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Comparação entre mapas de solos obtidos por sensoriamento remoto espectral e pelo método convencional

Comparison between soil maps obtained by spectral remote sensing and conventional method

Resumos

O meio científico carece de métodos que efetivem a utilização da espectroradiometria em mapeamentos de solos. O objetivo deste trabalho foi comparar o uso do sensoriamento remoto espectral com o método convencional, na obtenção de mapas de solos. Utilizando o mapa planialtimétrico como base, trinta pontos de amostragem foram demarcados na área de estudo. As amostras foram coletadas a 0-20, 40-60 e 80-100 cm de profundidade em cada ponto, todos georreferenciados, totalizando noventa amostras nas quais foram feitas as análises químicas, físicas e radiométricas. Os dados radiométricos foram obtidos em laboratório usando o espectrorradiômetro IRIS, na faixa de 400-2.500 nm. Pela análise e interpretação dos dados espectrais juntamente com as curvas de nível, obteve-se um mapa espectral detalhado de solos. Na mesma área foi obtido um mapa de solos detalhado pelo método convencional. Foram identificadas quatro classes de solos em ambos os mapas, com boa correlação, demonstrando que os dados espectrais podem ser utilizados como instrumento no mapeamento de solos. A utilização conjunta dos dados de sensoriamento remoto espectral, curvas de nível e trabalho de campo permite a obtenção do mapa detalhado de solos.

mapeamento de solos; radiometria; geoprocessamento


The objective of this work was to compare the use of the spectral remote sensing for producing soil maps to the conventional method. Using a planialtimetric base map, thirty sampling points were demarcated in the studied area. The samples were collected at 0-20, 40-60 and 80-100 cm depth in each point, all georreferenced, with the total of ninety samples in which the chemical, physical and radiometric analyses were performed. The radiometric data were obtained in laboratory using the spectroradiometer IRIS, in the range of 400-2,500 nm. Using the analyses and interpretation of both the spectral and the planialtimetric data, a detailed spectral soil map was obtained. For the same area, a conventional detailed map was also obtained. Four soil classes were identified in both maps. The produced maps presented good correlation, demonstrating that spectral data can be used as tool in soil survey. The use of spectral remote sensing, planialtimetric data and field work allows the obtention of a detailed soil map.

soil survey; radiometry; geoprocessing


SOLOS

Comparação entre mapas de solos obtidos por sensoriamento remoto espectral e pelo método convencional

Comparison between soil maps obtained by spectral remote sensing and conventional method

José Alexandre M. DemattêI; Aline Marques GenúI; Peterson Ricardo FiorioII; Jonas Luís OrtizIII; Jairo Antônio MazzaI; Hudson Carlos Lissoni LeonardoIII

IUniversidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), Dep. de Solos e Nutrição de Plantas, Caixa Postal 9, CEP 13418-900 Piracicaba, SP. E-mail:jamdemat@esalq.usp.br, amgenu@esalq.usp.br, jamazza@esalq.usp.br

IIUniversidade Estadual do Oeste do Paraná, Dep. de Ciências Agrárias, Rua Pernambuco, 1777, Caixa Postal 91, CEP 85960-000 Marechal Cândido Rondon, PR. E-mail: fiorio@unioeste.br

IIIUSP-Esalq, Dep. de Ciências Florestais. E-mail:jlortiz@esalq.usp.br, hclleona@esalq.usp.br

RESUMO

O meio científico carece de métodos que efetivem a utilização da espectroradiometria em mapeamentos de solos. O objetivo deste trabalho foi comparar o uso do sensoriamento remoto espectral com o método convencional, na obtenção de mapas de solos. Utilizando o mapa planialtimétrico como base, trinta pontos de amostragem foram demarcados na área de estudo. As amostras foram coletadas a 0—20, 40—60 e 80—100 cm de profundidade em cada ponto, todos georreferenciados, totalizando noventa amostras nas quais foram feitas as análises químicas, físicas e radiométricas. Os dados radiométricos foram obtidos em laboratório usando o espectrorradiômetro IRIS, na faixa de 400—2.500 nm. Pela análise e interpretação dos dados espectrais juntamente com as curvas de nível, obteve-se um mapa espectral detalhado de solos. Na mesma área foi obtido um mapa de solos detalhado pelo método convencional. Foram identificadas quatro classes de solos em ambos os mapas, com boa correlação, demonstrando que os dados espectrais podem ser utilizados como instrumento no mapeamento de solos. A utilização conjunta dos dados de sensoriamento remoto espectral, curvas de nível e trabalho de campo permite a obtenção do mapa detalhado de solos.

Termos para indexação: mapeamento de solos, radiometria, geoprocessamento.

ABSTRACT

The objective of this work was to compare the use of the spectral remote sensing for producing soil maps to the conventional method. Using a planialtimetric base map, thirty sampling points were demarcated in the studied area. The samples were collected at 0—20, 40—60 and 80—100 cm depth in each point, all georreferenced, with the total of ninety samples in which the chemical, physical and radiometric analyses were performed. The radiometric data were obtained in laboratory using the spectroradiometer IRIS, in the range of 400—2,500 nm. Using the analyses and interpretation of both the spectral and the planialtimetric data, a detailed spectral soil map was obtained. For the same area, a conventional detailed map was also obtained. Four soil classes were identified in both maps. The produced maps presented good correlation, demonstrating that spectral data can be used as tool in soil survey. The use of spectral remote sensing, planialtimetric data and field work allows the obtention of a detailed soil map.

Index terms: soil survey, radiometry, geoprocessing.

Introdução

A distribuição espacial das diferentes classes de solos que ocorrem em uma área é normalmente visualizada a partir de mapas pedológicos. No Brasil, os levantamentos são antigos e pouco detalhados, como os do projeto Radam (escala 1:1.000.000) e os realizados pela Embrapa. O Estado de São Paulo é o que apresenta mapas com melhor nível de detalhamento, tais como as cartas semi-detalhadas feitas pelo IAC que, mesmo assim, não cobrem todo o Estado.

Com a crescente preocupação ambiental, existe uma necessidade do monitoramento das condições dos recursos naturais e da implantação da agricultura de precisão. As informações sobre os solos devem ser conciliáveis com essa realidade. Entretanto, para que isso seja possível, é preciso que novos mapas sejam feitos e em escala compatível com o objetivo. Porém, o método tradicional é lento, caro e requer análises laboratoriais subseqüentes (McBratney et al., 2003). Desta forma, novos métodos que tornem os levantamentos de solos mais rápidos e menos onerosos são necessários.

Uma das técnicas que podem auxiliar neste aspecto é o sensoriamento remoto em todos os níveis de aquisição de dados, como o orbital, utilizando-se sensores multiespectrais (TM e ETM do Landsat), hiperespectrais (Aster) e de alta resolução espacial (Ikonos); aéreos (fotos aéreas) e videografia. Informações obtidas por sensores terrestres e em laboratório também são utilizadas (Coleman et al., 1993; Demattê et al., 2001; Fiorio, 2002).

A aplicação desta técnica no estudo do solo baseia-se no fato de que os diferentes solos absorvem e refletem a energia eletromagnética em comprimentos de onda distintos, de acordo com seus atributos químicos, físicos e mineralógicos sendo, desta forma, possível diferenciá-los entre si (Andronikov & Dobrovolskiy, 1991).

Assim, Demattê & Garcia (1999), estudando solos derivados de rochas básicas do Estado do Paraná, discriminaram o Brunizem Avermelhado, a Terra Roxa Estruturada e o Latossolo Roxo a partir de suas curvas espectrais. Demattê et al. (2001) verificaram estreita correlação entre as unidades de solos discriminadas por radiometria e mapeamento convencional, atestando sua utilidade como instrumento auxiliar no mapeamento de solos.

A avaliação espectral de solos pelo sensoriamento remoto também permite a quantificação de atributos do solo e para isto, diversos métodos têm sido testados. Ben-Dor & Banin (1990) determinaram correlações significativas entre reflectância e os teores de Al2O3, MgO e Fe2O3, enquanto Coleman et al. (1991) desenvolveram equações para estimar o conteúdo de matéria orgânica, argila e óxidos de ferro a partir de dados espectrais para oito solos do Alabama, Estados Unidos.

Recentemente, Ben-Dor (2002) constatou a importância desse instrumento no estudo das características químicas e mineralógicas dos solos, assim como na separação de unidades de solos usando sensores em laboratório e campo. Portanto, o conhecimento da resposta espectral das diferentes classes de solos torna-se fundamental na distinção e separação das unidades de solos existentes em determinada região. A questão ainda não explorada é como trabalhar com estas informações visando gerar um mapa de solos.

O objetivo deste trabalho foi comparar o uso do sensoriamento remoto espectral com o método convencional na obtenção de mapas de solos.

Material e Métodos

A área de estudo, com 1.300 ha, localiza-se na região do Município de Uberlândia, MG, e tem sido destinada ao cultivo de soja. De acordo com a classificação de Köppen, o clima é do tipo Aw, caracterizado por uma estação chuvosa nos períodos de outubro a novembro e de março a abril, e por um período seco entre maio e setembro. O relevo é plano a suave ondulado e, nas áreas de baixada próximo aos córregos, o solo apresenta sinais de encharcamento.

Na obtenção dos mapas de solos, os procedimentos abaixo descritos foram realizados.

Fase 1: coleta de dados

Com o auxílio do mapa planialtimétrico, na escala de 1:10.000, e utilizando as características do relevo como apoio, a área foi percorrida em diversas secções, sempre no sentido da cota mais baixa para a mais alta. Foram estabelecidos 30 pontos de coleta de amostras de solo, todos georreferenciados. Cada ponto foi amostrado em três profundidades (0—20, 40—60 e 80—100 cm), designadas, respectivamente, camadas A, B e C, totalizando 90 amostras. As amostras coletadas foram moídas, peneiradas em malha 2 mm e secadas em estufa a 45ºC por 24 horas.

Fase 2: análises de solo

A análise granulométrica foi realizada pelo método do densímetro, usando o hexametafosfato de sódio como dispersante (Camargo et al., 1986). A análise química constou da determinação do pH em CaCl2, H2O e KCl, teor de matéria orgânica (MO), P (resina), K, Ca, Mg, Al, CTC, saturação por bases e saturação por alumínio, conforme Raij et al. (1987).

Fase 3: aquisição de dados espectrais

Os dados espectrais de cada amostra foram obtidos por meio do sensor Infra Red Intelligent Spectroradiometer (IRIS) (GER, 1996). A faixa espectral coberta por esse espectrorradiômetro estende-se de 400 a 2.500 nm, com uma resolução espectral de 2 nm entre 400 e 1.000 nm e de 4 nm entre 1.000 e 2.500 nm. A geometria do sistema foi baseada no posicionamento perpendicular do sensor em relação à amostra, que estava acondicionada em placa de Petri, mantendo entre ambos uma distância de 27 cm. A fonte de iluminação foi posicionada a 61 cm da amostra, formando um ângulo de 20° com o zênite. O padrão de referência absoluto utilizado foi uma placa de espectralon branca. A razão espectral entre o fluxo de radiação refletido pela superfície de referência e a amostra gerou o fator de reflectância bidirecional (Nicodemus et al., 1977).

Fase 4: interpretação dos dados espectrais

Os dados espectrais foram analisados e interpretados para identificar e classificar áreas de solos distintos. Foram utilizados três métodos. No primeiro deles, para cada ponto de tradagem foram obtidas três amostras de terra e curvas espectrais respectivas a cada profundidade. Todas as curvas foram avaliadas e agrupadas quanto à forma, intensidade e bandas de absorção de acordo com os padrões de curvas de solos registrados por Epiphanio et al. (1992), Formaggio et al. (1996) e Demattê et al. (2001). No segundo método, as curvas foram analisadas pelos resultados de sua derivada segunda, conforme Savitzky & Golay (1964), auxiliando na identificação dos óxidos de ferro (hematita e goethita), caulinita, gibbsita, enquanto no terceiro método foi realizada uma análise quantitativa baseada na divisão do espectro analisado (450—2.500 nm) em 22 bandas e 13 alturas.

A curva espectral apresenta várias informações ao longo do espectro. O número de bandas determinadas para o sensor utilizado é de 825 e a interpretação do significado de cada banda e sua relação com o solo é reconhecidamente uma tarefa complexa. Para suplantar este problema, o espectro que compreende o intervalo de 450 a 2.500 nm é dividido, escolhendo-se as bandas mais significativas. A escolha das bandas baseia-se em observações empíricas e, simultaneamente, na literatura. O objetivo é determinar um menor número de bandas que possam ser modelados por sistemas estatísticos e que, por sua vez, representem o referido solo. Portanto, considerando as bandas de absorção de elementos do solo já descritos e bem caracterizados como os óxidos de ferro (481 nm), água e grupos OH (1.417 e 1.927 nm), caulinita (2.206 nm) e gibbsita (2.258 nm), e em observações de curvas espectrais de vários solos, Nanni (2000) indicou a existência de 22 bandas-chave. No modelo é inserida a magnitude de reflectância de cada solo (cada banda refere-se a um comprimento de onda específico).

Com base no método de Nanni (2000), também foram determinadas as alturas, em um total de treze. A altura é caracterizada pela diferença da reflectância entre dois comprimentos de onda que determinam uma absorção de energia. Desta forma, tem-se as bandas (nm) B1 (450—481), B2 (481), B3 (481—596), B4 (596—710), B5 (710—814), B6 (814—975), B7 (975—1350), B8 (1350—1417), B9 (1417), B10 (1417—1449), B11 (1449—1793), B12 (1793—1831), B13 (1865—1927), B14 (1927), B15 (1927—2101), B16 (2101—2139),B17 (2139—2206), B18 (2206), B19 (2206—2258), B20 (2258), B21(2258—2389) e B22 (2389—2498) e alturas (nm) H1 (469—532), H2 (536-768), H3 (768—876), H4 (876—1.353), H5 (1.353—1.411), H6 (1.411—1.439), H7 (1.439—1.783), H8 (1.860—1.923), H9 (1.923—2.120), H10 (2.120—2.206), H11 (2.206—2.258), H12 (2.258—2.389), H13 (2.389—2.498).

Fase 5: determinação do mapa de solos espectral

Nesta fase o objetivo foi utilizar os dados espectrais das curvas das amostras de terra para agrupar solos semelhantes e auxiliar na delimitação das unidades de mapeamento, juntamente com as curvas de nível.

Primeiramente, foram impressas as curvas espectrais das amostras de terra de cada local de tradagem para, então, realizar a interpretação descritiva de cada uma nas três profundidades de amostragem, simultaneamente. O processo é semelhante à interpretação de análise de solo de cada local de tradagem, porém, nesta fase não foram observadas as análises mas apenas as informações espectrais.

O processo de interpretação, conforme descrito na fase 4, permitiu agrupar em curvas espectrais de tradagens semelhantes. Como apoio quantitativo ao processo interpretativo, foi realizada uma análise estatística de agrupamentos (Cluster Analysis) desenvolvida no programa Statistical Analysis System (SAS Institute, 1999). Esta análise utilizou-se das informações espectrais de cada tradagem nas três profundidades simultaneamente. O sistema comparou todas as 30 tradagens, 90 curvas espectrais, determinando os grupos de curvas mais semelhantes. As informações descritivas e as qualitativas auxiliaram na decisão sobre grupos de solos definitivos. Considerou-se, nesta fase, que cada grupo gerado pertence a determinado solo. Com base nos grupos semelhantes e simultaneamente nas informações de curvas de nível, foi realizada a delimitação das unidades de mapeamento.

Finalmente, e seguindo os mesmos passos do método tradicional de levantamento, foram demarcados perfis nas áreas mais homogêneas de cada grupo de solo. Nos perfis foi realizada a descrição morfológica (Lemos & Santos, 1996) e coleta de amostra de terra de cada horizonte. Essas amostras foram encaminhadas para análise espectral. As análises químicas e granulométricas também foram realizadas, porém estes dados foram interpretados na fase de determinação do mapeamento tradicional.

Com base nas curvas espectrais dos perfis, foi realizada a interpretação comparativa com padrões previamente descritos. Os padrões utilizados foram os de Epiphanio et al. (1992), Formaggio et al. (1996) e Demattê et al. (2001). Esses autores correlacionaram curvas espectrais de perfis de solos e a respectiva classificação. Comparando as curvas dos perfis de solo do presente trabalho com as destes autores, foi possível chegar a uma classificação até o segundo nível categórico (subordem). Com isso, determinou-se o mapa detalhado de solos, considerando-se informações espectrais e curvas de nível.

Fase 6: desenvolvimento do mapa de solos detalhado pelo método convencional

O mapa convencional de solos foi obtido analisando-se os dados químicos e granulométricos das 90 amostras de terra. Em seguida, observando-se as curvas de nível, quatro unidades de mapeamento foram delimitadas e classificadas após a descrição morfológica (Lemos & Santos, 1996) de acordo com Embrapa (1999). Os mapas foram digitalizados e introduzidos no sistema de informação geográfica Spring (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1999).

Fase 7: validação do mapa espectral

O mapa de solos convencional e o espectral foram comparados por meio do cruzamento de suas informações, pelo emprego de técnicas de geoprocessamento, ou seja, a tabulação cruzada no Spring (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1999), o que possibilitou obter os valores de erro e acerto entre os dois métodos estudados.

Fase 8: avaliação de dados espectrais na quantificação como auxílio no mapeamento visto na fase 6

Com o objetivo de avaliar a possibilidade de atingir o terceiro nível categórico (grande grupo) da classificação de solos, foram realizadas análises estatísticas de predição de atributos do solo, conforme descrito a seguir. Na predição, valores dos atributos físicos — teores de areia, silte e argila — e químicos como MO, soma de bases (S), CTC, saturação por bases (V%) e saturação por alumínio (m%), utilizou-se a análise de regressão linear múltipla no programa Statistical Analysis System (SAS Institute, 1999). Inicialmente foi realizada a seleção das variáveis independentes — bandas e alturas — a serem consideradas no ajuste do modelo de regressão, por meio da análise passo a passo, para cada atributo do solo. Em seguida, realizou-se o teste de multicolinearidade para eliminação de uma ou mais variáveis que atuavam concomitantemente na estimativa de um mesmo atributo. A seqüência das análises é mostrada na Figura 1.


Resultados e Discussão

Comportamento espectral dos solos

Quatro classes de solos foram encontradas na área pelos métodos convencional e espectral, sendo a de maior expressão o Latossolo Amarelo Ácrico típico (LAw1), originada de material argiloso e de baixa fertilidade natural. Por causa das aplicações de calcário e fertilizantes realizadas anteriormente para o cultivo de grãos, a saturação por bases na superfície é elevada, assim como os teores de P e K (Tabela 1).

A presença de material laterítico, em posição intermediária no relevo recoberto pelo material de origem da unidade LAw1, desenvolve-se o Latossolo Amarelo Ácrico plíntico (LAw2), semelhante ao anterior tanto quanto a granulometria como no aspecto químico. Nas partes mais baixas da área desenvolve-se o Gleissolo Háplico Tb distrófico (GXbd), originado do mesmo material das unidades anteriores. Uma classe de menor expressão foi designada como Cambissolo Háplico alumínico típico (CXa).

A unidade LAw1 apresenta intensidade de reflectância das camadas B e C variando de 0,25 a 0,34 na faixa do espectro entre 700 e 2.150 nm por causa do seu caráter argiloso e teor de óxidos de ferro, conforme pode ser observado pelas nítidas feições entre 400—550 nm e 800—900 nm (Formaggio et al., 1996; Demattê et al., 2001). A camada A manteve-se em um patamar inferior aos 0,30 de reflectância ao longo de todo o espectro por causa dos maiores teores de MO que mascaram o efeito dos óxidos de ferro (Demattê & Garcia, 1999) (Figura 2).


Na unidade LAw2 a camada superficial apresentou reflectância mais alta (Figura 2), possivelmente pelo fato de a MO neste solo ser constituída de material menos decomposto, tendo como causa a condição de menor drenagem pela presença do material laterítico, o que reduz a taxa de decomposição da matéria orgânica.

Foram observadas feições de absorção em 1.400 nm e em 1.900 nm, ocasionadas pela vibração das moléculas de água intercalar na estrutura cristalina dos minerais de argila, e em 2.200 nm, devido à caulinita (Figura 2), corroborando os dados de Clemente et al. (2000) quando este autor estuda a mineralogia de solos derivados de diabásio. Tais bandas são menos intensas se comparadas às dos CXa e do GXbd, por causa dos maiores teores de minerais 2:1 desses solos. A concavidade em 650 nm constitui indicação da presença de óxidos de ferro no solo (Vitorello & Galvão, 1996), assim como a banda em 2.265 nm ratifica a presença de gibbsita (Madeira Netto, 1996).

A resposta espectral da unidade GXbd permitiu inferir uma forte presença de MO na camada superficial (Figura 2), o que pode ser comprovado pela grande diferença de intensidade de reflectância, quando comparada com as camadas B e C ao longo de todo o espectro. Na faixa de 400 a 1.200 nm o formato das curvas nas três profundidades é côncava-convexa-côncava, indicando que embora haja altos teores de MO, os óxidos de ferro estão presentes. As bandas da água estão presentes em 1.400 e 1.900 nm e a banda de absorção em 2.200 nm indica a existência de mineralogia 1:1. É observada ainda a feição da gibbsita em 2.265 nm (Figura 2).

A unidade CXa apresenta pouca profundidade, textura muito argilosa em todo o perfil (Tabela 1) e oscilações da intensidade de reflectância entre as amostras das camadas A, B e C na faixa principal de atuação da MO (400—1.200 nm) (Figura 2).

Os óxidos de ferro, hematita e goethita, ocorrem nas três camadas do CXa, tendo em vista a mesma concavidade entre 400 e 550 nm (Demattê & Garcia, 1999). Em relação às bandas da água intercalar (1.400 e 1.900 nm), essas são mais intensas neste solo quando comparadas com os latossolos. A feição de absorção dos minerais de argila em 2.200 nm pode ser visualizada, mas com pouca nitidez, entretanto, a derivada segunda mostra em 2.200 nm a feição dupla da caulinita e a gibbsita entre 2.250 nm e 2.300 nm, o que permite inferir que a mineralogia desse solo é 2:1+1:1. O efeito da MO na camada A, na redução da sua reflectância e na atenuação da banda de absorção dos óxidos de ferro em 850—900 nm é também observado nesse solo.

Comparação entre o mapa espectral e o mapa convencional

Os mapas de solos obtidos pelo método convencional e pelo método espectral, no nível detalhado apresentam quatro classes de solos: LAw1, LAw2, GXbd e CXa (Figura 3). A comparação dos mapas foi realizada mediante tabulação cruzada entre as informações obtidas e expressa os valores de áreas coincidentes para cada classe de solo assim como as divergências.


Desta forma, o LAw1, que no mapa convencional ocupa 915,01 ha ou 72,24% da área (Tabela 2), no mapa espectral ocorre em 876,63 ha ou 69,21% da área e a área restante desta classe de solo, 38,38 ha, foi classificada no mapa espectral como LAw2 em 13,37 ha e como GXbd em 25,01 ha, assim como o LAw2 confundiu-se apenas com LAw1 e o GXbd com os dois LAw. O CXa apresentou uma área maior no mapa espectral, visto que ocupou uma parte da área representada pela unidade LAw1 no mapa convencional (Figura 3). A maior parte das confusões ocorreu na zona de transição entre as diferentes classes de solo. Por causa da complexidade destes locais, os dados espectrais não identificaram corretamente a classe de solo, além disso, como o cambissolo e o gleissolo ocupam uma área pequena proporcionalmente aos latossolos, qualquer ponto classificado erroneamente representa uma expressiva perda ou ganho de área.

Demattê et al. (2001), trabalhando em uma área de Mogi-Mirim, SP, mapearam cinco classes de solos (LVdf, LVd, PVAd1, GX+RU e CXbe) e constataram boa correlação entre o mapa espectral e o mapa convencional detalhado demonstrando que os dados espectrais obtidos em laboratório são úteis no levantamento de solos.

Quantificação de atributos do solo

Equações de regressão múltipla foram ajustadas na predição dos valores de oito atributos do solo a partir de sua resposta espectral. Com exceção do silte e da saturação por alumínio, os demais atributos do solo apresentaram coeficientes de determinação (R2) acima de 70% (Tabela 3). Esses resultados corroboram os obtidos por Janik et al. (1998), Nanni (2000) e Fiorio (2002). Altos coeficientes dos atributos físicos como areia e argila têm sido alcançados, visto que estes parâmetros influenciam de forma mais intensa a resposta espectral do solo.

A soma de bases (S), a capacidade de troca catiônica (CTC) e a saturação por bases (V%) apresentaram valores de R2 elevados concordando com Dunn et al. (2002), porém tais atributos normalmente mostram coeficientes com valores menores que 50% (Demattê & Garcia, 1999; Fiorio, 2002). Poucos trabalhos tem sido realizados para explicar a influência das propriedades químicas na resposta espectral dos solos devido à natureza dinâmica das reações do solo.

Os valores obtidos em relação à matéria orgânica também são muito variáveis. Assim, Ben-Dor & Banin (1995) e Demattê & Garcia (1999) apresentaram coeficientes de 50% e 45%, respectivamente, enquanto Demattê et al. (2001) obtiveram R2 de 79% e Coleman et al. (1991) de 68%, menos significativos do que os obtidos neste trabalho (92%) (Tabela 3).

A utilização destes modelos pode permitir alcançar até o terceiro nível categórico na classificação. Entretanto, por causa do número de amostras utilizadas e da presença de apenas quatro classes de solos, os modelos desenvolvidos não podem ser extrapolados para outras regiões, sendo necessário estudos específicos relacionados a este tópico.

A aplicação dos modelos desenvolvidos (Tabela 3) pode ser feita obtendo-se os dados espectrais de amostras de terra com valores de V% desconhecidos, que seriam introduzidos na equação e o resultado do V% estimado seria utilizado para auxiliar na determinação do terceiro nível categórico na classificação desta amostra.

Conclusões

1. A análise do comportamento espectral dos solos permite determinar atributos como a granulometria, mineralogia, matéria orgânica e o ferro que, aliados à curva espectral em todo o espectro eletromagnético estudado, auxiliando na classificação do solo, até o segundo nível categórico.

2. O sensoriamento remoto espectral, as curvas de nível e o trabalho de campo permitem realizar a delimitação de solos detalhadamente.

3. A quantificação da areia, argila, CTC, V%, S, m% e da matéria orgânica por dados espectrais indica a possibilidade de atingir o terceiro nível categórico na classificação de solo.

Recebido em 4 de setembro de 2003 e aprovado em 24 de setembro de 2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004

Histórico

  • Aceito
    24 Set 2004
  • Recebido
    04 Set 2003
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