Acessibilidade / Reportar erro

Lixiviação de nitrato em Latossolo cultivado com milho após aplicações sucessivas de lodo de esgoto

Nitrate leaching in a Typic Haplustox planted with mayze after successive applications of sewage sludge

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a lixiviação de nitrato causada por aplicação de lodo de esgoto e adubo mineral, em Latossolo cultivado com milho. As doses de N da adubação mineral (AM), em cinco cultivos, foram: 51, 90, 100, 90 e 100 kg ha-1. Nos tratamentos com lodo (L0N, L1N, L2N, L4N e L8N), as doses de N disponível corresponderam a zero, uma, duas, quatro e oito vezes às de AM. Ocorreu lixiviação em todos os tratamentos, na seguinte ordem de intensidade: AM<L0N<L1N<L2N<L4N<L8N. As perdas médias totais de N na forma de nitrato (N-NO3-), nos tratamentos L1N, L2N, L4N e L8N foram de 430, 1.020, 2.400 e 3.970 kg ha-1, respectivamente (28, 42, 54 e 45% do N total aplicado, respectivamente). Nos tratamentos L2N, L4N e L8N, no quarto cultivo, ocorreram os maiores teores de N-NO3- na solução do solo, com picos de concentração entre 86 mg L-1 (L2N) e 464 mg L-1 (L8N). Nos tratamentos AM, L0N e L1N, os teores de N-NO3- na solução variaram entre 5 e 9, 19 e 36, e 33 e 71 mg L-1, respectivamente.

solução do solo; contaminação; biossólido; perdas de nitrogênio


The objective of this work was to evaluate nitrate leaching caused by applications of sewage sludge and mineral fertilizer in a Typic Haplustox cultivated with mayze. N aplication rates in five crops, in the treatment with mineral fertilizer (AM), were 51, 90, 100, 90 and 100 kg ha-1. In the sludge treatments (L0N, L1N, L2N, L4N and L8N), the rates of available N applied to each crop were equivalent to zero, one, two, four, and eight times those of AM. N-NO3- leaching occurred in all treatments, following the order AM<L0N<L1N<L2N<L4N<L8N. Mean total losses of N-NO3- in treatments L1N, L2N, L4N and L8N reached 430, 1,020, 2,400 and 3,970 kg ha-1, respectively (28, 42, 54 and 45% of the total N applied, respectively). Treatments L2N, L4N and L8N showed the greatest soil solution N-NO3- concentrations during the fourth crop, with peak values varying between 86 mg L-1 (treatment L2N) and 464 mg L-1 (treatment L8N). In treatments AM, L0N and L1N, soil solution N-NO3- concentrations during the fourth crop varied from 5 to 9, 19 to 36, and 33 to 71 mg L-1, respectively.

soil solution; contamination; biosolid; nitrogen losses


SOLOS

Lixiviação de nitrato em Latossolo cultivado com milho após aplicações sucessivas de lodo de esgoto

Nitrate leaching in a Typic Haplustox planted with mayze after successive applications of sewage sludge

José Flavio Dynia; Manoel Dornelas de Souza; Rita Carla Boeira

Embrapa Meio Ambiente, Caixa Postal 69, CEP 13820-000 Jaguariúna, SP. E-mail: fdynie@terra.com.br, dornelas@cnpma.embrapa.br, rcboeira@cnpma.embrapa.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a lixiviação de nitrato causada por aplicação de lodo de esgoto e adubo mineral, em Latossolo cultivado com milho. As doses de N da adubação mineral (AM), em cinco cultivos, foram: 51, 90, 100, 90 e 100 kg ha-1. Nos tratamentos com lodo (L0N, L1N, L2N, L4N e L8N), as doses de N disponível corresponderam a zero, uma, duas, quatro e oito vezes às de AM. Ocorreu lixiviação em todos os tratamentos, na seguinte ordem de intensidade: AM<L0N<L1N<L2N<L4N<L8N. As perdas médias totais de N na forma de nitrato (N-NO3-), nos tratamentos L1N, L2N, L4N e L8N foram de 430, 1.020, 2.400 e 3.970 kg ha-1, respectivamente (28, 42, 54 e 45% do N total aplicado, respectivamente). Nos tratamentos L2N, L4N e L8N, no quarto cultivo, ocorreram os maiores teores de N-NO3- na solução do solo, com picos de concentração entre 86 mg L-1 (L2N) e 464 mg L-1 (L8N). Nos tratamentos AM, L0N e L1N, os teores de N-NO3- na solução variaram entre 5 e 9, 19 e 36, e 33 e 71 mg L-1, respectivamente.

Termos para indexação: solução do solo, contaminação, biossólido, perdas de nitrogênio.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate nitrate leaching caused by applications of sewage sludge and mineral fertilizer in a Typic Haplustox cultivated with mayze. N aplication rates in five crops, in the treatment with mineral fertilizer (AM), were 51, 90, 100, 90 and 100 kg ha-1. In the sludge treatments (L0N, L1N, L2N, L4N and L8N), the rates of available N applied to each crop were equivalent to zero, one, two, four, and eight times those of AM. N-NO3- leaching occurred in all treatments, following the order AM<L0N<L1N<L2N<L4N<L8N. Mean total losses of N-NO3- in treatments L1N, L2N, L4N and L8N reached 430, 1,020, 2,400 and 3,970 kg ha-1, respectively (28, 42, 54 and 45% of the total N applied, respectively). Treatments L2N, L4N and L8N showed the greatest soil solution N-NO3- concentrations during the fourth crop, with peak values varying between 86 mg L-1 (treatment L2N) and 464 mg L-1 (treatment L8N). In treatments AM, L0N and L1N, soil solution N-NO3- concentrations during the fourth crop varied from 5 to 9, 19 to 36, and 33 to 71 mg L-1, respectively.

Index terms: soil solution, contamination, biosolid, nitrogen losses.

Introdução

Uma das alternativas para a disposição do lodo de esgoto no ambiente é sua utilização na agricultura, como fertilizante ou condicionador do solo, em razão do elevado conteúdo de matéria orgânica e dos consideráveis teores de macro e micronutrientes desse resíduo. Seu uso agrícola contempla, ainda, um importante aspecto da sustentabilidade ambiental, que é a reciclagem dos nutrientes e da energia (matéria orgânica) nele contidos. Além disso, a utilização desse material como fertilizante, assim como outros resíduos orgânicos já usados rotineiramente na adubação dos solos, pode contribuir para uma economia substancial das reservas nacionais de minérios e de energia elétrica, insumos utilizados na fabricação dos adubos comerciais.

O lodo de esgoto tem sido utilizado há muito tempo na agricultura em diversos países, porém, no Brasil, tal prática é ainda incipiente, apesar de diversos trabalhos experimentais já terem demonstrado seu efeito no aumento de produtividade das culturas (Bettiol et al., 1983; Defelipo et al., 1991; Da Ros et al., 1993; Berton et al., 1997). A escassez de informações científicas sobre os efeitos desse resíduo sobre as características físicas, químicas e biológicas do sistema solo-água, nas condições tropicais, é um dos principais entraves à expansão de seu uso. Tais informações se fazem necessárias, uma vez que as normas de utilização do produto adotadas atualmente no país derivam, basicamente, da norma americana, desenvolvida com base em resultados de pesquisas realizadas para condições de clima temperado.

Um dos riscos inerentes ao uso inadequado do lodo de esgoto é a possibilidade de contaminação, com nitrato, de lençóis freáticos e cursos de água. Quando presente em excesso, na água destinada ao uso doméstico, esse ânion pode causar problemas de saúde no homem e nos animais domésticos.

O nitrato é uma das formas inorgânicas do N no solo e, juntamente, com o amônio, constitui produto final da mineralização do N orgânico, contido em qualquer resíduo orgânico após adição ao solo. Por ser repelido pelas partículas do solo – que geralmente apresentam carga elétrica líquida negativa – esse ânion permanece livre na solução. Em conseqüência disso, a quantidade presente na camada arável do solo, que não é aproveitada pelas plantas, fica sujeita à lixiviação, podendo, ao longo do tempo, atingir o lençol freático e os corpos de água por ele alimentados.

Trabalhos desenvolvidos no Brasil, como os de Mattiazzo & Andrade (2000) e Oliveira et al. (2001), indicam que, dependendo das doses de lodo aplicadas, quantidades consideráveis de nitrato podem ser lixiviadas da camada arável dos solos para além da zona de exploração das raízes das plantas. As normas para o uso agrícola do lodo de esgoto refletem a preocupação com essa questão, destacando, entre outros parâmetros utilizados na definição da dose a ser aplicada, a quantidade de N do lodo que ficará disponível durante a safra. Essa quantidade corresponde ao N na forma mineral (amônio + nitrato) originalmente contida no lodo, somada à fração do N orgânico que será mineralizada durante o ciclo da cultura (Cetesb, 1999). Essa fração varia, geralmente, entre 20 e 30%, conforme o lodo seja originado de processos de digestão anaeróbia ou aeróbia (Tsutiya et al., 2001). Portanto, 70 a 80% do N orgânico, adicionado via lodo de esgoto, permanece no solo após a colheita. A esse N orgânico remanescente se soma o que é adicionado na safra seguinte, que dá origem a um processo acumulativo, cujos efeitos sobre a geração e a lixiviação de nitrato são ainda pouco estudados em solos tropicais, principalmente em condições de campo.

O presente trabalho teve como objetivo avaliar as conseqüências de aplicações consecutivas de lodo de esgoto sobre a movimentação do nitrato, no perfil de um Latossolo cultivado com milho.

Material e Métodos

O trabalho foi conduzido no campo experimental da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, SP, a 22º41'S, 47º0'O e altitude de 570 m), entre os anos de 1999 e 2003. Nesse período, foram realizados cinco cultivos de milho: o primeiro na época da seca (safrinha) e os demais na época das águas (safra).

A área experimental apresenta declividade menor que 5%. O solo, classificado como Latossolo Vermelho distroférrico, apresentava as seguintes características na camada de 0–20 cm, no início do experimento: pH em água, 5,8; MO, 2,6 g kg-1; P, 3,5 mg dm-3; K, 1,51 mmolc dm-3; Ca, 27,5 mmolc dm-3; Mg, 8,5 mmolc dm-3; Al trocável, 1 mmolc dm-3; H, 35 mmolc dm-3; CTC, 73,5 mmolc dm-3; V, 52%; e argila, 450 g kg-1, determinados segundo Camargo et al. (1986). A capacidade de troca aniônica efetiva (CTAe), determinada segundo Raij & Camargo (1974) (modificado pela substituição da solução de equilíbrio única –Ca(NO3)2 0,005 mol L-1 – por soluções de forças iônicas equivalentes à força iônica da solução do solo de cada camada), variou entre 0 cmolc kg-1, na camada de 0–0,2 m, até o máximo de 0,06 cmolc kg-1, na camada de 1,8–2,2 m.

O delineamento experimental foi o de parcelas subdivididas, em blocos ao acaso, com três repetições por tratamento. As unidades experimentais tinham área de 200 m2 (10x20 m). Foram avaliados cinco tratamentos com lodo de esgoto proveniente das estações de tratamento de efluentes (ETE) das cidades de Franca e de Barueri, SP: L0N (testemunha), L1N, L2N, L4N e L8N; e um tratamento com adubação mineral (AM). As características das partidas de lodo utilizadas em cada cultivo são apresentadas na Tabela 1.

As doses de lodo foram calculadas para fornecer N disponível (Ndisp) em quantidades equivalentes a zero (L0N), uma (L1N), duas (L2N), quatro (L4N) e oito (L8N) vezes a quantidade de N aplicada na adubação mineral. O Ndisp foi calculado pela fórmula (Cetesb, 1999):

em que FM (%) corresponde à fração estimada do N orgânico do lodo que será mineralizado no período da safra; NKj é o N Kjeldahl (N orgânico total + N amoniacal), em mg kg-1; NNH4 é o N sob forma amoniacal, mg kg-1; NNO3 é o N sob forma de nitrato, mg kg-1; e NNO2 é o N sob forma de nitrito, mg kg-1.

As doses de lodo aplicadas e as correspondentes doses de N total (mineral + orgânico) estão na Tabela 2.

Em todos os cultivos, o lodo foi aplicado a lanço e incorporado à camada arável do solo (0–0,2 m) com enxada rotativa, três a quatro dias antes do plantio. As doses de N do tratamento AM, nos cinco cultivos, definidas segundo critérios adotados nas recomendações de adubação das culturas para o Estado de São Paulo (Raij et al., 1996), foram de 51, 90, 100, 90 e 100 kg ha-1, respectivamente, para os anos 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003. Dessas doses, 16, 18, 18, 20 e 20 kg ha-1 foram aplicados nas linhas de plantio, por ocasião da semeadura, e o restante foi aplicado em cobertura, 45 dias após o plantio. Na adubação de plantio, utilizou-se a fórmula NPK 4–20–16, e na de cobertura foi utilizada a uréia (45% de N).

Nas parcelas dos tratamentos com lodo, foi efetuada complementação com potássio, quando necessário, em função dos teores do elemento no lodo e no solo, da quantidade de lodo aplicada e da recomendação para a cultura.

Antes do terceiro e do quarto cultivos, o pH do solo das parcelas foi corrigido para próximo de 5,7, utilizando-se calcário dolomítico em doses calculadas com base em curva de neutralização estabelecida para cada parcela.

Amostras do perfil do solo para análise de nitrato foram coletadas em todas as parcelas, no início do experimento e após a colheita do milho do segundo ao quinto cultivos, utilizando-se trado holandês com haste extensível. Não foram coletadas amostras após o primeiro cultivo, pois este foi realizado no período seco do ano de 1999, quando era praticamente nula a possibilidade de ocorrer lixiviação de nitrato. As camadas amostradas, antes do início do experimento e após o segundo cultivo, foram: 0–0,2, 0,2–0,6, 0,6–1,0, 1,0–1,4, 1,4–1,8 e 1,8–2,2 m. Nas amostragens realizadas após os demais cultivos, foram incluídas as camadas 2,2–2,6 e 2,6–3,0 m. Imediatamente após a coleta, as amostras eram distribuídas em camadas finas, em bandejas de plástico, secadas ao ar, e então peneiradas a 2 mm e armazenadas em sacos de plástico.

Limitações operacionais e de infra-estrutura laboratorial levaram à adoção deste modo de coleta e tratamento das amostras, ao invés da prática tradicionalmente recomendada, que inclui sua refrigeração até a fase de extração do nitrato. Considera-se, no entanto, que em função da baixa umidade das amostras, no momento da coleta (feita sempre na época seca do ano), e de sua rápida secagem, efetivada em poucas horas, alterações nas quantidades de nitrato presentes nas amostras, em razão do consumo pela microbiota do solo (que faria diminuir sua quantidade), ou por oxidação biológica do amônio (que resultaria em aumento de sua quantidade) seriam mínimas e não comprometeriam o escopo do trabalho. Além disso, perdas de nitrato por denitrificação durante o processo seriam improváveis, tendo em vista o estado de aeração das amostras. Nas amostras das camadas subsuperficiais do solo, tais perdas seriam ainda mais improváveis, tendo-se em vista seus baixos teores de C orgânico, além do estado de oxidação das mesmas.

Durante o quarto cultivo, no período compreendido entre 20/11/2001 e 9/4/2002, foram realizadas coletas semanais de amostras da solução do solo, nas parcelas de um dos blocos experimentais, para determinação de nitrato. As coletas foram feitas a 1 m de profundidade, por meio de cápsulas porosas, conforme sistema descrito por Reichardt et al. (1977). As extrações foram efetuadas sob sucção de 60 kPa, aplicada com bomba manual de vácuo dotada de manômetro. No momento da aplicação do vácuo, era adicionada uma gota de tolueno aos frascos de coleta, com o objetivo de impedir atividade microbiana que pudesse resultar em denitrificação na solução recolhida. O intervalo entre a aplicação do vácuo e o recolhimento das soluções foi de um dia.

O nitrato das amostras de solo foi extraído com solução de sulfato de sódio 0,5 mol L-1 (Camargo et al., 1986) e determinado pelo método colorimétrico descrito por Baker (1967). O mesmo método foi utilizado na determinação dos teores de nitrato nas amostras de solução do solo.

Resultados e Discussão

As análises realizadas antes da implantação do experimento revelaram que o solo apresentava capacidade de troca aniônica (CTA) muito baixa, em todo o perfil. Os valores deste parâmetro variaram entre 0 cmolc kg-1, na camada de 0,0–0,2 m, até o máximo de 0,06 cmolc kg-1, na camada de 1,8–2,2 m, o que indica capacidade de retenção aniônica praticamente nula. Assim, todo o nitrato contido na camada arável do solo, que não fosse absorvido pelas plantas, estaria sujeito à lixiviação, sempre que houvesse movimento descendente da água no perfil.

A variação dos teores de nitrato no perfil do solo, nos diversos tratamentos, durante o período experimental, é apresentada na Figura 1. O gráfico de 1999 representa os teores iniciais, e os demais representam os teores observados após cada cultivo, a partir da safra 1999/2000. Observa-se que os teores iniciais de N na forma de nitrato (N-NO3-) no perfil do solo, que estava em pousio há cerca de dez anos, apresentavam distribuição bastante uniforme, com valores entre 9 mg kg-1 na camada de 0,0–0,2 m e 3 mg kg-1 na camada de 1,8–2,2 m.


Comparando-se os teores iniciais de N-NO3- no perfil do solo aos teores determinados após cada cultivo, nota-se que, em geral, a concentração do nitrato no perfil aumentou em todos os tratamentos a partir do segundo cultivo (Figura 1). Mesmo na testemunha (L0N), ocorreu ligeiro aumento da concentração de N-NO3- no perfil do solo. Provavelmente, isso se deve à intensificação do processo de mineralização do N orgânico, nativo do solo, com a conseqüente formação de nitrato causada pelas operações de preparo e pela calagem, efetuadas uniformemente em todas as parcelas, o que teria propiciado discreta lixiviação do ânion.

A partir do segundo cultivo, verificou-se um aumento expressivo da concentração de N-NO3- abaixo da camada arável do solo, nos tratamentos L4N e L8N (Figura 1), evidenciando intensa lixiviação do ânion, em conseqüência do grande excesso de N aplicado nesses tratamentos. A mesma tendência foi observada no tratamento L2N, a partir do terceiro cultivo. No entanto, os aumentos foram proporcionalmente menores, em comparação com os tratamentos L4N e L8N. Os dados obtidos após o segundo cultivo indicaram a possibilidade de já estar ocorrendo lixiviação de nitrato para camadas de solo inferiores a 2,2 m de profundidade, nos tratamentos com as maiores doses de lodo. Em virtude disso, a partir do terceiro cultivo, as amostragens de solo foram estendidas até a profundidade de 3 m.

Até o terceiro cultivo, o N-NO3- acumulou-se notadamente na camada de 0,6–2,2 m de profundidade (Figura 1). Os teores de nitrato, nessa camada, foram muito elevados, principalmente nos tratamentos L4N e L8N, nos quais se registraram picos de concentração de 99 mg kg-1 e 134 mg kg-1, e de 50 mg kg-1 e 90 mg kg-1, com o lodo de Franca e de Barueri, respectivamente.

Praticamente todo o N-NO3- lixiviado para as camadas de solo inferiores a 0,6 m de profundidade é inaproveitável pelas plantas anuais, cujo sistema radicular geralmente se limita aos primeiros 0,5 m de profundidade. Assim, a não ser que sofra transformações biológicas que resultem em sua denitrificação, todo o N-NO3- contido nas camadas de solo abaixo de 0,6 m tenderá a movimentar-se em profundidade no perfil, podendo atingir o lençol freático. Portanto, no caso de culturas anuais, poucas aplicações de doses elevadas de lodo de esgoto acarretam o risco de contaminação das águas subterrâneas com nitrato, em prazo relativamente curto.

A partir do quarto cultivo, ocorreu o deslocamento de parte considerável do N-NO3- para a camada de solo entre 2,2–3,0 m de profundidade, notadamente nos tratamentos L2N, L4N e L8N (Figura 1). O formato dos gráficos desses tratamentos, principalmente do quinto cultivo, indica que uma fração expressiva do N-NO3-lixiviado deslocou-se para além de 2,5 m de profundidade. Com base nos teores médios do ânion de cada camada de solo amostrada após o quinto cultivo, e considerando-se a densidade do solo igual a 1,2 kg dm-3 (valor médio determinado para a camada de 0,6–1,2 m de profundidade), estimou-se que as perdas de N para a camada de 0,6–3,0 m de profundidade nos tratamentos L1N, L2N, L4N e L8N, após cinco cultivos, foram de 430, 1.020, 2.400 e 3.970 kg ha-1 de N-NO3-, respectivamente, contra 130 e 240 kg ha-1, nos tratamentos AM e L0N, respectivamente. Levando-se em conta as quantidades totais médias de N dos lodos, aplicadas naqueles tratamentos, calculadas a partir dos dados da última coluna da Tabela 2, observa-se que tais perdas corresponderam a cerca de 28, 42, 54 e 45% do N total aplicado, nos mesmos tratamentos.

Os dados referentes às perdas de N nos tratamentos AM e L0N contrastam com os resultados obtidos por Oliveira et al. (2001), em experimento com cana-de-açúcar conduzido num Latossolo Amarelo distrófico. Esses autores constataram que a maior parte do N aplicado via adubação mineral, em dois anos (70 kg ha-1, no plantio, e 120 kg ha-1, um ano depois), havia sido perdida por lixiviação, deslocando-se no solo para profundidade maior que 0,6 m, enquanto na testemunha as perdas foram mínimas.

A discrepância entre os resultados dos dois trabalhos pode ser atribuída às diferenças nas condições experimentais, tais como tipo de solo, cultura, condições climáticas e, principalmente, a forma e a época de aplicação do N, no tratamento com adubação mineral. No presente trabalho, apenas uma pequena parte do N, cerca de 20% do total, foi aplicado no plantio do milho. O restante foi aplicado em cobertura, na fase de maior demanda da cultura, quando as plantas já apresentavam um sistema radicular bem desenvolvido. Isso deve ter propiciado melhor aproveitamento do nutriente pelas plantas no tratamento AM e, conseqüentemente, menor lixiviação de nitrato em relação ao tratamento L0N. Neste último, as plantas eram raquíticas e apresentavam reduzido desenvolvimento do sistema radicular.

Ressalta-se que, no mesmo período e profundidade de amostragem da solução, o fluxo de água no solo apresentava sentido descendente, evidenciando a ocorrência de lixiviação de N-NO3- nos três tratamentos, porém, em taxas mais elevadas no tratamento L1N, em função das maiores concentrações do ânion na solução. Portanto, quanto ao risco de contaminação do lençol freático com N-NO3-, o solo pode ter atingido o limite de carga de lodo no quarto cultivo, no tratamento L1N (25,8 t ha-1, lodo de Barueri, e 19 t ha-1, lodo de Franca).

Assim, no caso de se pretender aplicar lodo na mesma área, por períodos superiores a quatro anos, a única opção para se minimizar o risco de contaminação do lençol seria reduzir as doses desse material. Como, por questões operacionais, o lodo é aplicado todo no plantio, as doses deveriam ser, necessariamente, menores do que as doses atualmente recomendadas. Nesse caso, a diferença entre a quantidade de N fornecida pelo lodo e aquela necessária à cultura poderia ser suprida pela aplicação de adubo mineral, possivelmente em cobertura.

Até o quarto cultivo, os teores de N-NO3- no perfil do solo, nos tratamentos AM, L0N e L1N, foram semelhantes, o que sugere que as quatro aplicações de lodo, no tratamento L1N, tiveram efeito comparável ao dos tratamentos sem adubação ou com aplicação de adubo mineral, quanto à lixiviação de nitrato. Os gráficos referentes ao quinto cultivo mostram clara tendência de aumento dos teores de N-NO3- no perfil do solo, no tratamento L1N, em relação aos tratamentos L0N e AM, principalmente na camada de 1,8–2,6 m. Os teores máximos de N-NO3-, nessa camada, no tratamento L1N, ficaram entre 18 e 30 mg kg-1 , contra 9 e 15 mg kg-1 nos tratamentos L0N e AM (Figura 1).

A análise das amostras de solução do solo coletadas durante o quarto cultivo revelou a ocorrência de teores de N-NO3- muito elevados nos tratamentos L2N, L4N e L8N, com picos de concentração variando entre o mínimo de 86 mg L-1, no tratamento L2N do lodo de Franca, até o máximo de 464 mg L-1, no tratamento L8N do lodo de Barueri (Figura 2).


Tais valores corroboram os resultados das análises de nitrato no solo e sua magnitude evidencia que poucas aplicações de doses elevadas de lodo de esgoto implicam risco real de contaminação das águas subterrâneas, a curto prazo. Tanto nesses como nos demais tratamentos, os maiores teores de N-NO3- na solução coincidiram, em geral, com o período mais chuvoso da safra, ocorrido entre fins de janeiro e início de março de 2002. Os menores teores de N-NO3- na solução foram registrados no tratamento AM (5 a 9 mg L-1), e também a menor variação de teores entre as amostragens. Esses valores foram inferiores aos do tratamento L0N, os quais foram inferiores aos do tratamento L1N. Os baixos teores de N-NO3- registrados na solução do solo, no tratamento AM, devem-se, provavelmente, à maior absorção do N-NO3- pelas plantas que receberam fertilização mineral, em razão do melhor desenvolvimento de seu sistema radicular, em relação às plantas do tratamento L0N.

Aumentos significativos da concentração de nitrato na solução do solo, em profundidade, em decorrência da aplicação de doses elevadas de lodo de esgoto ou de compostos à base de lodo, também foram constatados em outros trabalhos (Kelling et al., 1977; Inman et al., 1982; Oliveira et al., 2001).

Em solo cultivado com cereais e adubado com lodo de esgoto em doses correspondentes à aplicação de 2.720 e 5.440 kg ha-1 de N total, Kelling et al. (1977) constataram, em amostras de solução coletadas entre 1,2 e 1,5 m de profundidade, cerca de um ano após a aplicação do lodo, picos de concentração de N-NO3- entre 78 e 93, e 136 e 225 mg L-1 a mais do que os teores observados na testemunha, para a menor e a maior dose, respectivamente.

Num Ultissolo, que havia sido tratado com 4.080 kg ha-1 de N total, fornecido via composto orgânico à base de lodo de esgoto, Inman et al. (1982) constataram, cerca de 270 dias após a aplicação do tratamento, teores de N-NO3-, na solução do solo a 1 m de profundidade, que variaram entre 70 e 80 mg L-1.

Resultados semelhantes foram obtidos também por Oliveira et al. (2001), em trabalho conduzido em Latossolo Amarelo cultivado com cana-de-açúcar, no qual os teores de N-NO3- na solução do solo, após a aplicação de três doses lodo de esgoto parceladas em duas vezes (no plantio e na primeira soqueira), totalizaram o fornecimento de 1.647, 3.295 e 4.920 kg ha-1 de N total. Num período de monitoramento que se estendeu por 396 dias após a aplicação da segunda dose do lodo, os autores verificaram, na solução do solo a 0,9 m de profundidade, teores máximos de N-NO3- de 48,1 mg L-1, na menor dose de lodo, e 124,5 mg L-1, na maior dose. Constataram, também, que as concentrações de N-NO3- tenderam a diminuir com o passar do tempo, indicando a ocorrência de lixiviação do ânion para profundidade superior a 0,9 m.

À semelhança do presente trabalho, os resultados obtidos por esses autores indicam que a inadequada utilização de lodo de esgoto, em doses elevadas do resíduo, geralmente resulta em intensa lixiviação do nitrato, para além do alcance das raízes de plantas anuais, ocasionando sérios riscos de contaminação do lençol freático.

Conclusões

1. A intensidade de lixiviação de nitrato obedece à ordem: adubação mineral < testemunha < adubação com lodo; nos tratamentos com lodo, a lixiviação aumenta com as doses e com o número de aplicações.

2. A aplicação de lodo, em doses correspondentes ao fornecimento de quatro e oito vezes o N disponível aplicado na forma de adubo mineral recomendado para a cultura, resulta em intensa lixiviação do ânion a partir dos primeiros cultivos; após cinco aplicações dessas doses, grande parte do nitrato lixiviado alcança a profundidade de 3 m.

Recebido em 11 de março de 2005 e aprovado em 26 de setembro de 2005

  • BAKER, A.S. Colorimetric determination of nitrate in soil and plant extracts with brucine. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.15, p.802-806, 1967.
  • BERTON, R.S.; VALADARES, J.M.A.S.; CAMARGO, O.A. de; BATAGLIA, O.C. Peletização do lodo de esgoto e adição de CaCO3 na produção de matéria seca e absorção de Zn, Cu e Ni pelo milho em três latossolos. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.21, p.685-691, 1997.
  • BETTIOL, W.; CARVALHO, P.C.T.; FRANCO, B.J.D.C. Utilização do lodo de esgoto como fertilizante. O Solo, v.75, p.44-54, 1983.
  • CAMARGO, O.A.; MONIZ, A.C.; JORGE, J.A.; VALADARES, J.M.A.S. Métodos de análise química, mineralógica e física de solos do Instituto Agronômico de Campinas Campinas: Instituto Agronômico, 1986. 94p. (Boletim técnico, 106).
  • CETESB. Aplicação de lodos de sistemas de tratamento biológico em áreas agrícolas: critérios para projeto e operação. São Paulo, 1999. 32p. Norma P 4230.
  • DA ROS, C.O.; AITA, C.; CERETTA, C.A.; FRIES, M.R. Lodo de esgoto: efeito imediato no milheto e residual na associação aveia preta-ervilhaca. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.17, p.257-261, 1993.
  • DEFELIPO, B.V.; NOGUEIRA, A.V.; LOURES, E.G.; ALVARES, Z.V.H. Eficiência agronômica do lodo de esgoto proveniente de uma siderúrgica. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.15, p.389-393, 1991.
  • INMAN, J.C.; McINTOSH, M.S.; FOSS, J.E.; WOLF, D.C. Nitrogen and phosphorus movement in compost-amended soils. Journal of Environmental Quality, v.11, p.529-532, 1982.
  • KELLING, K.A.; WALSH, L.M.; KEENEY, D.R.; RYAN, J.A.; PETERSON, A.E. A field study of the agricultural use of sewage sludge. II. Effect of soil N and P. Journal of Environmental Quality, v.6, p.345-352, 1977.
  • MATTIAZZO, M.E.; ANDRADE, C.A. Aplicabilidade do biossólido em plantações florestais. IV. Lixiviação de N inorgânico e toxicidade de metais pesados. In: BETTIOL, W.; CAMARGO, O.A. Impacto ambiental do uso agrícola do lodo de esgoto Jaguariúna, SP: Embrapa Meio Ambiente, 2000. p.203-213.
  • OLIVEIRA, F.C.; MATTIAZZO, M.E.; MARCIANO, C.R.; MORAES, S.O. Lixiviação de nitrato em um Latossolo Amarelo distrófico tratado com lodo de esgoto e cultivado com cana-de-açúcar. Scientia Agricola, v.58, p.171-180, 2001.
  • RAIJ, B. van; CAMARGO, O.A. de. Nitrate elution from soil columns of three Oxisols and one Alfisol. In: INTERNATIONAL CONGRESS OF SOIL SCIENCE, 10., 1974, Moscow. Transactions Moscow: Nauka Publ. House, 1974. v.2, p.385-391.
  • RAIJ, B. van; CANTARELLA, H.; QUAGGIO, J.A.; FURLANI, A.M.C. (Ed.). Recomendações de adubação e calagem para o Estado de São Paulo 2.ed. Campinas: Instituto Agronômico, 1996. 285p. (IAC. Boletim técnico, 100).
  • REICHARDT, K.; LIBARDI, P.L.; MEIRELLES, N.M.F.; FERREYRA, F.F.; ZAGATTO, E.A.G.; MATSUI, E. Extração e análise de nitratos em solução de solo. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.1, p.130-132, 1977.
  • TEDESCO, M.J.; VOLKWEISS, S.J.; BOHNEN, H. Análise de solo, plantas e outros materiais Porto Alegre: UFRGS, 1995. 174p. (UFRGS. Boletim técnico, 5).
  • TSUTIYA, M.T.; COMPARINI, J.B.; ALEM SOBRINHO, P.; HESPANHOL, I.; CARVALHO, P. de C.T. de; MELFI, A.J.; MELO, W.J. de; MARQUES, M.O. (Ed.). Biossólidos na agricultura São Paulo. Sabesp, 2001. 468p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Maio 2006

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2005
  • Aceito
    26 Set 2005
Embrapa Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento; Pesquisa Agropecuária Brasileira Caixa Postal 040315, 70770-901 Brasília DF Brazil, Tel. +55 61 3448-1813, Fax +55 61 3340-5483 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: pab@embrapa.br