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Alelopatia do ácido aconítico em soja

Allelopathy of aconitic acid on soybeans

NOTAS CIENTÍFICAS

Alelopatia do ácido aconítico em soja

Allelopathy of aconitic acid on soybeans

Elemar Voll; Antônio Garcia; Dionísio Luiz Pisa Gazziero; Fernando Storniolo Adegas

Embrapa Soja, Caixa Postal 231, CEP 86001-970 Londrina, PR. E-mail: voll@cnpso.embrapa.br, garcia@cnpso.embrapa.br, gazziero@cnpso.embrapa.br, adegas@cnpso.embrapa.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi determinar os efeitos do ácido aconítico sobre a germinação e o crescimento da soja. O experimento foi conduzido em laboratório, em delineamento experimental inteiramente casualizado, com 13 cultivares de soja e ausência ou presença do ácido aconítico (2,5 mmol L-1), com germinação das sementes em meio ágar. Os efeitos alelopáticos do ácido aconítico variam de acordo com os genótipos e podem reduzir a germinação, a percentagem de plântulas normais, o crescimento do caule e, principalmente, das raízes de plântulas de soja.

Termos para indexação:Glycine max, crescimento, germinação.

ABSTRACT

The objective of this work was to determine the effects of aconitic acid on soybean germination and growth. The experiment was carried out under laboratory conditions, in a completely randomized design with 13 soybean cultivars and absence or presence of aconitic acid (2.5 mmol L-1), and agar medium for seed germination. Allelopathic effects vary according to soybean genotypes and may reduce germination, the rate of normal seedlings, stem growth and mainly seedlings root growth.

Index terms:Glycine max, growth, germination.

Algumas condições de cultivo da soja no passado resultavam na ocorrência menores produtividades sistema semeadura direta, em comparação ao convencional, principalmente quando estabelecido após cultivos trigo e aveia. Estado do Paraná, ocorriam altas infestações capim-marmelada [Brachiaria plantaginea (Link) Hitchc.] precedendo os manejos da cultura. Almeida (1991) estabeleceu a relação dos efeitos negativos dessa espécie sobre o manejo em semeadura direta e sobre a emergência e crescimento inicial de plântulas de soja no campo.

Pesquisas de campo (Voll et al., 1997) e de laboratório (Voll et al., 2004, 2005) têm indicado que o ácido aconítico (AA), um ácido orgânico de baixo peso molecular produzido por gramíneas como capim-marmelada, trigo e aveia ou presente na vinhaça, pode ter efeitos alelopáticos sobre algumas espécies de plantas daninhas e afetar sua germinação e crescimento. Contudo, o AA pode ter efeito também sobre a cultura da soja (Embrapa Soja, 2007), principalmente em áreas de renovação de canaviais.

Culturas como as de trigo (Thompson et al., 1997), cevada, milho e sorgo (Rustamani 1992); pastagens gramíneas (Friebe 1995) e, principalmente, cana-de-açúcar (Hanine 1990) produzem exsudam o AA pelas raízes. Esse ácido apresenta efeitos alelopáticos estimula crescimento fungos endofíticos sementes trapoeraba (Commelina benghalensis) (Voll et al., 2004). Uma análise cromatográfica da parte aérea de plantas de capim-marmelada indicou a presença dos ácidos aconítico (95%), ferúlico e cumárico (5%) (Voll et al., 2004). O AA resulta do metabolismo do açúcar na planta (Goodwin & Mercer, 1983). Existem relatos sobre importantes funções fisiológicas do AA nas plantas que o sintetizam (Rustamani et al., 1992; Thompson et al., 1997; Watanabe et al., 1997).

O objetivo deste trabalho foi determinar os efeitos do ácido aconítico sobre a germinação e o crescimento de cultivares de soja.

O experimento foi realizado em laboratório, em delineamento experimental inteiramente casualizado, com tratamentos em arranjo fatorial 13x2: 13 cultivares de soja e ausência ou presença de AA a 2,5 mmol L-1, em três repetições, com a germinação das sementes feita em meio ágar. A dose de 2,5 mmol L-1 de AA foi estabelecida porque seria suficiente para afetar a germinação da soja em solo que tivesse recebido aplicações de vinhaça em dosagens comuns e em áreas de cana, onde a concentração de AA pode ser pelo menos dez vezes maior que a dose testada.

O meio ágar foi preparado a 1,2%, esterilizado em autoclave, resfriado a 40ºC e homogeneizado com o AA nos tratamentos com a substância. Em uma capela asséptica, 100 mL da solução, com ou sem ácido aconítico, foi derramada em gerbox de plástico com tampa. As sementes foram previamente esterilizadas com solução de hipoclorito de sódio a 2%, durante 2 min, e enxaguadas por igual período. Em seguida, foram semeadas 25 sementes de cada cultivar na superfície do meio ágar. O experimento foi conduzido em câmara de germinação com períodos alternados de 10 e 14 horas em temperaturas de 20 e 30°C, sem e com luz, respectivamente. As avaliações de germinação, plântulas normais, altura de plântulas e comprimento de raízes foram feitas aos 14 dias após a semeadura (DAS). A verificação de presença e a identificação de fungos endofíticos nas sementes foram realizadas aos 17 DAS, por meio da contagem e observação das características dos fungos. Foi realizada a análise da variância, pelo teste F, e a comparação entre as médias, pelo teste de Tukey, ambos a 5% de probabilidade. Os dados de germinação e de plântulas normais não foram transformados, visto que as pressuposições para a análise da variância foram atendidas.

A análise da germinação indicou interação significativa dos fatores cultivares de soja e aplicação do AA (Tabela 1). O poder germinativo das cultivares na ausência de AA foi alto, e a germinação média foi reduzida de 95,7% para 80,4% com a aplicação de AA. Semelhantes manifestações de efeitos alelopáticos do AA foram observadas em plantas daninhas com uso de extratos de capim-marmelada e de AA puro (Voll et al., 2004, 2005). A ocorrência da interação entre os tratamentos indica que há variações de sensibilidade das cultivares ao AA, aspecto não suficientemente explorado pelas observações de Almeida (1991). Pode-se observar, ainda, que mesmo sementes com elevada qualidade fisiológica, revelada pelo alto poder germinativo na ausência de AA, estão sujeitas aos efeitos do AA, em meio de ágar.

A produção de plântulas normais também foi reduzida com a aplicação de AA, embora nem sempre de modo significativo (Tabela 1). Foi observado maior efeito alelopático do AA sobre a percentagem de plântulas normais que sobre a germinação. Embora o poder germinativo das sementes tenha sido alto, foram observadas plântulas com malformação também na ausência de AA. No tratamento sem a aplicação do AA, não foi observada diferença significativa entre as cultivares na percentagem de plântulas normais. Já no tratamento com AA, essa diferenciação foi constatada.

O comprimento de caule das plântulas de soja foi reduzido com a aplicação de AA, embora nem sempre de forma significativa (Tabela 1). A diferenciação nos comprimentos de caule ocorreu também na ausência da aplicação do AA; no entanto, na presença do AA, foi observada maior variação de resposta das cultivares.

O comprimento de raiz das plântulas de soja foi reduzido com a aplicação de AA, na maioria das vezes de modo significativo (Tabela 1). As cultivares BRS 232 e BRS 259, apesar de ter apresentado redução significativa no comprimento da raiz, tiveram maiores valores na ausência do AA. A diferenciação dos comprimentos de raiz, entre as cultivares, ocorreu em maior grau na ausência do AA. Na presença da substância, os agrupamentos de significância foram reduzidos a um só grupo. O comprimento da raiz é uma característica muito importante na competição das plantas de soja com as plantas daninhas por nutrientes e água no solo.

Os efeitos do AA sobre germinação, plântulas normais, comprimento de caule e raiz podem ser expressos por meio de percentagens relativas de redução (Tabela 2). Assim, cultivares com maior percentagem de germinação apresentam, de modo geral, maior quantidade de plântulas normais e menor redução de caule. Nas raízes, o crescimento em relação ao tratamento sem AA apresentou comportamento mais variável.

Cultivares indicadas para a alimentação humana, como BRS 257, BRS 258 e EMBRAPA 48, podem ser cultivadas com o uso de vinhaça, por apresentar menor sensibilidade ao AA, o que traria benefícios para o manejo de plantas daninhas sem prejuízos para a germinação da soja. Já as cultivares BR 01 11854, BRS 133 e BR 02 05164 seriam menos recomendadas nesse manejo. É interessante mencionar que a cultivar BRS 133 consta da recomendação para áreas de cana (Embrapa Soja, 2007), mas, de acordo com os resultados deste trabalho, ela pode apresentar problemas na germinação e na capacidade competitiva com plantas daninhas nessas áreas.

A presença generalizada de uma espécie não determinada de fungo foi observada nas sementes das cultivares de soja no tratamento com o AA, aos 17 dias após a semeadura, não tendo sido observada no tratamento com ausência da substância. Semelhantes efeitos foram observados em espécies de plantas daninhas (Voll et al., 2004, 2005).

O cultivo da soja em áreas que receberam o AA por meio da aplicação de vinhaça ou em áreas de pastagem de gramíneas pode apresentar redução da germinação e menor desenvolvimento das raízes no solo. Por sua vez, fatores ambientais desfavoráveis, como a falta de umidade no solo, poderão comprometer o estabelecimento de cultivares de soja sensíveis ao AA nessas áreas.

Aplicações do ácido aconítico resultam em efeitos alelopáticos sobre sementes de cultivares de soja e podem causar redução em sua germinação, na taxa de plântulas normais, no crescimento do caule e, principalmente, no comprimento das raízes. Adicionalmente, observa-se que o ácido aconítico pode estimular o desenvolvimento superficial de fungos nas sementes de soja.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio financeiro.

Recebido em 18 de dezembro de 2008 e aprovado em 5 de junho de 2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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