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Produtos agrícolas e florestais como alimento suplementar de tambaqui em policultivo com jaraqui

Agricultural and forest products as supplementary feeding for tambaqui in polyculture with jaraqui

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho de tambaqui (Colossoma macropomum), em policultivo com jaraqui (Semaprochilodus insignis), alimentado com produtos agrícolas e florestais como suplemento. Dois viveiros, medindo 644 m² (Viveiro A, consorciado com suínos) e 1.075 m² (Viveiro B, não-consorciado), foram utilizados com 0,5 tambaqui/m² e 0,1 jaraqui/m². Após 371 dias, os tambaquis apresentaram crescimento de 18,6±4,5 g para 997,1±195,08 g no Viveiro A e de 81,4±18,8 g para 519,9±191,7 g no Viveiro B. O manejo alimentar do Viveiro A pode ser uma alternativa sustentável de produção de tambaqui em substituição às rações comerciais.

Colossoma macropomum; Semaprochilodus insignis


The objective of this paper was to evaluate the performance of tambaqui (Colossoma macropomum) in a polyculture trial with jaraqui (Semaprochilodus insignis), using agricultural and forest products as supplementary feeding for tambaqui. Two ponds, measuring 644 m² (Pond A, associated with pigs) and 1,075 m² (Pond B, non associated), were stocked with 0.5 tambaqui/m² and 0.1 jaraqui/m². After 371 days, tambaqui showed a mean growth from 18.6±4.5 g to 997.1±195.08 g in Pond A, and from 81.4±18.8 g to 519.9±191.7 g in Pond B. Feeding management of Pond A may be a sustainable alternative of tambaqui production in substitution to commercial rations.

Colossoma macropomum; Semaprochilodus insignis


NOTAS CIENTÍFICAS

Produtos agrícolas e florestais como alimento suplementar de tambaqui em policultivo com jaraqui

Agricultural and forest products as supplementary feeding for tambaqui in polyculture with jaraqui

Sérgio Fonseca Guimarães; Atílio Storti Filho

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Coordenação de Pesquisas em Aqüicultura, Caixa Postal 478, CEP 69011-970 Manaus, AM. E-mail: sfg@inpa.gov.br, storti@inpa.gov.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar o desempenho de tambaqui (Colossoma macropomum), em policultivo com jaraqui (Semaprochilodus insignis), alimentado com produtos agrícolas e florestais como suplemento. Dois viveiros, medindo 644 m2 (Viveiro A, consorciado com suínos) e 1.075 m2 (Viveiro B, não-consorciado), foram utilizados com 0,5 tambaqui/m2 e 0,1 jaraqui/m2. Após 371 dias, os tambaquis apresentaram crescimento de 18,6±4,5 g para 997,1±195,08 g no Viveiro A e de 81,4±18,8 g para 519,9±191,7 g no Viveiro B. O manejo alimentar do Viveiro A pode ser uma alternativa sustentável de produção de tambaqui em substituição às rações comerciais.

Termos para indexação:Colossoma macropomum, Semaprochilodus insignis.

ABSTRACT

The objective of this paper was to evaluate the performance of tambaqui (Colossoma macropomum) in a polyculture trial with jaraqui (Semaprochilodus insignis), using agricultural and forest products as supplementary feeding for tambaqui. Two ponds, measuring 644 m2 (Pond A, associated with pigs) and 1,075 m2 (Pond B, non associated), were stocked with 0.5 tambaqui/m2 and 0.1 jaraqui/m2. After 371 days, tambaqui showed a mean growth from 18.6±4.5 g to 997.1±195.08 g in Pond A, and from 81.4±18.8 g to 519.9±191.7 g in Pond B. Feeding management of Pond A may be a sustainable alternative of tambaqui production in substitution to commercial rations.

Index terms:Colossoma macropomum, Semaprochilodus insignis.

A piscicultura na Região Amazônica é uma atividade incipiente, mesmo se comparada com outras regiões do Brasil, cuja tradição é ínfima em contraposição a outros países onde a criação de peixes é uma prática milenar. Apesar da crescente popularidade alcançada nos últimos anos, a piscicultura regional ainda é praticada mais para fins de lazer por pequenos criadores em fazendas próximas às áreas urbanas do que com o objetivo precípuo de melhorar a dieta familiar ou gerar renda ou emprego. A baixa representatividade econômica da piscicultura no cenário regional pode ser atribuída a vários fatores, tais como, deficiência de infra-estrutura, falta de insumos, ausência de tecnologias de cultivo adequadas às condições e às espécies nativas, carência de mão-de-obra qualificada e falta de assistência técnica regular aos criadores por parte dos órgãos de extensão rural. Segundo Maia (2001), existem na Amazônia cerca de 1.400 espécies arbóreas e herbáceas, terrestres e aquáticas, cujos frutos e sementes são parte importante da cadeia alimentar das cerca de 3.000 espécies de peixes da região. No entanto, são escassas as informações sobre a contribuição nutricional e o balanceamento natural desses itens alimentares na dieta dos peixes.

O aproveitamento de produtos naturais da Região Amazônica na alimentação e composição corporal de tambaqui (Colossoma macropomum Cuvier, 1818) tem sido estudado, seja na forma in natura, de ensilados, ou como ingredientes de dietas elaboradas em substituição a itens convencionais (Werder & Saint-Paul, 1979; Ximenes-Carneiro, 1991; Mori-Pinedo, 1993; Roubach & Saint-Paul, 1994). Em virtude de fatores como sazonalidade da produção, distribuição não-uniforme das espécies florestais, ausência de sistemas produtivos estabelecidos para a maioria dessas espécies, elevado preço de mercado de determinados produtos na safra, além do limitado conhecimento sobre eficiência nutricional e aproveitamento desses produtos pelos peixes, os resultados alcançados até agora têm sido pouco conclusivos, não permitindo ainda o uso de tais itens alimentares como ingredientes na formulação de dietas.

O objetivo deste trabalho foi avaliar o crescimento de Colossoma macropomum em policultivo com Semaprochilodus insignis Schomburgki, 1841 (jaraqui-escama-grossa), utilizando produtos agrícolas e florestais como alimento suplementar para o tambaqui.

Alevinos de tambaqui e jaraqui foram estocados, simultaneamente, sob densidades de 0,5 tambaqui/m2 e 0,1 jaraqui/m2 em dois viveiros de barragem de igarapé, medindo 644 m2 (Viveiro A) e 1.075 m2 (Viveiro B), ambos com profundidade máxima de 1,5 m. No Viveiro A, foram estocados 322 tambaquis (peso médio 18,6±4,5 g), e no Viveiro B, 538 tambaquis (peso médio 81,4±18,8 g). Os viveiros A e B foram povoados, respectivamente, com 68 e 112 jaraquis (peso médio 5,8±2,2 g). O experimento foi conduzido durante 371 dias em uma escola-fazenda localizada no Km 23 da BR-174 (Estrada Manaus-Boa Vista). Antes do povoamento, foi efetuada calagem na base de 300 kg de cal/ha em cada viveiro e, a cada 15 dias, feita adubação com esterco seco de galinha na proporção de 1.000 kg/ha.

O cultivo no Viveiro A foi consorciado com 4 suínos, mantidos em uma pequena pocilga rústica de madeira com 3,0x3,0 m e alimentados diariamente com sobras de comida do restaurante da escola-fazenda. Diariamente, a pocilga era lavada e os dejetos escoados para dentro do viveiro. Coletas de água foram efetuadas em três estações fixas em cada viveiro (E1 ao lado do monge, E2 no centro e E3 no final do viveiro) para medição de temperatura, oxigênio dissolvido, pH, condutividade e turbidez.

A dieta do tambaqui, consistia de produtos agrícolas e florestais produzidos na própria fazenda (exceto farelo de trigo), em geral rejeitados para o consumo humano, sendo fornecida in natura na proporção de 5% da biomassa, dividida em 2 porções iguais diárias, uma pela manhã e outra à tarde. Os principais itens utilizados foram açaí (caroço e casca após aproveitamento da polpa), alface, araçá-boi, couve, fruta-pão (semente cozida), jambo, mamão, mandioca (raspa e subprodutos), maxixe, pepino, pupunha (polpa cozida), quiabo, repolho e tomate. Estes eram picados ou moídos, misturados a uma pequena porção de farelo de trigo para dar maior aglutinação, pesados e colocados em cocho de madeira de 1,0x1,0x0,15 m fixado a poucos centímetros abaixo da superfície da água em cada viveiro. A porção diária do alimento era combinada e constituída, sempre que possível, de pelo menos três diferentes itens pela manhã e outros três à tarde. A quantidade de alimento era reajustada bimestralmente após cada amostragem, quando eram registrados o peso total e o comprimento furcal de 50 peixes de cada viveiro. A alimentação do jaraqui era constituída de perifíton produzido naturalmente no viveiro e de detritos disponíveis nos dois ambientes de cultivo. O crescimento dos tambaquis nos viveiros A e B foi comparado mediante análise de regressão linear feita com base nos pesos médios dos peixes, obtidos durante sete amostragens realizadas em relação ao tempo de cultivo.

Os tambaquis cultivados no Viveiro A apresentaram crescimento médio de 18,6±4,5 g para 997,1±195,1 g, com 96,6% de sobrevivência e conversão alimentar aparente de 8,06:1, ao passo que, no Viveiro B, os tambaquis cresceram de 81,4±18,8 g para 519,9±191,7 g, com 83,1% de sobrevivência e conversão alimentar aparente de 12,03:1 (Figura 1). Os jaraquis apresentaram crescimento médio de 5,8±2,2 g para 206,9±33,8 g e para 241,0±29,0 g nos viveiros A e B, respectivamente. As produtividades totais estimadas para as duas espécies foram de 5.010,8 kg/ha/ano, no Viveiro A, e de 2.398,7 kg/ha/ano, no Viveiro B.


Esses resultados mostram-se promissores para o contexto regional, tendo em vista que Graef (1995), analisando dados de vários cultivos realizados em pequenas barragens na região amazônica, reportou que, no primeiro ano, o tambaqui atinge em média cerca de 700 a 900 g. Araújo-Lima & Goulding (1998), referindo-se também a dados de cultivo de tambaqui obtidos por vários autores, mostraram que os peixes atingiram pesos médios entre 500 e 1.400 g, quando alimentados com ração balanceada em cultivos experimentais, e 750 g em regime de policultivo em viveiros.

Os baixos índices de conversão alimentar aparente das dietas podem evidenciar que elas não foram adequadamente balanceadas, conforme as necessidades calóricas e protéicas de manutenção e crescimento do tambaqui. No entanto, a taxa de conversão alimentar aparente do Viveiro A (8,06:1) foi similar à obtida por Lima et al. (1992) no cultivo de pacu, Piaractus mesopotamicus, em gaiolas, quando alimentados durante 80 dias com resíduos de produtos hortifrutigranjeiros (8,42:1). Chabalin et al. (1992), comparando a viabilidade econômica entre o uso de alimento alternativo (resíduos hortifrutigranjeiros, vísceras de frango e fubá de milho) e ração balanceada com 25% de proteína bruta como alimento para pacu em gaiolas, concluíram que a ração balanceada foi 82,09% mais cara, e que a conversão alimentar aparente do alimento alternativo foi de 8,42:1 contra 7,14:1 da ração balanceada. Isto indica que elevados índices de conversão alimentar nem sempre implicam na inviabilidade dos produtos alternativos em substituição a rações comerciais.

Situados em vale meio profundo, com cerca de 20 m de desnível entre as ombreiras e a lâmina d'água, e cercados por densa floresta nativa, a luminosidade e a ventilação natural nos viveiros eram parcialmente prejudicadas. Esta condição, bastante comum na região, foi ainda mais acentuada no Viveiro B, o que provavelmente contribuiu para que os valores médios de temperatura e oxigênio nesse viveiro (26,2ºC e 4,4 mg/L) se mantivessem inferiores aos do Viveiro A (27,4ºC e 8,6 mg/L) ao longo do período experimental (Tabela 1).

Em virtude da eutrofização dos viveiros, a adubação adicional com esterco de galinha foi suspensa nos meses de setembro e outubro. Durante as amostragens nesse período alguns tambaquis apresentaram extensão dermal do lábio inferior, estratégia regionalmente conhecida como aiú, destinada a captar oxigênio na superfície da água em condições mais severas de hipóxia. Silva (1999) referindo-se à importância dos alimentos naturais em cultivos de tambaqui no Nordeste brasileiro, indicou que há uma vantagem comparativa na produtividade quando esta espécie é cultivada em viveiros fertilizados e com densidades de estocagem moderadas (1.000 a 2.500 peixes/ha). Referiu-se ainda sobre a diversidade de itens alimentares empregados no cultivo de tambaqui por criadores particulares como frutos diversos, grãos de sorgo, farelo de arroz, tortas (caroço de algodão, tucum, babaçu, mamona), mandioca e feno de cunhã (Clitoria ternatae), entre outros. Mencionou, porém, que não existem dados disponíveis sobre os índices de conversão desses alimentos. Gomes et al. (2000), estudando a possibilidade de substituição parcial de ração por 14 espécies de frutos da floresta inundada no cultivo associado de tambaqui, matrinxã e tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), observaram a preferência dos peixes por frutos com base na rapidez com que eram consumidos ao caírem na água, sem fazer referência aos índices de conversão dos alimentos consumidos. Um estudo desenvolvido na Ilha da Marchantaria (médio Solimões) mostra que, de alguma forma, os peixes comem qualquer fruto que cai na água (Kubitzki & Ziburski, 1994).

Comparando-se o crescimento em peso dos tambaquis nos viveiros A e B, pode-se concluir que apresentaram melhor desempenho quando em consórcio com suínos do que no cultivo não-consorciado, e que produtos agrícolas e florestais diversos podem servir de base na elaboração de dietas suplementares para tambaqui, em substituição a rações industrializadas.

Recebido em 12 de março de 2003 e aprovado em 26 de setembro de 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Mar 2004

Histórico

  • Aceito
    26 Set 2003
  • Recebido
    12 Mar 2003
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