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Densidade de estocagem de matrinxã (Brycon amazonicus) na recria em tanque-rede

Stocking density of matrinxã (Brycon amazonicus) during second growth phase in cages

Resumos

O objetivo deste trabalho foi determinar a densidade de estocagem mais adequada na fase de recria de matrinxã (Brycon amazonicus) em tanque-rede. Os peixes foram distribuídos em 12 tanques-rede de 1 m³, nas densidades de 200, 300, 400 e 500 peixes m-3, sendo alimentados com ração comercial contendo 34% de proteína bruta durante 60 dias. Foram analisados parâmetros de crescimento e produtividade. Não houve diferença no peso e comprimento. A produção por área foi significativamente maior na densidade de 500 peixes m-3, considerada, portanto, a mais adequada para recria em tanque-rede.

piscicultura; produção; densidade de estocagem


The objective of this work was to determine the adequate stocking density to second growth phase of matrinxã (Brycon amazonicus) in cage. Fish has been stocked in 12 cages with 1 m³ each in four different densities 200, 300, 400 and 500 fish m-3. Fish were fed on commercial diets with 34% of crude protein during 60 days. Growth and productivity parameters were evaluated. There were no differences in weight and length. The production per area was significantly higher in the density of 500 fish m-3, considered then the most adequate to the second growth phase in cage.

fish culture; production; stocking density


NOTAS CIENTÍFICAS

Densidade de estocagem de matrinxã (Brycon amazonicus) na recria em tanque-rede

Stocking density of matrinxã (Brycon amazonicus) during second growth phase in cages

Franmir Rodrigues Brandão; Levy de Carvalho Gomes; Edsandra Campos Chagas; Lucelle Dantas de Araújo; André Luiz Ferreira da Silva

Embrapa Amazônia Ocidental, Caixa Postal 319, CEP 69011-970 Manaus, AM. E-mail: franmir@cpaa.embrapa.br, levy@cpaa.embrapa.br, edsandra@cpaa.embrapa.br, lucelle@cpaa.embrapa.br, andré@cpaa.embrapa.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi determinar a densidade de estocagem mais adequada na fase de recria de matrinxã (Brycon amazonicus) em tanque-rede. Os peixes foram distribuídos em 12 tanques-rede de 1 m3, nas densidades de 200, 300, 400 e 500 peixes m-3, sendo alimentados com ração comercial contendo 34% de proteína bruta durante 60 dias. Foram analisados parâmetros de crescimento e produtividade. Não houve diferença no peso e comprimento. A produção por área foi significativamente maior na densidade de 500 peixes m-3, considerada, portanto, a mais adequada para recria em tanque-rede.

Termos para indexação: piscicultura, produção, densidade de estocagem.

ABSTRACT

The objective of this work was to determine the adequate stocking density to second growth phase of matrinxã (Brycon amazonicus) in cage. Fish has been stocked in 12 cages with 1 m3 each in four different densities 200, 300, 400 and 500 fish m-3. Fish were fed on commercial diets with 34% of crude protein during 60 days. Growth and productivity parameters were evaluated. There were no differences in weight and length. The production per area was significantly higher in the density of 500 fish m-3, considered then the most adequate to the second growth phase in cage.

Index terms: fish culture, production, stocking density.

A tecnologia de piscicultura em tanques-rede vem sendo amplamente difundida na Amazônia Brasileira principalmente pela abundância e disponibilidade de ambientes propícios, tais como lagos e rios. Esta tecnologia já foi testada na região e se mostra promissora por utilizar altas taxas de estocagem, gerando grande produtividade por área (Chagas et al., 2003).

No desenvolvimento de uma tecnologia de produção determinada espécie de peixe, um dos primeiros passos é a verificação da densidade de estocagem adequada para a região, que visa a definir níveis ótimos de produtividade por área (Brandão et al., 2004). Jobling (1994) relata que a densidade de estocagem tem efeito na sobrevivência e no crescimento, sendo uma possível causa do fracasso na produção final de peixes. Normalmente, peixes criados em baixas densidades de estocagem apresentam boa taxa de crescimento e alta porcentagem de sobrevivência, porém a produção por área é baixa (Gomes et al., 2000), caracterizando baixo aproveitamento da área disponível. Por sua vez, peixes mantidos em altas densidades normalmente apresentam menor crescimento (El-Sayed, 2002), ficam estressados (Iguchi et al., 2003) e estão sujeitos ao aparecimento de interações sociais que levam à produção de um lote de tamanho heterogêneo (Cavero et al., 2003).

O matrinxã (Brycon amazonicus) é a segunda espécie mais criada na Região Amazônica por apresentar rápido crescimento em cativeiro e alcançar bons preços no mercado. Os juvenis de matrinxã, normalmente disponíveis nas fazendas de reprodução, são de tamanho inferior ao mínimo necessário (14–16 cm) para povoamento de tanque-rede de engorda. Para que a criação de matrinxã em tanques-rede cresça na Região Amazônica, é necessário desenvolver uma técnica de produção direcionada à recria, que é a fase de engorda de juvenis de 2–5 cm até atingir 14–16 cm.

O objetivo deste trabalho foi testar diferentes densidades de estocagem para a fase de recria de matrinxã em tanque-rede.

Juvenis de matrinxã, com 4,11±0,44 cm e 0,56±0,20 g, foram obtidos na fazenda Santo Antônio, Rio Preto da Eva, AM, e levados para 12 tanques-rede com 1 m3 de área útil e malha de 20 mm entrenós, revestidos internamente por malha de multifilamento de 5 mm entrenós. Os tanques-rede foram instalados em um açude de 6 ha abastecido por água da chuva, localizado no Pesque-Pague San Diego, Manaus, AM, com as seguintes características físico-químicas da água: oxigênio dissolvido (mg L-1), 6,06±0,21; temperatura (oC), 30,86±0,11; pH, 5,64±0,12; dureza (mg L-1), 7,13±0,67; alcalinidade (mg L-1), 8,13±0,61; e amônia total (mg L-1), 0,29±0,05. O açude era povoado por uma quantidade desconhecida de tambaqui (Colossoma macropomum) e matrinxã, destinados à pesca esportiva. Os juvenis foram distribuídos em um delineamento experimental inteiramente casualizado nos tanques, onde foram avaliadas densidades de 200, 300, 400 e 500 juvenis m-3, com três repetições. O experimento teve duração de 60 dias, entre outubro e dezembro de 2003, e os peixes foram alimentados até a saciedade aparente, três vezes por dia, com ração comercial extrusada com 34% de proteína bruta.

Aos 30 e 60 dias da criação, 30 peixes capturados de cada tanque-rede foram anestesiados com 50 mg L-1 de benzocaína, pesados e medidos. Com os resultados da biometria, foram calculados o crescimento em peso e comprimento, o coeficiente de variação do comprimento [(desvio padrão do comprimento/comprimento médio) × 100] e a taxa de crescimento específico [(ln peso no tempo 1 - ln peso no tempo 0)/tempo] × 100. Os parâmetros de produtividade final avaliados foram: sobrevivência (%), produção por área (peixes m-3), ganho de peso (peso médio final - peso médio inicial), biomassa final (kg) e conversão alimentar aparente (consumo de ração/ganho de peso).

Em cada tanque-rede foram avaliados, seis vezes por semana, o oxigênio dissolvido e a temperatura, com oxímetro digital. A cada sete dias foram determinados pH, alcalinidade, dureza e amônia total, conforme Boyd (1982).

No final do experimento foram coletadas amostras de sangue por punção caudal de três peixes por tanque-rede, para se avaliar o estresse dos animais. O indicador fisiológico utilizado foi concentração de glicose sanguínea, medida com um leitor digital.

Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

Os parâmetros de qualidade da água, com exceção da dureza, não apresentaram diferença significativa entre as densidades (Tabela 1). As concentrações de oxigênio dissolvido, temperatura, pH e amônia estão dentro da faixa considerada ótima para a criação de peixes (Boyd, 1982). Os valores de dureza e alcalinidade estão abaixo dos considerados adequados para criação de peixes, porém o matrinxã habita lagos e igarapés que apresentam baixas concentrações de dureza e alcalinidade, em seu ambiente natural. Portanto, estas variáveis, mesmo estando abaixo do considerado ideal, não devem ter causado um efeito relevante na produção.

A glicose é um bom indicador de distúrbios fisiológicos resultantes de diferentes tipos de estressores, por ser a principal fonte de energia utilizada pelos peixes para suportar situações desfavoráveis (Morgan & Iwama, 1997). Segundo Procarione et al. (1999), densidades de estocagem extremas causam um aumento na glicose sangüínea e, conseqüente diminuição no crescimento, pois a energia destinada ao crescimento é desviada para compensar a situação desfavorável. Não foi observada diferença significativa na glicose sangüínea entre os peixes das diferentes densidades, sugerindo que nenhuma delas foi fisiologicamente estressante para o matrinxã (Figura 1). Os valores de glicose obtidos, 60–65 mg dL-1, foram semelhantes aos valores basais da espécie descritos por Carneiro & Urbinati (2001).


Altas densidades de estocagem ocasionam problemas de espaço e afetam a taxa de crescimento (Jobling, 1994). As variáveis de crescimento avaliadas não apresentaram os efeitos descritos por esse autor, uma vez que não foi observada diferença significativa entre as densidades, aos 30 e 60 dias (Tabela 2). Estes resultados indicam que, para este tempo de criação, a disponibilidade de espaço não teve efeito adverso no crescimento do matrinxã. Os peixes atingiram o tamanho médio final desejado para a fase de recria, maiores que 14 cm, em todas as densidades, mostrando que a capacidade de suporte dos tanques não foi atingida. Densidades maiores que as ensaiadas neste trabalho devem ser avaliadas, para se maximizar a recria de matrinxã em tanque-rede e avaliar até que ponto o crescimento é mantido.

O coeficiente de variação (CV) do crescimento e a taxa de crescimento específico (TCE) não apresentaram diferenças significativas entre as densidades, resultado semelhante ao obtido por Brandão et al. (2004), durante a recria de tambaqui em tanque-rede. Porém, estes resultados não eram esperados para o matrinxã, visto que para larvas desta espécie é relatado um CV crescente e TCE decrescente em função do aumento da densidade de estocagem (Gomes et al., 2000). Os peixes de todas as densidades testadas estavam homogêneos em seu tamanho, pois, segundo Jobling (1994), valores de coeficiente de variação menores ou próximos a 10% caracterizam homogeneidade no tamanho dos peixes criados. Juvenis de pirarucu (Arapaima gigas) criados em tanque-rede também apresentaram crescimento homogêneo, sendo este resultado atribuído ao manejo alimentar (Cavero et al., 2003). Desta forma, pode-se inferir que o manejo alimentar aplicado ao matrinxã foi adequado para a fase de recria.

A conversão alimentar aparente (CAA) e o ganho de peso não foram diferiram significativamente entre as densidades estudadas (Tabela 3). A CAA obtida, de 1,31–1,35, foi superior à de 2,50, obtida para a lavicultura em viveiro (Gomes et al., 2000), à de 1,95, para engorda em canais de igarapé (Arbeláez-Rojas et al., 2002) e à de 1,50–1,80, para engorda em viveiro (Izel, 2000).

A sobrevivência média final oscilou entre 92,0±4,09%, na densidade de 200 peixes m-3 e 77,75±3,17%, na densidade de 400 peixes m-3, porém não houve diferença significativa entre as densidades (Tabela 3). Da mesma forma que para o matrinxã, a densidade de estocagem não teve efeito na sobrevivência durante a recria do tambaqui (Colossoma macropomum) (Brandão et al., 2004) e do bagre-do-canal (Ictalurus punctatus) (Esquivel et al., 1997). A sobrevivência média observada neste trabalho (em torno de 85%) foi semelhante à obtida para o tambaqui nos sistemas de recria em tanque-rede (80%) e tanque (94%) (Souza et al., 1998; Brandão et al., 2004).

A produção por área e a biomassa final foram significativamente maiores na densidade de 500 peixes m-3, quando comparadas às demais densidades (Tabela 3). A produção média final na maior densidade avaliada foi 416,7±40,11 peixes m-3, sendo superior às obtidas na recria de tambaqui em tanque-rede (Brandão et al., 2004) e tanques (Souza et al., 1998), que foram, respectivamente, de 316 e 20 peixes m-3.

Agradecimentos

A José P. de Souza e a Márcia Pessoa, da Embrapa Amazônia Ocidental, pela ajuda nas análises laboratoriais e de campo; a Hélcio Ferreira, pela cessão do açude para a realização do trabalho; à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) - Projeto TANRE; ao CNPq e ao Banco da Amazônia, pelo suporte financeiro.

Recebido em 25 de maio de 2004 e aprovado em 26 de outubro de 2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Mar 2005

Histórico

  • Aceito
    26 Out 2004
  • Recebido
    25 Maio 2004
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