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Isolados de Dicyma pulvinata em estromas de Microcyclus ulei em seringueira

Dicyma pulvinata isolates colonizing Microcyclus ulei stromata in rubber

Resumos

Dicyma pulvinata é um eficiente agente de biocontrole de Microcyclus ulei, causador do mal-das-folhas da seringueira. O objetivo deste trabalho foi obter isolados com grande potencial antagônico. Em levantamentos realizados em 14 municípios produtores de borracha, localizados nos Estados do Acre, Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Pará e Rondônia, obtiveram-se 52 isolados de D. pulvinata. O fungo antagônico, isolado diretamente em meio de cultura de batata-dextrose-ágar (BDA), foi identificado com base na morfologia dos conídios e conidióforos e preservado pelos métodos da liofilização, congelamento à temperatura de -80ºC e criopreservação em nitrogênio líquido, a fim de manter as características morfológicas e patogênicas dos isolados. O efeito antagônico foi testado por meio de inoculações de D. pulvinata em lesões de Fusicladium macrosporum induzidas em plantas de seringueira previamente infectadas. Todos os isolados foram incorporados à coleção de fungos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Hevea; controle biológico; fungo antagonista


Dicyma pulvinata is an efficient biocontrol agent of Microcyclus ulei, causal agent of South American leaf blight. The objective of this work was to obtain strongly antagonistic isolates. A survey was carried out in rubber plantations located in 14 municipalities in the Sates of Acre, Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Pará and Roraima, Brazil, obtaining 52 isolates of D. pulvinata. The antagonistic fungus was isolated on potato-dextrose-agar (PDA) plates and identified based on morphological characteristics of conidiophores and conidia, and colony appearance. The antagonic effect was tested by inoculating D. pulvinata on Fusicladium macrosporum lesions induced on rubber plants, previously. In order to maintain the morphological and pathogenic traits, fungus isolates were preserved by lyophilization, deep freeze (-80ºC) and cryogeny. All isolates were introduced into Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia fungus collection.

Hevea; biological control; antagonist fungi


NOTAS CIENTÍFICAS

Isolados de Dicyma pulvinata em estromas de Microcyclus ulei em seringueira

Dicyma pulvinata isolates colonizing Microcyclus ulei stromata in rubber

Sueli Corrêa Marques de Mello; Maria de Fátima Santos; João Batista Tavares da Silva

Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Parque Estação Biológica, Caixa Postal 02372, CEP 70849-970 Brasília, DF. E-mail: smello@cenargen.embrapa.br, mfsantos@cenargen.embrapa.br, jtavares@cenargen.embrapa.br

RESUMO

Dicyma pulvinata é um eficiente agente de biocontrole de Microcyclus ulei, causador do mal-das-folhas da seringueira. O objetivo deste trabalho foi obter isolados com grande potencial antagônico. Em levantamentos realizados em 14 municípios produtores de borracha, localizados nos Estados do Acre, Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Pará e Rondônia, obtiveram-se 52 isolados de D. pulvinata. O fungo antagônico, isolado diretamente em meio de cultura de batata-dextrose-ágar (BDA), foi identificado com base na morfologia dos conídios e conidióforos e preservado pelos métodos da liofilização, congelamento à temperatura de -80ºC e criopreservação em nitrogênio líquido, a fim de manter as características morfológicas e patogênicas dos isolados. O efeito antagônico foi testado por meio de inoculações de D. pulvinata em lesões de Fusicladium macrosporum induzidas em plantas de seringueira previamente infectadas. Todos os isolados foram incorporados à coleção de fungos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Termos para indexação: Hevea, controle biológico, fungo antagonista.

ABSTRACT

Dicyma pulvinata is an efficient biocontrol agent of Microcyclus ulei, causal agent of South American leaf blight. The objective of this work was to obtain strongly antagonistic isolates. A survey was carried out in rubber plantations located in 14 municipalities in the Sates of Acre, Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Pará and Roraima, Brazil, obtaining 52 isolates of D. pulvinata. The antagonistic fungus was isolated on potato-dextrose-agar (PDA) plates and identified based on morphological characteristics of conidiophores and conidia, and colony appearance. The antagonic effect was tested by inoculating D. pulvinata on Fusicladium macrosporum lesions induced on rubber plants, previously. In order to maintain the morphological and pathogenic traits, fungus isolates were preserved by lyophilization, deep freeze (-80ºC) and cryogeny. All isolates were introduced into Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia fungus collection.

Index terms:Hevea, biological control, antagonist fungi.

Conhecimentos tecnológicos disponíveis têm sido insuficientes para sustentar programas de controle da queima-das-folhas da seringueira (Hevea spp.), causada pelo fungo Microcyclus ulei (P. Henn.) Arx., principal fator limitante à produção de látex e à expansão da cultura no Brasil e em outros países da América Latina (Holliday, 1970; Gasparotto et al., 1984).

O controle biológico do agente fitopatogênico, pelo uso do fungo Dicyma pulvinata (Berk & M.A. Curtis) Arx (syn. Hansfordia pulvinata), tem sido apontado como promissor, pois o antagonista coloniza as lesões estromáticas causadas por M. ulei, destruindo as estruturas sexuais do patógeno e, conseqüentemente, reduzindo o desfolhamento das plantas e a taxa de inóculo em reinfecções (Junqueira & Gasparotto, 1991).

No Brasil, além das avaliações realizadas por Junqueira & Gasparotto (1991), Rodrigues (2002) conduziu experimentos relativos ao cultivo do fungo em laboratório, enquanto na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia são estudados aspectos fisiológicos, morfológicos, moleculares e de patogenicidade, no intuito de selecionar isolados de D.pulvinata com potencial para o desenvolvimento de biofungicida (Tavares et al., 2004).

Nos Estados Unidos e na França, D. pulvinata tem sido alvo de pesquisas para controle da mancha-preta (Cercosporidium personatum Earle) do amendoim (Arachis hipogea L.) e da cladosporiose (Cladosporium fulvum Cooke) do tomateiro (Lycopersicon esculentum Mill.) (Peresse & Le Picard, 1980; Mitchell et al., 1987; Tirilly, 1991). Recentemente, esse fungo foi relatado no Japão, colonizando basidiomata de Aphyllophorales (Watanabe et al., 2003). O gênero Dicyma tem despertado interesse, também, no isolamento de novos compostos terapêuticos para uso humano (Vázquez et al.,2003). Portanto, a conservação desse fungo é imprescindível para o desenvolvimento de processos e obtenção de produtos de interesse econômico.

O objetivo deste trabalho foi isolar, identificar e conservar isolados de D. pulvinata, provenientes de diversas regiões de cultivo da seringueira no Brasil, na busca de um agente eficiente de controle do M. ulei.

Nas inspeções realizadas em áreas de cultivo de seringueira localizadas em Brasiléia, Rio Branco e Santo Antônio, AC; Manaus, AM; Ituberá e Una, BA; Itiquira, Nova Maringá, Pontes e Lacerda e São José do Rio Claro, MT; Belém e São Francisco, PA e Ji-Paraná e Ouro Preto D'Oeste, RO, foram coletadas folhas maduras, contendo estromas de M. ulei parasitados por D. pulvinata e folhas jovens, contendo a fase conidial de M. ulei (Fusicladium macrosporum Kuyper), com vistas à obtenção de culturas do fitopatógeno e do antagonista.

As lesões estromáticas causadas por M. ulei, caracteristicamente escuras, mostraram-se recobertas por um crescimento branco de aspecto pulverulento, concentrado principalmente na região periférica das lesões, indicando correlação com o crescimento ativo do patógeno (Figura 1). Quando examinadas em microscópio de luz, tais lesões apresentaram uma rede de conidióforos extensivamente ramificados, septados, hialinos, com presença de conídios, sobre os estromas do patógeno, conforme descrição de Krishna & Singh (1979).


Os isolamentos de D. pulvinata foram feitos em meio de batata-dextrose-ágar (BDA), pelo método direto. A incubação ocorreu à temperatura de 25ºC sob fotoperíodo de 12 horas. As identificações foram feitas com base nas características culturais e na morfologia de conídios e conidióforos, utilizando as chaves para identificação de hifomicetos, propostas por Ellis (1971) e Carmichael et al. (1980).

No isolamento de M. ulei, empregou-se meio específico estabelecido por Junqueira et al. (1984), com modificações, constituído de sacarose, 10 g; KH2PO4, 2 g; MgSO4.7H2O, 2 g; cloranfenicol, 50 mg; Panvit (complexo de sais minerais, vitaminas e aminoácidos), 2 mL; ágar, 20 g; e água destilada, até completar o volume de 1.000 mL. As placas permaneceram incubadas no escuro, até o desenvolvimento das colônias, quando foram repicadas para meio indutor de esporulação.

Foram identificados 52 isolados pertencentes à espécie D. pulvinata (Tabela 1). Outros dois isolados obtidos da França e da Índia (CEN136 e CEN057, respectivamente) foram também incorporados à coleção e vêm sendo utilizados nos experimentos, como referências. A patogenicidade foi comprovada em bioensaios, utilizando-se plantas de seringueira previamente submetidas à inoculação do patógeno, na sua fase conidial (F. macrosporum). As estruturas propagativas típicas do antagonista se desenvolveram em profusão sobre as lesões do patógeno e, cinco dias depois da inoculação, não se observaram mais conídios e conidióforos.

Em meio BDA, todos os isolados produziram colônias efusas, cinza-claro a cinza-esverdeado, tornando-se mais escuras e de aspecto aveludado, com o envelhecimento. Micélio imerso e superficial, septado, marrom-oliváceo e extensivamente ramificado; conidióforo liso, mais escuro na base, ereto, não ramificado na porção inferior e irregularmente ramificado na porção superior. Célula conidiogênica em ramos, poliblática, discreta simpodial e denticulada. Conídio solitário, marrom-oliváceo, unicelular, esférico a subesférico, com cicatriz basal. O diâmetro dos conídios dos diferentes isolados de D. pulvinata variou de 4,3–7,3 µm. Essas características morfológicas correspondem às descritas para a espécie (Hughes, 1951).

A fim de garantir a estabilidade das características morfológicas e patogênicas das culturas, os isolados de D. pulvinata foram preservados, utilizando-se os mé todos da liofilização, congelamento à temperatura -80ºC e criopreservação em nitrogênio líquido. Cada isolado foi mantido sob essas três condições, com pelo menos dez acessos, possibilitando testes de viabilidade periódicos. O monitoramento da estabilidade genética e da fenotípica vem sendo conduzido, com base na observação de formação de setores de colônias desenvolvidas em meio BDA, em repicagens consecutivas, isolamento dos setores e regiões centrais das colônias, análise por Southern blot depois da digestão com enzimas de restrição e hibridação com sonda telomérica, conforme Inglis et al. (2001).

Os ensaios para avaliação da eficiência em colonizar estromas do patógeno vêm indicando diferenças quanto à agressividade e à virulência entre isolados de D. pulvinata. Destacou-se, entre esses, o isolado CEN093, com maior número de esporos germinados dois dias depois da inoculação e o máximo de penetração nos esporos de M. ulei aos quatro dias (Figuras 2 e 3). Quatro dos isolados testados em casa de vegetação (CEN093, CEN091, CEN062, CEN058) foram escolhidos com base na eficiência e estudos de estabilidade genética, para uso em experimentos de campo, atualmente em fase de instalação.



Agradecimentos

À Embrapa Acre, à Embrapa Amazônia Ocidental, à Embrapa Amazônia Oriental, à Embrapa Rondônia, à Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – Ceplac –, ao Instituto Agronômico, à Plantações Michelin, à Agricultura Morais Ferrari e à Fazenda Triângulo, pelo auxílio na condução dos trabalhos de coleta; ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, pelo apoio financeiro.

Recebido em 9 de julho de 2004 e aprovado em 14 de setembro de 2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2006

Histórico

  • Aceito
    14 Set 2005
  • Recebido
    09 Jul 2004
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