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Seleção e caracterização de estirpes de Bacillus thuringiensis efetivas no controle da traça-das-crucíferas Plutella xylostella

Selection and characterization of Bacillus thuringiensis strains effective to control the diamondback moth Plutella xylostella

Resumos

O objetivo deste trabalho foi selecionar e caracterizar, no Banco de Germoplasma de Bacillus spp., da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, as estirpes de Bacillus thuringiensis mais tóxicas à Plutella xylostella, por métodos morfológicos, bioquímicos e moleculares. Das 203 estirpes testadas, sete causaram 100% de mortalidade e foram semelhantes à estirpe padrão utilizada, B. thuringiensis subsp. kurstaki. Elas apresentaram proteínas de 130 kDa e 65 kDa, presença de genes cry1 e cry2 e cristais bipiramidais, cubóides e redondos. As estirpes selecionadas oferecem novas perspectivas de controle de P. xylostella.

cristais protéicos; bactérias entomopatogênicas; bioinseticidas


The aim of this work was to select and characterize the most toxic Bacillus thuringiensis strains, from the Germplasm Bank of Bacillus spp. of Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, against Plutella xylostella. Strains were characterized by morphological, biochemical and molecular methods. It was observed that seven out of the 203 strains tested showed high toxicity compared to the standard used B. thuringiensis subsp. kurstaki (HD-1), which showed 100% mortality. Selected strains showed features described for lepidoptera regarding the protein of 130 kDa and 65 kDa; profile and features were obtained through the PCR reactions, making possible to identify the presence of cry1 and cry2 genes. Moreover, the scanning electron microscopy showed the bipiramydal, cubed and round crystal forms. The selected strains offer new perspectives to control P. xylostella.

protein cristals; entomopathogenic bacteria; biopesticides


NOTAS CIENTÍFICAS

Seleção e caracterização de estirpes de Bacillus thuringiensis efetivas no controle da traça-das-crucíferas Plutella xylostella

Selection and characterization of Bacillus thuringiensis strains effective to control the diamondback moth Plutella xylostella

Patrícia Teles MedeirosI; Márcio do Nascimento FerreiraI; Érica Soares MartinsII; Ana Cristina Menezes Mendes GomesII; Rosana FalcãoII; José Manoel Cabral de Souza DiasII; Rose Gomes MonneratII

IUniversidade Federal de Mato Grosso, Av. Fernando Correa da Costa, s/nº, Coxipó, CEP 78060-900 Cuiabá, MT. E-mail: patteles@cpd.ufmt.br, f.marcio@zaz.com.br

IIEmbrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Caixa Postal 02372, CEP 70849-970 Brasília, DF. E-mail: erica@unb.com.br, falcao@cenargen.embrapa.br, rose@cenargen.embrapa.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi selecionar e caracterizar, no Banco de Germoplasma de Bacillus spp., da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, as estirpes de Bacillus thuringiensis mais tóxicas à Plutella xylostella, por métodos morfológicos, bioquímicos e moleculares. Das 203 estirpes testadas, sete causaram 100% de mortalidade e foram semelhantes à estirpe padrão utilizada, B. thuringiensis subsp. kurstaki. Elas apresentaram proteínas de 130 kDa e 65 kDa, presença de genes cry1 e cry2 e cristais bipiramidais, cubóides e redondos. As estirpes selecionadas oferecem novas perspectivas de controle de P. xylostella.

Termos para indexação: cristais protéicos, bactérias entomopatogênicas, bioinseticidas.

ABSTRACT

The aim of this work was to select and characterize the most toxic Bacillus thuringiensis strains, from the Germplasm Bank of Bacillus spp. of Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, against Plutella xylostella. Strains were characterized by morphological, biochemical and molecular methods. It was observed that seven out of the 203 strains tested showed high toxicity compared to the standard used B. thuringiensis subsp. kurstaki (HD-1), which showed 100% mortality. Selected strains showed features described for lepidoptera regarding the protein of 130 kDa and 65 kDa; profile and features were obtained through the PCR reactions, making possible to identify the presence of cry1 and cry2 genes. Moreover, the scanning electron microscopy showed the bipiramydal, cubed and round crystal forms. The selected strains offer new perspectives to control P. xylostella.

Index terms: protein cristals, entomopathogenic bacteria, biopesticides.

Plutella xylostella (L.) (Lepidoptera: Plutellidae), conhecida como traça-das-crucíferas, destaca-se como a praga de maior importância à cultura das brássicas, devido aos sérios danos que causa às plantas, depreciando o produto e ocasionando grandes perdas nos campos de produção (Castelo Branco & França, 2001).

Diversos inseticidas têm sido utilizados intensivamente durante o ciclo da cultura, com até 16 aplicações em determinadas regiões. Além dos problemas gerados à saúde do agricultor e ao meio ambiente, a pressão seletiva pelo uso excessivo e freqüente desses produtos facilita o aparecimento de populações dessa praga, resistente a diversos compostos químicos, inclusive a inseticidas piretróides e fosforados (Castelo Branco, 1999).

Diante dessa realidade, certos agentes entomopatogênicos destacam-se como alternativa para o controle mais eficaz e racional dessa praga, dos quais um dos mais estudados e utilizados é o Bacillus thuringiensis Berliner. Produtos à base dessa bactéria são comercializados há mais de 50 anos. Trata-se de uma bactéria de solo, que pode ser encontrada também em insetos mortos, na água e em algumas plantas (Monnerat & Bravo, 2000).

Essa bactéria tem sido muito eficiente no controle de diversos insetos-pragas, principalmente para os da ordem Lepidoptera.

O objetivo deste trabalho foi selecionar e caracterizar as estirpes de B. thuringiensis mais tóxicas à P. xylostella, isoladas de diferentes regiões do Brasil, e que se encontram armazenadas no Banco de Germoplasma de Bacillus spp. da Embrapa.

O trabalho foi conduzido no laboratório de Bacteriologia da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de agosto a dezembro de 2003.

Cada estirpe foi cultivada em meio NYSM (caldo nutriente, extrato de levedura, MnCl2, MgCl2, CaCl2) (Yousten, 1984), durante 48 horas, a 200 rpm e 28ºC. Folhas de plantas jovens de repolho foram imersas durante 10 minutos, numa suspensão de cada estirpe bacteriana, com 10 mL da cultura diluída em 90 mL de água destilada. A essa quantidade foram adicionados 30 µL do espalhante adesivo Extravon. Em seguida, as folhas foram colocadas em posição vertical, com o uso de suporte apropriado, à temperatura ambiente (em torno de 28ºC).

Após a secagem (aproximadamente 1 hora), cada folha e 10 larvas (3º ínstar) foram colocadas dentro de uma placa de Petri descartável (90x15 mm), forrada com papel filtro. As larvas provieram da criação massal mantida em laboratório (Medeiros et al., 2003). Os tratamentos compreenderam 203 estirpes, a estirpe padrão (B. thuringiensis subsp. kurstaki (HD-1) e a testemunha (folha livre do bacilo). Foram feitas cinco repetições com 10 larvas por placa.

A avaliação da mortalidade larval foi realizada 48 horas depois do início do bioensaio, ocasião em que foram passadas para uma folha livre do bacilo. No quinto dia, foi executada a segunda e última avaliação de mortalidade.

As estirpes que causaram 100% de mortalidade no bioensaio foram submetidas à caracterização morfológica, bioquímica e molecular.

As estirpes foram cultivadas em Erlenmayer de 50 mL, com 13 mL de meio NYSM e mantidas num incubador rotativo, por 48 horas, a 28ºC, a 200 rpm. Em seguida, foi realizada a caracterização morfológica, com o auxílio da microscopia óptica em contraste de fases, para a observação de células vegetativas, esporos e cristais.

A eletroforese de proteínas em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE 10%) foi realizada de acordo com Lecadet et al. (1991). As estirpes foram inoculadas em meio NYSM líquido, por 72 horas, em incubador rotativo a 28ºC, a 200 rpm. O complexo esporo-cristal das estirpes foi analisado, em gel de poliacrilamida-SDS a 10%, por eletroforese, realizada em aparelho Hoefer miniVE vertical - Amersham Pharmacia, em voltagem constante de 150 V, por aproximadamente 1 hora e 30 minutos. Após esse período, o gel foi imerso em solução de corante 'comassie blue' (40% metanol, 25% de comassie blue 250-R), por uma hora, e descorado em solução com 40% de metanol e 10% de ácido acético, por cerca de duas horas, até a visualização dos perfis protéicos das estirpes de B. thuringiensis.

A extração do DNA total das estirpes selecionadas foi realizada de acordo com a metodologia descrita por Bravo et al. (1998). Foram usados oligonucleotídeos gerais, na identificação dos genes cry1, cry2 e cry9, e específicos na identificação de cry1 e cry9 (Ceron et al. , 1995; Bravo et al. , 1998; Ibarra et al. , 2003).

Para a realização da PCR, 15 µL do sobrenadante da cultura foram transferidos para um tubo com 12,5 µM de cada "primer", 100 mM de dNTP mix, tampão de Taq 1x e 2,5 U de Taq DNA polimerase (5.0 U), em um volume total de 50 µL. As amplificações foram processadas em termociclador. Uma alíquota de 24 µL, de cada produto de PCR, foi analisada em gel de agarose 2%. Após a corrida, o gel foi corado com brometo de etídio, diluído em água na concentração de 1µg mL-1, por 20 minutos, e descorado em água destilada por 15 minutos.

O gel foi observado em transluminador sob luz UV e fotografado em foto-documentador modelo Eagle Eye (Stratagene).

Para caracterização morfológica via microscopia eletrônica de varredura, as estirpes foram cultivadas por 48 horas, a 28ºC, a 200 rpm, em meio NYSM, basicamente com esporos e cristais, e então foram liofilizadas. Para a liofilização, foram centrifugadas a 12.800 g por 30 minutos, a 4ºC, congeladas por 12 horas e deixadas em liofilizador por 18 horas. Depois de liofilizadas, as amostras foram depositadas sobre suportes metálicos e cobertas com ouro, por 180 segundos, utilizando-se metalizador, e observadas em microscópio eletrônico de varredura.

Oito estirpes, incluindo a padrão B. thuringiensis subsp. kurstaki (HD-1), causaram 100% de mortalidade. A procedência, o perfil protéico e a composição gênica dessas estirpes estão descritos na Tabela 1.

As proteínas encontradas nas estirpes analisadas apresentaram dois polipeptídeos principais, de aproximadamente 130 kDa e 65 kDa (Tabela 1). Somente a estirpe S390 não apresentou perfil protéico de 130 kDa.

As estirpes S764 e S1905 apresentaram perfis semelhantes ao B. thuringiensis subsp. kurstaki (HD-1). Monnerat & Bravo (2000) e Herrero (2002) relataram que as toxinas descritas como eficazes para lepidópteros possuem peso molecular de 130 kDa e 65 kDa, o que pode explicar a toxicidade dessas estirpes para a traça-das-crucíferas. Outros autores também constataram a atividade das proteínas tóxicas codificadas pelo gene cry1. Sayyed et al. (2000), na Malásia, avaliaram a suscetibilidade e a resistência de P. xylostella a várias toxinas Cry1 e destacaram a toxicidade das proteínas Cry1Ab e Cry1Ac. Resultados similares foram relatados por Monnerat et al. (1999) e Cárdenas et al. (2001).

O produto obtido da PCR, para o qual se utilizou o primer geral para cry2, confirmou a presença do gene, através do fragmento de 526 pb, em todas as sete estirpes e no padrão HD-1. De acordo com Cárdenas et al. (2001), a presença desse gene nos isolados é importante, pois ele codifica proteínas tóxicas para lepidópteros e dípteros, conforme observado também por Monnerat et al .(1999).

A PCR com os primers para a identificação de genes cry9 não produziu fragmentos do tamanho esperado, o que indica que as estirpes não possuem esse gene. Esses resultados estão de acordo com os encontrados por Bravo et al. (1998), que detectaram baixa freqüência desses genes nas estirpes (2,5%). Pinto & Fiúza (2003) obtiveram maior freqüência de distribuição desses genes (47,82%) em estirpes isoladas de solos do Estado do Rio Grande do Sul. Segundo eles, a inconsistência na freqüência gênica pode ter sido causada por fatores abióticos, como características físico-químicas do solo, dentre outros.

Pela microscopia eletrônica observou-se que a estirpe S390 apresentou somente cristais redondos. Isso deve estar relacionado com a presença do gene cry2, pois normalmente as estirpes com esse gene apresentam cristais redondos, com peso molecular em torno de 70 kDa, e possuem atividade tóxica para lepidópteros e dípteros e, também, porque os cristais piramidais estão associados ao gene cry1, de aproximadamente 130 kDa (Pietrantonio et al. , 1996). É importante ressaltar que a freqüência dos cristais bipiramidais foi mais abundante do que das demais formas (Figura 1). As estirpes selecionadas oferecem novas perspectivas de utilização para o controle da traça-das-crucíferas.


Recebido em 9 de agosto de 2004 e aprovado em 29 de março de 2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Nov 2005

Histórico

  • Aceito
    29 Mar 2005
  • Recebido
    09 Ago 2004
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