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Degradação e formação de resíduos não-extraíveis ou ligados do herbicida atrazina em solo

Degradation and formation of non-extractable or bound residues of the atrazine herbicide in soil

Resumos

A persistência de um pesticida no solo depende de processos de dissipação, como a degradação, que pode estar relacionada com o metabolismo microbiano. Com o objetivo de se avaliar os mecanismos de dissipação do herbicida atrazina no solo e a importância dos microrganismos neste processo, avaliou-se sua mineralização, degradação intermediária e formação de resíduos não-extraíveis ou ligados ao solo após aplicação de 14C-atrazina em solo Glei Húmico. Os processos foram quantificados através de técnicas radiométricas e cromatográficas em solo natural, solo esterilizado e solo esterilizado e infectado com Pseudomonas putida. Observou-se a importância dos microrganismos através dos estudos de biomineralização nos quais detectou-se mineralização de 14C-atrazina somente em solo natural (cerca de 15%). Entretanto, houve formação de metabólitos extraíveis de atrazina, tanto em solo esterilizado (67%) como em solo natural (75%), o que indica que este processo não dependeu apenas da presença de microrganismos. Já os resíduos não-extraíveis foram formados em maior quantidade (cerca de 56%) no solo esterilizado.

ação dos pesticidas; metabólitos; microrganismos; mineralização


The persistence of a pesticide in soil depends on the dissipation processes, as degradation, that can be related with microbial metabolism. Aiming to evaluate the mechanisms of atrazine dissipation in soil, and the importance of the microorganisms in this process, its mineralization, intermediate degradation and non-extractable or bound residues formation were evaluated after the application of14C-atrazine in a Gley Humic soil. The processes were quantified by radiometric and chromatographic techniques in natural, sterilized and sterilized soil samples inoculated with Pseudomonas putida. The importance of microorganisms was observed through biomineralization studies, because the mineralization of 14C-atrazine was detected only in natural soil (about 15%). However, formation of extractable metabolites of atrazine was detected both in sterilized (67%) and natural (75%) soil samples, indicating that these processes were not dependent only on the presence of microorganisms. On the other hand, bound residues were formed in higher amount (about 56%) in sterilized soil.

pesticide actions; metabolites; microorganisms; mineralization


DEGRADAÇÃO E FORMAÇÃO DE RESÍDUOS NÃO-EXTRAÍVEIS OU LIGADOS DO HERBICIDA ATRAZINA EM SOLO1 1 Aceito para publicação em 24 de março de 2000. Extraído da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada ao IB/USP. 2 Biól., M.Sc., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental, Caixa Postal 12.898, CEP 04010-970 São Paulo. E-mail: nakagawa@biologico.br 3 Biól., Dra., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental. E-mail: andrea@biologico.br

LIA EMI NAKAGAWA2 1 Aceito para publicação em 24 de março de 2000. Extraído da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada ao IB/USP. 2 Biól., M.Sc., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental, Caixa Postal 12.898, CEP 04010-970 São Paulo. E-mail: nakagawa@biologico.br 3 Biól., Dra., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental. E-mail: andrea@biologico.br e MARA MERCEDES DE ANDRÉA3 1 Aceito para publicação em 24 de março de 2000. Extraído da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada ao IB/USP. 2 Biól., M.Sc., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental, Caixa Postal 12.898, CEP 04010-970 São Paulo. E-mail: nakagawa@biologico.br 3 Biól., Dra., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental. E-mail: andrea@biologico.br

RESUMO - A persistência de um pesticida no solo depende de processos de dissipação, como a degradação, que pode estar relacionada com o metabolismo microbiano. Com o objetivo de se avaliar os mecanismos de dissipação do herbicida atrazina no solo e a importância dos microrganismos neste processo, avaliou-se sua mineralização, degradação intermediária e formação de resíduos não-extraíveis ou ligados ao solo após aplicação de

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C-atrazina em solo Glei Húmico. Os processos foram quantificados através de técnicas radiométricas e cromatográficas em solo natural, solo esterilizado e solo esterilizado e infectado com

Pseudomonas putida

. Observou-se a importância dos microrganismos através dos estudos de biomineralização nos quais detectou-se mineralização de

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C-atrazina somente em solo natural (cerca de 15%). Entretanto, houve formação de metabólitos extraíveis de atrazina, tanto em solo esterilizado (67%) como em solo natural (75%), o que indica que este processo não dependeu apenas da presença de microrganismos. Já os resíduos não-extraíveis foram formados em maior quantidade (cerca de 56%) no solo esterilizado.

Termos para indexação: ação dos pesticidas, metabólitos, microrganismos, mineralização.

DEGRADATION AND FORMATION OF NON-EXTRACTABLE OR BOUND RESIDUES OF THE ATRAZINE HERBICIDE IN SOIL

ABSTRACT - The persistence of a pesticide in soil depends on the dissipation processes, as degradation, that can be related with microbial metabolism. Aiming to evaluate the mechanisms of atrazine dissipation in soil, and the importance of the microorganisms in this process, its mineralization, intermediate degradation and non-extractable or bound residues formation were evaluated after the application of14C-atrazine in a Gley Humic soil. The processes were quantified by radiometric and chromatographic techniques in natural, sterilized and sterilized soil samples inoculated with Pseudomonas putida. The importance of microorganisms was observed through biomineralization studies, because the mineralization of 14C-atrazine was detected only in natural soil (about 15%). However, formation of extractable metabolites of atrazine was detected both in sterilized (67%) and natural (75%) soil samples, indicating that these processes were not dependent only on the presence of microorganisms. On the other hand, bound residues were formed in higher amount (about 56%) in sterilized soil.

Index terms: pesticide actions, metabolites, microorganisms, mineralization.

INTRODUÇÃO

A persistência de um pesticida no solo depende dos processos de dissipação, ou seja, dos processos de transferência, como: evaporação, lixiviação, escoamento superficial, absorção por plantas, e também, da taxa de degradação do pesticida (Graham-Bryce, 1981). Os processos de degradação podem ser químicos, físicos ou biológicos, e podem resultar na mineralização total do pesticida ou na sua conversão em metabólitos. Entre esses processos, maior importância tem sido atribuída à degradação biológica, que está principalmente relacionada com os microrganismos presentes no solo (Graham-Bryce, 1981).

Durante o processo de dissipação, uma parte do pesticida aplicado inicialmente pode permanecer no solo na forma de resíduos. Esses resíduos, que podem ser o próprio composto ou seus metabólitos, podem estar na forma extraível ou ligada ao solo (resíduo não-extraível) (Calderbank, 1989). O resíduo ligado é formado por meio de ligações, como as pontes de hidrogênio, a troca catiônica, etc., entre a molécula do pesticida e a matéria orgânica do solo. A formação de resíduo ligado pode ter como conseqüências a diminuição da degradação do pesticida (Calderbank, 1989), a perda da sua atividade biológica (Kaufman, 1976) e da sua identidade química (Calderbank, 1989), a alteração da sua absorção por plantas, e a alteração do escoamento superficial e da lixiviação desses pesticidas.

A atrazina é um herbicida de pré-emergência que faz parte do grupo químico das triazinas, cuja principal via de degradação no solo, assim como das cloro-s-triazinas em geral, tem sido apontada como a hidrólise química a seus correspondentes hidroxi-s-triazinas (Kaufman, 1974). Entretanto, trabalhos mais recentes mostram que o mecanismo primário para dissipação de atrazina do ambiente se dá pela degradação biológica (Radosevich et al., 1995). Além da hidroxilação, que anula a fitotoxicidade, o metabolismo da atrazina em solo envolve, também, desalquilação e quebra do anel triazínico (Esser et al., 1975).

A formação de resíduos não-extraíveis ou ligados de atrazina foi observada por vários autores (Kruger et al., 1993; Assaf & Turco, 1994; Blumhorst &Weber, 1994; Nakagawa et al., 1995; Barriuso & Koskinen, 1996; Kruger, et al., 1997; Andréa et al., 1997). No Brasil, Nakagawa et al. (1996) verificaram a formação de 61% e 82% de resíduos ligados do herbicida atrazina, 400 dias após a aplicação em solo Glei Húmico e Latossolo Vermelho-Escuro, respectivamente. Bertin et al. (1990) observaram que da atrazina aplicada, 28% se tornaram ligados ao solo.

A despeito da sua aparente degradabilidade, e devido ao seu uso extensivo, há relatos de contaminação de ecossistemas terrestres com atrazina, que pôde ser encontrada tanto em águas superficiais como de profundidade, em muitos países (Mougin et al., 1994).

Desta forma, estudos sobre dissipação de pesticidas são importantes por fornecerem indicações quanto à potencialidade de contaminação com resíduos e sobre sua persistência no ambiente agrícola.

Este trabalho avaliou a importância da microbiota de solo Glei Húmico nos processos de biomineralização, degradação intermediária e formação de resíduos que permanecem no solo mesmo após extração exaustiva.

MATERIAL E MÉTODOS

A degradação da atrazina foi estudada em triplicatas de solo Glei Húmico tratado com 14C-atrazina diluído em atrazina grau técnico e mantido em laboratório, durante 56 dias.

Atrazina

Solução-estoque de 14C-atrazina (uniformemente marcado no anel) com atividade específica de 270,1 MBq mmol-1 e 97,8% de pureza radioquímica, obtida através de Agricur (São Paulo, SP), foi dissolvida em acetona, resultando em uma solução com atividade de 217,56 kBq de 14C-atrazina mL-1. As soluções-estoque de 1 mg mL-1 de atrazina grau técnico e seus metabólitos (hidroxiatrazina, desisopropilatrazina e desetilatrazina) foram preparadas em acetona. A solução de trabalho continha 5,66 kBq de 14C-atrazina e 48 mg do produto técnico por mL de acetona.

Solo

Utilizou-se solo Glei Húmico (GH) proveniente do campo experimental do Instituto Biológico de São Paulo, com as seguintes características: pH 4,8; 36 g dm-3 de matéria orgânica; 660 g kg-1 de argila; 60 g kg-1 de silte, e 280 g kg-1 de areia. Amostras de solo foram usadas nos estudos após esterilização por calor úmido (em autoclave a 120°C por 30 minutos, durante três dias consecutivos), esterilizadas e infectadas com Pseudomonas putida, ou solo natural.

A atividade microbiana nas amostras foi medida antes do início e ao final dos experimentos, por meio de radiorrespirometria, e os microrganismos foram quantificados pela técnica de contagem do número de unidades formadoras de colônias (UFC). Na radiorrespirometria, triplicatas equivalentes a 30 g de solo secado ao ar foram colocadas em frascos biométricos (Bartha & Pramer, 1965), aplicou-se 1,0 mL de solução de 14C-glicose (1,85 kBq e 0,9 mg mL-1) e 10 mL de KOH (0,2 M) foram colocados nos braços laterais dos frascos para coleta do 14CO2 produzido a partir da 14C-glicose (Andréa & Wiendl, 1995). Após 24 horas, a solução de álcali foi coletada, e alíquotas de 1 mL foram analisadas por espectrometria de cintilação líquida (LSC) em aparelho Packard LS 1600, após adição de solução cintiladora de Mesquita & Rüegg (1984). A quantificação de microrganismos (UFC) foi efetuada através de suspensão de 10 g de solo em 100 mL de água destilada estéril (esterilização em autoclave a 120°C por 20 minutos), à qual foram adicionados 100 mg de pirofosfato de sódio. Após 20 minutos de agitação, esta suspensão foi submetida a diluição seriada e plaqueamento em meio sólido de ágar nutritivo contendo 0,5 g de peptona, 0,3 g de extrato de carne, e 1,8 g de ágar/100 mL de água destilada estéril. Após 24 horas, realizou-se a contagem das colônias formadas.

Dissipação de 14C-atrazina em solo

A dissipação do herbicida foi estudada em laboratório, com três amostras de 50 g de solo de todos os tratamentos após aplicação de 0,192 kBq e 1,56 mg de solução de 14C-atrazina g-1, e colocadas em frascos de vidro com tampa rosqueável. Os frascos foram incubados em câmara de temperatura controlada (Fanen M347-6), a aproximadamente 29°C, durante zero, 28 ou 56 dias.

A biomineralização da 14C-atrazina a 14CO2 foi medida mediante captura de 14CO2 em 10 mL de solução de KOH 0,2 M, colocada em pequenos frascos no interior de cada frasco com solo. A solução de KOH foi coletada semanalmente, substituída por uma solução recém-preparada, e analisada (três alíquotas de 1 mL) por LSC para obtenção da taxa total de mineralização durante o período do experimento.

Para determinação das quantidades de radiocarbono remanescente, o próprio solo foi removido e analisado quanto ao resíduo total, por meio da combustão de três subamostras de 500 mg de solo em "Biological Oxidizer" OX 600, e análise por LSC conforme Andréa et al. (1997). O solo natural foi analisado após zero, 28 e 56 dias, e o solo esterilizado, após 28 e 56 dias; o solo com Pseudomonas putida, somente após 56 dias.

Os resíduos extraíveis foram determinados mediante extração de (3 x) 30 g de solo com 150 mL de mistura de metanol:água (8:2) por soxhlet durante oito horas (duas vezes consecutivas). Uma alíquota de 25 mL de extrato de cada amostra foi concentrada em rotaevaporador, retomada em solução cintiladora e analisada por LSC. Outra alíquota dos extratos (80 mL) foi concentrada em rotaevaporador e retomada em 1,5 mL de metanol, que foram aplicados em cromatoplaca de sílica gel F254 (Merck), juntamente com padrões de atrazina e metabólitos. A cromatoplaca foi desenvolvida primeiramente em éter etílico, para separação da atrazina e dos metabólitos desetilatrazina e desisopropilatrazina, e a seguir, em tolueno:acetona:ácido acético (7:1:2), por aproximadamente 7 cm, para deslocamento da hidroxiatrazina do ponto de aplicação. As cromatoplacas foram então submetidas a varredura em analisador linear de radioatividade (Berthold II LB 2728); as áreas ativas detectadas tiveram a sílica removida por raspagem, e suas atividades foram quantificadas por LSC, conforme Nakagawa et al. (1996). Os Rfs resultantes foram: 0,70 para atrazina; 0,60 para desetilatrazina; 0,54 para desisopropilatrazina, e 0,07 para hidroxiatrazina.

Para determinação dos resíduos não-extraíveis ou ligados, três subamostras de 0,5 g de solo extraído foram também submetidas a combustão, conforme descrito anteriormente.

Dissipação de 14C-atrazina em meio de cultura

Estudou-se também a dissipação do herbicida em 10 mL de meio líquido de cultura (0,5 g de peptona, 0,3 g de extrato de carne/100 mL água) contidos em tubos de ensaio esterilizados, aos quais misturou-se 0,170 kBq de 14C-atrazina mL-1 de meio cultura, e 1 mL de suspensão aquosa de solo Glei Húmico ou de meio de cultura com P. putida. Em uma espiral de metal presa à rolha dos tubos, adaptou-se um béquer, no qual colocou-se 1 mL de KOH 0,2 M para coleta do 14CO2 produzido. Os tubos foram incubados em câmara de temperatura controlada a, aproximadamente, 29°C durante 63 dias, e semanalmente a solução de KOH foi coletada e analisada por cintilação líquida.

Os resultados foram analisados estatisticamente pelo cálculo de média e desvio-padrão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A atividade microbiana dos solos foi previamente comprovada por meio de mineralização de 14C-glicose, tendo resultado em 33,4% e 25,7% nas amostras com cultura pura de P. putida no início do experimento (T.0) e 56 dias após a incubação (T.56), respectivamente. Nas amostras de solo natural, detectou-se bioatividade de 8,7% e 11,7% (T.0 e T.56, respectivamente). Como o número de UFC foi zero no solo Glei Húmico esterilizado (tanto no início do experimento, como após 56 dias de incubação) e, respectivamente, 9,9x106 e 1,1x106 UFC no solo apenas com P. putida, e 8,8x107 e 4,4x106 UFC no solo natural, provou-se que o processo de esterilização foi eficiente. Além disso, como a população de P. putida foi também capaz de produzir significativa quantidade de 14CO2 a partir de 14C-glicose, verificou-se que as condições experimentais se mantiveram durante o período do estudo.

Dissipação da 14C-atrazina em solo

A produção de 14CO2 a partir de 14C-atrazina foi de 0,2% no solo esterilizado, 0,15% no solo com P. putida, e 15,4% no solo natural após 56 dias de incubação das amostras de solo (Fig. 1 e Tabela 1). Observou-se que a biomineralização de atrazina foi importante somente no solo natural, pois nas amostras de solo esterilizado e com P. putida apenas, esta produção praticamente não ocorreu. Portanto, a quebra do anel triazínico do herbicida foi conseqüência de ação microbiana, conforme também observado por Esser et al. (1975) e Kruger et al. (1997).


Entretanto, no solo infectado apenas com P. putida, a produção de 14CO2 foi semelhante à da amostra esterilizada (Tabela 1). Isto prova que a adição desta única espécie não resultou em maior biomineralização da atrazina, que só foi detectada no solo com a microbiota natural total.

Em relação à recuperação do radiocarbono a partir da 14C-atrazina, verificou-se que após 28 dias de incubação os resíduos extraíveis representaram 52,2% do radiocarbono presente inicialmente no solo esterilizado, e 57,5% no solo natural, enquanto os resíduos ligados representaram, respectivamente, 42,8% e 32,2% (Tabela 1). Após 56 dias de incubação, a quantidade de resíduos extraíveis decresceu, e a de resíduos ligados aumentou, pois detectou-se o nível de 40,1% de radiocarbono extraível no solo esterilizado, de 38,4% no solo com P. putida, e 43,9% no solo natural. Já as quantidades de resíduos ligados representaram 55,7%, 54,2% e 39,1%, respectivamente (Tabela 1). Também Nakagawa et al. (1995) observaram anteriormente formação de 41,0% a 48,6% de resíduos ligados após 60 dias de incubação, conforme o tipo de solo, e Khan & Behki (1990) citam formação de até 54% de resíduos ligados a partir de atrazina.

Desta forma, observou-se que a formação de resíduos ligados foi ligeiramente maior no solo esterilizado do que no solo natural (Tabela 1). Isto pode ter ocorrido em decorrência da própria mineralização, que pode ter diminuído a quantidade de resíduo disponível à formação de resíduos ligados. Além disso, este resultado indica que os microrganismos não foram diretamente responsáveis pela formação de resíduos ligados, fato já observado com outros pesticidas. Mostafa et al. (1982) demonstraram que a quantidade de resíduos ligados formados a partir de trifluralina foi maior no solo autoclavado (60% a 88%) do que no solo não-autoclavado (10% a 33%).

Quanto à degradação da atrazina a metabólitos, observou-se uma diminuição da atrazina e um aumento de seus metabólitos, principalmente da hidroxiatrazina. No início do experimento, detectaramse 89,2% de atrazina e 3,1% de hidroxiatrazina, mas após 28 dias de incubação, a porcentagem de atrazina diminuiu para 44,5% e 40,7%, e a de hidroxiatrazina aumentou para 25,9% e 35,4% nas amostras esterilizada e natural, respectivamente. Após 56 dias, essa tendência se acentuou, pois detectaram-se 32,5%, 47,1% e 24,9% de atrazina e 51,8%, 39,5% e 51,4% de hidroxiatrazina nas amostras esterilizadas, com adição de P. putida, e natural, respectivamente (Tabela 2), indicando, assim, que o processo de degradação continuou com o tempo. Além da hidroxiatrazina, observou-se também a presença dos metabólitos desetilatrazina e desisopropilatrazina, embora em menor porcentagem, mas tanto aos 28 como aos 56 dias e em todas as amostras de solo. Ambos metabólitos parecem ter sido também degradados com o tempo e em todas as amostras, pois as porcentagens detectadas no T.56 diminuíram em relação ao T.28 (Tabela 2). Como a conversão da atrazina em metabólitos ocorreu tanto nas amostras de solo Glei Húmico esterilizado como no natural, provou-se que a presença de microrganismos não foi fator decisivo, e uma parte do processo de degradação pode ter sido puramente química, conforme também observado por outros autores (Blumhorst & Weber, 1994; Andréa et al., 1997).

A degradação a hidroxiatrazina é importante do ponto de vista de rotação de culturas, porque representa destruição da fitotoxicidade da atrazina (Winkelmann & Klaine, 1991; Blumhorst & Weber, 1994). Além disso, a porcentagem de hidroxiatrazina pode também estar relacionada à formação de resíduos ligados, pois em estudo de Andréa et al. (1997), mais de 90% dos resíduos ligados de atrazina em solo eram hidroxiatrazina.

Dissipação de 14C-atrazina em meio de cultura

Após 63 dias de incubação de 14C-atrazina em meio de cultura contendo inóculo de suspensão de solo ou de P. putida, a produção de 14CO2 foi muito baixa, variando de apenas 0,04% a 0,1% com inóculo de solo e inóculo de P. putida, respectivamente. Portanto, praticamente não houve mineralização da atrazina em meio de cultura, independentemente do inóculo, embora haja relatos de sua ocorrência (Mougin et al., 1994; Radosevich et al., 1995).

Comparando-se a mineralização de atrazina em solo e em meio de cultura, observou-se que ela ocorreu de forma significativa somente no solo natural, e não ocorreu no meio de cultura com inóculo de solo ou de P. putida. Portanto, a mineralização da atrazina ocorreu somente na presença de solo contendo a microbiota natural do solo.

CONCLUSÕES

1. Ocorre degradação da atrazina a hidroxiatrazina, desetilatrazina e desisopropilatrazina, paralelamente à mineralização e à formação de resíduos não-extraíveis ou ligados, em solo Glei Húmico.

2. A mineralização do anel triazínico da molécula de atrazina ocorre somente em solo natural, nãoesterilizado, e não ocorre em meio de cultura com microrganismos.

3. A degradação da atrazina em metabólitos intermediários e a formação de resíduos não-extraíveis não dependem da presença de microrganismos.

AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela concessão de bolsa de estudos ao primeiro autor; à professora Dra. Vivian Pellizari, do Laboratório de Microbiologia Ambiental do ICB/USP, pela reativação das culturas de Pseudomonas putida.

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    Aceito para publicação em 24 de março de 2000.
    Extraído da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada ao IB/USP.
    2 Biól., M.Sc., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental, Caixa Postal 12.898, CEP 04010-970 São Paulo. E-mail:
    3 Biól., Dra., Instituto Biológico, Centro de Proteção Ambiental. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2001
    • Data do Fascículo
      Ago 2000

    Histórico

    • Aceito
      24 Mar 2000
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