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Avaliação agronômica e econômica da aplicação de biossólido na produção de soja

Agronomic and economic evaluation of biosolid application on soybean production

Resumos

O objetivo deste trabalho foi definir parâmetros técnicos e econômicos do uso de biossólido como fertilizante para a soja. A resposta da soja à aplicação de biossólido úmido, nas doses 0, 7,5, 15, 30 e 45 Mg ha-1 foi comparada à resposta ao fertilizante mineral, aplicado em quantidades equivalentes de NPK, por dois anos de cultivo, em um Latossolo Vermelho distrófico argiloso. Utilizou-se o delineamento experimental de blocos ao acaso, com nove tratamentos e três repetições. Biossólido e fertilizante mineral foram aplicados somente antes do primeiro cultivo. Na dose de 30 Mg ha-1 de biossólido úmido, as produções de 3.602 e 3.183 kg ha-1 de grãos, no primeiro e segundo cultivo, respectivamente, evidenciaram o efeito imediato e residual do material, o que também foi observado na dose de 45 Mg ha-1. Em termos econômicos, a melhor relação benefício-custo (1,15) foi obtida na dose de 30 Mg ha-1. A eficiência agronômica dos tratamentos com biossólido, em média, foi 18% superior aos tratamentos com fertilizante mineral. Os resultados mostram a viabilidade agronômica e econômica do uso do biossólido em substituição ao fertilizante mineral, na produção de soja.

Glycine max; lodo de esgoto; nutrientes; fertilizante; análise econômica


The objective of this work was to define technical and economic parameters for biosolid use as fertilizer for soybean production. The soybean response to humid biosolid at rates 7.5, 15, 30 and 45 Mg ha-1 was compared to equivalent NPK applied as mineral fertilizer, in two crop seasons in a Rhodic Haplustox. Nine treatments were arranged in a randomized block design with three repetitions. Biosolid and mineral fertilizer were incorporated at once before the first crop. At the rate of 30 Mg ha-1 of humid biosolid, grain yields of 3,602 and 3,183 kg ha-1, in the first and second crops, respectively, showed the immediate and residual effects of biosolid application. The same trend was observed at 45 Mg ha-1 of biosolid. In economic terms, the best benefit-cost ratio (1.15) was obtained at 30 Mg ha-1. As for its agronomic fertilizer effect, biosolid was, in average, 18% more efficient than the mineral fertilizer. These results show the agronomic and economic viability of biosolid as a substitute of mineral fertilizer for soybean production.

Glycine max; sewage sludge; nutrients; fertilizer; economic evaluation


FERTILIZAÇÃO

Avaliação agronômica e econômica da aplicação de biossólido na produção de soja

Agronomic and economic evaluation of biosolid application on soybean production

Jorge LemainskiI; José Eurípedes da SilvaII

IEmbrapa Cerrados, BR 020, Km 18, Caixa Postal 08223, CEP 73301-970 Planaltina, DF. E-mail: jlemaisnski@hotmail.com

IIEmbrapa Sede, Av. W3 Norte (final), Parque Estação Biológica, Caixa Postal 040315, CEP 70770-991 Brasília, DF. E-mail: joesilva@sede.embrapa.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi definir parâmetros técnicos e econômicos do uso de biossólido como fertilizante para a soja. A resposta da soja à aplicação de biossólido úmido, nas doses 0, 7,5, 15, 30 e 45 Mg ha-1 foi comparada à resposta ao fertilizante mineral, aplicado em quantidades equivalentes de NPK, por dois anos de cultivo, em um Latossolo Vermelho distrófico argiloso. Utilizou-se o delineamento experimental de blocos ao acaso, com nove tratamentos e três repetições. Biossólido e fertilizante mineral foram aplicados somente antes do primeiro cultivo. Na dose de 30 Mg ha-1 de biossólido úmido, as produções de 3.602 e 3.183 kg ha-1 de grãos, no primeiro e segundo cultivo, respectivamente, evidenciaram o efeito imediato e residual do material, o que também foi observado na dose de 45 Mg ha-1. Em termos econômicos, a melhor relação benefício-custo (1,15) foi obtida na dose de 30 Mg ha-1. A eficiência agronômica dos tratamentos com biossólido, em média, foi 18% superior aos tratamentos com fertilizante mineral. Os resultados mostram a viabilidade agronômica e econômica do uso do biossólido em substituição ao fertilizante mineral, na produção de soja.

Termos para indexação:Glycine max, lodo de esgoto, nutrientes, fertilizante, análise econômica.

ABSTRACT

The objective of this work was to define technical and economic parameters for biosolid use as fertilizer for soybean production. The soybean response to humid biosolid at rates 7.5, 15, 30 and 45 Mg ha-1 was compared to equivalent NPK applied as mineral fertilizer, in two crop seasons in a Rhodic Haplustox. Nine treatments were arranged in a randomized block design with three repetitions. Biosolid and mineral fertilizer were incorporated at once before the first crop. At the rate of 30 Mg ha-1 of humid biosolid, grain yields of 3,602 and 3,183 kg ha-1, in the first and second crops, respectively, showed the immediate and residual effects of biosolid application. The same trend was observed at 45 Mg ha-1 of biosolid. In economic terms, the best benefit-cost ratio (1.15) was obtained at 30 Mg ha-1. As for its agronomic fertilizer effect, biosolid was, in average, 18% more efficient than the mineral fertilizer. These results show the agronomic and economic viability of biosolid as a substitute of mineral fertilizer for soybean production.

Index terms:Glycine max, sewage sludge, nutrients, fertilizer, economic evaluation.

Introdução

O biossólido úmido, resíduo do tratamento de esgotos, é gerado pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) à razão de 400 t dia-1. Por ser rico em matéria orgânica e nutrientes minerais, principalmente N e P, pode ser aproveitado em áreas agrícolas como fertilizante ou como condicionador de solo, depois de adequadamente tratado (Melo et al., 2001). Apesar da carência de critérios locais para uso agronômico, o material é demandado como fertilizante na produção de grãos, pastagens, fruteiras e café.

Os Estados Unidos e a Europa produzem, respectivamente, cerca de 13 milhões e 7 milhões de toneladas de biossólidos, base seca, por ano, com rotas respectivas de disposição final em aterros (41% e 42%), uso agrícola (25% e 36%), incineração (16% e 11%), disposição oceânica (6% e 5%), e outras formas como em reflorestamento e recomposição de áreas degradadas em 12% e 6% (Tsutiya, 2001). No Brasil, a produção de biossólido, base seca, é estimada em 202.530 t anuais, a partir do tratamento do esgoto gerado por 16,8 milhões de pessoas, conforme diagnóstico dos serviços de água e esgoto, em 2004 (Brasil, 2005), e a produção estimada é de 33 g de sólidos solúveis totais por habitante por dia (Machado et al., 2004). Do lodo produzido no Brasil, cerca de 50% tem destino final em aterro sanitário, 15% na agricultura e 35% têm destino indefinido; acredita-se que grande parte é depositada em aterro sanitário (Machado et al., 2004).

No Distrito Federal, com uma população de 2,3 milhões de habitantes, a coleta de esgotos, de origem predominantemente doméstica, atinge 88% da população; o índice de coleta de esgoto é de 71,8% e o de tratamento é de 75,4% (Brasil, 2005).

A área agrícola do Distrito Federal é de 163 mil hectares em lavouras e pastagens, conforme o último Censo Agropecuário (IBGE, 2006). Grande parte dessa área tem relevo plano, solos profundos e bem drenados e apresenta aptidão à reciclagem agrícola do biossólido.

Experiências com uso de biossólido demonstraram seus benefícios para diversas culturas e para algumas características químicas e propriedades físicas do solo (Berton et al., 1989; Melo et al., 1994, 2001; Oliveira et al., 2002).

Da Ros et al. (1993) avaliaram o efeito imediato da aplicação do biossólido em milheto e o efeito residual na associação aveia-ervilhaca; Gadioli & Neto (2004) avaliaram o efeito do biossólido em milho e feijão; Corrêa (2004) estimou a eficiência de cinco biossólidos em suprir N e P para azevém; Guedes et al. (2006) avaliaram as propriedades químicas do solo e a nutrição do eucalipto, em conseqüência da aplicação de lodo de esgoto.

No Distrito Federal, Silva et al. (2002a, 2002b) utilizaram doses de biossólido úmido de 54 a 216 Mg ha-1, na produção de milho, e sugeriram que doses menores poderiam apresentar melhor resultado prático e econômico. Em Jaguariúna, SP, Vieira et al. (2005) avaliaram o efeito da aplicação de biossólido em dois cultivos de soja e verificaram que as necessidades de P da cultura podem ser supridas pela adição de pequenas quantidades do material ao solo, no primeiro cultivo, sem prejuízo para a produção ou qualidade dos grãos. Apesar dessa referência, são poucos os trabalhos com soja citados na literatura. Uma provável explicação deve-se à fixação do N atmosférico pelas leguminosas (soja, feijão), o que reduz sua dependência dos fertilizantes nitrogenados, enquanto as gramíneas (milho, trigo, cana-de-açúcar, milheto, sorgo), por dependerem do fertilizante nitrogenado, respondem com maior intensidade ao biossólido, tirando proveito da liberação lenta do N do material (Sanepar, 1997).

O objetivo deste trabalho foi definir, num Latossolo Vermelho distrófico argiloso, parâmetros técnicos e econômicos de resposta da soja à aplicação de biossólido úmido, em comparação ao uso de fertilizante mineral em doses equivalentes de NPK.

Material e Métodos

O trabalho foi realizado em dois anos agrícolas, no período de 2001 a 2003, na Embrapa Cerrados, Planaltina, DF, num Latossolo Vermelho distrófico argiloso (520 g kg-1 de argila). A área experimental (15º35'41"S; 47º43'44"W) foi utilizada no final da década de 70 para teste de híbridos de milho, posteriormente foi cultivada com capim Brachiaria sp. e encontrava-se em pousio há mais de oito anos. A Estação Principal da Embrapa Cerrados (15º35'30"S; 47º42'30"W; altitude 1.007 m), próxima ao local do experimento, registrou precipitações de 888,3 mm de chuva, entre novembro de 2001 e março de 2002, e de 772,2 mm entre novembro de 2002 e março de 2003, períodos em que foram realizados os experimentos.

A análise do solo (Embrapa, 1997) em amostras coletadas antes da semeadura, na camada de 0–20 cm, indicou: pH em água 5,17; Al 1,5 mmolc dm-3; H+Al 41,9 mmolc dm-3; Ca+Mg 30,4 mmolc dm-3; K 46,8 mg dm-3; V 39,25%; P 3,35 mg dm-3 e MO 25,3 g dm-3.

O biossólido foi fornecido pela Estação de Tratamento de Esgotos Brasília Norte, da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), em outubro de 2001, após processo de estabilização biológica (anaeróbia e aeróbia), seguido de polimento final com aplicação de coagulante metálico (Luduvice, 2000).

A caracterização química do material (Tabela 1) foi realizada em oito amostras compostas, cada uma constituída de dez subamostras (Soccol et al., 2000). Avaliaram-se a densidade do biossólido úmido (volume e peso iniciais das amostras recém-coletadas) e a do material seco (volume e peso finais das amostras, após secagem em estufa a 65ºC, por 72 horas, e depois a 105ºC, até atingir peso constante).

O experimento foi estruturado em delineamento de blocos ao acaso, com três repetições e nove tratamentos (Tabela 2). As fontes de N, P e K foram, respectivamente, uréia (0,44 kg de N kg-1), superfosfato triplo (0,184 kg de P kg-1) e cloreto de potássio (0,498 kg de K kg-1). O cálculo da dose equivalente do fertilizante mineral misto foi realizado com base na análise química, densidade e teor de água do biossólido. O biossólido e o fertilizante mineral aplicados a lanço, em única vez, em 14 de novembro de 2001, foram imediatamente incorporados ao solo com grade niveladora, à profundidade de 10 cm.

A dimensão de cada parcela era de 9x7 m e a área útil de 10,8 m2. A primeira semeadura da soja, cultivar BRS Milena, ocorreu em 16 de novembro de 2001, em solo preparado no sistema convencional (arado de discos e grade). A segunda semeadura, cultivar BRS Pétala, foi realizada em 20 de novembro de 2002, no sistema de plantio direto, sem adição de biossólido ou fertilizante mineral. Nos dois cultivos, realizou-se semeadura mecanizada, com espaçamento de 45 cm entre linhas e densidade populacional de 320 mil plantas por hectare. Durante o desenvolvimento da cultura, foram realizados os tratos culturais de rotina para o controle de pragas e de plantas invasoras.

As colheitas dos dois cultivos ocorreram em 4 e 18 de abril de 2002 e 2003, respectivamente, na área útil de 10,8 m2 (seis linhas de 4 m lineares) de cada parcela. Os grãos foram separados e os restos culturais devolvidos à respectiva parcela. A produtividade de grãos foi estimada, tendo-se ajustado a umidade dos grãos para 13%.

O SAS Institute (2001) foi utilizado na análise de variância e no ajuste de regressões polinomiais, relacionando-se a produção de grãos com doses de biossólido e de fertilizante mineral. Também foram utilizados contrastes não-ortogonais, para comparação entre os resultados obtidos com biossólido e com fertilizante mineral.

Para as avaliações econômicas, simulou-se uma propriedade distante 100 km da ETE-Brasília Norte da Caesb, em condições semelhantes às da área experimental, quando da aplicação do biossólido e do fertilizante mineral. Todos os cálculos foram ajustados para a unidade de área de um hectare.

A receita bruta para cada tratamento foi obtida mediante a multiplicação do somatório da produtividade de grãos do primeiro e do segundo cultivo pelo preço pago ao produtor (R$ 29,99 por saca de 60 kg), conforme Conab (2003).

O custo de produção da lavoura comercial de soja, para ambos os cultivos, foi estabelecido a partir de orçamento analítico.Na matriz de custos, o valor dos fertilizantes (biossólido e fertilizante mineral) foi definido isoladamente para cada tratamento. Assim, o custo de 1 ha de soja, excluindo-se os fertilizantes, foi orçado em R$ 580,00, dos quais: R$ 366,00 em insumos (sementes, fungicidas, herbicidas, inseticidas, adjuvantes) e R$ 214,00 em serviços (preparo do solo, plantio, aplicação de insumos, transportes internos, colheita, mão-de-obra contratada e assistência técnica). Para cada tratamento, o custo de produção correspondeu ao valor do fertilizante utilizado (mineral ou biossólido), somado ao valor dos insumos e serviços.

O custo do fertilizante mineral, por tratamento, foi calculado pelo valor de N, P e K e a respectiva quantidade aplicada. De acordo com pesquisa de preço pago pelo produtor (Conab, 2003), a cotação da tonelada de produto, posto na propriedade a 100 km, referenciada em abril de 2003, foi: uréia, R$ 845,00; superfosfato triplo, R$ 819,00; e cloreto de potássio, R$ 666,00.

O custo do biossólido por tratamento foi equivalente à dose aplicada (Mg ha-1), multiplicada pelo frete de R$ 22,00 por tonelada (no Distrito Federal, o frete para a distância média de transporte de 100 km, com caminhão-caçamba de 12 m3, com capacidade para 10 t de biossólido, é de R$ 1,10 por quilômetro rodado); àquele valor foi adicionado o custo de distribuição do biossólido (R$ 24,00 ha-1) e de incorporação (R$ 20,00 ha-1), conforme Canziani et al. (2001). O biossólido é fornecido gratuitamente.

Na análise de benefício-custo, do uso do biossólido como fertilizante (Silva et al., 2002b), foram utilizadas as receitas de comercialização, considerando-se a produtividade de grãos, obtida na área experimental, e os custos de produção nas lavouras comerciais de soja, no Distrito Federal, com base nos preços praticados em abril de 2003. Aplicou-se a equação: BC = (RP - RT)/CP, em que BC é a relação benefício-custo; RP é a receita bruta da produção de cada tratamento; RT é a receita bruta do tratamento testemunha e CP é o custo de produção de cada tratamento.

A eficiência agronômica (valor fertilizante) do biossólido (EB), em relação ao fertilizante mineral (Silva et al., 2002a), foi obtida pela equação: EB = 100(PB - PT)/(PF - PT), em que PB é a produtividade de grãos nos tratamentos com biossólido; PT é a produtividade do tratamento testemunha; e, PF é a produtividade dos tratamentos com fertilizante mineral. A eficiência nos tratamentos 2, 3, 4 e 5, com uso de biossólido úmido, foi determinada tomando-se como referência, respectivamente, os tratamentos 6, 7, 8 e 9, que utilizaram fertilizante mineral em doses de NPK equivalentes às aplicadas nos tratamentos com biossólido.

A valoração do biossólido foi definida a partir do preço do fertilizante mineral, com base no mercado de bens substitutos, utilizando-se o método do custo de reposição sugerido por Motta (1998). O valor da tonelada de biossólido foi determinado para o material com teor de água de 900 g kg-1. A agregação de valor ao biossólido foi também simulada para o produto desidratado, com teores de água de 850, 700, 500 e 300 g kg-1, a partir de coeficientes de redução de massa e volume estabelecidos por Silva et al. (2002b).

Para efeitos de referência de conversão de moedas, o dólar norte-americano foi cotado a três reais (US$ 1,00 = R$ 3,00).

Resultados e Discussão

A análise comparativa mostrou que a produtividade de todos os tratamentos foi significativamente superior à da testemunha (Tabela 3). Os resultados da análise de contrastes não-ortogonais mostraram que a produtividade média da soja, obtida com biossólido, foi estatisticamente superior à obtida com fertilizante mineral em 6%, no primeiro cultivo (F 11,82; p>0,0034), e 10% no segundo (F 13,66: p>0,0020); na média dos dois cultivos, a produtividade com biossólido foi 8% superior à do fertilizante mineral (F 52,43; p>0,0001). Provavelmente, o melhor resultado do biossólido possa ser atribuído à liberação gradativa dos nutrientes, principalmente o P; segundo Melo et al. (2001), o P do biossólido é menos solúvel no solo que o dos superfosfatos, mas oferece maior constância no fornecimento ao longo do tempo.

Por ser uma leguminosa capaz de fixar o N atmosférico, quando em associação simbiótica com bactérias do gênero Bradyrhizobium, a soja parece ter como aporte mineral mais expressivo do biossólido o P, o que está em conformidade com Sanepar (1997). A produtividade da soja, nos dois anos agrícolas, demonstrou que tanto a dose de 30 Mg ha-1 quanto a de 45 Mg ha-1 de biossólido foi suficiente para suprir as demandas da cultura em P, o que também foi observado por Vieira et al. (2005). No caso do biossólido, no primeiro cultivo, a produtividade aumentou, significativamente, até a dose de 30 Mg ha-1 (3.602,2 kg ha-1), que não diferiu estatisticamente da dose de 45 Mg ha-1 (3.463,9 kg ha-1). No segundo cultivo, houve aumento crescente de produtividade até a dose de 45 Mg ha-1, que atingiu 3.448,3 kg ha-1 de grãos.

Embora produções de parcelas não sejam comparáveis com produções de campo, observa-se que as médias de produtividade dos dois cultivos, dos tratamentos que utilizaram 30 Mg ha-1 e 45 Mg ha-1 de biossólido úmido, superaram em 23% a produtividade média (2.769 kg ha-1) da soja no Distrito Federal, e em 21% o rendimento médio (2.802 kg ha-1) da cultura no Brasil em 2003, segundo o IBGE.

As médias de produtividade nas doses de 30 e 45 Mg ha-1 de bissólido úmido, no segundo cultivo, corresponderam, respectivamente, a 88% e 99% das obtidas no primeiro cultivo, o que evidencia o efeito residual da aplicação do biossólido. Vieira et al. (2005), em experimento com aplicação única de 3 Mg ha-1 de biossólido, base seca (aproximadamente 30 Mg ha-1, base úmida), no primeiro cultivo, obtiveram a produtividade de 3.099 kg ha-1 de soja no segundo cultivo. Este resultado é semelhante ao obtido neste trabalho (3.183 kg ha-1), por ocasião do segundo cultivo (com a aplicação de 30 Mg ha-1 de biossólido úmido no primeiro cultivo), e ambos evidenciaram o efeito residual do biossólido na cultura da soja.

O modelo de regressão polinomial de segundo grau, ajustado aos dados de produtividade, representou adequadamente as respostas da soja às doses de biossólido úmido e fertilizante mineral (Tabela 4). A derivação daquelas equações mostrou que a produtividade máxima estimada de grãos (3.685 kg ha-1), no primeiro ano, seria atingida com 33,2 Mg ha-1 de biossólido úmido, enquanto no segundo ano (efeito residual), a máxima produtividade (3.446 kg ha-1) seria alcançada com 43,89 Mg ha-1 de biossólido úmido. O aumento na dose, para a máxima produtividade, é apenas aparente e pode ser explicado pelo fato de que a regressão do segundo ano foi obtida com os valores nominais das doses do primeiro cultivo, sem os descontos causados pela remoção de nutrientes do solo, na primeira colheita, o que reduz as quantidades disponíveis para as plantas na safra seguinte.

A produtividade da soja (média dos dois anos), em resposta às doses de biossólido (Figura 1), mostra que, com base na equação de ajuste, a produtividade máxima estimada em grãos (3.522 kg ha-1) seria atingida com 37,79 Mg ha-1 de biossólido úmido.


A análise de benefício-custo (Tabela 5) mostra a taxa de retorno de cada real aplicado no biossólido e no fertilizante mineral. Assim, em relação à lavoura comercial proposta, os resultados de produtividade da soja indicaram que, nos tratamentos com uso de biossólido (exceto o que recebeu 7,5 Mg ha-1), a taxa de retorno foi maior do que a verificada em qualquer um dos tratamentos com fertilizante mineral. Esse resultado pode ser atribuído ao aumento da receita obtida pela maior produtividade, como também, ao menor custo de produção, resultante da utilização do biossólido, em relação ao fertilizante mineral. A aplicação de 30 Mg ha-1 de biossólido úmido proporcionou a melhor taxa de retorno, entre todos os tratamentos (R$ 1,15 para cada real investido).

Na lavoura comercial, na qual a fixação biológica do N atmosférico pela soja dispensa a aplicação desse nutriente como adubo (Vargas et al., 2002), a análise de benefício-custo no tratamento 8 (NPK 176–124–13), com a exclusão do custo do N, apresentaria para cada real investido um retorno de R$ 1,11, ainda abaixo do retorno obtido com o tratamento 4 (30 Mg ha-1 de biossólido úmido), equivalente ao tratamento 8.

O mesmo retorno econômico, obtido com a aplicação de 30 Mg ha-1 de biossólido úmido (R$ 1,15 por real investido), foi encontrado quando se simulou a relação de benefício-custo de uma lavoura de soja no Distrito Federal, que recebe uma adubação de manutenção de 60 kg ha-1 de P2O5 (26,22 kg de P) e 60 kg ha-1 de K2O (49,8 kg de K), para uma expectativa de produção de 3.000 kg ha-1 de grãos de soja (Sousa & Lobato, 2002).

A análise da eficiência agronômica (Tabela 6) mostrou que no primeiro e no segundo cultivo o biossólido foi 15 e 20%, respectivamente, mais eficiente que o fertilizante mineral, seguindo a mesma tendência observada por Silva et al. (2002a). Na avaliação da produtividade média dos dois cultivos, o biossólido foi 18% mais eficiente do que o fertilizante mineral. Considerando-se que os nutrientes foram adicionados em quantidades equivalentes, a superioridade do biossólido, em relação ao fertilizante mineral, pode ser atribuída à dinâmica de liberação dos nutrientes, principalmente do P, a partir das duas fontes (Melo et al., 2001).

O valor do biossólido úmido da Caesb foi de R$ 30,44 por tonelada, quando se considerou, exclusivamente, o custo de reposição do N, P e K, nas condições do presente trabalho (Motta, 1998). A elevada quantidade de água contida no biossólido é determinante desse valor relativamente baixo. No caso de redução da quantidade de água de 900 g kg-1 para 500 g kg-1 (Silva et al., 2002b), o valor fertilizante do biossólido em NPK seria elevado para R$ 152,20 por tonelada, um aumento relativo de 400% (Tabela 7).

Nessas condições, em função da redução do custo relativo de transporte, a relação benefício-custo aumentaria significativamente: o tratamento que recebeu 30 Mg ha-1, se utilizasse o biossólido com teor de água de 500 g kg-1, teria sua relação benefício-custo ampliada de 1,15 para 1,61. Portanto, a redução do teor de água do biossólido agrega valor ao produto e pode aumentar seu atrativo de uso pelos agricultores.

Conclusões

1. O aproveitamento do biossólido como fertilizante na cultura da soja é viável em termos agronômicos e econômicos.

2. O efeito residual do biossólido úmido na soja é evidenciado no segundo cultivo, nas doses acima de 30 Mg ha-1 do material.

3. O biossólido, em média, é 18% mais eficiente do que o fertilizante mineral como fonte de nutrientes na cultura da soja.

Recebido em 17 de março de 2006 e aprovado em 23 de junho de 2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2006

Histórico

  • Aceito
    23 Jun 2006
  • Recebido
    17 Mar 2006
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