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Ajuste osmótico em milho cultivado em diferentes sistemas de manejo de solo e disponibilidade hídrica

Osmotic adjustment in maize cultivated in different soil tillage systems and water availability

Resumos

A cultura do milho é sensível ao déficit hídrico, e esta é uma causa freqüente de redução na produção de grãos. O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrência de ajuste osmótico em milho, cultivado em dois sistemas de manejo do solo, com diferentes disponibilidades hídricas. Os tratamentos consistiram do cultivo do milho em semeadura direta (SD) e convencional (SC), com irrigação de forma a manter a umidade do solo próxima à capacidade de campo, e sem irrigação. O ajuste osmótico foi obtido pela diferença do potencial osmótico hidratado entre as plantas irrigadas e sem irrigação. Os maiores valores de potencial mínimo de água na folha ocorreram em plantas cultivadas sob SD, em razão do maior potencial matricial da água no solo nesse sistema. O potencial de pressão e o osmótico hidratado diminuíram em conseqüência do déficit hídrico, o que determinou a ocorrência de ajuste osmótico em ambos os sistemas, que foi mais intenso em manejo convencional. Portanto, o potencial mínimo de água na folha demonstra ser um indicador adequado da condição hídrica das plantas de milho. A cultura apresenta tolerância ao déficit hídrico por meio do mecanismo de ajuste osmótico.

Zea mays; potencial de água na folha; déficit hídrico; plantio direto


Maize is a very sensible crop to water deficit, which is a frequent cause of reduction in its grain yield. The objective of this work was to verify the occurrence of osmotic adjustment in maize cultivated in different soil management systems and water availability. The maize was cropped in no-tillage (NT) and conventional tillage (CT), with irrigation and no-irrigation. For measurements of minimum leaf water potential, a pressure chamber was utilized. Osmotic adjustment was calculated as the difference between osmotic potentials at full turgor, in irrigated and non-irrigated plants. Highest values of minimum leaf water potential were found in plants cropped in NT, as a response to the highest soil potential on this cropping system. Pressure potential and the osmotic potential at full turgor were reduced as a response to water deficit, resulting on an osmotic adjustment in both cropping systems, with a highest intensity in the CT system. Minimum leaf water potential showed sensitivity to water deficit, which makes it a good indicator of plant water status on maize. Maize crop showed tolerance to water deficit through the mechanism of osmotic adjustment.

Zea mays; leaf water potential; water deficit; no-tillage


FISIOLOGIA VEGETAL

Ajuste osmótico em milho cultivado em diferentes sistemas de manejo de solo e disponibilidade hídrica

Osmotic adjustment in maize cultivated in different soil tillage systems and water availability

Cleusa Adriane Menegassi Bianchi; João Ito Bergonci; Homero Bergamaschi; Genei Antonio Dalmago

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Caixa Postal 15100, CEP 91501-970 Porto Alegre, RS. E-mail: cleusa_bianchi@yahoo.com.br, joao.bergonci@ufrgs.br, homerobe@ufrgs.br, gdalmago@yahoo.com.br

RESUMO

A cultura do milho é sensível ao déficit hídrico, e esta é uma causa freqüente de redução na produção de grãos. O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrência de ajuste osmótico em milho, cultivado em dois sistemas de manejo do solo, com diferentes disponibilidades hídricas. Os tratamentos consistiram do cultivo do milho em semeadura direta (SD) e convencional (SC), com irrigação de forma a manter a umidade do solo próxima à capacidade de campo, e sem irrigação. O ajuste osmótico foi obtido pela diferença do potencial osmótico hidratado entre as plantas irrigadas e sem irrigação. Os maiores valores de potencial mínimo de água na folha ocorreram em plantas cultivadas sob SD, em razão do maior potencial matricial da água no solo nesse sistema. O potencial de pressão e o osmótico hidratado diminuíram em conseqüência do déficit hídrico, o que determinou a ocorrência de ajuste osmótico em ambos os sistemas, que foi mais intenso em manejo convencional. Portanto, o potencial mínimo de água na folha demonstra ser um indicador adequado da condição hídrica das plantas de milho. A cultura apresenta tolerância ao déficit hídrico por meio do mecanismo de ajuste osmótico.

Termos de indexação:Zea mays, potencial de água na folha, déficit hídrico, plantio direto.

ABSTRACT

Maize is a very sensible crop to water deficit, which is a frequent cause of reduction in its grain yield. The objective of this work was to verify the occurrence of osmotic adjustment in maize cultivated in different soil management systems and water availability. The maize was cropped in no-tillage (NT) and conventional tillage (CT), with irrigation and no-irrigation. For measurements of minimum leaf water potential, a pressure chamber was utilized. Osmotic adjustment was calculated as the difference between osmotic potentials at full turgor, in irrigated and non-irrigated plants. Highest values of minimum leaf water potential were found in plants cropped in NT, as a response to the highest soil potential on this cropping system. Pressure potential and the osmotic potential at full turgor were reduced as a response to water deficit, resulting on an osmotic adjustment in both cropping systems, with a highest intensity in the CT system. Minimum leaf water potential showed sensitivity to water deficit, which makes it a good indicator of plant water status on maize. Maize crop showed tolerance to water deficit through the mechanism of osmotic adjustment.

Index terms:Zea mays, leaf water potential, water deficit, no-tillage.

Introdução

O milho é uma cultura de grande importância socioeconômica para o Estado do Rio Grande do Sul. Seu rendimento é extremamente dependente da condição hídrica durante o desenvolvimento, principalmente no período de pendoamento-espigamento (Matzenauer et al., 1995; Bergamaschi et al., 2004). Assim, qualquer aporte de água durante esse período pode ser fator determinante em seu rendimento final.

A atividade agrícola teve importantes modificações nas últimas décadas, como a adoção do sistema de semeadura na palha, denominado plantio direto, que provoca alterações nas propriedades físicas (Derpsch et al., 1986), químicas (Sidiras et al., 1983) e biológicas do solo (Griffith et al., 1992). Em relação à resposta das plantas, quanto à disponibilidade de água, pouco se sabe a respeito do efeito desse sistema em comparação ao convencional.

A utilização de indicadores da condição hídrica das plantas, como o potencial de água na folha, pode ser uma ferramenta importante no monitoramento da disponibilidade de água no solo e da necessidade de irrigação (Bergonci et al., 2000).

O potencial da água é uma medida importante e sensível do estado hídrico da planta; varia de valores próximos de zero nas plantas sem estresse, até valores bem abaixo de zero ou igual ao potencial osmótico, em plantas com estresse severo (Kramer & Boyer, 1995). Mesmo com variações ao longo do dia - estresse de curto prazo -, em plantas irrigadas, o potencial de água na folha tem sido utilizado em estudos das relações hídricas dos vegetais (Hsiao, 1973), e é considerado padrão do estado hídrico da planta.

Diversos autores procuraram estabelecer relações entre o potencial da água e determinados parâmetros da planta. Boyer (1970) determinou que potenciais da água na planta de milho menores que -0,4 MPa afetavam significativamente a expansão foliar, embora a fotossíntese máxima ocorresse com potenciais foliares entre -0,6 e -0,8 MPa. Bergonci et al. (2000) observaram que, acima de determinado potencial mínimo de água na folha, entre -1,2 e -1,5 MPa, as plantas de milho recuperavam sua condição hídrica, após o fechamento estomático, e esses valores poderiam ser utilizados como critério indicador de déficit hídrico do milho.

Na presença de déficit hídrico, as plantas podem utilizar mecanismos de tolerância, como o ajuste osmótico, para que a célula absorva água e mantenha o potencial de pressão em níveis adequados. A diminuição do potencial osmótico, em reposta ao déficit hídrico, pode resultar de uma concentração passiva de solutos, conseqüência da desidratação da célula, ou da acumulação ativa de solutos, mas só esta última pode ser considerada como ajuste osmótico (Patakas et al., 2002).

Premachandra et al. (1992), ao estudarem cinco cultivares de milho submetidas ao déficit hídrico, observaram que o potencial osmótico diminuiu, em todas as cultivares, em resposta ao decréscimo do teor de água no solo. De acordo com os mesmos autores, alta acomodação osmótica foi observada, com valores entre 0,08 e 0,43 MPa. Jongdee et al. (2002) observaram, no arroz, ajuste osmótico com valores de 0,8 MPa, dependente da severidade do déficit. Apesar de ser considerado um importante mecanismo de tolerância ao déficit hídrico, o ajuste osmótico pode não aumentar a produtividade das plantas, mas possibilita a continuação do desenvolvimento em condições de estresse (Serraj & Sinclair, 2002).

O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrência de ajuste osmótico em milho, cultivado em diferentes sistemas de manejo do solo, com diferentes disponibilidades hídricas.

Material e Métodos

O experimento foi realizado na Estação Experimental Agronômica, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EEA/UFRGS), Município de Eldorado do Sul, RS (30º 5' S, 51º 40' W e 40 m de altitude). O clima da região é do tipo fundamental Cfa, conforme a classificação climática de Köppen, ou seja, subtropical úmido com verão quente (Bergamaschi et al., 2003).

O solo pertence à unidade de mapeamento Arroio dos Ratos, classificado como Argissolo Vermelho distrófico típico (Embrapa, 1999).

A área experimental de aproximadamente 0,5 ha foi cultivada por sete anos, desde 1995, parte em sistema de manejo semeadura direta (SD) e parte em semeadura convencional (SC). O preparo do solo foi feito em outubro de 2002, quando a área sob SD teve a cobertura vegetal dessecada e, posteriormente, acamada com o auxílio de rolo faca. No mesmo período, fez-se a incorporação da biomassa verde de aveia+ervilhaca, mediante aração com arado de disco, seguida de duas gradagens com grade niveladora, na área de SC.

Utilizou-se um delineamento em blocos (faixas) com quatro repetições. Os tratamentos consistiram de dois sistemas de manejo e dois níveis de água: sem irrigação (NI) e com irrigação, para manter a umidade do solo próxima à da capacidade de campo (I). Os dois sistemas de manejo foram dispostos em faixas nas parcelas principais, e os níveis de água, nas subparcelas. Utilizou-se um sistema de irrigação por aspersão em linha, constituído por 12 aspersores, dispostos na direção leste-oeste, entre os dois sistemas de manejo de solo.

Foram aplicados, na linha de semeadura, 800 kg ha-1 de NPK 5-20-20. Posteriormente, foram aplicados 100 kg ha-1 de N em cobertura (uréia), aos 15 e 36 dias após a emergência (DAE).

As medidas de potencial matricial da água no solo foram feitas com o auxílio de tensiômetros de mercúrio, instalados a 45 cm e 60 cm de profundidade.

O potencial mínimo da água na folha foi medido entre 12h e 13h, com câmara de pressão Soilmoisture modelo 3000. Foram cortados cerca de 35 cm da extremidade foliar, de folhas totalmente desenvolvidas e expostas ao sol. De imediato, dividiu-se a folha transversalmente; a extremidade era utilizada para medir o potencial da água; para tanto, retirou-se cerca de 5 cm da lâmina foliar, de forma a deixar a nervura central formando um pseudo-pecíolo.

Após a leitura do potencial da água, parte da folha, em torno de 4 g, foi colocada dentro de seringas de 3 mL, que foram imediatamente colocadas em caixa de isopor e congeladas com N líquido, constituindo a amostra não-hidratada para determinação do potencial osmótico. A outra metade da folha foi colocada em frascos de vidro, com água para hidratação por um período de 12 horas, a fim de atingirem a saturação. Após esse período, coletou-se parte da folha (3 a 5 g), que foi acondicionada em seringa de 3 mL e congelada em N líquido, constituindo a amostra hidratada para determinação do potencial osmótico. Os segmentos das folhas, congelados dentro das seringas, foram pressionados com o êmbolo para extração da seiva. A osmolaridade foi determinada em microsmômetro Wescor modelo 5520, e o potencial osmótico foi calculado segundo a equação de Van't Hoff.

O ajuste osmótico foi calculado pela diferença entre o potencial osmótico das folhas hidratadas, das plantas irrigadas próximo à capacidade de campo, e o potencial osmótico das folhas hidratadas das plantas não-irrigadas.

Pela diferença entre o potencial da água mínimo total (osmótico+pressão) e o osmótico, determinado em folhas não-hidratadas, obteve-se o potencial de pressão.

Procedeu-se, também, ao cálculo da evapotranspiração de referência (ETo) pelo método de Penman (1948).

Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey, adotando-se como critério de significância valores de P<0,05.

Resultados e Discussão

No período inicial de desenvolvimento da cultura, ocorreram precipitações pluviais acima da média (Figura 1). No final de dezembro e início de janeiro, houve um pequeno déficit hídrico, causado pela ausência de chuva. Como as plantas estavam no período vegetativo, a demanda por água ainda era baixa, em razão do reduzido índice de área foliar, e isto não acarretou déficit hídrico para a cultura.


A partir de 54 DAE, 25 de janeiro, observou-se uma situação de déficit hídrico, caracterizada pela ausência de precipitação, e pela radiação solar global elevada, o que causou um aumento na evapotranspiração de referência (ETo). Nesse período, a cultura de milho encontrava-se com elevado índice de área foliar e em período crítico (pendoamento-espigamento), quando a falta de água intensifica o efeito do déficit hídrico na produtividade final de grãos. Após a ocorrência do déficit hídrico, no início de fevereiro, ocorreram precipitações que totalizaram 196 mm, valor bem acima da média histórica de 110,9 mm. Essa situação possibilitou a recuperação hídrica da cultura.

A produtividade final da cultura não diferiu, estatisticamente, entre os sistemas de manejo do solo. Nas parcelas sem irrigação, a produtividade foi de 1.355 kg ha-1 e 1.451 kg ha-1 em SD e SC, respectivamente. Com irrigação, a produtividade foi de 8.064 kg ha-1, em SD, e de 9.596 kg ha-1, em SC.

Na Figura 2 está representado o potencial mínimo da água na folha (ymín) de milho, medido em alguns dias, durante a condução do experimento. De maneira geral, o ymín mostrou-se maior em SD do que em SC, independentemente do nível de irrigação, embora as diferenças não tenham sido estatisticamente significativas. Apesar disso, e do fato de não ter havido interação entre os fatores, optou-se por fazer a descrição dos resultados, comparando-se os sistemas de manejo nos dois níveis de irrigação, levando-se em consideração o desvio padrão das médias. Com isso, buscou-se avaliar a tendência da evolução temporal dos processos, potencial da água na folha e ajuste osmótico, em semeadura direta, uma vez que o processo evolutivo, desse sistema de manejo, é diferente do observado no sistema de semeadura convencional, que é mais lento e interrompido a cada preparo (Dalmago, 2004).


Nas parcelas sem irrigação, ocorreram os valores mais negativos de ymín, comparados às parcelas irrigadas (Figura 2). Essa diferenciação indica que o ymín pode ser um indicador adequado da condição hídrica de plantas de milho, quando estabelecidas condições contrastantes de umidade no solo (Bergonci et al., 2000). Assim, o ymín pode ser utilizado para identificar uma condição de estresse já estabelecida.

Nas parcelas sem irrigação, podem ser observados três pontos importantes (Figura 2). O primeiro representa o ymín com valores altos, no primeiro dia de medição (42 DAE), que é maior em semeadura direta. Isso ocorreu, porque havia mais água disponível às plantas no solo sob SD do que sob SC, o que determinou maior ymín nas plantas sob SD, tendo estas então uma melhor condição hídrica.

O segundo ponto é aquele em que o ymín é semelhante entre os sistemas de manejo, aos 44 e 46 DAE. Nesses dias, o ymín foi igual a -1,5 MPa em ambos os sistemas. Isto mostra que as plantas apresentaram uma adequada condição hídrica, pois conforme Bergonci et al. (2000), o potencial mínimo da água na folha, de -1,5 MPa, indica, em milho, a não ocorrência de déficit hídrico, pois há recuperação do ymín ao final do dia, com o fechamento estomático. Tal diminuição do ymín resulta de um déficit de curto prazo, causado pela alta demanda evaporativa da atmosfera, quando a transpiração supera a absorção (Kramer & Boyer, 1995).

O terceiro ponto representa os quatro dias finais de medidas, em que o ymín foi maior em SD, quando comparado ao sistema de SC. Aos 58 e 64 DAE, o ymín diminuiu quando comparado aos dias anteriores de leitura. Em SD o ymín variou de -1,66 MPa, aos 58 DAE, a -2,08 MPa aos 64 DAE, um pouco maior do que em SC, que apresentou valores de -1,70 MPa e -2,38 MPa, respectivamente. A diminuição do ymín foi ocasionada pela intensificação do déficit hídrico durante esses dias, o que causou a diminuição do potencial da água no solo (ys) em ambos os sistemas e, conseqüentemente, do ymín (Tabela 1).

Nos dois últimos dias de leitura, 78 e 88 DAE, o ymín foi igual em ambos os sistemas, tendo apresentado valores de -1,5 MPa em SD e -1,7 MPa em SC. Esse aumento no ymín, em relação aos dias anteriores, resultou de precipitações ocorridas a partir dos 69 DAE, que possibilitaram o aumento do conteúdo de água no solo e a recuperação hídrica das plantas. Como, nesse período, o ymín foi maior em SD, as plantas cultivadas sob esse sistema apresentaram uma melhor condição hídrica do que aquelas em SC.

Nas parcelas com irrigação, o ymín apresentou diferenças entre os sistemas de manejo durante os dias analisados (Figura 2). Dos 42 aos 58 DAE, a diferença foi muito pequena; o maior ymín ocorreu em SD, durante quase todos os dias analisados. Os valores do ymín nesses dias não passaram de -1,39 MPa, o que demonstra uma condição hídrica satisfatória das plantas cultivadas, tanto em SD, quanto em SC. Isso ocorreu em razão da disponibilidade adequada de água no solo, observada nessas parcelas.

Aos 64 DAE, o ymín foi maior em SD, quando comparado ao SC. Em SC, o ymín foi de -1,59 MPa, menor valor observado entre os sistemas, quando irrigados, fato que pode ser atribuído ao menor ys observado nesse dia, em ambos os sistemas e, também, à elevada demanda evaporativa da atmosfera, determinada, principalmente, pelo alto déficit de saturação do ar (8,3 mm Hg).

Comparando-se os valores do ymín, aos 64 DAE, com os dos 78 DAE, observa-se um aumento do ymín, tanto em SD quanto em SC. Esse aumento pode ser atribuído às precipitações ocorridas (Figura 1) e às irrigações realizadas nesse período, as quais determinaram um aumento na quantidade de água no solo, que possibilitou uma maior absorção de água pelas plantas cultivadas em ambos os sistemas. Aos 88 DAE, não houve diferenças no ymín entre os sistemas de semeadura, provavelmente em razão das precipitações ocorridas, que possibilitaram a recuperação hídrica das plantas.

Durante a execução do experimento, a quantidade de água (precipitação + irrigação) aportada, nos tratamentos irrigado e sem irrigação, foi, respectivamente, de 170 mm e 68 mm.

Os dados de ymín acompanharam a variação do ys, ou seja, quando o ys foi alto, o ymín também foi elevado, tendo sido maior em SD, na maioria dos dias de leitura. Portanto, o ymín pode ser considerado um indicador adequado da condição hídrica das plantas, pois ressaltou as diferenças em relação ao conteúdo de água no solo e, conseqüentemente, entre os sistemas de manejo. Isso ocorreu porque o sistema de semeadura direta alterou as propriedades físicas do solo, ligadas à dinâmica da água, e proporciou maior disponibilidade hídrica em SD (Dalmago, 2004).

Embora a literatura não apresente estudos que demonstrem diferenças de comportamento do potencial da água na planta, em SD e SC, a mesma é rica em estabelecer as relações entre a quantidade de água disponível no solo e o potencial de água na folha (Kramer & Boyer, 1995; Bergonci & Pereira, 2002; Li et al., 2002).

Durante quase todo o período de medida, o potencial de pressão (yp) manteve-se com valores abaixo de 0,4 MPa, em razão dos baixos ymín observados nessas parcelas (NI) (Figura 3). Apenas aos 42 DAE, o yp foi superior a 0,4 MPa, em razão do elevado ymín em SD. Dos 44 aos 78 DAE, o yp foi baixo ou até nulo, em ambos os sistemas, em razão da situação de déficit hídrico que se estabeleceu (Figura 1). Somente aos 88 DAE houve uma semelhança nos valores do yp, em razão da recuperação hídrica das plantas.


Quando o yp foi nulo, aos 46, 64 e 78 DAE, pode ter ocorrido uma intensa desidratação da célula, a qual foi, provavelmente, acompanhada por um processo ativo de produção de solutos - ajuste osmótico (AO) (Figura 4). Isso ocorreu apenas aos 46 e 64 DAE, pois aos 78 DAE as células das plantas cultivadas sob SD entraram, provavelmente, em um processo de desidratação celular, não tendo-se observado, no mesmo dia, o mecanismo de ajuste osmótico. Com o aumento do yp aos 88 DAE, em razão do aumento do ymín, as plantas recuperaram sua condição hídrica.


Nas parcelas com irrigação (I), o yp apresentou valores mais elevados do que nas parcelas sem irrigação, em razão do maior ymín, ocasionado pela maior disponibilidade de água no solo. O yp nessas parcelas foi ora maior em SD, ora maior em SC.

A diminuição do yp, observada tanto nas parcelas irrigadas quanto nas sem irrigação, pode ter influenciado o crescimento celular, que depende do yp, para que ocorra a expansão celular (Boyer, 1970). Diminuição do yp foi observado em milho (Premachandra et al., 1992), e em trigo (Bajji et al., 2001), em razão do déficit hídrico, que causou diminuição do conteúdo de água no solo, e conseqüentemente do ymín.

Isso demonstra que a resposta geral das plantas de milho, em situação de déficit hídrico, é a diminuição do ymín, em razão do menor conteúdo de água no solo, que leva também à diminuição do yp celular. Essa queda do yp pode ou não afetar o crescimento da planta, dependendo da intensidade do déficit hídrico. Em déficit hídrico intenso, a planta pode desenvolver o mecanismo de ajuste osmótico (Morgan, 1984), que contribui para manter as atividades fisiológicas das plantas, mesmo em baixos potenciais da água.

O potencial osmótico hidratado (yoh), nas parcelas sem irrigação, apresentou valores menores do que nas parcelas irrigadas, na maioria dos dias (Figura 5). Houve pequenas diferenças entre os sistemas, pois em dois dos sete dias analisados, o yoh foi maior em SD. Nas parcelas irrigadas, o yoh apresentou pequenas variações entre sistemas; na maioria dos dias foi maior em SD, o que caracteriza, novamente, uma melhor condição hídrica das plantas nesse sistema.


Diminuição no yoh também foi observada por Jensen et al. (2000) ao estudarem as relações hídricas de Chenopodium quinoa com déficit hídrico no solo. Em um estudo com diferentes cultivares de trigo, Bajji et al. (2001) também observaram queda no yoh, em razão do déficit hídrico, a qual foi mais acentuada em folhas que ainda estavam em crescimento. Em todos esses estudos, a diminuição do yoh ocorreu em resposta a uma situação de déficit hídrico, que ocasionou uma produção ativa de solutos, caracterizando a ocorrência de ajuste osmótico.

Houve ajuste osmótico (AO) em ambos os sistemas; a freqüência foi maior em SD, porém foi mais intenso em SC (Figura 4).

O AO, em ambos os sistemas, ocorreu em resposta ao déficit hídrico, que ocasionou queda no ymín. Em resposta a essa diminuição, as plantas produziram solutos que ocasionaram diminuição do yoh que, por sua vez, atraiu água para dentro da célula, e manteve, assim, a turgescência celular.

O AO não ocorreu em todos os dias de medições. Isso pode ter sido causado pela condição de estresse anterior a esses períodos (42 e 78 DAE), pois se o déficit hídrico não for muito intenso, o decréscimo no potencial osmótico não é suficiente para causar o ajuste (Morgan, 1984).

Com a ocorrência do AO, as plantas de milho demonstraram que possuem um mecanismo de tolerância ao déficit hídrico, e podem expressar seu rendimento potencial sob uma situação de restrição de água.

Se a restrição de água ocorrer exatamente no período crítico da cultura, o rendimento final será diminuído (Bergamaschi et al., 2004), e o ajuste osmótico pode não ser suficiente para determinar o rendimento potencial da cultura.

Conclusões

1. O potencial mínimo da água na folha é maior em semeadura direta do que em semeadura convencional.

2. A cultura do milho apresenta mecanismo de tolerância ao déficit hídrico, mediante ajuste osmótico, que ocorre em ambos os sistemas de manejo do solo, porém é mais intenso em semeadura convencional.

3. O potencial mínimo da água na folha pode ser utilizado como indicador do estado hídrico em milho.

Recebido em 30 de setembro de 2004 e aprovado em 16 de fevereiro de 2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Jul 2005

Histórico

  • Aceito
    16 Fev 2005
  • Recebido
    30 Set 2004
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