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Frações de fósforo no solo após sucessivas aplicações de dejetos de suínos em plantio direto

Phosphorus fractions in soil after sucessive pig slurry applications in no-tillage system

Resumos

O objetivo deste trabalho foi quantificar as frações de acumulação de fósforo em solo submetido a sucessivas aplicações de dejetos líquidos de suínos (DLS) em sistema de plantio direto. Em Santa Maria, RS, doses de 0, 20, 40 e 80 m³ ha-1 de DLS foram distribuídas a lanço por sete anos agrícolas, antes do plantio de cada cultivo de inverno ou verão, em Argissolo Vermelho arenoso, totalizando 0, 584, 1.168 e 2.336 kg ha-1 de P aplicado via dejetos. O solo foi coletado nas camadas 0-2, 4-6, 8-10, 14-16 e 20-25 cm, e submetido ao fracionamento químico de P. A adição do DLS ao solo durante sete anos aumentou o teor de P até 25 cm de profundidade, principalmente nas frações inorgânicas extraídas por resina trocadora de ânions, NaHCO3 0,5 mol L-1 e NaOH 0,1 mol L-1. As aplicações não aumentaram os teores de P orgânico extraído por NaHCO3 0,5 mol L-1, mas sim as frações orgânicas extraídas por NaOH 0,5 e 0,1 mol L-1. O DLS adicionado ao solo por longo período pouco afeta a partição de P em frações inorgânicas e orgânicas. As sucessivas aplicações de DLS aumentam o acúmulo de P em frações predominantemente lábeis no solo, o que representa um risco potencial para contaminação de águas superficiais e subsuperficiais.

esterco de suínos; fracionamento de fósforo; fósforo lábil; fósforo orgânico; risco de eutrofização; sistema de cultivo


The objective of this work was to quantify the accumulation of phosphorus fractions in the soil subjected to successive pig slurry applications in a no-tillage system. At Santa Maria, Rio Grande do Sul state, Brazil, 0, 20, 40 and 80 m³ ha-1 doses of pig slurry were broadcasted for seven years on Argissolo Vermelho arenoso (Arenic Hapludult) before sowing each winter or summer crop, totalizing 0, 584, 1,168 and 2,336 kg ha-1 of P from pig slurry. Soil samples were collected in 0-2, 4-6, 8-10, 14-16 and 20-25 cm layers and submitted to P fractionation. Applications of pig slurry during seven years increased P contents to a depth of 25 cm, especially in the inorganic fractions extractable by anion exchange resin, NaHCO3 0.5 mol L-1 and NaOH 0.1 mol L-1. Pig slurry doses did not increase P content in organic fractions extracted by NaHCO3 0.5 mol L-1, but increased the content of organic fractions extracted by NaOH 0.5 e 0.1 mol L-1. Pig slurry applied to soil for large period has little effect on the P partition in inorganic and organic fractions. Successive pig slurry applications increase P contents in the soil predominantly in labile fractions, which can represent a potential risk for waterbeds contamination.

pig manure; phosphorus fractionation; labile phosphorus; organic phosphorus; eutrophication risk; crop system


SOLOS

Frações de fósforo no solo após sucessivas aplicações de dejetos de suínos em plantio direto

Phosphorus fractions in soil after sucessive pig slurry applications in no-tillage system

Carlos Alberto CerettaI; Felipe LorensiniI; Gustavo BrunettoII; Eduardo GirottoI; Luciano Colpo GatiboniIII; Cledimar Rogério LourenziI; Tadeu Luis TiecherI; Lessandro De ContiI; Gustavo TrentinI; Alcione MiottoI

IUniversidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais, Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Caixa Postal 221, CEP 97105-900 Santa Maria, RS. E-mail: carlosceretta@gmail.com, felipe.lorensini@hotmail.com, eduardogirotto@hotmail.com, crlourenzi@yahoo.com.br, tadeu.t@hotmail.com, lessandrodeconti@gmail.com, gustavotrentin@yahoo.com.br, alcionemiotto@gmail.com

IIUniversidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Agrárias, Departamento de Engenharia Rural, Rodovia Helmar Gonzaga, nº1346, CEP 88034-000 Florianópolis, SC. E-mail: brunetto.gustavo@gmail.com

IIIUniversidade Estadual do Estado de Santa Catarina, Departamento de Solos e Recursos Naturais, Avenida Luis de Camões, nº 2090, CEP 88520-000 Lages, SC. E-mail: gatiboni@cav.udesc.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi quantificar as frações de acumulação de fósforo em solo submetido a sucessivas aplicações de dejetos líquidos de suínos (DLS) em sistema de plantio direto. Em Santa Maria, RS, doses de 0, 20, 40 e 80 m3 ha-1 de DLS foram distribuídas a lanço por sete anos agrícolas, antes do plantio de cada cultivo de inverno ou verão, em Argissolo Vermelho arenoso, totalizando 0, 584, 1.168 e 2.336 kg ha-1 de P aplicado via dejetos. O solo foi coletado nas camadas 0–2, 4–6, 8–10, 14–16 e 20–25 cm, e submetido ao fracionamento químico de P. A adição do DLS ao solo durante sete anos aumentou o teor de P até 25 cm de profundidade, principalmente nas frações inorgânicas extraídas por resina trocadora de ânions, NaHCO3 0,5 mol L-1 e NaOH 0,1 mol L-1. As aplicações não aumentaram os teores de P orgânico extraído por NaHCO3 0,5 mol L-1, mas sim as frações orgânicas extraídas por NaOH 0,5 e 0,1 mol L-1. O DLS adicionado ao solo por longo período pouco afeta a partição de P em frações inorgânicas e orgânicas. As sucessivas aplicações de DLS aumentam o acúmulo de P em frações predominantemente lábeis no solo, o que representa um risco potencial para contaminação de águas superficiais e subsuperficiais.

Termos para indexação: esterco de suínos, fracionamento de fósforo, fósforo lábil, fósforo orgânico, risco de eutrofização, sistema de cultivo.

ABSTRACT

The objective of this work was to quantify the accumulation of phosphorus fractions in the soil subjected to successive pig slurry applications in a no-tillage system. At Santa Maria, Rio Grande do Sul state, Brazil, 0, 20, 40 and 80 m3 ha-1 doses of pig slurry were broadcasted for seven years on Argissolo Vermelho arenoso (Arenic Hapludult) before sowing each winter or summer crop, totalizing 0, 584, 1,168 and 2,336 kg ha-1 of P from pig slurry. Soil samples were collected in 0–2, 4–6, 8–10, 14–16 and 20–25 cm layers and submitted to P fractionation. Applications of pig slurry during seven years increased P contents to a depth of 25 cm, especially in the inorganic fractions extractable by anion exchange resin, NaHCO3 0.5 mol L-1 and NaOH 0.1 mol L-1. Pig slurry doses did not increase P content in organic fractions extracted by NaHCO3 0.5 mol L-1, but increased the content of organic fractions extracted by NaOH 0.5 e 0.1 mol L-1. Pig slurry applied to soil for large period has little effect on the P partition in inorganic and organic fractions. Successive pig slurry applications increase P contents in the soil predominantly in labile fractions, which can represent a potential risk for waterbeds contamination.

Index terms: pig manure, phosphorus fractionation, labile phosphorus, organic phosphorus, eutrophication risk, crop system.

Introdução

A suinocultura na região Sul do Brasil tem-se destacado como uma alternativa de renda nas pequenas propriedades com uso predominante de mão de obra familiar. O sistema de produção é intensivo, com grandes volumes de dejetos líquidos gerados anualmente. Esses dejetos podem ser utilizados na propriedade como fonte de nutrientes para culturas anuais ou pastagens. Porém, em razão da pequena extensão de terra das propriedades suinícolas, sucessivas aplicações de dejetos normalmente são realizadas na mesma área de cultivo, em muitos casos sobre solos rasos e declivosos. Com isso, a quantidade de P adicionada pode ultrapassar a capacidade de adsorção dos solos, e resultar no seu transporte para águas superficiais e subsuperficias, com alto risco de eutrofização (Adeli et al., 2003; Sharpley et al., 2004; Bergström & Kirchmann, 2006; Gatiboni et al., 2008a).

Estudos sobre frações e acúmulo de P em solos tem sido realizados no Brasil com uso da técnica de fracionamento químico proposta por Hedley et al. (1982). Essa técnica usa extratores químicos aplicados sequencialmente em uma mesma amostra, para remoção progressiva das frações mais disponíveis até as mais estáveis de P inorgânico (Pi) e orgânico (Po). A resina trocadora de ânions (RTA) inicia o fracionamento com a extração de frações lábeis de P inorgânico (Pirta). O fracionamento continua com uso de NaHCO3 que também extrai frações lábeis de P inorgânico e orgânico (Pibic e Pobic). Segundo Gatiboni et al. (2007), o P extraído por esses extratores pertence a frações que contribuem ativamente para o fornecimento do nutriente às plantas ou para sua transferência no ambiente, pelas águas de deflúvio ou de percolação.

Na sequência, o P é extraído pelo NaOH 0,1 mol L-1 (Pihid e Pohid) e NaOH 0,5 mol L-1 (Pihid05 e Pohid05) que representam, em geral, o P inorgânico ligado aos óxidos e às argilas silicatadas, com energia de ligação intermediária, e o P orgânico de frações moderadamente lábeis (Cross & Schlessinger, 1995). O HCl extrai o P inorgânico contido nos fosfatos de cálcio e fortemente adsorvido aos coloides. A digestão do solo com H2SO4 e H2O2 finaliza o processo de fracionamento com extração do P residual inorgânico + orgânico (Presidual) do solo, caracterizado por frações recalcitrantes de P, que não contribuem para a nutrição das plantas a não ser em situações de extrema deficiência no solo (Gatiboni et al., 2005).

Com base no fracionamento químico de P, tem-se observado que a adição de fertilizantes fosfatados ao solo resulta em acúmulo mais pronunciado de P nas frações inorgânicas, com diferentes graus de energia de ligação (Daroub et al., 2000; Santos et al., 2008; Pavinato et al., 2009). A adsorção do P ocorre primeiramente nos sítios mais ávidos pelo elemento e, posteriormente, o P remanescente é redistribuído em frações retidas com menor energia de ligação, de maior biodisponibilidade (Rheinheimer & Anghinoni, 2001). Por sua vez, quando a fonte de fertilizante é de origem orgânica e de fácil decomposição, o acúmulo de P no solo ocorre primeiramente em frações orgânicas que somente migram para frações inorgânicas após mineralização. Contudo, caso os dejetos sejam compostos por material de difícil decomposição, a maior parte do P contido nele permanecerá no solo em frações orgânicas (Otabbong et al., 1997). Em solos submetidos à aplicação de dejetos, o acúmulo do P normalmente é mais pronunciado nas frações inorgânicas (Gatiboni et al., 2008a; Galvão & Salcedo, 2009). Isso ocorre porque mais de 60% do P contido nos dejetos encontra-se em frações inorgânicas (Cassol et al., 2001). De acordo com Barnett (1994), em dejetos com 272 g kg-1 de matéria seca, a quantidade total de P é de, aproximadamente, 29,1g kg-1, com 54,7% encontrado na forma inorgânica (Pi) e o restante em frações orgânicas: 29,7% de hexafosfato de inositol (Po), 15,2% de ácidos nucleicos (Po) e 0,4% de fosfolipídios (Po).

O conhecimento das formas de acumulação de P em solos que receberam sucessivas aplicações de dejetos de suínos é essencial para conhecer o real potencial de contaminação desse elemento. Isso poderá ser considerado na elaboração de estratégias adequadas para o uso de dejetos em sistemas de cultivo.

O objetivo deste trabalho foi quantificar as frações de acumulação de P em um solo submetido a sucessivas aplicações de dejetos líquidos de suínos em sistema plantio direto.

Material e Métodos

O experimento foi realizado na área experimental do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Santa Maria, nas coordenadas geográficas 29º43'S e 53º42'W, em Santa Maria, RS. O solo usado foi um Argissolo Vermelho distrófico arênico (Santos et al., 2006), textura superficial franco arenosa e relevo com declividade de 4%.

O experimento foi implantado no ano 2000, em área cultivada há oito anos sob sistema de plantio direto. Em março de 2000, o solo na camada de 0–10 cm apresentava: 170 g kg-1 de argila composta de caulinita, e argilominerais do tipo interestratificado ilita-esmectita e caulinita-esmectita; 300 g kg-1 de silte; 530 g kg-1 de areia; pH em água 4,7; matéria orgânica, 16 g kg-1; Al trocável, 0,8 cmolc dm-3; Ca trocável, 2,7 cmolc dm-3; Mg trocável, 1,1 cmolc dm-3; P disponível, 15,0 mg dm-3 (Mehlich-1); K trocável, 96,0 mg dm-3; Cu e Zn (extraídos por HCl 0,1 mol L-1), 1,2 e 1,6 mg kg-1, respectivamente.

Os tratamentos constituíram-se de 18 aplicações de dejetos líquidos de suínos, no período de março de 2000 até janeiro de 2008, nas doses de 0, 20, 40 e 80 m3 ha-1. Os dejetos foram aplicadas antes da implantação de cada cultivo de inverno ou verão, no total de até três aplicações por ano. Após a colheita dos grãos ou floração das plantas de cobertura, as plantas foram dessecadas e os dejetos foram aplicados sobre os resíduos culturais. Os dejetos foram a única fonte de nutrientes fornecida às culturas. A caracterização dos dejetos usados em cada safra agrícola e cultura encontra-se na Tabela 1. Em janeiro de 2008, quando finalizado o experimento, a soma de fósforo fornecido via dejetos nas diversas aplicações correspondeu a 0, 584, 1.168 e 2.336 kg ha-1 de P, para as doses de 0, 20, 40 e 80 m3 ha-1 de dejetos, respectivamente.

Ao longo do experimento, foram cultivadas as seguintes sucessões de plantios: aveia-preta (Avena strigosa S.), milho (Zea mays L.) e nabo-forrageiro (Raphanus sativus L.), nos anos agrícolas de 2000/2001 e 2001/2002 (Ceretta et al., 2005); aveia-preta, milheto(Pennisetum americanum L.) e feijão-preto (Phaseolus vulgaris L.), em 2002/2003; aveia-preta+ervilhaca (Vicia sativa L.) e milho, em 2003/2004 e 2004/2005; aveia-preta, feijão-preto, e crotalária (Crotalaria juncea L.) em 2005/2006; e aveia-preta e milho em 2006/2007. O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições, e o tamanho de parcela de 4x3 m, com área útil de 8,75 m2.

Em janeiro de 2008, uma trincheira foi aberta no centro das parcelas de cada tratamento, para coleta de solo nas camadas 0–2, 4–6, 8–10, 14–16 e 20–25 cm de profundidade. Em seguida, o solo foi secado, moído passado em peneira com malha de 2 mm. Na sequência, as amostras de solo foram submetidas ao fracionamento químico do P, mediante extrações sucessivas, conforme Hedley et al. (1982), com as modificações propostas por Condron et al. (1985). Amostras de 0,5 g de solo seco foram submetidas à extração sequencial na seguinte ordem: resina trocadora de ânions em lâminas (AR 103 QDP 434) (fração Pirta); NaHCO3 0,5 mol L-1 (frações Pibic e Pobic); NaOH 0,1 mol L-1 (frações Pihid e Pohid); HCl 1,0 mol L-1 (fração PiHCl); e NaOH 0,5 mol L-1 (frações Pihid05 e Pohid05). Após as extrações, o solo remanescente foi seco em estufa e submetido à digestão com H2SO4 + H2O2 + MgCl2 (fração Presidual), conforme descrito em Gatiboni (2003).

O P inorgânico (Pi) dos extratos alcalinos (NaHCO3 e NaOH) foi determinado pelo método proposto por Dick & Tabatabai (1977). Nesses extratos alcalinos, o P total foi determinado por digestão com persulfato de amônio + ácido sulfúrico, em autoclave, sendo o fósforo orgânico (Po) obtido pela diferença entre P total e o Pi. O P dos extratos ácidos foi determinado segundo Murphy & Riley (1962). As frações de P determinadas no fracionamento de Hedley foram agrupadas em P geoquímico e biológico, de acordo com o proposto por Cross & Schlesinger (1995), sendo o primeiro obtido pela soma das frações inorgânicas mais o P residual (Pirta + Pibic + Pihid + Pihid05 + PiHCl + Presidual) e o segundo pela soma das frações orgânicas (Pobic + Pohid + Pohid05).

Os dados qualitativos, referentes ao teor de P em diferentes profundidades em uma mesma dose de dejetos líquidos de suínos, foram submetidos à análise de variância e, quando os efeitos foram significativos, compararam-se as médias pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Os resultados quantitativos, referentes ao teor de P nas diferentes doses de dejetos líquidos de suínos, em uma mesma camada de solo, foram ajustados em equações de regressão, quando da significância dos efeitos apontados pela análise de variância.

Resultados e Discussão

As frações Pirta, Pibic e Pobic diminuíram com o aumento da profundidade do solo, independentemente da dose de dejetos líquidos de suínos (DLS) utilizada (Tabela 2). Os teores de P nas frações Pirta, e Pibic aumentaram linearmente com o aumento na dose de DLS aplicada. É interessante observar que, nessas frações, o coeficiente angular das regressões foi maior nas camadas superficiais e decresceu na medida em que a profundidade aumentou.

Pode-se constatar, portanto, maior efeito das doses de DLS nas camadas superficiais, o que era esperado em razão da forma de aplicação dos dejetos e da ausência de preparo do solo. O teor de P na fração Pobic, no entanto, não aumentou com as doses crescentes de DLS (Tabela 2). Isso pode ocorrer porque o acúmulo de P orgânico está condicionado ao aumento no teor de matéria orgânica, o que não ocorreu durante o período experimental. Além disso, a fração Pobic está relacionada a compostos orgânicos de fácil decomposição, os quais sustentam e são regulados pela biomassa microbiana do solo, o que acarreta pequeno acúmulo nessa forma de P no solo, uma vez que ela pode ser rapidamente mineralizada (Chen et al., 2002; Gatiboni et al., 2007, 2008a, 2008b).

Entre os teores de P extraídos por hidróxido, as frações Pihid e Pohid foram as mais representativas do acúmulo de P em razão da aplicação das doses de DLS, tendo ocorrido modificações menos expressivas nas frações Pihid05 e Pohid05 (Tabela 3). Convém ressaltar que, com exceção dos teores na fração Pohid, na camada de 20–25 cm, o P nessas frações aumentou de forma linear com o aumento da dose de dejetos adicionada. Isso pode indicar que os coloides inorgânicos desse solo, em que predominam argilominerais como caulinita na fração argila, estão parcialmente saturados ou saturados com P, uma vez que, em outros tipos de solos, especialmente naqueles que apresentaram alta quantidade de óxido de ferro, maiores quantidades de P mediamente lábil são encontradas na fração Pihid05, em razão do alto poder sortivo do solo (Gatiboni, 2003; Gatiboni et al., 2008a). As frações orgânicas medianamente lábeis (Pohid e Pohid05) mostram que há maior teor de P orgânico nas camadas mais superficiais do solo, provavelmente em razão do maior teor de matéria orgânica nessa camada (Gatiboni at al., 2008a). Diferentemente do observado na fração de Po mais lábil (Pobic), a aplicação de dejetos aumentou de forma linear o Po nas frações Pohid, nas quatro primeiras camadas do solo, e Pohid05, nas duas primeiras.

Os teores de P extraídos por HCl 1,0 mol L-1 (PiHCL) no solo sem adição de dejetos foram baixos (Tabela 4). Isso se explica porque o extrator HCl extrai preferencialmente frações de P de fosfatos de cálcio (Cross & Schlessinger, 1995) e, como esse solo não possui abundância de minerais apatíticos, os teores naturais nessa forma são baixos. Por sua vez, com a adição de dejetos houve aumento nos teores de P extraído por esse extrator, também observado por Gatiboni et al. (2008a). Isso pode ser explicado pela composição dos dejetos, pois, de acordo com Cassol et al. (2001), mais de 60% do P contido nos DLS é extraído com HCl 1,0 mol L-1, por estar em frações inorgânicas ligadas ao cálcio.

Observa-se que o aumento em PiHCl, em razão da aplicação das doses de DLS, apresentou coeficiente angular relativamente pequeno (Tabela 4), quando comparado com o P extraído pelos demais extratores. Como o solo utilizado neste trabalho apresenta baixo teor de cálcio, o aumento dos teores de PiHCl está muito associado ao acúmulo físico de dejetos na camada superficial do solo. Semelhantemente ao observado para os demais extratores, os teores de PiHCl diminuem com a profundidade.

O P residual (Presidual), que é uma forma recalcitrante de P de difícil acesso pelos extratores químicos seletivos no solo, não foi afetado pela adição de dejetos de suínos (Tabela 4). Portanto, o P adicionado com dejetos de suínos acumula-se no solo em frações de menor recalcitrância. Gatiboni et al. (2008a) observaram que o P veiculado pela adição de até 40 m3 ha-1 ano-1 de dejetos de suínos apresenta apenas um pequeno acúmulo na fração Presidual. Em solos arenosos e com menores proporções de óxidos de ferro e alumínio na fração argila, o fósforo adicionado tende a acumular-se preferencialmente em frações lábeis, com pouco ou nenhum efeito sobre a fração residual. Por sua vez, em solos com maior capacidade de adsorção de fosfatos, maiores proporções de P devem ser adsorvidas com alta energia, e somente extraídas com a digestão do solo (Cross & Schlesinger, 1995).

A adição de dejetos aumentou especialmente os teores de Pirta, Pibic e Pihid, que são frações de P lábeis (Figura 1). Aliado a esse fato, a ausência do acúmulo de P em frações recalcitrantes reforça o seu potencial fertilizante, conforme relatado por Gatiboni et al. (2007), mas também aumenta seu potencial poluente. A adição de dejetos também aumentou os teores de Pohid, que é mediamente lábil, mas em menor grau que as frações Pirta, Pibic e Pihid. Esses dados se assemelham aos obtidos por Hountin et al. (2000), com a aplicação de 30, 60, 90 e 120 m3 ha-1 ano-1 de dejetos de suínos, durante 14 anos em um solo Gleissolo sob cultivo convencional. Para Gatiboni et al. (2008a), as frações de maior acúmulo foram Pirta, Pibic e Pihid e, ainda, PiHCl, o que pode ser reflexo da composição dos dejetos utilizados, que proporcionou maior acúmulo de compostos de P ligados ao cálcio.


Tomando por base o ocorrido apenas na camada de 0 a 2 cm de profundidade, que se mostrou a mais afetada pela adição dos dejetos, os coeficientes angulares das equações de regressão mostram que, na fração Pirta, houve um aumento de 10,1 mg kg-1 de P para cada m3 de dejetos adicionados; de 3,1 mg kg-1 m-3 para Pibic; 3,5 mg kg-1 m-3 para Pihid; 0,7 mg kg-1 m-3 para Pihid05; 1,0 mg kg-1 m-3 para PiHCl; 2,1 mg kg-1 m-3 para Pohid e 1,0 mg kg-1 m-3 para Pohid05. Fica evidente o maior acúmulo de P em frações inorgânicas no solo. Os resultados de P geoquímico, que é o somatório das frações inorgânicas de P, diminuíram com a profundidade do solo e aumentaram com a dose de dejetos aplicada (Tabela 5). Pode-se observar incrementos da ordem de 3,4 a 18,2 mg kg-1 de P por metro cúbico de DLS aplicado, dependendo da profundidade do solo. O P biológico, que é o somatório das frações orgânicas do fracionamento de Hedley, também aumentou com o aumento da dose de dejetos, exceto na maior profundidade. As magnitudes desse aumento variaram de 0,5 a 3,2 mg kg-1 m-3. Assim, as sucessivas aplicações de dejetos aumentaram a partição do P geoquímico de 81%, onde não foram aplicados dejetos, para 87 e 83% do P total, nas doses de 40 e 80 m3 ha-1 de dejetos, respectivamente.

O aumento do P total do solo foi significativo em todas as camadas, e acompanhou os teores de P geoquímico, já que o P total foi composto principalmente por frações inorgânicas (Tabela 5). Na camada 0–2 cm, incrementos de 568, 1.161 e 1.725 mg kg-1 de P para as doses de 20, 40 e 80 m3 ha-1 foram observados, respectivamente, em relação à testemunha sem aplicação. Isso representa um aumento de aproximadamente 275%, nas aplicações sucessivas de 80 m3 ha-1 de dejetos. Assim, mesmo que o P tenha alta afinidade pelos grupos de argilas e óxidos, quantidades tão expressivas devem ser adsorvidas com baixa energia de ligação, o que pode justificar a migração observada no P pelo perfil do solo, com consequente aumento nos seus teores totais até a camada de 20–25 cm de profundidade. Além disso, teores semelhantes nas camadas de 0–2 e 4–6 cm de profundidade indicam saturação dos grupos funcionais adsorventes de P nessas camadas. Galvão et al. (2008) constataram elevado potencial de perda de P por percolação profunda em razão da aplicação intensa de esterco bovino (15–20 Mg ha-1 ao ano), durante períodos de até 40 anos, em solos arenosos do Nordeste, com migração de P a profundidades de até 60 cm.

Após a adição de, aproximadamente, 2.336 kg ha-1 de P via DLS, os teores de P na fração Pirta na camada de 20–25 cm de profundidade ficaram acima de 40 mg kg-1 que, segundo a Comissão de Química e Fertilidade do Solo (CQFS-RS/SC) são interpretados como muito altos (Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2004). Os teores de P extraído com esse extrator no tratamento com aplicação de 80 m3 ha-1 de dejetos foram de 879, 860, 743, 433 e 195 mg kg-1, para as camadas de 0–2, 4–6, 8–10, 14–16 e 20–25 cm de profundidade, respectivamente (Tabela 2).

Assim, observa-se um grande incremento de P nas camadas superficiais e em profundidade no solo, o que aumenta o risco de perdas de fósforo via escoamento superficial e percolação, e potencializa processos de eutrofização de águas superficiais e subsuperficiais, como alertado por Basso et al. (2005) e Ceretta et al. (2005). Basso et al. (2005) observaram concentrações de P em soluções percoladas no perfil de, aproximadamente, 0,3 mg L-1, com uma única aplicação de 40 m3 ha-1 de dejetos, em trabalho realizado na mesma área experimental. Ainda na mesma área experimental, Ceretta et al. (2005) observaram teores de até 14 mg L-1 de P disponível, em soluções escoadas na superfície do solo. A legislação brasileira estabelece o limite de 0,025 mg L-1 de P total na água, para que não haja riscos de eutrofização (Brasil, 1986).

Conclusões

1. As sucessivas aplicações de dejetos líquidos de suínos, na superfície de um Argissolo Vermelho arenoso, cultivado em sistema de plantio direto, aumenta o teor de fósforo até 25 cm de profundidade, principalmente nas frações inorgânicas extraídas por resina trocadora de ânions, NaHCO3 0,5 mol L-1 e NaOH 0,1 mol L-1.

2. A aplicação de dejetos líquidos de suínos não aumenta os teores de fósforo orgânico extraído por NaHCO3 0,5 mol L-1, porém aumenta as frações orgânicas extraídas por NaOH 0,1 e 0,5 mol L-1.

3. O dejetos líquidos de suínos adicionado ao solo durante sete anos pouco afeta a partição de fósforo entre as frações inorgânicas e orgânicas.

4. As sucessivas aplicações de dejetos líquidos de suínos aumentam o acúmulo de fósforo em frações predominante lábeis no solo, e representa risco potencial de contaminação de águas superficiais e subsuperficiais.

Recebido em 16 de outubro de 2009 e aprovado em 23 de maio de 2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2009
  • Aceito
    23 Maio 2010
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