m x 20 m, dentro das quais foram feitas as avaliações mensais.

Em setembro de 1995, logo após as primeiras chuvas, efetuou-se a queima de uma das áreas, e 30 dias após, iniciaram-se as coletas mensais de biomassa aérea acumulada e avaliação da cobertura do solo, realizadas durante os 11 meses subseqüentes. Em agosto de 1996, logo após as primeiras chuvas, efetuou-se novamente a queima da mesma área, e 30 dias após, iniciaram-se as avaliações mensais durante os 11 meses subseqüentes.

A biomassa aérea acumulada foi determinada por meio do corte mensal de toda a vegetação herbácea presente em um quadrado de 1 m x 1 m, e foram realizadas dez amostragens por área, cada uma correspondendo a uma parcela. Em cada coleta utilizaram-se quadrados anteriormente não coletados. O material foi cortado rente ao solo, separando-se os seguintes componentes: Elyonurus muticus (espécie dominante), Axonopus purpusii e Mesosetum chaseae (espécies de interesse forrageiro), agrupamento de outras espécies (espécies de menor freqüência) e biomassa morta. O material coletado foi acondicionado em saco de papel e mantido em estufa por 48 horas a 65°C, obtendo-se o peso da matéria seca.

A estimativa da produção primária líquida da parte aérea (PPLA) foi obtida pelo método da análise dos vários picos do material vivo descrito por Singh et al. (1975). O método consiste em diminuir o valor de biomassa viva de cada coleta pelo valor obtido na coleta anterior. Portanto, a PPLA foi obtida através do somatório dos incrementos positivos de biomassa aérea viva determinados entre duas coletas consecutivas.

A estimativa da cobertura de solo (%) foi realizada visualmente em quadrados de 1 m x 1m, antes do corte de biomassa, e foram realizadas dez amostragens por área, cada uma correspondendo a uma parcela. Pelo fato de esta variável ser caracterizada por grande amplitude de variação, os dados foram transformados para a análise estatística em arco seno , visando à homogeneidade da variância. A discussão e conclusões são referentes aos dados originais.

O modelo de análise de variância levou em consideração os efeitos de tratamento e tempo (meses de coleta) com as respectivas interações. Para a comparação de médias de biomassa acumulada adotou-se o teste de Tukey a 5% de probabilidade. Utilizou-se o pacote estatístico SAS (SAS Institute, 1989) para as análises.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A queima concorreu para reduzir significativamente (P<0,05) a biomassa aérea total acumulada, sendo que no período subseqüente à primeira queima (out./95 a ago./96), a biomassa obtida na área com queima (CQ) foi, aproximadamente, 36% menor que à na área sem queima (SQ), e no período subseqüente à segunda queima (set./96 a jul./97), foi, aproximadamente, 50% menor (Tabela 1). Resultados similares foram relatados em outros trabalhos (Corrêa & Aronovich, 1979; Cesar, 1980; Batmanian, 1983; Neiva, 1990). A repetição da queima condicionou uma biomassa aérea total acumulada menor do que a obtida após a primeira queima, e intensificou ainda mais a diferença dos tratamentos SQ e CQ. Embora os dados disponíveis sejam relativos a somente dois anos, esta tendência desperta preocupação quanto à dinâmica dessa biomassa por longo período com incidência anual de queima, principalmente considerando-se a baixa fertilidade e textura arenosa dos solos que compõem esta fitofisionomia. Atualmente, é opinião compartilhada por vários autores que o fogo é fator de manutenção de ambientes como as savanas e o cerrado, impedindo sua evolução para floresta, acelerando, por exemplo, a erosão do solo e contribuindo para a perda gradual de sua fertilidade (Cavalcanti, 1978).

As médias de biomassa viva (BV) e biomassa morta (BM) acumulada foram significativamente (P<0,05) inferiores no tratamento CQ nos dois períodos de avaliação, e a BM foi quase totalmente eliminada (Tabela 1). Certamente a elevada diferença constatada na média de BM dos dois tratamentos, deve-se também a um efeito residual do material proveniente do crescimento de anos anteriores e que se transformou em material morto, visto que a área não havia sido queimada em anos anteriores. Brâncio et al. (1997) sugerem que a maior disponibilidade de matéria seca em áreas sem queima é, em parte, explicada pelo efeito residual do material proveniente do crescimento em anos anteriores.

Considerando-se as condições climáticas da região, com baixa precipitação pluvial e altas temperaturas, e o fato de os solos possuírem teores de argila variando de 2% a 4% – portanto, composição granulométrica que condiciona rápida perda de água das chuvas –, a cobertura morta assume importante papel na manutenção da umidade em níveis satisfatórios. De acordo com De Bano & Conrad (1978), a queima de restos vegetais e/ou temperaturas superficiais elevadas podem induzir perda da atração (ou polaridade) das partículas de solos arenosos, promovendo um decréscimo acentuado na capacidade de infiltração de água no solo. Kucera et al. (1967) relataram que, nas áreas mais secas, onde a temperatura do solo não é limitante e a umidade já está em níveis baixos, a passagem do fogo, com o conseqüente aumento da temperatura e diminuição da umidade, passaria a ser prejudicial para o crescimento das plantas, o mesmo efeito ocorreria em áreas em que logo após a queimada houvesse uma grande seca.

O comportamento mensal da BM e BV nas áreas SQ e CQ durante os dois períodos de avaliação é apresentado nas Figs. 1 e 2. O fogo promoveu uma remoção de quase toda a BM existente, e a presença de pequena BM foi constatada somente sete meses após a primeira e segunda queima. A BV no período subseqüente à primeira queima não apresentou diferença significativa entre as médias mensais das duas áreas. No entanto, o incremento mensal de matéria seca foi superior na área CQ, embora a tendência tenha sido semelhante nas duas áreas, ou seja, um acréscimo linear até o mês de junho e um decréscimo nos meses de julho e agosto, período de seca. Após a segunda queima, enquanto a área SQ sugeriu uma possível estabilização na produção de matéria seca, a área CQ apresentou durante os sete primeiros meses BV significativamente menor (P<0,05) que a área SQ. Segundo Castilhos & Jacques (1984), na fase inicial após a queimada o crescimento das plantas é lento, em razão da redução do índice de área foliar. A mesma consideração foi feita por Corrêa & Aronovich (1979), com capim Hyparrhenia rufa, constatando que em áreas queimadas o início de pastejo tinha que ser retardado, exatamente em virtude de seu lento crescimento inicial.



Neste estudo, avaliou-se, ainda, a biomassa aérea de duas espécies de interesse forrageiro, Axonopus purpusii e Mesosetum chaseae, as quais mostraram um comportamento diferenciado em relação à queima anual. A. purpusii apresentou uma rápida rebrotação nos meses subseqüentes à primeira queima (Fig. 3), com biomassa significativamente (P<0,05) superior à obtida na área SQ; entretanto, após a segunda queima não foi constatada diferença significativa entre as duas áreas. A biomassa de M. chaseae após a primeira queima não apresentou diferença significativa entre as duas áreas, porém após a segunda queima foi significativamente (P<0,05) superior à obtida na área SQ, refletida principalmente nos últimos seis meses (Fig. 4). Embora a queima em dois anos consecutivos tenha proporcionado, em pelo menos um ano, maior biomassa aérea nas duas espécies, possivelmente condicionada pelo bom aproveitamento dos nutrientes provenientes das cinzas e pela menor competição por água e luz, não se pode afirmar que estas espécies tenham este mesmo comportamento em uma condição de freqüência anual de queima durante vários anos. Para isto seria necessário mais tempo de estudo.



A produção primária no período subseqüente à primeira queima foi 4.980 kg/ha, e 3.850 kg/ha nas áreas CQ e SQ, respectivamente. No período subseqüente à segunda queima, a produção primária foi 5.090 kg/ha, e 2.880 kg/ha nas áreas CQ e SQ, respectivamente. Portanto, a queima concorreu para aumentar a produção primária. Embora o método considerado seja passível de utilização, Meirelles (1981) ressalta que os valores obtidos são uma subestimação da produção real, pois não se considera o que foi respirado pelas plantas, consumido por herbívoros e transformado em material morto. Contudo, esses resultados estão de acordo com os relatados por vários autores que estudaram o efeito do fogo sobre a produção primária, tanto na região tropical (Blydenstein,1963; San José & Medina, 1975; Amissah et al., 1980; Meirelles, 1981), como na temperada (Penfound & Kelting, 1950; Kucera & Ehrenreich, 1962).

A redução da produção primária do primeiro para o segundo período de avaliação, na área SQ, pode ser constatada pela pequena variação verificada na BV presente nesta área (Fig. 2); nota-se que a partir de fev./96 os valores permaneceram entre 3.500 kg/ha e 4.500 kg/ha, o que sugere que na ausência de animais esta área tenha atingido o seu limite de produção. Blydenstein (1963) verificou que nos llanos venezuelanos as áreas protegidas do fogo também apresentavam, depois de algum tempo, uma redução na produção primária líquida. Segundo Meirelles (1981), a proteção de campos contra o fogo reduz a produtividade, e esta redução tem sido atribuída ao efeito de proteção térmica do folhedo, à menor taxa na reciclagem de nutrientes e à presença de toxinas no folhedo, entre outros.

Na região temperada, para Kucera & Ehrenreich (1962), o incremento da produção primária após o fogo seria auxiliado pela elevação da temperatura do solo e redução de sua umidade excessiva, proporcionado pela retirada do litter. Rice & Parenti (1978) constataram que realmente o litter funcionava como um protetor térmico, fazendo com que a temperatura dos solos em áreas protegidas fosse bem menor do que em áreas que sofreram ação do fogo. Essa conclusão talvez não possa ser aplicada nos trópicos, principalmente no Pantanal, cuja temperatura média anual é de 26°C (Cadavid Garcia, 1984).

A queima promoveu uma remoção quase total da biomassa aérea, e constatou-se que 30 dias após o fogo a porcentagem de cobertura do solo foi bastante baixa, apresentando valores próximos de 30% (Fig. 5). Após a primeira queima, nos três meses subseqüentes, a cobertura do solo foi significativamente menor (P<0,05) na área CQ, e após a segunda queima, foi significativamente menor (P<0,05) nos quatro meses subseqüentes. Esses resultados corroboram os apresentados por Fontaneli & Jacques (1988) e Corrêa & Aronovich (1979).


Essa baixa cobertura de solo nos primeiros meses após a queima proporciona maior incidência de raios solares na base das plantas, estimulando sua rebrota, mas expõe demasiadamente o solo à ação de chuvas e ventos, e pode aumentar consideravelmente a perda de umidade.

CONCLUSÕES

1. A queima anual do campo de caronal reduz a biomassa aérea acumulada, em, aproximadamente, 36% e 50%, no primeiro e segundo ano, respectivamente.

2. A queima condiciona maior incremento mensal de biomassa viva, tornando superior a produção primária líquida da parte aérea do estrato herbáceo.

3. A cobertura do solo reduz-se consideravelmente com a queima, e leva de quatro a seis meses para restabelecer o porcentual da área sem queima.

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    Aceito para publicação em 27 de julho de 1999.
    Trabalho desenvolvido com apoio financeiro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CECITEC), da Secretaria de Estado de Planejamento e de Ciência e Tecnologia (Seplan-MS).
    2 Eng. Agrôn., M.Sc., Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal (CPAP), Caixa Postal 109, CEP 79320-900 Corumbá, MS.
    E-mail:
    3 Zootecnista, M.Sc., Embrapa-CPAP. E-mail:
    4 Estatístico, M.Sc., Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves (CNPSA), Caixa Postal 21, CEP 89700-000 Concórdia, SC. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2001
    • Data do Fascículo
      Ago 2000

    Histórico

    • Aceito
      27 Jul 1999
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