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Seleção de rizóbios nativos para guandu, caupi e feijão-de-porco nos tabuleiros costeiros de Sergipe

Selection of indigenous rhizobia to the cowpea, pigeonpea and jackbean crops in the coastal tableland of Sergipe, Brazil

Resumos

A inoculação de estirpes de rizóbios em sementes de feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), caupi (Vigna unguiculata) e guandu (Cajanus cajan), recomendadas para outras regiões do País, não tem resultado em incrementos nas taxas de fixação biológica de N2 nem no crescimento dessas leguminosas em solos dos tabuleiros costeiros de Sergipe. Os objetivos deste trabalho foram avaliar a eficiência simbiótica de rizóbios nativos dos tabuleiros costeiros associados a essas leguminosas e a tolerância deles a estresses. Das 17 estirpes de rizóbios isoladas e analisadas em casa de vegetação, quatro foram selecionadas para o guandu, sete para o caupi e três para o feijão-de-porco. O número e a massa de nódulos secos por planta correlacionaram-se com a massa da parte aérea seca, a área foliar e o N total acumulado nas folhas das três leguminosas. Os mesmos rizóbios foram eficientes para o caupi e para o guandu. Três estirpes do guandu (R35, R43 e R45) e duas do caupi (R10 e R17) foram caracterizadas in vitro e todas apresentaram tolerância às concentrações elevadas de ácido nalidíxico, cloranfenicol e tetraciclina, porém, foram sensíveis à estreptomicina e à kanamicina. Todas as estirpes cresceram a 35ºC e, exceto a R17, toleraram o alumínio (10 mg L-1).

Cajanus cajan; Canavalia ensiformis; Vigna unguiculata; biologia molecular; fixação de nitrogênio


The inoculation of rhizobial strains in jackbean (Canavalia ensiformis), cowpea (Vigna unguiculata) and pigeonpea (Cajanus cajan), recommended for other regions of Brazil, has not resulted in increases of biological nitrogen fixation rates and plant growth in soils of the coastal tableland of Sergipe (Brazilian Northeast). The objectives of this work were to evaluate the symbiotic effectiveness of indigenous rhizobia from that coastal tableland associated to these three legumes and their tolerance to stresses. Seventeen rhizobia strains were isolated and evaluated in a greenhouse. Four strains were selected for pigeonpea; seven for cowpea and three for jackbean. Nodules number and dry weight were related to shoot dry weight, leaf area and leaf N content, in all three legumes. The same strains were efficient for both cowpea and pigeonpea. Three pigeonpea (R35, R43 and R45) and two cowpea (R10 and R17) rhizobia were characterized in vitro and all showed tolerance to high levels of nalidix acid, chloramphenicol and tetracycline; however, they were sensitive to streptomycin and kanamycin. All strains were able to grow at 35ºC and, except for R17, were tolerant to aluminium (10 mg L-1).

Cajanus cajan; Canavalia ensiformis; Vigna unguiculata; molecular biology; nitrogen fixation


MICROBIOLOGIA

Seleção de rizóbios nativos para guandu, caupi e feijão-de-porco nos tabuleiros costeiros de Sergipe

Selection of indigenous rhizobia to the cowpea, pigeonpea and jackbean crops in the coastal tableland of Sergipe, Brazil

Marcelo Ferreira FernandesI; Roberta Pereira Miranda FernandesII; Mariangela HungriaIII

IEmbrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária dos Tabuleiros Costeiros, Caixa Postal 44, CEP 49025-040 Aracaju, SE. E-mail: Marcelo.Fernandes@orst.edu

IIUniversidade Federal de Sergipe, Dep. de Fisiologia, Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, Av. Marechal Rondon, s/no, Jardim Rosa Elze, CEP 49100-000 São Cristóvão, SE. E-mail: fernanro@onid.orst.edu

IIIEmbrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Soja, Caixa Pos- tal 231, CEP 86001-970 Londrina, PR. Bolsista do CNPq. E-mail: hungria@cnpso.embrapa.br

RESUMO

A inoculação de estirpes de rizóbios em sementes de feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), caupi (Vigna unguiculata) e guandu (Cajanus cajan), recomendadas para outras regiões do País, não tem resultado em incrementos nas taxas de fixação biológica de N2 nem no crescimento dessas leguminosas em solos dos tabuleiros costeiros de Sergipe. Os objetivos deste trabalho foram avaliar a eficiência simbiótica de rizóbios nativos dos tabuleiros costeiros associados a essas leguminosas e a tolerância deles a estresses. Das 17 estirpes de rizóbios isoladas e analisadas em casa de vegetação, quatro foram selecionadas para o guandu, sete para o caupi e três para o feijão-de-porco. O número e a massa de nódulos secos por planta correlacionaram-se com a massa da parte aérea seca, a área foliar e o N total acumulado nas folhas das três leguminosas. Os mesmos rizóbios foram eficientes para o caupi e para o guandu. Três estirpes do guandu (R35, R43 e R45) e duas do caupi (R10 e R17) foram caracterizadas in vitro e todas apresentaram tolerância às concentrações elevadas de ácido nalidíxico, cloranfenicol e tetraciclina, porém, foram sensíveis à estreptomicina e à kanamicina. Todas as estirpes cresceram a 35ºC e, exceto a R17, toleraram o alumínio (10 mg L-1).

Termos para indexação:Cajanus cajan, Canavalia ensiformis, Vigna unguiculata, biologia molecular, fixação de nitrogênio.

ABSTRACT

The inoculation of rhizobial strains in jackbean (Canavalia ensiformis), cowpea (Vigna unguiculata) and pigeonpea (Cajanus cajan), recommended for other regions of Brazil, has not resulted in increases of biological nitrogen fixation rates and plant growth in soils of the coastal tableland of Sergipe (Brazilian Northeast). The objectives of this work were to evaluate the symbiotic effectiveness of indigenous rhizobia from that coastal tableland associated to these three legumes and their tolerance to stresses. Seventeen rhizobia strains were isolated and evaluated in a greenhouse. Four strains were selected for pigeonpea; seven for cowpea and three for jackbean. Nodules number and dry weight were related to shoot dry weight, leaf area and leaf N content, in all three legumes. The same strains were efficient for both cowpea and pigeonpea. Three pigeonpea (R35, R43 and R45) and two cowpea (R10 and R17) rhizobia were characterized in vitro and all showed tolerance to high levels of nalidix acid, chloramphenicol and tetracycline; however, they were sensitive to streptomycin and kanamycin. All strains were able to grow at 35ºC and, except for R17, were tolerant to aluminium (10 mg L-1).

Index terms:Cajanus cajan, Canavalia ensiformis, Vigna unguiculata, molecular biology, nitrogen fixation.

Introdução

A inoculação de estirpes de rizóbios em sementes de feijão-de-porco, caupi e guandu, recomendadas para outras regiões do País, não tem resultado em incrementos no crescimento vegetativo, nos teores de N na planta e na nodulação das raízes em solos dos tabuleiros costeiros de Sergipe (Barreto & Fernandes, 1998). Esta ausência de resposta à inoculação pode ser conseqüência da baixa adaptabilidade das estirpes às condições edafoclimáticas da região ou incapacidade para colonizar efetivamente as raízes na presença de populações de rizóbios já estabelecidas no solo. Além disso, pelo caráter promíscuo da nodulação destas leguminosas, várias estirpes nativas podem se associar às raízes, dificultando ainda mais a introdução de estirpes alóctones e, com freqüência, tem sido relatada uma relação inversa entre resposta à inoculação e tamanho da população de rizóbios nativos no solo (Weaver & Frederick, 1974; Thies et al., 1991b).

Além da eficiência simbiótica, a capacidade de sobrevivência no solo e a habilidade competitiva com a população rizobiana nativa ou naturalizada do solo são características altamente desejáveis em estirpes de rizóbios recomendadas para inoculação em leguminosas (Brockwell, 1981). Essas características têm sido freqüentemente relacionadas à maior resistência das estirpes a antibióticos, ao Al e a temperaturas elevadas (Oliveira & Graham, 1990; Wolff et al., 1991; Xavier et al., 1998). As temperaturas elevadas, que ocorrem freqüentemente nos trópicos, afetam diversos estágios da fixação biológica do N2 (FBN), como o crescimento e sobrevivência do rizóbio no solo, troca de sinais moleculares entre os simbiontes, processo de infecção e nodulação e atividade do aparato enzimático para redução do N2 e assimilação da amônia formada (Hungria & Vargas, 2000). Do mesmo modo, concentrações tóxicas de Al ocorrem em diversos solos intemperizados dos trópicos e afetam todas as etapas da FBN (Hungria & Vargas, 2000). Contudo, existe variabilidade entre estirpes de rizóbio quanto à tolerância a temperaturas elevadas e ao Al tóxico (Ayanaba et al., 1983; La Favre & Eaglesham, 1986; Karanja & Wood, 1988; Wood, 1995; Hungria et al., 1997; Hungria & Vargas, 2000; Campo & Wood, 2001).

Os objetivos deste trabalho foram avaliar a eficiência simbiótica de rizóbios nativos dos tabuleiros costeiros de Sergipe inoculados em guandu, caupi e feijão-de-porco e a tolerância deles a estresses.

Material e Métodos

O isolamento dos rizóbios foi feito em meio de cultura semi-sólido contendo extrato-de-levedura e manitol (YMA, yeast manitol agar), tendo o vermelho Congo como indicador (Vincent, 1970), a partir de nódulos de raízes de guandu (Cajanus cajan), feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), caupi (Vigna unguiculata) e crotalárias (Crotalaria juncea e C. spectabilis), leguminosas que vêm sendo utilizadas e que foram coletadas em diferentes áreas dos tabuleiros costeiros de Sergipe.

Dos isolados obtidos, foram selecionadas 17 estirpes (Tabela 1), que foram avaliadas quanto aos seus efeitos sobre o crescimento, nodulação e acúmulo de N em guandu, feijão-de-porco e caupi.

As estirpes foram avaliadas em experimentos realizados em casa de vegetação da Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária dos Tabuleiros Costeiros, em Aracaju, SE, empregando-se delineamento experimental inteiramente casualizado, com quatro repetições. Além dos 17 rizóbios nativos, foram incluídos um tratamento sem inoculação e outro com inoculação de estirpes recomendadas comercialmente para essas culturas. As estirpes, enviadas pela Embrapa-Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia, Seropédica, RJ, foram as seguintes: para o caupi, SEMIA 6145 (=BR2001); para o guandu, uma mistura com SEMIA 6156 (=CPAC-IJ) e SEMIA 6157 (=BR 2801); para o feijão-de-porco, uma mistura de SEMIA 6156 + SEMIA 6158 (=CPAC 42).

Os procedimentos de implantação, condução e coleta dos experimentos foram idênticos com as três leguminosas, exceto quando mencionado. Utilizaram-se vasos de Leonard modificados (Vincent, 1970) com capacidade de 1 L em cada compartimento. O compartimento superior foi preenchido com vermiculita e o inferior com solução nutritiva isenta de N (Weaver & Frederick, 1982), sendo o conjunto autoclavado. Três sementes de cada leguminosa, desinfestadas com hipoclorito de sódio a 10% (6 min), lavadas com água estéril foram semeadas em cada vaso. Uma semana após a semeadura, o desbaste foi realizado, deixando-se apenas uma planta por vaso.

A preparação e padronização dos inóculos foram feitas de acordo com Fernandes & Fernandes (2000) e a inoculação foi realizada no momento da semeadura utilizando-se 3 mL de suspensões de rizóbios (aproximadamente 109 células mL-1 ). Os vasos dos tratamentos sem inoculação receberam 3 mL de uma suspensão de rizóbio previamente autoclavada, como controle de nutrientes que pudessem estar disponíveis no meio de cultura. Os compartimentos inferiores dos vasos de Leonard foram completados, a cada quatro dias, com solução nutritiva esterilizada e isenta de nitrogênio. O experimento de caupi foi colhido aos 50 dias após a semeadura (DAS); o de feijão-de-porco aos 55 DAS e o de guandu aos 60 dias após a semeadura.

A área foliar (AF) foi obtida utilizando-se um aparelho Li-Cor (EUA) e a massa da parte aérea seca (MPAS) foi determinada após secagem em estufa a 65ºC por 72 horas. Os teores de N nas folhas (NF) foram determinados pelo método de Kjeldhal. Os nódulos foram retirados, contados (NN) e, após secagem em estufa a 65ºC, por 72 horas, pesados para determinação da massa de nódulos secos (MNS).

A estirpe de rizóbio foi considerada eficiente quando os valores médios de AF, MPAS, NN, MNS e NF das plantas submetidas à inoculação foram superiores aos obtidos no tratamento sem inoculação e, simultaneamente, iguais ou superiores aos das leguminosas que receberam inóculos dos rizóbios recomendados para as respectivas espécies.

Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Foram determinados os coeficientes de correlação entre as espécies estudadas com relação a MPAS, AF, NN, MNS e NF.

As estirpes R10, R17, R35, R43 e R45, que apresentaram alta eficiência simbiótica para, pelo menos, uma das leguminosas avaliadas, foram selecionadas para a etapa de avaliação da tolerância a estresses.

As avaliações da tolerância dos isolados ao Al e às temperaturas elevadas, assim como os testes de tolerância aos antibióticos kanamicina, ácido nalidíxico, cloranfenicol, estreptomicina, tetraciclina e ampicilina, foram realizadas conforme descrito por Fernandes & Fernandes (2000).

Os teores de Al testados no meio YMA foram de 0, 5, 10 e 20 mg L-1, fornecido na forma de AlK(SO4)2.12H2O, e os diâmetros das colônias medidos após sete dias de incubação a 28ºC. Os testes de temperatura também foram realizados em meio YMA e as avaliações do diâmetro das colônias realizadas após sete dias de incubação a 28ºC, 35ºC e 45ºC. Os resultados foram expressos em porcentagem do diâmetro das colônias nos diferentes tratamentos, em comparação aos tratamentos controle (0 mg de Al e 28ºC).

A tolerância intrínseca das cinco estirpes aos antibióticos foi determinada pela técnica de gradiente de concentração (0 a 500 µg mL-1) em placa de Petri com meio YMA. A avaliação foi feita após quatro dias de incubação a 28ºC. Quando o crescimento bacteriano ocorreu, atribuíram-se notas de 0 a 3, respectivamente, às faixas de concentrações de antibióticos de 0 a 125 µg mL-1; 126 a 250 µg mL-1; 251 a 375 µg mL-1 ou 376 a 500 µg mL-1.

Resultados e Discussão

Houve diferenças significativas entre as estirpes de rizóbio quanto à capacidade de promover o crescimento vegetativo (MPAS e AF), ao teor de N foliar (NF) e à nodulação das raízes (NN e MNS) de guandu, caupi e feijão-de-porco (Tabela 2). Quatro estirpes de rizóbios nativos (R45, R14, R35 e R33) foram consideradas eficientes quanto à FBN para o guandu (Tabela 3); sete (R33, R45, R10, R43, R35, R51 e R14) para o caupi (Tabela 4) e três (R43, R17 e R35) para o feijão-de-porco (Tabela 5). As estirpes utilizadas nos inoculantes comerciais foram consideradas eficientes para o guandu (Tabela 3) e para o caupi (Tabela 4), mas não para o feijão-de-porco (Tabela 5). Comparativamente aos rizóbios nativos considerados eficientes, porém, a mistura comercial para o feijão-de-porco foi inferior apenas ao melhor isolado nativo, o R43, com relação à MPAS, AF e NN (Tabela 5). Os resultados obtidos confirmam diferenças na eficiência de estirpes de rizóbios em promover benefícios a diferentes plantas hospedeiras (Peres & Vidor, 1980; Santillana et al., 1998; Carvalho & Stamford, 1999; Fernandes & Fernandes, 2000).

Como o NF dos tratamentos com rizóbios eficientes nas três leguminosas estudadas foi superior ao das plantas sem inoculação, considerou-se que a grande parte do N das plantas tenha origem na FBN. Os valores mais elevados de N nas plantas de feijão-de-porco não submetidas à inoculação foram provenientes da grande reserva de N nas sementes desta espécie, avaliada entre 46 e 70 mg.

Os valores obtidos para MNS e NN apresentaram alta correlação com as variáveis MPAS, AF e NF, nas três leguminosas estudadas (Tabela 6); na análise destas correlações, os dados das plantas sem inoculação foram desconsiderados. Correlações positivas e significativas entre a massa nodular e a quantidade de N fixado biologicamente foram relatadas também por Döbereiner et al. (1966), Santos (1987), Bohrer & Hungria (1998) e Fernandes & Fernandes (2000).

Os valores de MPAS, AF, MNS e NF de caupi e guandu mostraram-se significativa e positivamente correlacionados, indicando que os isolados benéficos para uma dessas leguminosas também o são para a outra (Tabela 7). Correlações significativas foram observadas em relação a algumas variáveis, por exemplo, MNS, quando os dados de caupi e guandu foram correlacionados aos do feijão-de-porco. Diferenças no grau de compartilhamento de rizóbios eficientes entre leguminosas também foram observadas por Thies et al. (1991a). Segundo esses autores, Macroptilium atropurpureum foi, quando comparada a Arachis hypogaea e Phaseolus lunatus, a espécie que apresentou maior grau de semelhança com o caupi quanto à resposta à inoculação de rizóbios isolados desta última espécie. O grau de compartilhamento de rizóbios eficientes entre leguminosas do "grupo miscelânea do caupi" foi, inclusive, sugerido como parâmetro na separação dessas espécies em grupos de efetividade (Burton, 1979). De acordo com essa separação, hospedeiros pertencentes a um mesmo grupo de efetividade responderiam de modo similar à inoculação de um dado isolado de rizóbio.

As cinco estirpes selecionadas na avaliação da tolerância a estresses in vitro apresentaram tolerância elevada ao ácido nalidíxico, ao cloranfenicol e à tetraciclina, e sensibilidade à kanamicina e à estreptomicina (Tabela 8). Com exceção da R10, todos os demais rizóbios também foram tolerantes a concentrações elevadas de ampicilina (>250 mg L-1). Resultados semelhantes foram obtidos por Xavier et al. (1998) com rizóbios de caupi isolados no Nordeste do Brasil. Conforme esses autores, das 17 classes de rizóbios, agrupadas de acordo com a resistência a oito antibióticos, 14 foram sensíveis a doses superiores a 125 mg L-1 de estreptomicina e kanamicina. Destas 17 classes, seis foram sensíveis a 125 mg L-1 de cloranfenicol e de tetraciclina, e sete foram sensíveis à mesma concentração do ácido nalidíxico.

As estirpes R10, R35, R43 e R45 não apresentaram redução do crescimento na presença de 5 e 10 mg L-1 de Al, em comparação ao controle isento de Al; no entanto, nenhum crescimento foi observado com 20 mg L-1 de alumínio. A estirpe R17 foi a mais sensível dos cinco rizóbios caracterizados, não apresentando crescimento em 10 mg L-1 de alumínio. Não houve relação entre a reação ácida ou alcalina em meio de cultura contendo manitol (Tabela 1) como fonte de C e a tolerância ao alumínio. Diferenças entre estirpes de rizóbio quanto à tolerância ao Al têm sido relatadas (Ayanaba et al., 1983; Hungria & Vargas, 2000; Campo & Wood, 2001), contudo, os mecanismos envolvidos nessa tolerância ainda não estão totalmente esclarecidos. Estudos compilados por Johnson & Wood (1990) e Wood (1995) indicaram que a ação dos íons Al ocorreria pela sua ligação ao DNA, interferindo na divisão celular. Contudo, tanto estirpes tolerantes como não tolerantes não apresentaram diferenças na ligação ao DNA, de modo que devem existir outros mecanismos de reparo do DNA em estirpes tolerantes (Johnson & Wood, 1990; Wood, 1995). O mais provável, porém, é que o Al interfira em vários mecanismos do rizóbio, tanto em vida livre como em simbiose (Hungria & Vargas, 2000), podendo atuar, até mesmo, como agente mutagênico (Octive et al., 1991).

Quanto à temperatura, o crescimento das cinco estirpes não foi alterado a 35ºC, comparativamente à temperatura de 28ºC. Apenas a estirpe R10 cresceu a 45ºC e o diâmetro das colônias nesta temperatura foi equivalente à metade do observado quando a bactéria foi incubada a 28ºC. Temperaturas elevadas têm, freqüentemente, representado um dos principais fatores limitantes à FBN em regiões tropicais, uma vez que afetam praticamente todas as etapas de crescimento do rizóbio e das plantas hospedeiras, sendo os efeitos ainda mais drástico na simbiose (Hungria & Vargas, 2000). Tem-se considerado, tradicionalmente, que os limites de temperatura para a FBN com leguminosas tropicais se situam entre 27°C e 40°C (Gibson, 1971; Hungria & Vargas, 2000). Existem diversos relatos sobre diferenças entre espécies e estirpes de rizóbio quanto à tolerância a temperaturas elevadas (La Favre & Eaglesham, 1986; Karanja & Wood, 1988; Hungria et al., 1997; Hungria & Vargas, 2000), contudo, uma relação entre a localização geográfica (locais com temperaturas elevadas) e essa tolerância não é evidente (Karanja & Wood, 1988). Embora haja indicação de que a habilidade de crescimento in vitro de uma estirpe não está necessariamente relacionada com a sua capacidade de FBN nas mesmas condições (La Favre & Eaglesham, 1986; Karanja & Wood, 1988), a tolerância excepcional de algumas estirpes, como a R10, observada neste trabalho representa o primeiro estágio de seleção para a região dos tabuleiros costeiros de Sergipe, onde freqüentemente o solo atinge temperaturas consideradas limitantes à fixação biológica do nitrogênio. O desempenho simbiótico observado em substrato estéril neste trabalho deve ser confirmado, a campo, para que as estirpes possam ser recomendadas como inoculantes para o guandu, o caupi e o feijão-de-porco.

Conclusão

É possível selecionar estirpes de rizóbios nativos dos tabuleiros costeiros capazes de estabelecer uma simbiose efetiva com guandu, caupi e feijão-de-porco.

Agradecimentos

À Fundação Banco do Brasil, pelo financiamento de parte deste trabalho; a J.A. Nascimento, C.A. Oliveira e H.B. Santos, pelo apoio na condução do experimento na casa de vegetação e nas análises laboratoriais; às Dras. Maria de Fátima Loureiro (Universidade Federal de Mato Grosso) e Iêda de C. Mendes (Embrapa-Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados), pelas sugestões no manuscrito.

Aceito para publicação em 7 de abril de 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    Jul 2003

Histórico

  • Aceito
    07 Abr 2003
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