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Secagem e armazenamento de sementes de cambuci

Desiccation and storage of cambuci seeds

Resumos

A longevidade de sementes de cambuci, Campomanesia phaea (Berg.) Landr. (Myrtaceae), espécie em risco de extinção, é fundamental no melhor aproveitamento da produção de mudas. O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos de temperaturas, substratos, níveis de dessecação e condições de armazenamento na capacidade germinativa de sementes de cambuci. Durante três anos consecutivos, foram realizadas coletas de frutos maduros, em oito matrizes, no Jardim Botânico de São Paulo, para a obtenção das sementes. Os experimentos foram realizados em estufas incubadoras para BOD, em delineamento inteiramente casualizado. Os melhores substratos para a germinação foram a vermiculita e sobre papel, em ambas as temperaturas testadas (25ºC e 30ºC). O armazenamento das sementes, em saco de plástico, em câmara fria (8±2ºC) foi mais eficiente que em condições não controladas de ambiente natural, em saco de papel. Com saco de plástico em câmara fria, após 240 dias, sementes sem dessecação mantiveram a germinação inicial de 100%, ao passo que as dessecadas até próximo a 3% de água apresentaram 83,8% de germinação. Sob condições não controladas de ambiente natural em saco de papel, apresentaram cerca de 48,8% de germinação, aos 180 dias de armazenamento, e perderam a capacidade germinativa aos 240 dias.

Campomanesia phaea; longevidade; substrato; temperatura; germinação


Conservation of germinability of cambuci, Campomanesia phaea (Berg.) Landr. (Myrtaceae), seeds during storage is of prime importance for their better utilization and for scheduling nursery seedling production of this endangered species. The objetive of this work was to evaluate the effects of temperatures, substrates, desiccation levels and storage conditions on germination of cambuci seeds. Trials were carried out over a three-year span, in BOD incubators in a completely randomized design. Seeds were obtained from mature fruits of eight trees planted in Jardim Botânico de São Paulo, São Paulo State, Brazil. Vermiculite and filter paper were the best germination substrates in both temperatures, 25ºC and 30ºC. Storage in plastic bags in cold chamber (8±2ºC) was superior to storage in paper bags at uncontrolled room temperature. After 240 day storage in plastic bags placed in cold chamber, percent germination of non-desiccated seed was 100%, whereas of seeds desiccated to 3% water content was 83.8%. After 180 days of storage in paper bags at room (uncontrolled) temperature, seeds had 48.8% germination, and germinability was totally lost after 240 days of storage.

Campomanesia phaea; longevity; substrate; temperature; germination


TECNOLOGIA DE SEMENTES

Secagem e armazenamento de sementes de cambuci

Desiccation and storage of cambuci seeds

Angela Maria Maluf; Waldete Aparecida Pisciottano-Ereio

Instituto de Botânica, Seção de Sementes e Melhoramento Vegetal, Caixa Postal 4005, CEP 01061-970 São Paulo, SP. E-mail: ammaluf@terra.com.br

RESUMO

A longevidade de sementes de cambuci, Campomanesia phaea (Berg.) Landr. (Myrtaceae), espécie em risco de extinção, é fundamental no melhor aproveitamento da produção de mudas. O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos de temperaturas, substratos, níveis de dessecação e condições de armazenamento na capacidade germinativa de sementes de cambuci. Durante três anos consecutivos, foram realizadas coletas de frutos maduros, em oito matrizes, no Jardim Botânico de São Paulo, para a obtenção das sementes. Os experimentos foram realizados em estufas incubadoras para BOD, em delineamento inteiramente casualizado. Os melhores substratos para a germinação foram a vermiculita e sobre papel, em ambas as temperaturas testadas (25ºC e 30ºC). O armazenamento das sementes, em saco de plástico, em câmara fria (8±2ºC) foi mais eficiente que em condições não controladas de ambiente natural, em saco de papel. Com saco de plástico em câmara fria, após 240 dias, sementes sem dessecação mantiveram a germinação inicial de 100%, ao passo que as dessecadas até próximo a 3% de água apresentaram 83,8% de germinação. Sob condições não controladas de ambiente natural em saco de papel, apresentaram cerca de 48,8% de germinação, aos 180 dias de armazenamento, e perderam a capacidade germinativa aos 240 dias.

Termos para indexação:Campomanesia phaea, longevidade, substrato, temperatura, germinação.

ABSTRACT

Conservation of germinability of cambuci, Campomanesia phaea (Berg.) Landr. (Myrtaceae), seeds during storage is of prime importance for their better utilization and for scheduling nursery seedling production of this endangered species. The objetive of this work was to evaluate the effects of temperatures, substrates, desiccation levels and storage conditions on germination of cambuci seeds. Trials were carried out over a three-year span, in BOD incubators in a completely randomized design. Seeds were obtained from mature fruits of eight trees planted in Jardim Botânico de São Paulo, São Paulo State, Brazil. Vermiculite and filter paper were the best germination substrates in both temperatures, 25ºC and 30ºC. Storage in plastic bags in cold chamber (8±2ºC) was superior to storage in paper bags at uncontrolled room temperature. After 240 day storage in plastic bags placed in cold chamber, percent germination of non-desiccated seed was 100%, whereas of seeds desiccated to 3% water content was 83.8%. After 180 days of storage in paper bags at room (uncontrolled) temperature, seeds had 48.8% germination, and germinability was totally lost after 240 days of storage.

Index terms:Campomanesia phaea, longevity, substrate, temperature, germination.

Introdução

Myrtaceae é uma das mais importantes famílias de espécies frutíferas. De Norte a Sul do Brasil são encontradas mais de cem espécies (Donadio, 1992, Giacometti, 1992 e Mattos, 1992, citados por Donadio, 1997). Os gêneros Eugenia, Campomanesia, Psidium e Myrciaria são predominantes, e agrupam a maior parte das espécies de interesse econômico.

O cambucizeiro, Campomanesia phaea (Berg.) Landr., é uma das diversas espécies que oferecem frutos comestíveis, bastante apreciados por pássaros e utilizados na alimentação humana na forma de sucos (Lorenzi, 1992).

A espécie ocorre em São Paulo e Minas Gerais, na vertente da Serra do Mar que dá para o planalto paulista e no início do planalto em direção ao interior (Lorenzi, 1992), área denominada Floresta Costal Atlântica, um dos tipos de vegetação em risco de extinção (Mori et al., 1981). Kawasaki & Landrum (1997) acreditam que a espécie também ocorra na cidade de Cambuci, no centro-norte do Estado do Rio de Janeiro, apesar de não terem encontrado coleções de plantas dessa área em herbários. Atualmente, os poucos exemplares da espécie existentes no Estado de São Paulo ocorrem em áreas rurais ou em parques e jardins dentro das cidades.

Estudos de germinação e conservação de sementes envolvendo esta espécie são inexistentes. Lorenzi (1992) comenta que a viabilidade das sementes no armazenamento é muito curta, não ultrapassando 30 dias. Sementes de outras espécies de Myrtaceae, como cereja-da-mata, Eugenia involucrata (Barbedo et al., 1998; Maluf et al., 2003), apresentam sensibilidade à desidratação, sendo por isto denominadas recalcitrantes, ao contrário das sementes ortodoxas (Rosemberg & Rinne, 1986; Kermode, 1990).

Inicialmente, a classificação entre sementes ortodoxas e recalcitrantes era genérica - avaliava-se apenas aspectos quanto à tolerância à dessecação e à baixa longevidade. Por isso, a separação clássica entre essas categorias passou a ser questionada, procurando-se identificar, com maior consistência, as espécies recalcitrantes ou os níveis de recalcitrância, mesmo porque espécies consideradas ortodoxas podem ter diferentes níveis de tolerância à dessecação e há espécies que apresentam características intermediárias (Barbedo & Marcos Filho, 1998).

A tolerância à dessecação, que permite à semente ser armazenada por muitos anos sem perda de viabilidade, na maior parte das sementes, é adquirida durante a maturação. Essa capacidade de armazenamento varia entre as espécies, entre e dentro de lotes de sementes (Groot et al., 2003). Essa tolerância está relacionada à capacidade do organismo em enfrentar o estresse da quase completa perda de água e da reidratação: o organismo reduz seu metabolismo após a dessecação e nessas condições acumula altos níveis de açúcares (Hoekstra et al., 2003). Acredita-se que estes açúcares são capazes de prevenir mudanças nas fases das membranas e mudanças estruturais das proteínas (Crowe et al., 1998). Assim, as membranas não se rompem e a atividade enzimática é preservada.

Este trabalho teve como objetivo avaliar o efeito de temperaturas, substratos, níveis de dessecação e condições de armazenamento na conservação de sementes de cambuci.

Material e Métodos

Durante três anos consecutivos, de 2000 a 2002, foram conduzidos três experimentos, um em cada ano, com frutos de cambuci coletados em oito matrizes, no Jardim Botânico de São Paulo, em março-abril, época em que as árvores estavam em plena produção de frutos maduros, apresentando polpa tenra, porém firme, e coloração verde-amarelada.

No primeiro experimento, foram avaliados os efeitos do armazenamento na viabilidade das sementes. Durante três dias consecutivos, efetuou-se a coleta de frutos maduros, no chão, sendo que cada dia de coleta correspondeu a um lote. Cada um dos três lotes foi beneficiado após a imersão dos frutos em água, por cerca de 15 a 20 horas. O despolpamento dos frutos foi realizado manualmente, sobre peneira, em água corrente. Após a lavagem, as sementes foram colocadas sobre jornal, para retirada do excesso de umidade, até a conclusão do terceiro lote. Em cada lote foi feito o descarte das sementes chochas, por meio de separação manual. Após a retirada da testemunha (sem armazenamento), os três lotes (um para cada dia de coleta) foram subdivididos e armazenados em duas condições de ambiente - câmara fria a 8±2ºC, em saco de plástico, e ambiente de laboratório, em saco de papel.

O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado em esquema fatorial 3x2x3, três lotes, dois ambientes de armazenamento e três períodos de armazenamento.

As sementes de cada lote foram avaliadas aos 0, 90 e 180 dias de armazenamento, por testes de germinação e por determinações do teor de água das sementes, conduzidos com quatro repetições de 20 sementes por tratamento. O teor de água foi determinado pelo método da estufa a 105±3ºC/24 horas (Brasil, 1992). O teste de germinação foi realizado sobre quatro folhas de papel absorvente recobertas com duas folhas de papel germitest, de forma a garantir um adequado suprimento de água às sementes durante os 60 dias de ensaio.

A porcentagem de germinação foi avaliada aos 30 e 60 dias da instalação do teste de germinação, representando o teste de vigor e a germinação final, respectivamente. Consideraram-se sementes germinadas as que apresentavam emissão de radícula de no mínimo 2 mm. As avaliações da germinação foram realizadas duas vezes por semana.

No segundo experimento, avaliaram-se os efeitos de temperaturas e de substratos na germinação de sementes. Nesse caso, como no anterior, os frutos foram coletados em três dias consecutivos, porém armazenados em condições de ambiente natural, até serem beneficiados conjuntamente, da forma já descrita. Após beneficiamento, as sementes permaneceram por cerca de 18 horas sobre jornal, para retirada do excesso de umidade.

Foram utilizadas duas temperaturas, 25ºC/12 horas de luz e 30ºC/12 horas de luz, e cinco substratos, esfagno picado, vermiculita média, areia, xaxim desfiado e papel, para a germinação das sementes. Em todos os substratos, exceto no papel, as sementes foram levemente pressionadas na superfície para melhor contato com o substrato. No caso do papel, o procedimento foi o mesmo descrito anteriormente (uma base de quatro folhas de papel absorvente recoberta com duas folhas de papel germitest).

As avaliações da germinação e do teor de água das sementes foram realizadas à semelhança do experimento anterior, após 0, 30, 60, 90, 120, 150 e 180 dias de armazenamento em câmara fria, a 8±2ºC, em quatro repetições de 20 sementes por tratamento.

O experimento foi realizado em delineamento inteiramente casualizado, com parcelas subdivididas; as parcelas principais foram representadas pelas temperaturas e as subparcelas, pelas combinações entre substratos e períodos de armazenamento.

O terceiro experimento, que objetivou verificar os efeitos da dessecação das sementes na longevidade, procurou controlar o máximo possível as variações ambientais durante a coleta, o beneficiamento e a secagem das sementes. Para tal, os frutos foram coletados durante três dias consecutivos, sendo que as coletas dos dois primeiros dias, que representaram, cada uma, cerca de 25% do total coletado, foram armazenadas em caixas de PVC rígido recobertas com sacos de plástico, em câmara fria a 8±2ºC, até o terceiro dia, quando o restante dos frutos foi coletado. Esse procedimento visou a obter a quantidade de sementes necessária ao experimento, estimada pela relação entre peso de frutos e número de sementes, numa amostra de quarenta frutos. O beneficiamento de todos os frutos foi realizado à semelhança dos experimentos anteriores, porém sem a imersão prévia em água.

Distintos teores de água das sementes foram obtidos da seguinte forma: nas sementes dos tratamentos testemunha, a água residual da lavagem foi retirada imediatamente após o beneficiamento, mediante secagem superficial das sementes em papel absorvente; dois dias de secagem sobre papel germitest, em bandeja, em ambiente natural de laboratório; quatro dias de secagem sobre papel germitest, em bandeja, em ambiente natural de laboratório; seis dias de secagem sobre papel germitest, em bandeja, em ambiente natural de laboratório, acrescidos de seis horas de secagem em estufa, com circulação forçada de ar, a 40±2ºC. Essas seis horas adicionais objetivaram a diminuição do teor de água para níveis inferiores aos obtidos em condições de ambiente natural.

Exceto as sementes da testemunha (sem secagem), que foram armazenadas em dois ambientes, câmara fria a 8±2ºC, em saco de plástico (CF) e ambiente de laboratório, em saco de papel (A), todos os demais tratamentos (níveis de dessecação) foram armazenados apenas em câmara fria a 8±2ºC, em saco de plástico.

A combinação entre níveis de secagem e ambientes de armazenamento resultou em cinco tratamentos que foram avaliados aos 0, 60, 120, 180 e 240 dias de armazenamento.

À semelhança dos experimentos anteriores, foi determinada a porcentagem de germinação aos 30 e aos 60 dias e o teor de água das sementes, em quatro repetições de 20 sementes por tratamento. O delineamento do teste de germinação foi o inteiramente casualizado, em esquema fatorial 5x5, cinco tratamentos com cinco períodos de armazenamento.

Em todos os experimentos, os dados de germinação foram transformados em arc sen (%/100)0,5 para aproximação à curva normal (Steel & Torrie, 1980). Os resultados foram analisados estatisticamente pelo teste F, e as médias foram comparadas entre si pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

Complementarmente, foi realizada uma curva de secagem de sementes, em quatro amostras de 20 sementes por ponto de secagem. Os pontos de secagem foram obtidos em intervalos de meia hora, durante 7 horas e 30 minutos, em estufa com circulação forçada de ar a 40±2ºC. Determinou-se, além do teor de água das sementes, a massa de 1.000 sementes e a quantidade de sementes por quilograma, em cada intervalo de secagem, para orientar a utilização e a comercialização do material. Determinou-se ainda, numa amostra de quarenta frutos, o número de frutos por quilograma e a relação, em porcentagem, entre massa de frutos e massa de sementes.

Resultados e Discussão

As análises de variância do experimento 1, quanto à porcentagem de germinação aos 30 dias e 60 dias, apresentaram diferenças altamente significativas pelo teste F nos lotes, locais de armazenamento e nas interações lotes x locais e lotes x locais x períodos de armazenamento. Quanto aos períodos de armazenamento, as diferenças mostraram-se não-significativas.

O lote 1 apresentou maiores porcentagens de germinação que os demais, aos 30 e aos 60 dias (Tabela 1). Esses resultados foram considerados difíceis de explicar, visto que as coletas foram realizadas nas mesmas matrizes e da mesma maneira. Essas diferenças talvez possam ser atribuídas ao tempo gasto no beneficiamento e na imersão dos frutos de cada lote, que não foram controlados, mas não foram idênticos. Logo no momento da montagem do ensaio, durante o manuseio das sementes, notou-se uma diferença na umidade das sementes dos três lotes e, por isso, eles foram mantidos individualizados até a análise final dos dados. No entanto, as diferenças entre os teores de água observados, de 11,6 para o lote 1, 16,3 para o lote 2 e 7,1 para o lote 3, não puderam ser relacionadas aos resultados (Tabela 1).

Em araçá-boi, Eugenia stipitata, Gentil & Ferreira (1999) observaram que durante a fermentação dos frutos, no beneficiamento, a manutenção da água por mais de um dia afetou negativamente a qualidade fisiológica das sementes.

O armazenamento em saco de plástico, em condições controladas de câmara fria, proporcionou melhor conservação das sementes, quando comparado ao armazenamento em saco de papel, sob condições naturais de ambiente de laboratório (Tabela 1).

Apesar de não ter sido possível aplicar nenhum teste de hipótese para temperaturas, pois não se utilizou repetição para esse fator, sua avaliação pôde ser feita por meio das interações. As análises de variância mostraram diferenças altamente significativas para substratos, períodos de armazenamento e para a interação substratos x temperaturas, aos 30 e 60 dias após o início do teste de germinação. Na interação substratos x períodos de armazenamento, as diferenças foram altamente significativas aos 60 dias e não significativas aos 30 dias. A interação tripla, substratos x períodos de armazenamento x temperaturas, foi significativa aos 30 dias e não-significativa aos 60 dias.

Os substratos que sobressaíram na germinação de sementes de cambuci foram a vermiculita e o papel, seguidos do xaxim (Tabela 2). Como o xaxim é retirado da Dicksonia sellowiana, uma espécie ameaçada de extinção e sua extração e utilização estão proibidas, de acordo com a Portaria nº 37-N (Ibama, 1992), recomenda-se o uso do papel ou da vermiculita como substrato para germinação de sementes de cambuci.

Problemas dessa natureza acontecem porque características das sementes, como tamanho, forma e textura do tegumento, exigência em água e aeração e sensibilidade à luz, influem na eficiência do substrato e, portanto, na sua escolha (Brasil, 1992; Figliolia et al., 1993; Silva & Aguiar, 2004).

Quanto ao vigor das sementes (Tabela 2), avaliado pela porcentagem de germinação aos 30 dias (primeira contagem), observou-se diminuição somente a partir dos 150 dias de armazenamento. No entanto, a porcentagem de germinação total, estimada pela porcentagem de germinação aos 60 dias, mostrou que as sementes não perderam a viabilidade por até 180 dias, quando ocorreu 100% de germinação. Com sementes de Eugenia involucrata, sob melhores condições de armazenamento (sementes armazenadas com 53% de água, em saco de plástico, em câmara fria), a germinação aos 180 dias foi de somente 35%, ou seja, 62% inferior ao das sementes recém-colhidas, que continham 63% de água (Maluf et al., 2003).

Segundo Lorenzi (1992), as sementes de cambuci possuem viabilidade muito curta, não ultrapassando 30 dias em condições naturais, o que não aconteceu neste estudo, provavelmente em virtude do armazenamento ter sido realizado em condições controladas de câmara fria, em saco de plástico. A associação entre temperatura baixa e embalagem impermeável é responsável pela diminuição do metabolismo celular, refletindo no prolongamento da longevidade das sementes (Figliolia et al., 1993; Ferreira & Borghetti, 2004). O efeito benéfico desse tipo de armazenamento também foi observado em outras espécies da família Myrtaceae (Barbedo et al., 1998).

O teor inicial de água nas sementes estava ao redor de 38% e, com o armazenamento em condições controladas, foi gradativamente diminuindo, chegando ao redor de 12% após 180 dias, sem afetar a germinação. Assim, apesar de o teor de água ter declinado com o armazenamento, a capacidade germinativa não foi prejudicada (Tabela 2), sugerindo que a temperatura de armazenamento possivelmente seja um fator-chave na conservação das sementes de cambuci.

Apesar de o teste F ter apresentado diferenças altamente significativas quanto à interação substrato x temperatura, o teste de Tukey não detectou diferenças entre as médias, de forma que a capacidade germinativa das sementes nos diferentes substratos pôde ser considerada semelhante a 25ºC e 30ºC.

As análises de variância dos dados de germinação aos 30 e 60 dias mostraram diferenças altamente significativas entre tratamentos, envolvendo diversos níveis de secagem e condições de armazenamento (T), armazenamentos (A) e na interação TxA.

A determinação dos teores de água das sementes submetidas aos diversos tratamentos durante o armazenamento (Tabela 3) mostra que, imediatamente após o beneficiamento, as sementes possuíam teor de água ao redor de 48,7%. Após dois dias de secagem em condições de ambiente natural, o nível de água foi reduzido drasticamente para 8,6% e após quatro dias, atingiu 5,5%, valor que pode ser considerado como de equilíbrio com o ambiente. As sementes armazenadas com alto teor de água, em condições controladas, mantiveram teor elevado durante os 240 dias de armazenamento, enquanto as dessecadas a 8,6% perderam água até 5,1%.

Verificou-se que, mesmo em condições controladas de armazenamento (Tabela 4), a secagem das sementes reduziu o vigor (germinação aos 30 dias) de 93,8% a 41,8% e a 59%, e a capacidade germinativa total (aos 60 dias) foi reduzida de 99,3% a 76,3% e a 89,8%, dependendo do nível de dessecação. O armazenamento em condições não controladas, quando comparado ao armazenamento em condições controladas, revelou redução do vigor de 93,8% a 23,8% e da germinação final, de 99,3% a 57,8%.

A longevidade de sementes é bastante influenciada pelas condições de armazenamento, sobretudo pelo teor de água e pela temperatura ambiental. Condições de ambiente seco e frio são mais favoráveis ao armazenamento de sementes ortodoxas (Villela & Peres, 2004).

Sementes recém-colhidas apresentaram maior vigor que sementes armazenadas (Tabela 4). No entanto, por períodos curtos de até 60 dias, a capacidade germinativa total das sementes foi mantida, visto que permaneceu entre 97% e 100%. Após esse período, ocorreu redução para níveis de 65% a 74%, ainda considerados bastante satisfatórios, quando comparados aos dados disponíveis, que apresentam viabilidade de sementes de 30 dias (Lorenzi, 1992). Na jaboticaba, Myrciaria cauliflora Berg., Medeiros et al. (1997) observaram uma porcentagem de germinação entre 32% e 43%, dependendo da microrregião de origem das sementes.

A interação tratamentos x períodos de armazenamento (Tabela 5) mostrou que dentro de cada tratamento armazenado em condições controladas (câmara fria em saco de plástico), apesar da evidente perda de vigor das sementes durante o armazenamento, quando as mesmas foram secadas, não houve diferenças significativas entre períodos de armazenamento, exceto na primeira secagem, tanto quanto ao vigor (30 dias) como quanto à germinação final (60 dias). No entanto, a germinação final da testemunha armazenada em condições não controladas foi declinando gradativamente, atingindo 48,8% aos 180 dias e perdendo totalmente a capacidade germinativa aos 240 dias.

Os altos valores de germinação final encontrados na testemunha armazenada em condições controladas por até 180 dias (Tabelas 4 e 5) talvez possam ser explicados pela não embebição dos frutos antes do beneficiamento; a não fermentação dos frutos também facilitou o beneficiamento. Isso contraria o procedimento de imergir os frutos em água para fermentação antes do beneficiamento, recomendado por Lorenzi (1992).

Ao contrário de sementes de outras espécies de Myrtaceae como Eugenia involucrata (Barbedo et al., 1998; Maluf et al., 2003), E. dysenterica (Andrade et al., 2003) e E. stipitata spp. sororia (Anjos & Ferraz, 1999; Gentil & Ferreira, 1999), com grande sensibilidade à desidratação, as de cambuci podem ser dessecadas por até 3% a 5% de água, mantendo de 63,8% a 86,3% de germinação, por até 240 dias, quando armazenadas em condições controladas de câmara fria, em saco de plástico, apresentando, dessa forma, comportamento tipicamente ortodoxo (Tabela 5).

Na curva potencial que representa a queda acentuada do teor de água das sementes quando submetidas à secagem controlada, o teor de água inicial de 52,8% foi reduzido a 28,8%, após trinta minutos, e a 15,2%, após 1 hora de secagem. Isso significa que, em apenas 1 hora, o teor foi reduzido em mais de 70%. A partir de 5 horas e 30 minutos até 7 horas e 30 minutos de secagem, o teor de água se estabilizou, ao redor de 4,2% e 3,6%, respectivamente (Figura 1).


Na Figura 1, pode-se observar que antes da secagem das sementes (U = 52,8%), a massa de 1.000 sementes estava em torno de 87 g, e 1 kg dessas continha aproximadamente 11.500 sementes. No intervalo de secagem 12 (5 horas e 30 min), que corresponde à umidade de sementes de 5,2%, próxima à normalmente encontrada em sementes armazenadas no ambiente, em condições não controladas (Tabela 3), o número de sementes por quilograma fica em torno de 21.290, valor 28-29% inferior às 29.800 sementes por quilograma mencionadas por Lorenzi (1992).

A produção de sementes do cambucizeiro deve ser realizada sem desperdício, pois cada fruto produz em média 4,65 sementes e um quilograma de frutos contém de 29 a 30 frutos. Um quilograma de frutos, imediatamente após o beneficiamento, produz apenas 10,8 g (1,08%) de sementes bem formadas (U = 52,8%) e, portanto, potencialmente viáveis, que são acompanhadas de 7,4 g de sementes que não completaram seu desenvolvimento ou são chochas.

Conclusões

1. Vermiculita e papel são os melhores substratos na promoção da germinação de sementes de cambuci, a 25ºC e a 30ºC.

2. O armazenamento das sementes, acondicionadas em saco de plástico, em câmara fria, é superior ao armazenamento em condições de ambiente natural, em saco de papel.

3. Sementes sem dessecação, armazenadas em câmara fria, em saco de plástico, mantêm a viabilidade inicial por até 240 dias.

4. Sementes armazenadas em ambiente natural e acondicionadas em saco de papel diminuem a germinação durante o armazenamento, chegando à perda total aos 240 dias.

Agradecimento

À Sra. Mônica Valéria Cachenco, pelo auxílio na instalação e condução dos experimentos.

Recebido em 31 de março de 2004 e aprovado em 31 de janeiro de 2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Jul 2005

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2004
  • Aceito
    31 Jan 2005
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