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Uso de alimento vivo como dieta inicial no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu

Use of live food as starter diet in feed training juvenile pirarucu

Resumos

O objetivo deste trabalho foi testar a eficiência do alimento vivo como dieta inicial no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu, Arapaima gigas. Foram usados dois tratamentos, Artemia sp. e mistura de zooplâncton nativo. O ganho de peso, a porcentagem de comedores e a sobrevivência não apresentaram diferença estatística significativa entre os tratamentos (p>0,05). A dieta inicial, à base de alimento vivo, é eficiente no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu.

Arapaima gigas; alimentação do peixe; piscicultura


In this trial, two different live foods were tested as starter diet in the feed training of juvenile pirarucu, Arapaima gigas. Two treatments were used, Artemia sp. and a mixture of native zooplankton. Weight gain, percentage of feeders and survival did not show any difference between treatments (p>0.05). Live food is efficient as starter diet to train juvenile pirarucu to accept dry feed.

Arapaima gigas; fish feeding; fishery


NOTAS CIENTÍFICAS

Uso de alimento vivo como dieta inicial no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu

Use of live food as starter diet in feed training juvenile pirarucu

Bruno Adan Sagratzki Cavero; Daniel Rabello Ituassú; Manoel Pereira-Filho; Rodrigo Roubach; André Moreira Bordinhon; Flávio Augusto Leão da Fonseca; Eduardo Akifumi Ono

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Coordenação de Pesquisas em Aqüicultura, Caixa Postal 478, Petrópolis, CEP 69083-000 Manaus, AM. E-mail: basc@inpa.gov.br, dituassu@inpa.gov.br, pmanoel@inpa.gov.br, roubach@inpa.gov.br, andremb@inpa.gov.br, guto@inpa.gov.br, onoedu@aol.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi testar a eficiência do alimento vivo como dieta inicial no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu, Arapaima gigas. Foram usados dois tratamentos, Artemia sp. e mistura de zooplâncton nativo. O ganho de peso, a porcentagem de comedores e a sobrevivência não apresentaram diferença estatística significativa entre os tratamentos (p>0,05). A dieta inicial, à base de alimento vivo, é eficiente no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu.

Termos para indexação:Arapaima gigas, alimentação do peixe, piscicultura.

ABSTRACT

In this trial, two different live foods were tested as starter diet in the feed training of juvenile pirarucu, Arapaima gigas. Two treatments were used, Artemia sp. and a mixture of native zooplankton. Weight gain, percentage of feeders and survival did not show any difference between treatments (p>0.05). Live food is efficient as starter diet to train juvenile pirarucu to accept dry feed.

Index terms:Arapaima gigas, fish feeding, fishery.

A criação do pirarucu (Arapaima gigas), na Região Amazônica, vem se tornando uma atividade comercial atrativa que, aliada ao conhecimento do manejo (Cavero, 2002; Gandra, 2002; Cavero et al., 2003) e das exigências nutricionais dessa espécie (Ituassú, 2002), pode produzir melhores resultados.

A criação do pirarucu é dificultada por se tratar de um peixe carnívoro, que, conseqüentemente, não aceita de maneira voluntária rações balanceadas. Outros peixes carnívoros, como o pintado (Pseudoplatystoma coruscans) e o tucunaré (Cichla sp.), enfrentam este tipo de entrave e o desenvolvimento de estratégias de manejo alimentar pode viabilizar a criação desses peixes em regime intensivo (Lopes et al., 1996; Moura et al., 2000).

Estratégias de treinamento alimentar são empregadas em peixes carnívoros para facilitar a aceitação de ração seca. Kubitza & Lovshin (1997a) testaram a eficiência do krill desidratado no treinamento alimentar do largemouth bass (Micropterus salmoides), obtendo resultados satisfatórios de aceitação de ração seca. Crescêncio (2001) testou a eficiência de atrativos alimentares no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu e verificou que estes animais podem ser treinados para aceitar alimentação à base de ração seca.

O alimento vivo é uma estratégia alimentar usada para facilitar a aceitação de rações por parte dos peixes (Kubitza & Lovshin, 1999) e, por ser um alimento naturalmente consumido, oferece a vantagem de dispensar o uso de atrativos e possibilitar o treinamento de peixes de tamanhos menores.

O objetivo deste trabalho foi testar a eficiência do alimento vivo como dieta inicial no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu.

O trabalho foi realizado na Coordenação de Pesquisas em Aqüicultura (CPAQ), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) de 5 a 21 de dezembro de 2002. Os juvenis de pirarucus foram oriundos do Município de Coari, Amazonas.

Oitocentos e quatro juvenis de pirarucu com peso de 1,5±0,1 g e comprimento total de 5,0±0,1 cm foram distribuídos homogeneamente (p>0,05) em seis tanques circulares de PVC com capacidade de 500 L (volume útil de 400 L) com vazão de água de 10 L/h.

Os peixes foram alimentados seis vezes ao dia, às 8, 10, 12, 14, 16 e 18 horas. O experimento teve duração de nove dias e foram testados dois tipos de alimento vivo como tratamentos, náuplios de Artemia sp. e mistura de zooplâncton, cada um com três repetições.

A mistura de zooplâncton foi coletada em um viveiro com fundo de argila de 120 m2 por meio de uma rede de plâncton de 60 mm de malha. Nessa ocasião, foi observada a predominância dos grupos copépode e cladócero. Os peixes foram alimentados com zooplâncton diluído em 5 L de água por alimentação nas seguintes proporções: copédode, 134.000 indivíduos/L e cladócero, 26.000 indivíduos/L. Na alimentação com Artemia sp., foram eclodidos 60 g ao longo do experimento na proporção de 133.000 indivíduos/L por alimentação.

O trabalho foi realizado em três fases de três dias cada. A primeira consistiu em fornecer o alimento vivo diluído em água. Na segunda fase, junto com o alimento vivo diluído em água, introduziu-se gradativamente a ração na dieta nas seguintes proporções: 1o dia: 1% da biomassa dos peixes; 2o dia: 2% da biomassa dos peixes; 3o dia: 3% da biomassa dos peixes. Na terceira fase, os peixes foram alimentados apenas com ração até a saciedade. A ração utilizada no experimento foi do tipo comercial, específica para peixes carnívoros, extrusada e triturada, com 45% de proteína bruta e 3.000 kcal de energia bruta/kg de ração. O tamanho das partículas da ração em ambos os tratamentos foi de aproximadamente 100 mm.

Após a fase de treinamento, os peixes passaram por um período de observação de seis dias com a finalidade de quantificar a porcentagem de comedores (porcentagem de peixes que aceitavam ração), a sobrevivência (100 × no de peixes finais/no de peixes iniciais), e o ganho de peso (peso médio final - peso médio inicial).

Foram realizadas observações sobre o comportamento dos peixes quanto à ocorrência de agressões, competição por alimento e canibalismo. Além disso, foram monitorados diariamente os seguintes parâmetros físicoquímicos da água: oxigênio dissolvido (mg/L), pH, temperatura (ºC), amônia total (NH3 + NH4+) (mg/L), condutividade elétrica (mS/cm2), nitrito (mg/L), alcalinida- de (g/L de CaCO3), dureza (g/L de CaCO3) e CO2 (mg/L). O monitoramento da qualidade da água foi realizado às 9 horas.

As médias dos tratamentos foram comparadas pelo teste t de Student a 5% de probabilidade (Mendes, 1999). Os valores da sobrevivência e dos comedores, expressos em porcentagens, foram submetidos à transformação de arco-seno (Mendes, 1999).

Os parâmetros físico-químicos da água não apresentaram variações que pudessem interferir no desempenho dos peixes em ambos os tratamentos (Tabela 1). Estes resultados estão de acordo com os sugeridos para a espécie por Cavero (2002). Com relação à porcentagem de comedores, ganho de peso e sobrevivência, os tratamentos não apresentaram diferença estatística significativa.

A porcentagem de comedores foi de aproximadamente 99% utilizando alimento vivo como dieta inicial, para juvenis de pirarucu, de 1,5±0,1 g (Tabela 2). Moura et al. (2000) realizaram o treinamento alimentar de alevinos de tucunaré, de aproximadamente 1,7 g, utilizando o método de transição gradual de ingredientes na ração, obtendo um sucesso de treinamento alimentar de 39,8% de comedores.

Crescêncio (2001), utilizando atrativos alimentares durante o treinamento de juvenis de pirarucu, de aproximadamente 22 g, e o método de transição gradual de ingredientes de ração, observou que os atrativos alimentares utilizados (camarão, glutamato monossódico e ensilado biológico) não foram diferentes estatisticamente em relação ao tratamento sem atrativo.

Kubitza & Lovshin (1997b) testaram o krill desidratado como atrativo e verificaram que o sucesso de treino aumenta proporcionalmente a concentração deste atrativo na dieta e inversamente ao número de dias de treinamento.

Lopes et al. (1996) utilizaram o rotífero marinho Brachionus plicatillis, náuplios de Artemia salina e o cladócero Moina micrura na alimentação de larvas do surubim pintado e observaram que esta espécie aceita bem o alimento vivo como dieta inicial. O uso de alimento vivo como dieta inicial no treinamento de juvenis de pirarucu apresentou a mesma tendência.

Kubitza & Lovshin (1999) afirmam que a produção intensiva de peixes carnívoros pode ser dificultada quando o alimento vivo é o único item alimentar. Entretanto, seu uso como dieta inicial no treinamento alimentar de peixes carnívoros é amplamente aceito. Provavelmente o uso de alimento vivo seja a estratégia alimentar mais viável para facilitar a aceitação de rações por parte de juvenis de pirarucu, uma vez que é um alimento naturalmente consumido, podendo oferecer a vantagem de treinar peixes de tamanhos menores e de não ser necessário o uso de atrativos.

O tempo de treinamento alimentar dos juvenis de pirarucu foi de nove dias, revelando índices de comedores e de sobrevivência satisfatórios em ambos os tratamentos (Tabela 2). O resultado de Crescêncio (2001), com tempo de treinamento de 20 dias, no melhor tratamento, foi de 68,7% para o número de comedores e de 68,8% para a sobrevivência.

Juvenis de pirarucu apresentam associação gregária e podem ser influenciados por condições que favoreçam o estabelecimento de classes hierárquicas aumentando com isso a heterogeneidade do lote, podendo resultar em agressões (Cavero et al., 2003). Kubitza & Lovshin (1999) citam que este tipo de comportamento pode ocorrer durante o treinamento alimentar de diversas espécies de peixes carnívoros. Provavelmente as agressões observadas – mordeduras nas nadadeiras caudais – estejam associadas à mudança repentina da alimentação durante o treinamento alimentar, fato que pode ter influenciado no comportamento dos peixes. Entretanto, não existem registros de canibalismo ou agressões entre juvenis de pirarucu criados em cativeiro.

O treinamento alimentar de juvenis de pirarucu com alimento vivo como dieta inicial é eficaz.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Agencia Española de Cooperación Internacional (AECI) - Projeto Pirarucu, pelo suporte financeiro.

Aceito para publicação em 12 de junho de 2003

  • CAVERO, B. A. S. Densidade de estocagem de juvenis de pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier, 1829) em tanques-rede de pequeno volume 2002. 51 f. Dissertação (Mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior) - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade do Amazonas, Manaus, 2002.
  • CAVERO, B. A. S.; PEREIRA-FILHO, M.; ROUBACH, R.; ITUASSÚ, D. R.; GANDRA, A. L.; CRESCÊNCIO, R. Efeito da densidade de estocagem na homogeneidade do crescimento de juvenis de pirarucu, em ambiente confinado. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 38, n. 1, p. 103-107, jan. 2003.
  • CRESCÊNCIO, R. Treinamento alimentar de alevinos de pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier, 1829), utilizando atrativos alimentares 2001. 35 f. Dissertação (Mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior) - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade do Amazonas, Manaus, 2001.
  • GANDRA, A. L. Estudo da freqüência alimentar do pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier, 1829) 2002. 36 f. Dissertação (Mestrado em Ciência de Alimentos) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2002.
  • ITUASSÚ, D. R. Exigência protéica de juvenis de pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier, 1829) 2002. 38 f. Dissertação (Mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior) - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade do Amazonas, Manaus, 2002.
  • KUBITZA, F.; LOVSHIN, L. L. Effects of initial weight and genetic strain on feed training largemouth bass Micropterus salmoides using ground fish flesh and freeze dried krill as starter diets. Aquaculture, Amsterdam, v. 148, p. 179-190, 1997a.
  • KUBITZA, F.; LOVSHIN, L. L. Formulated diets, feeding strategies, and cannibalism control during intensive culture of juvenile carnivorous fishes. Reviews in Fisheries Science, Amsterdam, v. 7, p. 1-22, 1999.
  • KUBITZA, F.; LOVSHIN, L. L. The use of freeze-dried krill to feed train largemouth bass (Micropterus salmoides): feeds and training strategies. Aquaculture, Amsterdam, v. 148, p. 299-312, 1997b.
  • LOPES, M. C.; FREIRE, R. A. B.; VICENSOTTO, J. R. M.; SENHORINI, J. A. Alimentação de larvas de surubim pintado, Pseudoplatystoma coruscans (Agassiz, 1829), em laboratório, na primeira semana de vida. Boletim Técnico CEPTA, Pirassununga, v. 9, p. 11-29, 1996.
  • MENDES, P. P. Estatística aplicada à aqüicultura Recife: Bagaço, 1999. 265 p.
  • MOURA, M. A. M.; KUBITZA, F.; CYRINO, J. E. P. Feed training of peacock bass (Cichla  sp.). Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 60, n. 4, p. 645-654, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2003

Histórico

  • Aceito
    12 Jun 2003
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