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Sobrevivência de Xanthomonas axonopodis pv. manihotis em manipueira sob condições ambientais

Survival of Xanthomonas axonopodis pv. manihotis in "manipueira" under environmental conditions

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a sobrevivência de um isolado de Xanthomonas axonopodis pv. manihotis (Xam), resistente ao sulfato de estreptomicina, em manipueira incubada em condições ambientais, em três épocas (março, julho e outubro de 2000). Foram utilizados um meio de cultura semi-seletivo para o isolamento de X. axonopodis pv. manihotis e a técnica de reação de polimerase em cadeia (PCR) ou de amplificação biológica (BIO-PCR). Foram determinados o pH e a acidez total da manipueira durante o período de incubação estudado. O isolado sobreviveu por um período inferior a 24 horas, nas três épocas do ano. A técnica de PCR ou BIO-PCR não foi eficaz em monitorar a sobrevivência do isolado em manipueira, pois apresentou resultados contraditórios e não confiáveis. Observou-se queda do pH e aumento da acidez total da manipueira incubada nas condições estudadas, que pode explicar o comportamento da sobrevivência de Xam em manipueira.

bactéria; incubação; pH; acidez; resíduo


The objective of this work was to evaluate the survival of a Xanthomonas axonopodis pv. manihotis (Xam) strain, resistant to streptomycin sulfate, in "manipueira" (cassava residue) incubated under environmental conditions, in three periods of the year (March, July and October 2000). A semi-selective culture medium and the polymerase chain reaction (PCR) or biological amplification (BIO-PCR) methods were used. The pH and the total acidity of the "manipueira" were determined during the incubation period. The strain survived less than 24 hours in the three periods of the year. The PCR or BIO-PCR method was not effective in monitoring the strain survival in "manipueira", as it showed contradictory and unreliable results. An increase in total acidity and a decrease in pH of the "manipueira" were observed, explaining the survival behavior of Xam strain.

bacteria; incubation; pH; acidity; residues


Sobrevivência de Xanthomonas axonopodis pv. manihotis em manipueira sob condições ambientais(1 (1 )Aceito para publicação em 11 de dezembro de 2001. Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, São Paulo. (2 )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal, Caixa Postal 237, CEP 18603-970 Botucatu, SP. E-mail: theodorogf@uol.com.br (3 )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal. Bolsista do CNPq. E-mail: maringoni@fca.unesp.br )

Gustavo de Faria Theodoro(2 (1 )Aceito para publicação em 11 de dezembro de 2001. Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, São Paulo. (2 )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal, Caixa Postal 237, CEP 18603-970 Botucatu, SP. E-mail: theodorogf@uol.com.br (3 )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal. Bolsista do CNPq. E-mail: maringoni@fca.unesp.br ) e Antonio Carlos Maringoni(3 (1 )Aceito para publicação em 11 de dezembro de 2001. Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, São Paulo. (2 )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal, Caixa Postal 237, CEP 18603-970 Botucatu, SP. E-mail: theodorogf@uol.com.br (3 )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal. Bolsista do CNPq. E-mail: maringoni@fca.unesp.br )

Resumo ¾ O objetivo deste trabalho foi avaliar a sobrevivência de um isolado de Xanthomonas axonopodis pv. manihotis (Xam), resistente ao sulfato de estreptomicina, em manipueira incubada em condições ambientais, em três épocas (março, julho e outubro de 2000). Foram utilizados um meio de cultura semi-seletivo para o isolamento de X. axonopodis pv. manihotis e a técnica de reação de polimerase em cadeia (PCR) ou de amplificação biológica (BIO-PCR). Foram determinados o pH e a acidez total da manipueira durante o período de incubação estudado. O isolado sobreviveu por um período inferior a 24 horas, nas três épocas do ano. A técnica de PCR ou BIO-PCR não foi eficaz em monitorar a sobrevivência do isolado em manipueira, pois apresentou resultados contraditórios e não confiáveis. Observou-se queda do pH e aumento da acidez total da manipueira incubada nas condições estudadas, que pode explicar o comportamento da sobrevivência de Xam em manipueira.

Termos para indexação: bactéria, incubação, pH, acidez, resíduo.

Survival of Xanthomonas axonopodis pv. manihotis in "manipueira" under environmental conditions

Abstract ¾ The objective of this work was to evaluate the survival of a Xanthomonas axonopodis pv. manihotis (Xam) strain, resistant to streptomycin sulfate, in "manipueira" (cassava residue) incubated under environmental conditions, in three periods of the year (March, July and October 2000). A semi-selective culture medium and the polymerase chain reaction (PCR) or biological amplification (BIO-PCR) methods were used. The pH and the total acidity of the "manipueira" were determined during the incubation period. The strain survived less than 24 hours in the three periods of the year. The PCR or BIO-PCR method was not effective in monitoring the strain survival in "manipueira", as it showed contradictory and unreliable results. An increase in total acidity and a decrease in pH of the "manipueira" were observed, explaining the survival behavior of Xam strain.

Index terms: bacteria, incubation, pH, acidity, residues.

Introdução

A mandioca é uma cultura de elevado interesse econômico mundial, por sua ampla utilização na agropecuária, grande adaptação a condições edafoclimáticas, e pela produção de fécula por unidade de área; além disso, tem um importante papel na subsistência humana (Conceição, 1987). Historicamente, o Brasil é um dos maiores produtores de mandioca do mundo, com um dos melhores rendimentos por unidade de área (Reis, 1987).

Em determinadas condições ambientais e dependendo da suscetibilidade da variedade ou cultivar, algumas doenças podem reduzir drasticamente a produção e afetar a qualidade das raízes, que comprometem seu processamento. Entre elas, destaca-se a bacteriose ou murcha-bacteriana, causada por Xanthomonas axonopodis pv. manihotis (Xam). Este patógeno coloniza vascularmente as plantas, e pode atingir as raízes, causando escurecimento de seus vasos condutores. Os prejuízos causados dependem da variedade utilizada, e podem variar de 50 a 100% nas variedades suscetíveis, e de 5 a 7%, nas resistentes, em condições ambientais favoráveis (Lozano & Booth, 1974; Daniel & Boher, 1978; Dedal et al., 1980; Elango & Lozano, 1981; Daniel & Boher, 1982; Lozano, 1986).

A sobrevivência de Xam é relativamente curta em restos de cultura incorporados ao solo, em partes vegetais infectadas, e quando é diretamente infestada no solo, sendo, respectivamente, de 21, 90 e 11 dias. Neste período pode ocorrer disseminação e, conseqüentemente, infecção secundária em lavouras de mandioca (Cherian & Mathew, 1983). Em condições controladas, Ikotun (1982) constatou a sobrevivência desta bactéria por 28 dias, em solo não estéril, e, por 35 dias, em solo esterilizado, e a sua longevidade decresceu de acordo com o aumento da acidez destes solos.

O processamento de raízes da mandioca para produção de farinha ou fécula gera grande quantidade de casca, água residual ou manipueira, e farelo ou massa (Takahashi, 1987). Para cada tonelada de raiz de mandioca processada são gerados cerca de 250 L de manipueira, destinados, geralmente, a tanques de decantação (Fioretto, 1987).

A manipueira apresenta características químicas e orgânicas que possibilitam sua ampla utilização na agricultura. Vieites & Brinholi (1994) observaram, até 15 dias após a aplicação de manipueira no solo cultivado com mandioca, eficácia no controle de plantas daninhas, principalmente do carrapicho (Cenchrus echinatus L.), do picão-preto (Bidens pilosa L.), do caruru (Amaranthus lividus L.) e da trapoeraba (Commelina virginica L.).

A aplicação de manipueira, via irrigação, em lavouras de mandioca, proporcionou aumento no teor de matéria orgânica, P e K no solo, e no controle de plantas daninhas (Fioretto, 1985). Além da aplicação da manipueira em lavouras de mandioca, a sua aplicação pode também ser feita por fertirrigação em lavouras de algodão e milho, com algumas restrições (Fioretto, 1987). A manipueira pode ser eficaz como nematicida, quando aplicada em solos infestados de nematóides, principalmente os do gênero Meloidogyne (Ponte et al., 1987; Franco et al., 1990; Ponte, 1992).

Entretanto, é desconhecida a capacidade de sobrevivência de Xam em manipueira, e suas implicações na disseminação desse patógeno em campos de produção de mandioca, no solo, ou como epífita em ervas daninhas.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a sobrevivência de um isolado de Xam, resistente ao sulfato de estreptomicina, em manipueira incubada em condições ambientais.

Material e Métodos

Amostras de manipueira infestadas ou não com o isolado mutante patogênico MAN 2763-D, de Xam, foram mantidas à temperatura ambiente, em condições de telado, em três épocas do ano (março, julho e outubro de 2000), em face das diferentes condições de temperatura. Avaliou-se a sobrevivência desta bactéria mediante técnicas de isolamento em meio de cultura semi-seletivo e por meio da técnica de polimerase em cadeia (PCR) ou da amplificação biológica (BIO-PCR), realizados separadamente em três experimentos.

A sobrevivência da bactéria foi monitorada pelo seu isolamento em meio de cultura semi-seletivo. Em cada experimento, foram utilizadas quatro repetições e cada uma delas foi representada por uma garrafa de plástico de 2 L de capacidade, contendo 900 mL de manipueira e 100 mL de suspensão bacteriana ajustada a 109 ufc/mL. No tratamento controle, também foram empregadas quatro repetições, e cada repetição foi representada por uma garrafa de plástico contendo 900 mL de manipueira e 100 mL de água destilada. A manipueira permaneceu incubada nas condições de telado.

No ensaio onde foi analisada a sobrevivência de Xam na manipueira incubada na primeira época (março); realizaram-se amostragens e repicagens em meio de cultura aos 0, 1, 2, 3 e 4 dias após a infestação. Nos ensaios referentes à segunda (julho) e à terceira (outubro) épocas do ano, as amostragens e repicagens em meio de cultura ocorreram aos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 7, 10, 14 e 20 dias após a infestação da manipueira.

Em todos os ensaios, foi coletada uma amostra composta de 80 mL de manipueira de cada uma das repetições, totalizando 320 mL. Uma alíquota dessa amostra composta foi diluída em série, em solução salina esterilizada (NaCl a 0,8%), para se obterem as diluições de 10-1 a 10-5. Alíquotas de 100 mL das diluições foram repicadas para o meio de cultura semi-seletivo XCP1 modificado, sem KBr (peptona: 10,0 g, CaCl2: 0,25 g, amido solúvel: 10,0 g, ágar: 15 g, solução cristal violeta a 1%: 0,15 mL, Tween 80: 10 mL, água destilada q.s.p.: 1.000 mL, acrescidos, após a autoclavagem, de sulfato de estreptomicina: 500 mg/mL, lincomicina: 0,0012 g/L, cicloheximide: 250 mg/mL), adaptado, conforme Theodoro (2000).

Foram empregadas cinco placas de Petri em cada diluição, e após sua incubação por 96 horas, a 28oC, realizou-se a contagem das colônias típicas de Xam desenvolvidas nas diluições pertinentes, e foram comparadas com o isolado MAN 2763-D.

No ensaio onde foi analisada a sobrevivência de Xam na manipueira incubada em condição ambiente, na primeira época do ano (março/2000) realizou-se a PCR de amostras retiradas diretamente da manipueira infestada ou não, no momento da repicagem para meio de cultura, onde foram coletadas alíquotas de 1,5 mL em tubo eppendorf. Essas amostras foram centrifugadas por 10 minutos, a 10.000 g, com a finalidade de se obter o sedimento de bactérias presentes e, posteriormente, realizar os procedimentos de extração do DNA.

Nos demais ensaios, foram utilizadas placas de Petri contendo crescimento bacteriano ou não, no momento da avaliação das colônias de Xam, para a detecção desta bactéria pela técnica da BIO-PCR. Adicionaram-se 10 mL de água destilada esterilizada na superfície do meio de cultura, visando obter suspensões de colônias bacterianas, que foram homogeneizadas com o auxílio de uma alça-de-Drigalski. Transferiu-se 1,5 mL dessas suspensões para tubo eppendorf. As suspensões bacterianas foram centrifugadas por 10 minutos, a 10.000 g, para a obtenção do sedimento de bactérias.

A extração do DNA genômico de Xam e de outros microrganismos encontrados na manipueira foi realizada empregando-se DNAzol Reagent (Life Technologies do Brasil, cat# 10503-027). Em seguida, realizou-se a reação de polimerase em cadeia (PCR), conforme Verdier et al. (1998).

As reações de PCR foram feitas empregando-se o "kit Ready to Go" (Amersham Pharmacia Biotech Inc.), constituídas de uma cápsula do "kit Ready to Go"; 30 ng do "primer" XV (5' - TTC-GGC-AAC-GGC-AGT-GAC-CAC-C - 3'); 30 ng do "primer" XK (5' - TCA-ATC-GGA-GAT-TAC-CTG-AGC-G - 3'); 1 mL de DNA extraído das amostras, e água deionizada esterilizada q.s.p. 20 mL.

Em termociclador, o primeiro passo da reação de PCR foi constituído pela desnaturação inicial do DNA, empregando-se a temperatura de 95oC por 5 minutos. Foram empregados 30 ciclos, obedecendo a seguinte seqüência de temperatura: 95oC por 30 segundos; 61oC por 30 segundos, e 72oC por 1,5 minuto (desnaturação, anelamento e extensão), e uma extensão final de 72oC por cinco minutos.

Foram acrescidos 6 mL de tampão de carregamento (sacarose: 40%; azul de bromofenol: 0,25%; brometo de etídeo: 1%) aos 20 mL do produto da reação de PCR, aplicados em cada orifício do gel de agarose, constituído de 1,0 g de agarose, 100 mL de TBE 1 X (10,8 g de Tris-base; 5,5 g de ácido bórico; 40 mL de EDTA a 0,5 M, pH 8,0; água deionizada q.s.p. 1.000 mL) e 5 mL de brometo de etídeo.

Aplicou-se, em um dos orifícios do gel, uma reação de PCR em que se empregou água deionizada e esterilizada ao invés de DNA, representando o controle negativo, ao passo que o controle positivo foi representado pela reação de PCR com o DNA extraído de Xam. Empregaram-se 10 mL do marcador molecular Ladder 1 kb a 50 ng/mL, em alguns dos orifícios, para indicar o tamanho da banda de DNA amplificada.

O gel foi colocado em uma cuba de eletroforese, contendo tampão TBE 1 X, e submetido a 120 V, por 30 minutos. Posteriormente, as bandas formadas foram visualizadas em luz ultra-violeta e fotografadas.

Com a finalidade de compreender as alterações químicas que ocorreram na manipueira com o decorrer de sua incubação e a possível influência destas alterações na sobrevivência de Xam, foram realizadas análises de pH e acidez total da manipueira. Na incubação da primeira época do ano, realizaram-se as análises no 1o, 2o e 3o dia de incubação da manipueira, e, nas demais épocas do ano, aos 0, 1, 2, 7 e 20 dias. O método empregado foi o descrito pelo Instituto Adolfo Lutz (1985).

Resultados e Discussão

Foi possível isolar Xam no meio de cultura semi-seletivo da manipueira infestada apenas no momento de instalação dos ensaios (0 dia após a infestação). Após 24 horas de incubação da manipueira, não houve a recuperação dessa bactéria no meio de cultura semi-seletivo (Figura 1).


Não foi observado crescimento de colônias bacterianas com aspectos culturais semelhantes a Xam das amostras de manipueira não-infestada, nas três épocas. Provavelmente, isto ocorreu por causa da presença de sulfato de estreptomicina (500 mg/mL) no meio de cultura semi-seletivo, que inibiu o crescimento de bactérias sensíveis a esse antibiótico, permitindo apenas o desenvolvimento das bactérias insensíveis ou resistentes a esse produto.

A não recuperação de células viáveis de Xam após a incubação da manipueira infestada por 24 horas, em todas as condições de incubação, deve-se aos processos naturais fermentativos desse resíduo, conforme Leonel & Cereda (1995a), que condicionam a queda de pH, e ao aumento da acidez total (Leonel & Cereda, 1995b). Essas alterações de pH e de acidez total foram observadas na manipueira infestada ou não com Xam, incubadas nas diferentes condições, que podem explicar a não sobrevivência de Xam nessas condições (Figura 2).


Geralmente, a faixa ótima de pH para o crescimento de bactérias está entre 6,5-7,5 (Pelczar et al., 1980). Malavolta Júnior et al. (1987) constataram que X. axonopodis pv. citri não foi capaz de sobreviver em sucos concentrados de laranja (pH 3,30), limão (pH 1,78) e tangerina (pH 3,36), incubados em diferentes condições de temperatura (-18oC, 4oC e 27oC). Atribuiu-se este fato ao baixo pH do meio e ao tempo de exposição a suas condições, independentemente da temperatura de incubação. As observações desses autores poderiam explicar o comportamento da sobrevivência do isolado de X. axonopodis pv. manihotis em manipueira nos diferentes ensaios do presente trabalho.

Conforme Goto (1990), o pH dos solos influi diretamente ou indiretamente na sobrevivência e multiplicação de bactérias fitopatogênicas. Em relação à sobrevivência de X. campestris pv. campestris em solos, Santiranjan et al. (1986) verificaram que o pH ótimo para o desenvolvimento desta bactéria foi o próximo da neutralidade. Sivaswamy & Mahadevan (1986) observaram que a faixa de pH ideal para o desenvolvimento de X. oryzae pv. oryzae em solo foi de 6,0 a 9,0. Murty & Devadath (1982), também constataram a importância do pH do meio para o desenvolvimento de X. oryzae pv. oryzae.

A ação antagonista ou competitiva de microrganismos fermentativos sobre Xam pode interferir consideravelmente no seu desenvolvimento mediante a produção de compostos químicos prejudiciais à bactéria, ou até mesmo competindo por nutrientes e sais minerais existentes na manipueira. Habte & Alexander (1975) verificaram que a sobrevivência no solo, de mutantes de X. campestris pv. campestris resistentes a estreptomicina, foi drasticamente reduzida pela ação predatória de protozoários existentes no solo coletado em condições naturais. Este fato não foi observado quando se empregou solo esterilizado. Mas pôde-se constatar declínio na sobrevivência desta bactéria após uma semana da infestação do substrato. Nas placas onde foi realizada a semeadura da manipueira concentrada, pôde ser observado uma vasta flora microbiana, com a presença de bactérias saprófitas, e que poderia estar competindo por nichos de sobrevivência com Xam na manipueira infestada.

Em relação à técnica de PCR ou de BIO-PCR visando à amplificação de fragmentos de DNA (900 pb) do genoma de Xam, através do uso de "primers" específicos, os resultados não se apresentaram confiáveis. Observou-se a amplificação de DNA de todas as amostras de manipueira infestadas ou não com Xam, nos diferentes períodos que as amostras de manipueira permaneceram incubadas (Figuras 3, 4 e 5).




A amplificação de fragmentos de DNA de Xam nas amostras analisadas no ensaio conduzido na primeira época do ano (Figura 3), quando se empregou a técnica de PCR, tanto de manipueira infestada como de não infestada, foi a presença de DNA extraído de bactérias procedentes da colonização natural das raízes de mandioca. Esperava-se que houvesse a amplificação de DNA apenas nas amostras de manipueira que foram infestadas com o isolado de Xam, resistente ao sulfato de estreptomicina. Este resultado pode ser explicado pela inespecificidade dos "primers" empregados, que amplificaram o fragmento de DNA de Xam, independentemente de o isolado ser resistente ou não ao sulfato de estreptomicina, e também de as células bacterianas estarem viáveis ou não. Para sanar o problema de amplificação de DNA procedente de células mortas, Schaad et al. (1995) propuseram o emprego da técnica de BIO-PCR, em que as amostras a serem analisadas são previamente cultivadas em meio de cultura e extrai-se o DNA das bactérias desenvolvidas na superfície desse meio.

Esperava-se que nas amostras de manipueira incubadas em condições ambientais, na segunda e na terceira época do ano (Figuras 4 e 5), houvesse a amplificação do DNA de Xam apenas das amostras onde foram constatadas células bacterianas viáveis que desenvolveram colônias na superfície do meio de cultura semi-seletivo, pois nesses casos foi empregada a técnica de BIO-PCR. Entretanto, os resultados evidenciaram a amplificação de fragmentos de DNA em todas as amostras analisadas, independentemente do crescimento de colônias bacterianas na superfície do meio de cultura nos diferentes períodos de amostragem, tanto de manipueira infestada como de não infestada com o isolado de Xam, resistente ao sulfato de estreptomicina.

Acredita-se que, mesmo empregando-se a técnica de BIO-PCR, no momento da obtenção da suspensão bacteriana na superfície do meio de cultura há a presença de células bacterianas vivas e mortas ou não cultiváveis, procedentes da manipueira e que fazem parte dessa suspensão, e o DNA extraído da amostra é um somatório de todas as células bacterianas ali presentes.

Alguns estudos têm demonstrado a amplificação de fragmento de DNA procedente de amostras onde não há o cultivo de células bacterianas em meio de cultura. Deere et al. (1996) estudaram a sobrevivência e a persistência do DNA da bactéria Aeromonas salmonicida, patogênica a peixes, em ambiente aquático. Empregaram-se um meio de cultura semi-seletivo a bactéria e "primers" específicos para avaliar a sobrevivência e a existência do DNA da bactéria, e foram retiradas diretamente amostras do meio para este fim. Houve persistência do DNA de A. salmonicida por, aproximadamente, sete semanas, após verificar a inexistência de células bacterianas no ambiente. Morgan et al. (1993), analisando a sobrevivência de A. salmonicida em água doce, também verificaram a presença de células não cultiváveis em meio de cultura, mas detectáveis através da técnica de PCR. Smalla et al. (1993), apesar de observarem a presença de DNA de Pseudomonas fluorescens em solo, após cinco meses da infestação, não conseguiram recuperar células cultiváveis em meio, o que demonstra a presença no meio de células bacterianas não cultiváveis e de DNA intacto e passível de detecção. Estas evidências demonstram a necessidade do emprego de um conjunto de métodos convencionais de isolamento com a detecção através de técnicas moleculares. Neste caso, somente a PCR pode gerar resultados não-confiáveis, pois pode detectar o DNA de células mortas.

Quanto à sobrevivência de Xam na manipueira e a utilização deste resíduo na agricultura, especialmente na cultura da mandioca, pelos resultados obtidos no presente trabalho, observa-se que a manipueira não serviu como fonte de inóculo de Xam, após sofrer o processo de fermentação por um período de 24 horas. Uma forma prática e segura seria esperar pelo menos um período de 72 a 96 horas após a extração da manipueira, para que ela fosse utilizada para os diferentes fins, sem ser considerada um veículo de disseminação de Xam. Essa medida deveria ser tomada principalmente em áreas de cultivo que sofreram rotações de culturas, pois a manipueira não serviria como fonte de inóculo inicial de Xam, para a reinfestação da área, uma vez que essa bactéria pode sobreviver no solo (Ikotun, 1982) ou epifitamente em ervas daninhas (Dedal et al., 1980).

Conclusões

1. O isolado de X. axonopodis pv. manihotis, resistente ao sulfato de estreptomicina, sobrevive por um período inferior a 24 horas.

2. Há aumento da acidez total e queda do pH da manipueira durante o período de incubação.

3. A técnica do PCR ou BIO-PCR não é eficaz na monitoração da sobrevivência do isolado de X. axonopodis pv. manihotis, resistente ao sulfato de estreptomicina, em manipueira.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pela bolsa de estudo concedida.

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  • (1
    )Aceito para publicação em 11 de dezembro de 2001. Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, São Paulo.
    (2
    )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal, Caixa Postal 237, CEP 18603-970 Botucatu, SP. E-mail:
    (3
    )Unesp, FCA, Dep. de Produção Vegetal. Bolsista do CNPq. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2002
    • Data do Fascículo
      Jul 2002

    Histórico

    • Aceito
      11 Dez 2001
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