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Estoque de carbono e nitrogênio e formas de nitrogênio mineral em um solo submetido a diferentes sistemas de manejo

Carbon and nitrogen storage, and inorganic nitrogen forms in a soil under different management systems

Resumos

O objetivo deste trabalho foi verificar alterações nos teores e no estoque de C orgânico e N total do solo, e nas suas formas nítrica e amoniacal, em sistemas de manejo implementados em área de cerrado nativo. Foram coletadas amostras no Município de Morrinhos, GO, num Latossolo Vermelho distrófico típico, textura argilosa, em cinco profundidades, nos sistemas: cerrado nativo, pastagem de Brachiaria sp., plantio direto irrigado com rotação milho-feijão, plantio direto irrigado com rotação milho-feijão e arroz-tomate, plantio convencional de longa duração e plantio convencional recente após pastagem. Não houve diferença significativa nos teores e no estoque de C e N totais do solo, embora o plantio convencional de longa duração tenha apresentado variações negativas no estoque de C em relação ao cerrado nativo até 20 cm de profundidade, ao contrário dos sistemas com menor revolvimento. O amônio predominou no cerrado nativo e na pastagem ao longo de praticamente todo o perfil, enquanto os teores de nitrato foram maiores na camada superficial dos sistemas com culturas anuais. A pastagem e o plantio direto, desde que com esquema diversificado de rotação de culturas, são promissores para aumentar os estoques de C orgânico do solo.

matéria orgânica do solo; plantio direto; cultivo convencional; nitrato; amônio


The objective of this work was to verify alterations on the amounts and storage of organic carbon and total nitrogen of the soil, and on the nitric and ammonium forms, in management systems implemented in an area under native cerrado. Samples were collected at Morrinhos, Goiás, Brazil, in a clayey, typic, dystrophic Red Latosol (Oxisol), from five depths, in the systems: native cerrado, Brachiaria sp. pasture, irrigated no-till with corn-beans crop rotation, irrigated no-till with corn-beans and rice-tomato for industry crop rotation, long-term conventional till and recent conventional till following pasture. There were no significant differences on the level, and on carbon and total nitrogen storage of the soil. However, the long-term conventional till presented negative variations on carbon storage in relation to the native cerrado system up to 20 cm depth, unlike the systems with less soil movement. The ammonium predominated in the native cerrado and pasture systems through the soil profile, whereas the nitrate amounts were higher in the superficial layer of the soil in the systems with annual crops. The pasture and no-till, on condition of diverse crop rotation, are prominent systems in terms of increasing the organic carbon storage of the soil.

soil organic matter; no-till; conventional tillage; nitrate; ammonium


SOLOS

Estoque de carbono e nitrogênio e formas de nitrogênio mineral em um solo submetido a diferentes sistemas de manejo

Carbon and nitrogen storage, and inorganic nitrogen forms in a soil under different management systems

Alexandre Fonseca d'AndréaI; Marx Leandro Naves SilvaII; Nilton CuriII; Luiz Roberto Guimarães GuilhermeII

ICentro Federal de Educação Tecnológica Urutai, Faz. Palmital, km 2,5 CEP 75790-000 Urutai, GO. E-mail: dandrea@ufla.br

IIUniversidade Federal de Lavras, DCS, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras, MG. Bolsista do CNPq. E-mail: marx@ufla.br, niltcuri@ufla.br, guilherm@ufla.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar alterações nos teores e no estoque de C orgânico e N total do solo, e nas suas formas nítrica e amoniacal, em sistemas de manejo implementados em área de cerrado nativo. Foram coletadas amostras no Município de Morrinhos, GO, num Latossolo Vermelho distrófico típico, textura argilosa, em cinco profundidades, nos sistemas: cerrado nativo, pastagem de Brachiaria sp., plantio direto irrigado com rotação milho-feijão, plantio direto irrigado com rotação milho-feijão e arroz-tomate, plantio convencional de longa duração e plantio convencional recente após pastagem. Não houve diferença significativa nos teores e no estoque de C e N totais do solo, embora o plantio convencional de longa duração tenha apresentado variações negativas no estoque de C em relação ao cerrado nativo até 20 cm de profundidade, ao contrário dos sistemas com menor revolvimento. O amônio predominou no cerrado nativo e na pastagem ao longo de praticamente todo o perfil, enquanto os teores de nitrato foram maiores na camada superficial dos sistemas com culturas anuais. A pastagem e o plantio direto, desde que com esquema diversificado de rotação de culturas, são promissores para aumentar os estoques de C orgânico do solo.

Termos para indexação: matéria orgânica do solo, plantio direto, cultivo convencional, nitrato, amônio.

ABSTRACT

The objective of this work was to verify alterations on the amounts and storage of organic carbon and total nitrogen of the soil, and on the nitric and ammonium forms, in management systems implemented in an area under native cerrado. Samples were collected at Morrinhos, Goiás, Brazil, in a clayey, typic, dystrophic Red Latosol (Oxisol), from five depths, in the systems: native cerrado, Brachiaria sp. pasture, irrigated no-till with corn-beans crop rotation, irrigated no-till with corn-beans and rice-tomato for industry crop rotation, long-term conventional till and recent conventional till following pasture. There were no significant differences on the level, and on carbon and total nitrogen storage of the soil. However, the long-term conventional till presented negative variations on carbon storage in relation to the native cerrado system up to 20 cm depth, unlike the systems with less soil movement. The ammonium predominated in the native cerrado and pasture systems through the soil profile, whereas the nitrate amounts were higher in the superficial layer of the soil in the systems with annual crops. The pasture and no-till, on condition of diverse crop rotation, are prominent systems in terms of increasing the organic carbon storage of the soil.

Index terms: soil organic matter, no-till, conventional tillage, nitrate, ammonium.

Introdução

A transformação de sistemas naturais em áreas agrícolas representa, nas regiões tropicais, uma importante causa do aumento da concentração de CO2 atmosférico, com efeitos sobre alterações climáticas em escala global, em análise mais ampla (Scholes & Breemen, 1997). No Brasil, áreas de extensão considerável têm sido desmatadas nos mais diferentes ecossistemas para a produção agrícola. No bioma Cerrado, que possui destaque no cenário agrícola nacional, grande parte da vegetação original foi devastada, principalmente nas chapadas, para ceder lugar a pastagens ou culturas anuais, como no Sul de Goiás (Carvalho Filho et al., 1998). Atualmente, ainda pode ser incorporado ao sistema produtivo dois terços da área total do Cerrado, o que representa 136 milhões de hectares (Macedo, 1996).

Em solos com cobertura vegetal natural, o C orgânico encontra-se em equilíbrio dinâmico, com teores praticamente constantes com o tempo. Essa condição é alterada quando o solo é submetido ao cultivo, e um novo equilíbrio é atingido num nível que varia em razão das características do sistema de manejo adotado (Stevenson, 1994). Nos trópicos, a introdução de sistemas agrícolas em áreas com vegetação nativa resulta, geralmente, numa rápida perda de C orgânico, em virtude da combinação entre calor e umidade (Scholes & Breemen, 1997). Quando a vegetação original é o cerrado nativo, as reduções no teor de C orgânico em decorrência de intervenções antrópicas têm sido menores do que em solos sob mata (Tognon et al., 1997), podendo, até mesmo, haver a manutenção dos teores iniciais (Silva, 1997). Em áreas de Cerrado, ainda existe a possibilidade de sistemas específicos, como as pastagens e o plantio direto, aumentarem os teores de C orgânico, contribuindo para o seqüestro do C atmosférico, ao contrário dos sistemas convencionais, com revolvimento sistemático do solo, que tendem a atuar em sentido oposto (Corazza et al., 1999). Adicionalmente, o plantio direto tem levado a menores perdas totais de nutrientes e matéria orgânica, pela sua eficácia no controle da erosão (Hernani et al., 1999), possuindo menores taxas de decomposição anual da matéria orgânica do solo, em relação ao cultivo convencional (Bayer, 1996).

Do mesmo modo que o carbono, o N é um elemento relevante nos estudos de matéria orgânica do solo, sendo um dos nutrientes com dinâmica mais pronunciada no sistema. Sua maior parte está na fração orgânica (mais de 90%), um grande reservatório de formas mais prontamente disponíveis, como a nítrica e a amoniacal. Estas formas minerais, apesar de responderem por pequena parcela do N total, são de extrema importância do ponto de vista nutricional, já que são elas as absorvidas pelos vegetais e microrganismos (Stevenson, 1986). A mineralização da matéria orgânica do solo, da qual fazem parte as reações de amonificação e nitrificação, transforma, em média, de 2% a 5% do N orgânico por ano, processo que pode ser influenciado pelo uso e manejo do solo, como nas áreas com pastagens, nas quais a forma amoniacal é favorecida por substâncias excretadas pelas raízes das gramíneas, que inibem a nitrificação, e pela existência de menores valores de pH, que ocorrem, geralmente, nessas condições (Moreira & Siqueira, 2002).

O objetivo deste trabalho foi verificar alterações nos teores e no estoque de C orgânico e N total do solo, e nas suas formas nítrica e amoniacal, em sistemas de manejo implementados em área de cerrado nativo.

Material e Métodos

A área de estudo pertence ao Município de Morrinhos, localizado no sul do Estado de Goiás, em região de clima tropical estacional de savana (Aw no sistema de Köppen), com precipitação média anual de 1.380 mm, período chuvoso compreendido entre outubro e abril e período seco, entre maio e setembro (Freitas & Blancaneaux, 1998). Foram selecionadas áreas em propriedades comerciais, num Latossolo Vermelho distrófico típico, com os seguintes sistemas de manejo: cerrado nativo "stricto sensu", tomado como referência; pastagem plantada de Brachiaria decumbens de longa duração (mais de 15 anos); plantio direto irrigado (pivô central) desde 1995/1996 (rotação milho-feijão); plantio direto irrigado (pivô central) desde 1995/1996 (rotação milho-feijão e arroz-tomate para indústria); plantio convencional de longa duração (grade aradora), irrigado desde 1998/99 após mais de 15 anos em cultivo de sequeiro; plantio convencional recente (grade aradora) implantado em 1998/99 com irrigação (pivô central), após mais de dez anos com pastagem de B. decumbens. A adubação básica das principais culturas dos sistemas agrícolas foi a seguinte: a) milho: 500 kg ha-1 da formulação 4–30–16, no plantio e 280 kg ha-1 de uréia, em cobertura (duas aplicações via pivô); b) feijão: 600 kg ha-1 da formulação 6–28–18, no plantio e 150 kg ha-1 de 20–0–20 mais 150 kg ha-1 de uréia (três aplicações via pivô), em cobertura; c) tomate: 1.500 kg ha-1 de 4–30–16 mais 500 kg ha-1 de termofosfato Yoorin, no plantio e 100 kg ha-1 de nitrocálcio (via pivô), em cobertura. A área de pastagens não possui histórico de adubações nos dez anos anteriores à amostragem.

As amostras de solos foram coletadas no final do período chuvoso de 2000, em fevereiro, nas profundidades de 0–10, 10–20, 20–40, 40–80 e 80–100 cm. Em cada uma delas, em todos os sistemas de manejo, foram retiradas três amostras compostas, cada uma constituindo uma repetição, tomadas a partir de cinco subamostras. As amostras foram secadas ao ar e passadas em peneira de 2 mm.

A análise granulométrica foi realizada pelo método da pipeta (Day, 1965), após dispersão da amostra com NaOH 1mol L-1 e agitação rápida (6.000 rpm) por 15 minutos (Tabela 1). Para fins de caracterização do solo, determinou-se, nas amostras do cerrado nativo, teores de óxidos (SiO2, Al2O3, Fe2O3, TiO2 e P2O5) extraídos pelo ataque sulfúrico (Embrapa, 1997), caulinita e gibbsita por análise térmica diferencial (ATD) na fração argila desferrificada, após tratamento com ditionito-citrato-bicarbonato de sódio (Mehra & Jackson, 1960) e hematita e goethita por difratometria de raios X, após concentração dos óxidos de ferro na fração argila, segundo método descrito por Kämpf & Schwertmann (1982) (Tabela 2).

O C orgânico total (CO) foi determinado por oxidação a quente com dicromato de potássio e titulação com sulfato ferroso amoniacal, segundo método modificado de Walkley & Black (1934). O estoque de CO foi calculado nas profundidades de 0–10, 10–20 e 20–40 cm, a partir da expressão:

EstC = (CO × Ds × e)/10,

em que EstC é o estoque de C orgânico em determinada profundidade (Mg ha-1); CO é o teor de C orgânico total (g kg-1); Ds é a densidade do solo média da profundidade (kg dm-3), determinada a partir de amostras indeformadas, segundo Blake & Hartge (1986); e é a espessura da camada considerada (cm).

Para verificar tendências de acúmulo ou perda de C orgânico em comparação com o sistema de referência, foi calculada a variação do estoque de C em relação ao cerrado nativo (DEstC, Mg ha-1 cm-1), pela diferença entre os valores médios de EstC neste sistema e em cada um dos demais, dividida pela espessura (cm) de cada camada, o que foi considerado relevante para auxiliar a interpretação dos valores de EstC nas diferentes faixas de profundidades.

O C da biomassa microbiana (Cmic) foi avaliado pelo método da fumigação-extração (Vance et al., 1987), com uso do extrator K2SO4 0,5 mol L-1, oxidação a quente com K2Cr2O7 0,0667 mol L-1 + H2SO4/H3PO4 2:1 e titulação com sulfato ferroso amoniacal 0,0333 mol L-1. Foi usado o fator Kec de 0,30 para conversão do C extraído a C da biomassa microbiana.

O N total foi determinado pela digestão do solo com ácido sulfúrico e água oxigenada, seguida de destilação a vapor (Kjeldahl) com hidróxido de sódio e titulação do coletado com indicador de ácido bórico e ácido clorídrico. O estoque de N total do solo foi calculado de maneira semelhante ao estoque de carbono, tendo sido utilizada a expressão:

EstN = (Nt x Ds x e),

em que EstN é o estoque de N total do solo em determinada profundidade (Mg ha-1); Nt é o teor de N total (dag kg-1).

As formas de N amoniacal e nítrico foram determinadas segundo Bremner & Keeney (1965), com destilação a vapor do extrato de KCl 2 mol L-1.

O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, com estrutura em faixas em razão das profundidades de amostragem. Na verificação dos pressupostos da análise de variância, aditividade do modelo e normalidade de distribuição dos erros, foram utilizados os procedimentos "Univariate" e "General Linear Models" (GLM) do pacote estatístico SAS (SAS Institute, 1985). As comparações múltiplas de médias foram feitas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade, utilizando-se o programa SISVAR (Ferreira, 2000). Os teores de C orgânico total foram transformados com o uso da função y = log x para as análises de variância e, após esse procedimento, apresentados graficamente como valores não transformados. Quanto aos outros atributos, não houve necessidade de transformações.

O modelo usado no delineamento foi Yij = m + Si + Erro (sistema) + Pj + SPij + Erro (geral), em que Yij é o valor valor de cada observação; m é a média da observação no sistema i e profundidade j; Si é o efeito do sistema i; Erro (sistema) é o erro devido ao efeito da repetição dentro do sistema i; Pj é o efeito da profundidade j; SPij é o efeito da interação entre o sistema i e a profundidade j; Erro (geral) é o resíduo geral. Foram feitas análises de correlação de Pearson e a verificação da significância dos coeficientes de correlação foi efetuada com o teste t de Student.

Resultados e Discussão

Os teores de C orgânico total (CO) e de N total do solo (Nt) não diferiram entre si, nos sistemas de manejo avaliados. No entanto, para ambos os atributos, houve efeito significativo da profundidade e, em todos os sistemas, os maiores teores de CO e Nt se localizaram próximo à superfície (Figura 1). Na camada superficial (0–10 cm), o valor de CO no cerrado nativo foi, em média, de 18,5 g kg-1, havendo apenas uma tendência de redução nos sistemas de plantio convencional (14,5 e 16,5 g kg-1, para PC1 e PC2, nesta ordem). Não tendo sido detectadas alterações significativas decorrentes do efeito de sistemas de manejo, foram ajustadas aos dados equações de regressão para CO e Nt, como uma função inversa da profundidade (Figura 1).


Trabalhos desenvolvidos na região dos Cerrados revelaram resultados semelhantes aos deste estudo, com redução dos teores de CO em profundidade e falta de significância na comparação de sistemas de manejo, principalmente em superfície (Freitas et al., 2000; Freixo et al., 2002). Com relação ao Nt, não foram confirmados os incrementos verificados por Bayer & Mielniczuk (1997), na implantação de sistemas com pequeno revolvimento do solo, no Sul do Brasil, o que pode estar relacionado ao tempo de adoção dos sistemas PD1 e PD2, entre quatro e cinco anos, ainda curto para que houvesse alterações evidentes no N total do solo.

Os estoques de C orgânico (EstC) e N (EstN) também não foram alterados significativamente pelos sistemas de manejo (análise de variância). O EstC acumulado na camada de 0–20 cm aproximou-se bastante daquele apresentado por Corazza et al. (1999) para os sistemas cerrado nativo (37,98 Mg ha-1 neste trabalho contra 39,77 Mg ha-1), pastagem (40,67 e 42,18 Mg ha-1, na mesma ordem) e plantio convencional (35,86 Mg ha-1 contra, em média, 36,93 Mg ha-1, na ordem previamente apresentada). Apenas no plantio direto, os resultados (média de 40,30 Mg ha-1) foram mais marcantemente diferentes dos reportados por Corazza et al. (1999) (47,35 Mg ha-1 na camada de 0–20 cm). Os valores de estoque de C apresentados por Freitas et al. (2000) e Freixo et al. (2002), na Região do Cerrado, foram, em termos absolutos, mais distantes dos obtidos neste estudo.

Apesar de não ter havido diferenças no EstC, os sistemas de manejo menos perturbados apresentaram uma tendência em armazenar mais C orgânico no solo, principalmente nas profundidades de 0–20 e 0–40 cm (Tabela 3). Essa observação se aplica à pastagem e ao plantio direto, especificamente o PD2, cujo histórico de uso indica uma maior diversificação nas culturas adotadas em rotação, comparativamente ao PD1. Por outro lado, o EstC no plantio convencional de longa duração (PC1) na profundidade de 0–40 cm é semelhante ao do cerrado nativo, ou ligeiramente menor, indicando estabilização ou perdas muito pequenas de C orgânico do solo em relação ao sistema de referência.

Como as faixas de profundidade apresentam espessura variável, foi feita uma estimativa do incremento ou redução do EstC por centímetro de profundidade (DEstC) (Figura 2). Nos dois sistemas convencionais, e mais marcantemente no de longa duração (PC1), os valores de DEstC são negativos nos 10 cm iniciais, com tendência de acúmulo de C em profundidade, embora de maneira discreta. No plantio direto, por outro lado, os valores de DEstC são positivos nos primeiros 20 cm, embora, no PD1, tenha havido drástica redução desses valores em profundidade. Nos sistemas convencionais, existem condições que facilitam a decomposição da matéria orgânica do solo, em decorrência do revolvimento e do aumento da aeração do solo. Nos mesmos tratamentos do presente trabalho, D'Andréa et al. (2002b) verificaram redução da estabilidade de agregados no PC1, em decorrência do uso continuado de implementos. Além do efeito físico dos implementos convencionais no solo, que promovem a exposição do material orgânico localizado no interior dos agregados e, portanto, protegido do ataque de microrganismos, existe uma intensificação das condições de aeração, no revolvimento do solo, aumentando a taxa de decomposição da matéria orgânica (Cambardella & Elliott, 1993; Bayer, 1996). A profundidade de 0–10 cm, na qual o PC1 teve o menor valor de DEstC, coincide com a faixa de trabalho das grades pesadas, amplamente utilizadas na região do Cerrado. As perdas de C no PC1 podem ser menores na profundidade de 10–20 cm, havendo tendência de variação positiva na profundidade de 20–40 cm, por causa da incorporação de resíduos orgânicos e da atenuação das condições que facilitam a decomposição. O sistema convencional recente após pastagem (PC2) mostrou-se menos propenso em perder C que o PC1, principalmente na camada superficial do solo. Ainda assim, mesmo nos sistemas convencionais, a textura argilosa do solo estudado pode dificultar perdas de C ou N orgânico, pela formação de complexos estáveis entre as substâncias húmicas e os constituintes inorgânicos do solo (Oades, 1984; Stevenson, 1994; Noordwijk et al., 1997), nos quais estão incluídos os óxidos de Al, presentes muito mais expressivamente nos Latossolos do Planalto Central do Brasil (Silva et al., 1996), como no caso deste estudo (Tabela 2).


No plantio direto, não se confirmou o potencial em seqüestrar C verificado por Corazza et al. (1999), mas apenas uma tendência apresentada pelo PD2 em acumular mais C em relação ao cerrado nativo (Figura 2). Neste sistema, um manejo possivelmente mais eficiente dos resíduos incorporados à superfície do solo e o esquema de rotação de culturas mais diversificado que o PD1 podem ter contribuído para um maior desenvolvimento de raízes em profundidade e facilitado o acúmulo de CO no perfil. Isso reforça a hipótese de que as características dos esquemas de rotação de culturas podem ser determinantes no comportamento dos sistemas de manejo no que se refere ao seqüestro de carbono.

No caso da pastagem, os valores positivos de DEstC em todas as profundidades indicam possibilidade de acúmulo de C em relação ao cerrado nativo, o que é favorecido pelo sistema radicular da Brachiaria sp. que, além de abundante e volumoso, apresenta contínua renovação e elevado efeito rizosférico (Reid & Goss, 1980). A pastagem é considerada eficiente na manutenção do C orgânico no solo e, mesmo em situações de cultivo convencional implementado em área previamente ocupada por pastagens, como no caso do PC2, pode existir, ainda, uma grande influência da matéria orgânica oriunda da gramínea, o que ajuda a explicar a maior resistência do PC2 em perder C orgânico, em comparação com o sistema convencional de longa duração (PC1). Este aspecto foi abordado por Freixo et al. (2002), que sugeriram a existência de C remanescente de antigas forrageiras, naquele caso, Andropogon sp., em solo com cultivo convencional recente.

As formas de N mineral no solo, nitrato e amônio, sofreram influência marcante dos sistemas de manejo avaliados. Apesar de as medições terem sido feitas em apenas uma época, o que pode dificultar a interpretação dos resultados em face do elevado dinamismo deste nutriente no solo, os teores de amônio foram mais elevados no cerrado nativo, assumindo valores significativamente menores em todos os sistemas avaliados, tanto sob plantio direto como convencional, até a profundidade de 20 cm (Figura 3). No solo sob pastagem (PAS), os teores de amônio foram menores que no cerrado nativo somente na camada superficial. Com relação à forma nítrica, foram observados teores elevados no sistema de plantio direto PD1, maiores do que os demais sistemas na profundidade de 0–10 cm. Os teores de nitrato ainda decresceram em profundidade, com valores médios na camada de 0–10 cm (32,11 mg kg-1) superiores aos encontrados nas subjacentes (de 17,04 a 14,65 mg kg-1).


No balanço das duas formas de N mineral, os teores de amônio no cerrado nativo foram superiores aos de nitrato até a profundidade de 100 cm (Figura 3). Situação semelhante ocorreu no sistema PAS, uma vez que, abaixo da camada superficial, os teores de amônio foram maiores que os de nitrato. Por outro lado, para todos os sistemas com culturas anuais, plantio direto ou convencional, havia mais N como nitrato do que amônio na camada superfícial do solo. Apesar de não se ter informações detalhadas sobre o manejo de fertilidade nos sistemas agrícolas em anos muito anteriores à amostragem, é possível afirmar que as adubações e correções da acidez do solo criaram condições favoráveis aos microrganismos nitrificadores. De acordo com Paul & Clark (1989), a nitrificação atinge níveis insignificantes abaixo do pH 6,0 e, neste trabalho, ao menos até a profundidade de 20 cm, os teores de amônio estiveram negativa e significativamente correlacionados com o pH do solo, além de variarem de modo diretamente proporcional ao teor de C da biomassa microbiana (Tabela 4). Neste sentido, os valores relativamente baixos de pH no cerrado nativo e na pastagem, variando de 4,8 a 5,5 até a profundidade de 40 cm (D'Andréa et al., 2002a), podem ajudar a explicar a predominância da forma amoniacal nestes sistemas.

Conclusões

1. A introdução recente de plantio direto, ou mesmo de pastagens ou cultivo convencional de longa duração em áreas de cerrado nativo pode não causar alterações significativas nos teores e estoques de C orgânico e N totais, em Latossolos argilosos semelhantes aos deste estudo.

2. A pastagem é um sistema promissor em aumentar os estoques de C orgânico do solo, por apresentar variações positivas em relação ao cerrado nativo, em profundidade; o mesmo pode ser dito em relação ao sistema de plantio direto, desde que possua um esquema de rotação de culturas diversificado.

3. A forma predominante de N mineral no cerrado nativo e na pastagem, ao longo de praticamente todo o perfil, é a amoniacal, enquanto nos sistemas com culturas anuais, os teores de nitrato superam os de amônio, na camada superficial do solo.

Agradecimentos

Ao eng. agrôn. José Antonio Rodrigues de Almeida, pelo acompanhamento e suporte oferecido nos trabalhos de campo; aos produtores rurais do Sul do Estado de Goiás, pelas facilidades concedidas e pela permissão de uso das áreas experimentais; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo auxílio financeiro ao projeto.

Recebido em 21 de maio de 2003 e aprovado em 27 de novembro de 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2004
  • Data do Fascículo
    Fev 2004

Histórico

  • Aceito
    27 Nov 2003
  • Recebido
    21 Maio 2003
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