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Vegetação campestre de areais do Sudoeste do Rio Grande do Sul sob pastejo e com exclusão do pastejo

Grassland vegetation of sandy patches of Rio Grande do Sul under grazing and exclosure

Resumos

O objetivo deste trabalho foi caracterizar os efeitos de dois manejos do pastejo, sobre a vegetação natural do entorno de areais, da região Sudeste do Rio Grande do Sul. Foram estudadas 41 parcelas de comunidades de 4,5x9 m: 30 sob pastejo e 11 em areais excluídos do pastejo. A composição da vegetação foi analisada por meio de inventário das espécies de plantas vasculares, presentes nas parcelas, e por meio de estimativa da abundância/cobertura de cada espécie e substrato exposto. Foram identificadas 53 espécies, distribuídas em 43 gêneros e 16 famílias. Apareceram em mais de 50% das comunidades estudadas: Axonopus pressus, Elionurus sp., Schizachyrium microstachyum, Bulbostylis sp., Senecio sp., Baccharis coridifolia, Psidium sp., Cardionema ramosissima e Borreria verticillata. Andropogon lateralis esteve restrita ao município de Alegrete, próximo ao rio Ibicuí. A exclusão do pastejo aumenta a cobertura vegetal e a diversidade em comparação a comunidades pastejadas. Vegetação natural sob pastejo é mais suscetível ao processo de arenização. Areais manejados sob pastejo apresentam mais substrato exposto e Elionurus sp., Axonopus pressus e Cardionema ramosissima.

Axonopus pressus; Butia paraguayensis; áreas degradadas; campo nativo; restauração


The objective of this study was to characterize the effects of two grazing management on the natural vegetation, in the edge of sandy patches of Southwest of Rio Grande do Sul State, Brazil. Forty-one community areas of 4.5x9 m, were evaluated: 30 under grazing, and 11 under grazing exclusion. The vegetation composition in each community area was described by visually estimated cover-abundances of vascular plant species and bare-ground. Fifty-three 53 different taxa were identified from 43 genera and 16 families. Axonopus pressus, Elionurus sp., Schizachyrium microstachyum, Bulbostylis sp., Senecio sp., Baccharis coridifolia, Psidium sp., Cardionema ramosissima and Borreria verticillata were present in more than 50% of the communities. Andropogon lateralis was restricted to communities in Alegrete near to the Ibicuí River. Exclosures increase vegetation coverage and diversity, when compared to grazed ones. Natural vegetation under grazing is more susceptible to sandy patch process. Sandy patches under grazing have higher bareground and Elionurus sp., Axonopus pressus and Cardionema ramosissima.

Axonopus pressus; Butia paraguayensis; degraded areas; native pasture; recovering


ZOOTECNIA

Vegetação campestre de areais do Sudoeste do Rio Grande do Sul sob pastejo e com exclusão do pastejo

Grassland vegetation of sandy patches of Rio Grande do Sul under grazing and exclosure

José Pedro Pereira TrindadeI; Fernando Luiz Ferreira de QuadrosII; Valério DePatta PillarIII

IEmbrapa Pecuária Sul, Caixa Postal 242, CEP 96401-970 Bagé, RS. E-mail: jptrindade@cppsul.embrapa.br

IIUniversidade Federal de Santa Maria, Departamento de Zootecnia, Avenida Roraima, nº 1.000, CEP 97105-900 Santa Maria, RS. E-mail: flfquadros@yahoo.com.br

IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Ecologia, CEP 91540-000 Porto Alegre, RS. E-mail: vpillar@ufrgs.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi caracterizar os efeitos de dois manejos do pastejo, sobre a vegetação natural do entorno de areais, da região Sudeste do Rio Grande do Sul. Foram estudadas 41 parcelas de comunidades de 4,5x9 m: 30 sob pastejo e 11 em areais excluídos do pastejo. A composição da vegetação foi analisada por meio de inventário das espécies de plantas vasculares, presentes nas parcelas, e por meio de estimativa da abundância/cobertura de cada espécie e substrato exposto. Foram identificadas 53 espécies, distribuídas em 43 gêneros e 16 famílias. Apareceram em mais de 50% das comunidades estudadas: Axonopus pressus, Elionurus sp., Schizachyrium microstachyum, Bulbostylis sp., Senecio sp., Baccharis coridifolia, Psidium sp., Cardionema ramosissima e Borreria verticillata. Andropogon lateralis esteve restrita ao município de Alegrete, próximo ao rio Ibicuí. A exclusão do pastejo aumenta a cobertura vegetal e a diversidade em comparação a comunidades pastejadas. Vegetação natural sob pastejo é mais suscetível ao processo de arenização. Areais manejados sob pastejo apresentam mais substrato exposto e Elionurus sp., Axonopus pressus e Cardionema ramosissima.

Termos para indexação:Axonopus pressus, Butia paraguayensis, áreas degradadas, campo nativo, restauração.

ABSTRACT

The objective of this study was to characterize the effects of two grazing management on the natural vegetation, in the edge of sandy patches of Southwest of Rio Grande do Sul State, Brazil. Forty-one community areas of 4.5x9 m, were evaluated: 30 under grazing, and 11 under grazing exclusion. The vegetation composition in each community area was described by visually estimated cover-abundances of vascular plant species and bare-ground. Fifty-three 53 different taxa were identified from 43 genera and 16 families. Axonopus pressus, Elionurus sp., Schizachyrium microstachyum, Bulbostylis sp., Senecio sp., Baccharis coridifolia, Psidium sp., Cardionema ramosissima and Borreria verticillata were present in more than 50% of the communities. Andropogon lateralis was restricted to communities in Alegrete near to the Ibicuí River. Exclosures increase vegetation coverage and diversity, when compared to grazed ones. Natural vegetation under grazing is more susceptible to sandy patch process. Sandy patches under grazing have higher bareground and Elionurus sp., Axonopus pressus and Cardionema ramosissima.

Index terms:Axonopus pressus, Butia paraguayensis, degraded areas, native pasture, recovering.

Introdução

Entre as diversas formações campestres do Sul do Brasil, se destacam os campos assentados em substrato arenítico do Sudoeste do Rio Grande do Sul. A vegetação campestre predomina na paisagem, e as matas estão restritas a algumas encostas e chapadões de arenito, sobretudo ao norte do rio Ibicuí, e nas faixas que acompanham os principais cursos d'água, onde estão inseridos os "campos de areia"; manchas de vegetação suscetíveis à arenização, com predominância de Butia paraguayensis (Barb. Rodr.) L.H. Bailey (Marchiori, 2002) e gramíneas dos gêneros Aristida e Elionurus spp., entre outras espécies.

O termo areal é relativo ao processo de substituição da cobertura vegetal natural, pela areia, em razão da exposição do substrato arenítico característico do Neossolo Quartzarênico, como resultado de um processo erosivo (Azevedo & Kaminski, 1995). São fatores determinantes nesse processo: a fragilidade do solo, a declividade do terreno e o manejo (Suertegaray et al., 2001). Em um areal já estabelecido, é o seu núcleo que se destaca, que se caracteriza pela extensão de areia com cobertura vegetal incipiente ou inexistente, e pelo constante transporte pluvial ou eólico de substrato arenítico, que avança sobre o manto de vegetação do entorno. Na borda limítrofe entre a vegetação e o núcleo de arenização, se observa a constante expansão do núcleo e o seu efeito sobre a vegetação natural do entorno, onde ocorrem as deposições eólicas de arenito formando "montes de areia" (Ab'Saber, 1995). O desenvolvimento de novos focos e a expansão da arenização ocorrem com a combinação da interferência antrópica, produtora de escarificações na cobertura vegetal e no solo, pela intensidade e freqüência de chuvas e ventos e pelo relevo do terreno sobre substrato de solo inconsolidado (Ab'Saber, 1995; Suertegaray et al., 2001).

O aparecimento e a expansão de areais estão ligados a bancos de areia de substrato de solo inconsolidado, de deposição eólica, ocorridos no Pleistoceno e Holoceno (Maciel-Filho & Sartori, 1979; Suertegaray, 1995). Mudanças climáticas para um regime pluviométrico mais favorável permitiram o desenvolvimento de uma cobertura vegetal e a fixação de paleodunas. A existência de plantas, com atributos relacionados a ambientes áridos, é uma evidência relictual dessas mudanças e da adaptação da vegetação (Marchiori, 1995). A vegetação campestre predomina desde 22 mil anos antes do presente, e a expansão da floresta de galeria ocorreu após 5.170 anos antes do presente, com máxima expansão após 1.550 anos, o que reflete uma mudança de clima seco para clima úmido (Behling et al., 2005).

A vegetação campestre protege o solo da ação do vento na remoção do substrato arenoso e impede que partículas sejam transportadas (Okin et al., 2001). O pastejo, como distúrbio condicionante da dinâmica de comunidades vegetais campestres, interfere diretamente neste processo (Louault et al., 2005; Sosinski Júnior, 2005; Albon et al., 2007; Müller et al., 2007). A remoção da cobertura vegetal, por meio do pastejo, expõe o substrato arenítico aos processos erosivos, o que aumenta o potencial do processo de arenização. A desconsideração, nas ações antrópicas, do papel da cobertura vegetal e da implícita fragilidade dos ecossistemas campestres (Ab'Saber, 1995; Marchiori, 1995; Suertegaray et al., 2001) dificulta a adoção de medidas preventivas.

Este trabalho foi conduzido com o objetivo de caracterizar os efeitos de dois manejos do pastejo, sobre a vegetação natural do entorno de areais da região Sudoeste do Rio Grande do Sul.

Material e Métodos

O clima da região Sudoeste do Rio Grande do Sul é subtropical úmido (Moreno, 1961), do tipo Cfa na classificação de Köppen. A precipitação normal anual total da estação meteorológica mais próxima, Santa Maria, é de 1.686,1 mm. No ano 2000, foi registrada precipitação acumulada de aproximadamente 1.970 mm; somente nos meses de fevereiro, abril, julho e agosto tiveram precipitação um pouco abaixo da normal para o período.

Foram selecionados 11 areais, em propriedades particulares: três areais em Manoel Viana, cinco em Alegrete e outros três em São Francisco de Assis. Dos areais observados, oito eram manejados sob pastejo principalmente com bovinos e, secundariamente, ovinos e eqüinos, dois em Manoel Viana e São Francisco de Assis e quatro em Alegrete. Sob exclusão do pastejo, foram observados três areais, um em cada um dos municípios. Destes últimos, os localizados em Alegrete e São Francisco de Assis tinham, no início deste trabalho, aproximadamente quatro anos de exclusão.

Em cada areal, considerando-se a cobertura vegetal existente, foram identificados: o núcleo de arenização, caracterizado pela inexistência ou a rara presença de cobertura vegetal; o entorno, com a presença de vegetação campestre, objeto do levantamento; e uma zona de transição, entre o núcleo e a vegetação campestre do entorno.

Parcelas de 4,5x9 m foram demarcadas no entorno dos areais, com uso de amostragem preferencial (Mueller-Dombois & Ellenberg, 1974). Optou-se por este tamanho de parcela, tendo-se em vista a baixa densidade das comunidades. A demarcação das parcelas foi antecedida por um reconhecimento visual da estrutura da vegetação natural de entorno, para que fossem identificadas subdivisões na cobertura vegetal que pudessem caracterizar manchas de vegetação homogênea (Mueller-Dombois & Ellenberg, 1974). Em cada mancha de vegetação identificada pelo observador, foi delimitada uma parcela representativa. Assim, o número de parcelas foi variável em cada areal, tendo sido demarcadas 41 parcelas no total do levantamento, das quais 11 foram avaliadas em areais de Manoel Viana, 14 em São Francisco de Assis e 16 em Alegrete.

As parcelas foram descritas, quanto à composição da vegetação, por meio de um inventário das espécies de plantas vasculares presentes na parcela e no componente substrato exposto. Para cada espécie, e para o substrato exposto, foi estimada a respectiva abundância-cobertura, com uso da escala de Braun-Blanquet. Os dados foram convertidos para a escala de Van der Maarel, para obtenção do desempenho médio, e os do substrato exposto foram transformados para cobertura percentual (r = 0,05%, + = 0,1%, 1 = 0,25%, 2 = 15%, 3 = 37,5%, 4 = 62,5%, 5 = 87,5%). Quando não foi possível se determinar a espécie ou o gênero, foram identificados morfotipos. Indivíduos de todos os taxa foram coletados e herborizados, e as exsicatas foram encaminhadas ao herbário da Embrapa Pecuária Sul.

Os inventários das comunidades dos areais de Manoel Viana (29º29'16S, 55º27'38W e 29º22'43S, 55º32'33W) foram realizados em fevereiro de 2000. Nos areais de São Francisco de Assis, os levantamentos foram realizados em junho de 2000 (29º23'50S, 55º9'18W e 29º33'1S, 55º11'49W) e em dezembro de 2000 (29º22'26S e 55º31'52W). E nos areais de Alegrete, os inventários foram feitos em outubro (29º39'30S e 55º23'58W), dezembro de 2000 (29º39'11S e 55º17'47W) e janeiro de 2001 (29º39'27S e 55º17'30W).

Métodos de análise multivariada de ordenação e agrupamento foram utilizados com o objetivo de se identificarem padrões de variação da estrutura das comunidades vegetais. As análises foram executadas com os aplicativos computacionais SYNCSA (Pillar, 2002) e Multiv (Pillar, 2004). Os dados foram submetidos à análise de coordenadas principais e análise de agrupamento. A medida de semelhança utilizada foi a distância de corda entre unidades amostrais (comunidades). O critério utilizado na análise de agrupamentos foi a variância mínima, dentro de grupo formado; o processo de agrupamento foi aglomerativo. O número de grupos (nível de partição) foi determinado posteriormente, a partir do resultado da análise de nitidez de grupos, avaliada pelo método de auto-reamostragem "bootstrap" (Pillar, 1999b), que fornece a probabilidade necessária para avaliar a estabilidade da partição. O método de auto-reamostragem foi também aplicado para testar a estabilidade dos eixos de ordenação (Pillar, 1999c). Para melhor visualização dos resultados observados, utilizou-se a opção "biplot", oferecida pelo aplicativo SYNCSA (Pillar, 2002), que permite plotar, em um mesmo diagrama de ordenação, as unidades amostrais e as variáveis (espécies) mais correlacionadas com os eixos de ordenação. Somente componentes com coeficiente de correlação com os eixos de ordenação superior a r = 0,4 foram apresentados nos diagramas de ordenação. Na análise, foram também utilizadas medidas descritivas da complexidade e diversidade (entropia) das comunidades vegetais e implementadas no aplicativo MULTIV (Pillar, 2004). Para o cálculo da entropia, foi utilizada a equação de Rényi, que aplica um fator a de escala que, neste caso, foi α = 1 (índice de diversidade de Shannon). E para o cálculo da complexidade total, complexidade estrutural e entropia em bits, os dados foram transformados para percentual de cobertura (1 = 0,05%, 2 = 0,1%, 3 = 0,25%, 5 = 15%, 7 = 37,5%, 8 = 62,5%, 9 = 87,5%). Os rótulos dos municípios, manejos (pastejados ou exclusão do pastejo), valor de substrato exposto, grupos estáveis (de acordo com reamostragem "bootstrap") e estação do ano, em que foram feitas as descrições das comunidades, foram apresentados em diagramas de ordenação.

Resultados e Discussão

Em média, os percentuais de substrato exposto variaram de 14 a 46%, em áreas com exclusão do pastejo e pastejadas, respectivamente (Figura 1 A), considerando-se as três localidades. A partir dos levantamentos, em 72% das comunidades com exclusão do pastejo foram observados até 25% de substrato exposto (ponto médio 15%) (Figura 1 B). Não foram identificadas comunidades com exclusão de pastejo com percentuais de substrato exposto superiores ao intervalo de 25–50%, representado pelo ponto médio de 37,5% (Figura 1 B). Em comunidades sob pastejo, no entanto, se observou maior percentual de substrato exposto, em torno de 62,5%, tendo sido pouco observados valores próximos a zero (Figura 1 B). Os resultados caracterizam os elevados percentuais de substrato exposto, nas comunidades com vegetação natural, em áreas suscetíveis ao processo de arenização e do entorno de areais, conforme relatos anteriores (Ab'Saber, 1995; Marchiori, 1995), bem como a influência da pressão do pastejo. Em comunidades campestres do entorno de areais, manejadas sob pastejo, se observou maior percentual de substrato exposto, aproximadamente 31,33%, enquanto em areais submetidos à exclusão do pastejo se verificaram 16,38%. Em campos suscetíveis ao processo de arenização, o pastejo intenso assume um papel importante, pois aumenta o potencial dos efeitos erosivos da chuva e do vento, em manter manchas em estágios iniciais do processo sucessional que expõem o substrato arenítico.



Para que o processo de arenização ocorra, é necessária a existência de escarificações iniciais na cobertura vegetal (Ab'Saber, 1995), manchas em que o substrato arenítico seja exposto aos processos erosivos. O pastoreio intensivo, inclusive práticas de manejo que intensificam a pressão animal sobre a vegetação, ou a semeadura direta de cultivos, sobre a palha da vegetação dessecada pelo uso de herbicidas, reduzem essa cobertura e criam escarificações (Trindade, 2003).

Nas 41 parcelas descritas, foram identificadas 53 espécies, distribuídas em 43 gêneros e 16 famílias (Tabela 1). Axonopus pressus, Elionurus sp., Schizachyrium microstachyum, Bulbostylis sp., Senecio sp., Baccharis coridifolia, Psidium sp., Cardionema ramosissima e Borreria verticillata apareceram em mais de 50% das comunidades descritas. Butia paraguayensis, espécie já considerada típica dos campos de areia da região (Marchiori, 1995; Boldrini, 1997), foi observada somente em 17% das comunidades descritas. Espécies como Elionurus sp. e Axonopus pressus destacaram-se pela freqüente presença nos areais, e Andropogon lateralis por usualmente não estar associado ao processo de arenização. A espécie de Elionurus observada é freqüente, tanto no entorno como no núcleo dos areais; Axonopus pressus aparece especificamente na vegetação do entorno de areais. A ocorrência de Andropogon lateralis está restrita às comunidades do entorno de areais em Alegrete, próximo ao rio Ibicuí; quando presente, sua contribuição quantitativa apresentou os maiores valores de desempenho. Esta espécie não foi observada no entorno dos areais em Manoel Viana e São Francisco de Assis, no entanto, é uma espécie muito freqüente em formações campestres, sem a ocorrência de areais, de ambos os municípios, bem como na Depressão Central e nos Campos de Cima da Serra (Boldrini, 1997).

Nos diagramas de ordenação, apresentados na Figura 2, pode ser analisado o padrão de agrupamento das comunidades avaliadas, de acordo com a composição de espécies. Foram encontrados dois grupos estáveis, com probabilidade superior a 0,10 (Pillar, 1999a). Não há indicativos de uma relação entre local das descrições e os grupos observados. Pode-se observar, no entanto, nos diagramas, que algumas comunidades se diferenciam das demais por apresentar, em sua composição, principalmente Elionurus sp. e Axonopus pressus. O grupo 1 se caracteriza por apresentar comunidades que foram manejadas sob pastejo (Figura 2 A e B), com um maior percentual de substrato exposto (Figura 2 C) e menor diversidade (1,14). Deve-se destacar que todas as comunidades amostradas em junho de 2000 encontram-se neste grupo. As mesmas análises apresentadas nos diagramas de ordenação da Figura 2 foram feitas, sem a inclusão das comunidades descritas, em junho de 2000 sem, no entanto, afetar a estrutura características dos grupos observados.






O grupo 2 de comunidades, o mais diverso (1,31) e de menor percentual de substrato exposto, se caracteriza tanto pela presença quanto pela exclusão de pastejo. Neste grupo, predominam as espécies que caracterizam a vegetação campestre da região: Paspalum nicorae, Conyza bonariensis, Setaria parviflora, Paspalum notatum, Borreria verticillata, Piptochaetium montevidense, Eragrostis lugens, Andropogon lateralis, Aristida laevis, Gymnopogon spicatus, Croton sp., Psidium sp., Cyperus rotundus e Orthopappus angustifolius.

A composição das comunidades do grupo 1 representa a vegetação do entorno de areais, em processo de erosão e sob pastejo, em Manoel Viana no verão, e areais de São Francisco de Assis no inverno. São evidências os valores de substrato exposto e a predominância de Elionurus sp. e A. pressus. A composição do segundo grupo caracteriza uma vegetação de comunidades, em processo de arenização menos intenso, de comunidades mais distantes de um núcleo de arenização ou em condições de pastejo menos freqüente, o que favorece o aparecimento de espécies de reconhecido valor forrageiro como P. notatum e P. nicorae, como observado no entorno de areais localizados em Alegrete e em áreas com exclusão do pastejo. Pode-se afirmar, portanto, que o processo é intimamente ligado a um gradiente de oferta de forragem, que resulta em intensidades inversamente proporcionais de pastejo. Esta relação entre a oferta de forragem e a diversidade de espécies e variáveis de solo foi identificada em pastagens naturais do Rio Grande do Sul (Boldrini, 1993; Bertol et al., 1998; Soares et al., 2005; Sosinski Júnior, 2005).

Os campos de areia são regionalmente caracterizados pelo predomínio de Elionurus sp. e Butia paraguayensis, como observado nas comunidades do grupo 1. A vegetação natural do entorno destes areais pode ser classificada como de campos de areia. Em termos práticos, isso representa maior suscetibilidade ao surgimento de novos focos de arenização e maior probabilidade de expansão desses areais. A presença das espécies referidas está relacionada à maior tolerância ao processo de arenização, portanto, esta formação campestre é anterior ao surgimento de extensões de areia, o que indica não uma ineficiência da vegetação natural em relação ao processo de arenização, como sugeriu Marchiori (1995), mas o potencial adaptativo da vegetação natural do entorno de areais a um conjunto de fatores naturais e antrópicos (pastoreio excessivo, por exemplo).

Maior percentagem de substrato exposto implica alta suscetibilidade à processos erosivos (Okin et al., 2001) e, portanto, maior probabilidade de ampliação do processo de arenização, em comunidades vegetais campestres do entorno de areais (Ab'Saber, 1995).

Os padrões revelados evidenciam o potencial que a vegetação natural do entorno de areais apresenta na reversão do processo de arenização e na revegetação de areais (Figura 2 B e C). Distúrbios como o pastejo, erosão do solo e danos causados pelo vento, no entanto, determinam o condicionamento de manchas de vegetação natural a estágios iniciais do processo sucessional. A manutenção de níveis intermediários de distúrbio é uma das alternativas para o aumento da diversidade (Grime, 1977). Além disso, a exclusão do pastejo é uma alternativa para a redução da intensidade de pastejo, o que possibilita a redução de substrato exposto e a expansão do processo de arenização (Ab'Saber, 1995).

Nos areais observados, portanto, a composição das comunidades vegetais do entorno do núcleo de arenização pode ser parcialmente atribuída às diferenças relacionadas ao locais de amostragem e ao regime de pastoreio. A presença de Andropogon lateralis, em comunidades do município de Alegrete, pode ser considerada uma evidência. A abundância desta espécie, no entorno de areais, não é comum nas definições de areais e campos de areia, no entanto é justificável por estarem essas comunidades em areais localizados muito próximos da várzea do rio Ibicuí, no Município de Alegrete, e em condições de pastejo menos intensivo, evidenciado pelo baixo percentual de solo descoberto. Nesses locais, a poucos metros do entorno dos areais, podem-se identificar solos ricos em matéria orgânica, turfosos e úmidos. A.lateralis já teve sua presença registrada em local próximo à área de estudo (Rovedder et al., 2005).

Pode-se considerar que espécies cespitosas são mais eficientes como barreiras ao transporte do substrato arenoso pelo vento, quando comparadas às espécies formadoras do extrato inferior. Além disso, estas últimas, notavelmente Axonopus pressus, tornam indisponíveis as partículas ao transporte eólico e pluvial, pois apresentam hábito de crescimento prostrado.

A exclusão do gado deve ser a primeira alternativa a ser adotada, pois existe nas comunidades naturais potencial de reversão do processo de arenização, e até mesmo potencial de colonização de comunidades arenizadas. Não há, ainda, estudos que indiquem quantos anos de exclusão de pastejo seriam necessários, para que o processo de restauração permitisse que as áreas fossem novamente utilizadas com atividade pecuária, mas pelo que se conhece a respeito da dinâmica de vegetação com exclusão de pastejo em áreas campestres não-degradadas (Boldrini & Eggers, 1996; Quadros & Pillar, 2001; Overbeck et al., 2007), acredita-se que, com o tempo, a vegetação campestre evoluiria naturalmente para um predomínio de arbustos e, a depender da disponibilidade de fontes de propágulos, espécies arbóreas. A utilização do ajuste de lotação (Boldrini, 1993; Soares et al., 2005), de forma a se ter oferta adequada de forragem por unidade animal, pode ser uma alternativa a ser utilizada em conjunto com exclusões temporárias.

Conclusões

1. A exclusão do pastejo determina maior cobertura vegetal e diversidade, em comparação a comunidades pastejadas.

2. Vegetação natural sob pastejo é mais suscetível ao processo de arenização.

3. Areais manejados sob pastejo se caracterizam por mais substrato exposto e presença de Elionurus sp., Axonopus pressus e Cardionema ramosissima.

Agradecimentos

À Dra. Sandra Müller e ao Dr. Duílio Guerra Bandinelli, pelas sugestões; ao M.Sc. Carlos Alberto Silveira, pela valiosa contribuição na condução das atividades de campo.

Recebido em 19 de novembro de 2007 e aprovado em 19 de maio de 2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2007
  • Aceito
    19 Maio 2008
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