Acessibilidade / Reportar erro

Nitrogênio proveniente da adubação nitrogenada e de resíduos culturais na nutrição da cana-planta

Nitrogen derived from fertilization and straw for plant cane nutrition

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a recuperação, pela cana-planta, do nitrogênio (15N) proveniente da ureia e de resíduos culturais da palhada e do sistema radicular da cultura da cana (Saccharum spp.) incorporados ao solo. O experimento foi instalado na safra de 2005/2006, com a cultivar SP81-3250. No plantio, foram instaladas microparcelas de 1,5x2 m, em que aplicaram-se doses equivalentes a 80 kg ha-1 de N (ureia com 5,05% de 15N) e 14 Mg ha-1 de resíduos culturais, dos quais 9 Mg ha-1 de palhada (PA) e 5 Mg ha-1 de sistema radicular (SR), marcados com 15N (1,07 e 0,81% de 15N, respectivamente). Durante o ciclo da cultura, determinou-se o acúmulo total de N da planta. Embora o aproveitamento do N oriundo da mineralização dos resíduos culturais (PA e SR) pela parte aérea tenha aumentado expressivamente com o tempo, esta fonte pouco contribuiu para a nutrição da cultura. A recuperação pela cana-planta de 15N-ureia, 15N-PA e 15N-SR foi de 30,3±3,7%, 13,9±4,5% e 6,4±0,9% respectivamente, o que representa 15,9, 4,7 e 1,4% do nitrogênio total acumulado pela parte aérea da cultura.

Saccharum; cana-de-açúcar; 15N; raízes; ureia


The objective of this work was to evaluate the recovery, by plant cane, of the nitrogen (15N) from urea and from sugarcane (Saccharum spp.) crop residues - straw and root system - incorporated into the soil. The experiment was settled in 2005/2006 with the sugarcane cultivar SP81 3250. At planting, microplots of 2 m length and 1.5 m width were installed, and N applications were done with 80 kg ha-1 N (urea with 5.05% in 15N atoms) and 14 Mg ha-1 crop residues - 9 Mg ha-1 of sugarcane straw (SS) and 5 Mg ha-1 of root system (RS), labeled with 15N (1.07 and 0.81% in 15N atoms, respectively). The total N accumulation by plants was determined during the crop cycle. Although the N use by shoot from crop residue mineralization (PA and SR) increased significantly over time, this source hardly contributed to crop nutrition. The recovery of the 15N-urea, 15N-SS and 15N-RS by plant cane was 30.3±3.7%, 13.9±4.5% and 6.4±0.9%, respectively, representing 15.9, 4.7 and 1.4% of total nitrogen uptake by shoot.

Saccharum; sugarcane; 15N; roots; urea


NUTRIÇÃO MINERAL

Nitrogênio proveniente da adubação nitrogenada e de resíduos culturais na nutrição da cana-planta

Nitrogen derived from fertilization and straw for plant cane nutrition

André Cesar VittiI; Henrique Coutinho Junqueira FrancoII; Paulo Cesar Ocheuze TrivelinIII; Danilo Alves FerreiraIII; Rafael OttoIII; Caio FortesIII; Carlos Eduardo FaroniIV

IAgência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), Polo Regional Centro-Sul, Rodovia SP-127, Km 30, Caixa Postal 28, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: acvitti@apta.sp.gov.br

IICentro de Pesquisa em Energia e Materiais, Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, Rua Giuseppe Máximo Scolfaro, nº 10.000, Bairro Guará, Distrito de Barão Geraldo, CEP 13083-970 Campinas, SP. E-mail: henrique.franco@bioetanol.org.br

IIIUniversidade de São Paulo, Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: pcotrive@cena.usp.br, danilo.alves.ferreira@usp.br, rotto@esalq.usp.br, cfortes@cena.usp.br

IVCentro de Tecnologia Canavieira, Caixa Postal 162, CEP 13400-970 Piracicaba, SP. E-mail: cfaroni@ctc.com.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a recuperação, pela cana-planta, do nitrogênio (15N) proveniente da ureia e de resíduos culturais da palhada e do sistema radicular da cultura da cana (Saccharum spp.) incorporados ao solo. O experimento foi instalado na safra de 2005/2006, com a cultivar SP81-3250. No plantio, foram instaladas microparcelas de 1,5x2 m, em que aplicaram-se doses equivalentes a 80 kg ha-1 de N (ureia com 5,05% de 15N) e 14 Mg ha-1 de resíduos culturais, dos quais 9 Mg ha-1 de palhada (PA) e 5 Mg ha-1 de sistema radicular (SR), marcados com 15N (1,07 e 0,81% de 15N, respectivamente). Durante o ciclo da cultura, determinou-se o acúmulo total de N da planta. Embora o aproveitamento do N oriundo da mineralização dos resíduos culturais (PA e SR) pela parte aérea tenha aumentado expressivamente com o tempo, esta fonte pouco contribuiu para a nutrição da cultura. A recuperação pela cana-planta de 15N-ureia, 15N-PA e 15N-SR foi de 30,3±3,7%, 13,9±4,5% e 6,4±0,9% respectivamente, o que representa 15,9, 4,7 e 1,4% do nitrogênio total acumulado pela parte aérea da cultura.

Termos para indexação:Saccharum, cana-de-açúcar, 15N, raízes, ureia.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the recovery, by plant cane, of the nitrogen (15N) from urea and from sugarcane (Saccharum spp.) crop residues – straw and root system – incorporated into the soil. The experiment was settled in 2005/2006 with the sugarcane cultivar SP81 3250. At planting, microplots of 2 m length and 1.5 m width were installed, and N applications were done with 80 kg ha-1 N (urea with 5.05% in 15N atoms) and 14 Mg ha-1 crop residues – 9 Mg ha-1 of sugarcane straw (SS) and 5 Mg ha-1 of root system (RS), labeled with 15N (1.07 and 0.81% in 15N atoms, respectively). The total N accumulation by plants was determined during the crop cycle. Although the N use by shoot from crop residue mineralization (PA and SR) increased significantly over time, this source hardly contributed to crop nutrition. The recovery of the 15N-urea, 15N-SS and 15N-RS by plant cane was 30.3±3.7%, 13.9±4.5% and 6.4±0.9%, respectively, representing 15.9, 4.7 and 1.4% of total nitrogen uptake by shoot.

Index terms:Saccharum, sugarcane, 15N, roots, urea.

Introdução

Na cultura da cana-de-açúcar, a realização da colheita sem queima deixa sobre a superfície do solo quantidade considerável de resíduos vegetais, de 10 a 30 Mg ha-1 de massa de matéria seca (Trivelin et al., 1995; Vitti et al., 2007). A manutenção da palhada sem queima traz uma série de vantagens ao sistema solo-planta, como o aumento do estoque de carbono do solo (Galdos et al., 2009). A quantidade de palhada depositada na superfície do solo depende da cultivar, produtividade, época de corte, entre outros, e pode conter de 80 a 200 kg ha-1 de N (Franco et al., 2007). Em áreas de reforma do canavial sem queima, a quantidade de resíduos orgânicos é ainda maior, uma vez que além da palhada há o sistema radicular e a parte aérea da soqueira antiga, o que aumenta a quantidade de material orgânico e nutrientes que serão incorporados ao solo (Vitti et al., 2007).

Fatores ambientais, como temperatura, umidade e aeração, e fatores químicos que dependem, principalmente, da qualidade dos resíduos culturais, especialmente da relação C:N, teores de lignina, celulose, hemicelulose e polifenóis, influenciam a mineralização desse resíduo cultural e, portanto, a disponibilidade de nutrientes às plantas (Gupta & Singh, 1981; Ng Kee Kwong et al., 1987; Meier et al., 2006). As quantidades de N liberadas desses resíduos durante o ciclo seguinte da cultura de cana-de-açúcar podem variar de 3 a 30% (Vitti, 2008; Vitti et al., 2010). Estudos mostraram que a utilização de N de resíduos vegetais (15N), pela cana-de-açúcar, variou de 5 a 20% (Ng Kee Kwong et al., 1987; Gava et al., 2003; Bologna-Campbell, 2007). Essa variação, segundo os autores, depende da qualidade do resíduo, pois quando a concentração de N é maior que 20 g kg-1 e a relação C:N menor que 25, a mineralização dos resíduos é mais rápida e, consequentemente, maior será o aproveitamento de nutrientes pela cultura cultivada na sequência.

O balanço do N marcado com o isótopo 15N, proveniente da palhada de cana-de-açúcar, realizado por Vitti (2003) indicou que, depois de 12 meses, dos 62 kg ha-1 de N presente na palhada, apenas 2,4 kg ha-1 de foram acumulados pela parte aérea da soqueira subsequente (parte aérea e sistema radicular), o que representou cerca de 4% do N desse resíduo cultural. O baixo aproveitamento do N-palhada pode ser explicado pela decomposição lenta do resíduo no primeiro ano (Vitti et al., 2008), principalmente em razão da alta relação C:N inicial da palha de cana-de-açúcar, que favorece a imobilização do N pelos microrganismos do solo em vez da mineralização (Jingguo & Bakken, 1997). Ng Kee Kwong et al. (1987) verificaram que a utilização do N da palha pela cana-de-açúcar foi de 10,6 a 13,3. Porém, ao incorporar os resíduos culturais ao solo, para simular a reforma do canavial, Bologna-Campbell (2007) obteve uma recuperação ligeiramente maior, da ordem de 20%.

Assim, pressupõe-se que, durante a reforma de áreas com cana-de-açúcar, a quantidade de material orgânico e N disponíveis à mineralização é maior do que em áreas de soqueira, o que pode ser uma importante fonte de N para o novo ciclo da cana-planta.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a utilização, pela cana-planta, do nitrogênio (15N) proveniente de resíduos culturais da palhada e do sistema radicular, incorporados ao solo na implantação da cultura, e do 15N-ureia aplicado no sulco de plantio.

Material e Métodos

O experimento foi desenvolvido em área comercial de cana-de-açúcar da Usina São Martinho, no Município de Pradópolis, SP, 21º15'S, 48º18'W, à altitude de 580 m, com tipo climático Aw, tropical de savana, segundo a classificação de Köppen. A área, com declividade de 5–10%, é de Latossolo Vermelho eutrófico (Santos et al., 2006), com histórico de sete anos consecutivos de colheita mecânica, sem queima (cana-crua) da cultura. A análise química do solo, realizada antes da instalação do experimento, em janeiro de 2005, apresentou os seguintes valores às profundidades de 0–25 e 25–50 cm, respectivamente: 5,2 e 5,6 (pH em CaCl2); 31 e 18 g dm-3 (MO); 42 e 12 mg dm-3 (P resina); 3,1 e 0,5 mmolc dm-3 (K); 31 e 24 mmolc dm-3 (Ca); 9 e 6 mmolc dm-3 (Mg); 34 e 22 mmolc dm-3 (H+Al); 1,0 e 1,0 mmolc dm-3 (Al); 74,4 e 53,0 mmolc dm-3 (CTC); e 56 e 58 % (saturação por bases).

Antes da instalação do experimento, a área foi preparada pelo método do cultivo mínimo, com dessecação da soqueira antiga pelo glifosato, na dose de 1.920 g ha-1 de i.a., aplicados à área total, em janeiro de 2005. Em seguida, foi realizada a subsolagem, com subsolador com hastes de 0,8 m de comprimento, à profundidade efetiva de operação, em torno de 0,4 m. Após a subsolagem, foi realizada a abertura dos sulcos com profundidade média de 0,35 m, e o plantio foi realizado entre 2 a 7 de março de 2005.

Utilizou-se o delineamento experimental de blocos ao acaso, com quatro repetições. No plantio, aplicaram-se 80 kg ha-1 de N, na forma de ureia, no fundo do sulco, em todas as parcelas. No interior de cada parcela, foram construídas três microparcelas com dimensão de 2 m de comprimento e 1,5 m de largura, que receberam a ureia e os resíduos culturais, palhada e sistema radicular, marcados em 15N. Em cada microparcela, das três fontes de N, somente uma era marcada em 15N; as demais eram substituídas pela mesma fonte de N, porém com composição isotópica natural de 0,366% em átomos de 15N. Assim, foi possível avaliar a contribuição do N de cada fonte (ureia, palhada e sistema radicular) no acúmulo de N total da cana-planta. A quantidade usada dos resíduos culturais palhada (PA) e sistema radicular (SR) foi equivalente a 9 e 5 Mg ha-1, respectivamente. O teor médio de N total e 15N da palhada foi de 0,57±0,01% e 1,07±0,01%, respectivamente, com aporte de 51,5±1,1 kg ha-1 de N. No sistema radicular, esses valores foram de 0,66±0,03% e 0,81±0,01%, com aporte de 33,0±1,8 kg ha-1 de N. A palhada-15N, composta por folhas secas e ponteiros, e o sistema radicular-15N provieram de soqueira da cultivar RB85-5536, produzida em experimento prévio na safra 2004/2005. A técnica de marcação das plantas de cana-de-açúcar com 15N utilizou a aplicação foliar de solução de ureia, em baixa dose e alto enriquecimento de 15N, 35% em átomos de 15N (Faroni et al., 2007).

O fertilizante nitrogenado foi aplicado no sulco de plantio e incorporado ao solo antes da distribuição dos colmos, em março de 2005. Os resíduos culturais das raízes e da palhada foram parcialmente incorporados ao solo, para simular o preparo mínimo do solo antes da implantação do experimento. As parcelas experimentais eram compostas por 48 linhas (sulcos) de 15 m de comprimento, espaçadas entre si por 1,5 m. No plantio, foram aplicados, no fundo dos sulcos, em todas as parcelas, o cloreto de potássio e o superfosfato simples, que forneceram 120 kg ha-1 de K2O e 120 kg ha-1 de P2O5, respectivamente. No plantio, as mudas da cultivar SP81-3250 apresentavam cerca de 20 gemas por metro linear de sulco. As mudas de cana, depositadas no fundo do sulco, foram cortadas em toletes com 2 a 3 gemas. Durante o ciclo da cana-planta, foram mensuradas as precipitações pluviais e a temperatura média, em estação meteorológica instalada a cerca de 5 km do experimento (Figura 1). Os dados históricos de precipitação pluvial foram obtidos do mesmo local.


Em dezembro de 2005, e em fevereiro, abril e agosto de 2006, foi realizada, em cada parcela, a coleta de toda a parte aérea (colmos, folhas secas e ponteiros) de 2 m da linha de plantio. Em seguida, obteve-se a massa de matéria verde mediante pesagem no campo. Toda a parte aérea foi triturada em picadora de forragem, tendo-se obtido uma subamostra, que foi seca em estufa a 65º C durante 72 horas, para obtenção da massa de matéria seca. Nessas amostras, realizou-se a análise de N total (Malavolta et al., 1997), e calculou-se o acúmulo de N total (kg ha-1) pela cultura, em cada época de amostragem.

Simultaneamente, nas mesmas épocas de amostragem de parte aérea, foram colhidas amostras de folhas +3 (terceira folha, de cima para baixo, com a aurícula perfeitamente visível) em todas as microparcelas, exceto em dezembro na microparcela com ureia marcada. O padrão de amostragem utilizado foi o mesmo adotado por Franco et al. (2011). Nessas amostragens, coletaram-se, no centro de cada microparcela, duas folhas +3, que constituíram uma amostra. Adicionalmente, coletaram-se duas folhas nas linhas adjacentes, em posições contíguas às microparcelas que, juntas, constituíram outra amostra. As amostras foram secas em estufa ventilada a 65ºC, e moídas em moinho tipo Willey. A abundância de 15N (percentagem de átomos de 15N) foi determinada em espectrômetro de massas modelo 20/20 ANCA/SL, (SerCon Ltda., Cheschire, UK). Franco et al. (2011) observaram semelhança entre os valores de abundância de 15N da folha + 3 e da planta toda de cana-de-açúcar, e concluíram que a folha + 3 pode ser usada para estimar a recuperação de 15N de fontes marcadas, durante o ciclo de crescimento. Assim, os dados de acúmulo de N na parte aérea obtidos em amostras coletadas fora da microparcela, e da abundância isotópica da folha + 3 obtidos dentro da microparcela, foram usados para estimar, em cada estádio de crescimento, o nitrogênio na parte aérea derivado do fertilizante (NPPF), da palhada (NPPP) e do sistema radicular (NPPSR), pelo método da diluição isotópica do 15N.

A colheita da cana-planta foi realizada em agosto de 2006. Nessa oportunidade, uma testemunha sem componente marcado e a parte aérea das plantas das microparcelas foram colhidas manualmente, no centro das microparcelas (1 m) e em posições contíguas nas linhas adjacentes à microparcela. Amostras de folhas secas, ponteiros e colmos foram retiradas, e a massa de matéria verde foi determinada. Todo o material foi triturado em picadora mecânica de forragem. Depois da moagem e homogeneização de cada amostra úmida, retirou-se uma subamostra, que foi seca em estufa (72 horas a 65 ºC), e cuja umidade foi determinada. O material seco foi moído em moinho tipo Willey e usado nas determinações de N-total (Malavolta et al., 1997) e de abundância de 15N (% em átomos de 15N), em espectrômetro de massa modelo 20/20 ANCA/SL, (SerCon Ltd.., Cheschire, UK).

O nitrogênio na planta proveniente de fonte marcada (Nppfm) e a recuperação do N (R) pela parte aérea de cada componente marcado foram calculados por meio das equações: Nppfm = [(A -C)/(B - C)]NT e R (%) = (Nppfm/Naf) 100, em que: Nppfm é a quantidade de N na planta proveniente da fonte marcada (15N-ureia, 15N-palhada ou 15N-sistema radicular); A é a abundância de N (% de átomos) da planta; B é a abundância de 15N das fontes marcadas (5,04, 1,07 e 0,81% de átomos de 15N-ureia, 15N-palhada e 15N-sistema radicular, respectivamente); C é a abundância natural de 15N (0,366% de átomos); NT é o N total na planta (kg ha-1); R é a recuperação percentual de 15N-ureia e dos 15N-resíduos vegetais (palhada e sistema radicular), pela parte aérea da cana-planta; e Naf é a quantidade de N das fontes aplicadas (kg ha-1).

Os resultados foram analisados pela análise de variância e comparados pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade, dentro de cada época de amostragem. Na colheita final das microparcelas com marcação isotópica, foram calculados os desvios-padrão das médias dos tratamentos (sistema radicular, palhada e ureia), dentro de cada compartimento de planta.

Resultados e Discussão

A maior recuperação de N-ureia foi observada no início do ciclo da cultura, ao passo que, nos resíduos culturais (palhada e sistema radicular), ela ocorreu mais próximo da colheita da cana-planta (Tabela 1). Os valores de recuperação de N-ureia foram maiores do que os encontrados por Ng Kwong & Deville (1994) e Vitti (2003). Isso, provavelmente, ocorreu em razão de a recuperação ter sido calculada a partir de uma estimativa. Exemplo disso foi que, na colheita de agosto de 2006, a recuperação obtida pela estimativa (F+3) foi de 41,3%, enquanto a recuperação real, obtida diretamente pela colheita da parte área nas microparcelas, foi de 30,3%, valor normalmente encontrado na literatura (Tabela 2).

Para os resultados de N proveniente do fertilizante (NPPF), os maiores valores ocorreram na fase de máximo crescimento da cultura, em dezembro-janeiro, e estão associados a condições climáticas mais favoráveis de pluviosidade, temperatura e dias longos. A partir desse estádio, ocorreu tendência de redução no valor de NPPF. Não se pode ignorar possíveis perdas ou translocação de N da parte aérea para o sistema radicular, principalmente entre os meses de abril e agosto de 2006, na fase de maturação do canavial, em que a redução do N-total no período foi de 25 kg ha-1 de N, cerca de 10% do N total acumulado na parte aérea.

A redução na quantidade recuperada de N-fertilizante, na fase de maturação da cana-planta, foi semelhante à observada com o N-total da parte aérea. Nesse período, houve diminuição de 8,4 kg ha-1 de N proveniente do 15N-ureia (redução de 10,4% no valor total da recuperação). Ng Kee Kwong & Deville (1994) obtiveram perdas de 10 a 20 kg ha-1 de N-fertilizante, pela parte aérea da cana-de-açúcar, o que equivale a perdas de até 100 kg ha-1de N, considerando-se o N total acumulado pela planta toda. Valores semelhantes de perdas pela parte aérea das plantas de cana-de-açúcar foram obtidos por Trivelin et al. (2002). Segundo Neirynck et al. (2005), a perda pela parte aérea (PA) dos vegetais pode representar cerca de 14% do fluxo líquido das emissões gasosas de NH3. Entretanto, parte dessa amônia emitida para a atmosfera é reabsorvida pela folhagem da própria planta ou de outra vegetação (Fenili et al., 2007; Martha Júnior et al., 2009). O N proveniente do fertilizante, por estar prontamente disponível às plantas, foi absorvido em maior quantidade no início e diminuiu ao longo do ciclo da cultura. Portanto, a chance de terem ocorrido perdas de N-fertilizante pela parte aérea foi grande nessa fase. No entanto, pelo fato de o N dos resíduos culturais ser disponibilizado lentamente, em consequência da elevada relação C:N, a ocorrência de perdas de N, pela parte aérea dessas fontes, é provavelmente menor, ou até, muitas vezes, desprezível.

Em razão das reduções nas quantidades de N na parte aérea, entre os períodos de desenvolvimento da cultura, há risco de se subestimar a recuperação de N-fertilizante, quando o balanço de N-fertilizante é realizado apenas no final do ciclo da cultura (colheita). Nesse sentido, Franco et al. (2011) observaram que o NPPF foi de 40%, no início do ciclo da cana-planta, e diminuiu para 10% no final do ciclo, em consequência do aumento da participação de outras fontes na nutrição nitrogenada, durante o desenvolvimento da cultura. Segundo Vitti (2003), ao se levar em consideração o período em que ocorreu a maior recuperação de N-fertilizante, e não o final do ciclo, a recuperação de N-fertilizante seria de 33 e 47% do 15N-NH4+ e 15N-NO3-, respectivamente, e não os 19 e 27% obtidos na colheita. Nesse caso, a recuperação total de N-fertilizante no sistema solo-planta passaria a ter valores maiores, próximos a 80%, e não apenas os 63% recuperados, obtidos na colheita.

O nitrogênio proveniente do N mineralizado da palhada (NPPP) e do sistema radicular (NPPSR), na parte aérea da cana-de-açúcar, aumentou com o tempo (Tabela 1). O aumento na recuperação pela cana-planta durante o seu ciclo pode ser atribuído à diminuição da relação C:N inicial dos resíduos culturais, o que a teria deixado próxima à dos microrganismos do solo, intensificando a mineralização e disponibilizando mais N para a cultura (Basanta et al., 2003). Embora a estimativa do aproveitamento de N oriundo da mineralização de resíduos culturais tenha crescido expressivamente com o tempo, ele pouco contribuiu para a nutrição da cultura, pois ao final do ciclo apenas 3,1 e 2,2 kg ha-1 de N proveniente dessas fontes foram acumulados, cerca de 6,0 e 6,5% do N total presente inicialmente na palhada e no sistema radicular, respectivamente. Essa estimativa se aproxima da verificada por Ng Kee Kwong et al. (1987), que obtiveram valores entre 5 e 10% de recuperação do N da palhada de cana-de-açúcar.

O NPPF, na dose aplicada de 80 kg ha-1 de N, foi cerca de três vezes superior ao N proveniente da palhada e do sistema radicular (Tabela 2). Esses resultados foram obtidos por medidas diretas de toda a parte aérea da cana-planta. Na colheita, cerca de 75% de N-ureia acumulado na parte aérea estava nos colmos. Resultado semelhante foi obtido com o N proveniente dos resíduos culturais, em que a maior parte também estava contida nos colmos. Estes resultados podem ser explicados pela maior massa de matéria seca dos colmos em comparação aos demais compartimentos da planta, e têm como consequência maior acumulo de N-total (Franco et al., 2010).

A recuperação pela cana-planta do N do fertilizante (R) foi de 30,3%, semelhante à obtida por Vitti (2003) em experimento com soqueira. Pôde-se observar que, dos 51,5 kg ha-1 de N presentes na palhada, ao plantio da cana-de-açúcar, apenas 7,2±2,4 kg ha-1 de N foram acumulados pela cultura na parte aérea, na colheita, o que representou 13,9±4,5% do N da palhada. No sistema radicular (33 kg ha-1 de N total), este valor foi de apenas 2,1±0,3 kg ha-1 de N, ou 6,4±0,9% do N total desse resíduo (Tabela 2).

A contribuição do N proveniente da palhada e do sistema radicular para a nutrição da cultura foi baixa, ou seja, representou apenas 4,7 e 1,4% do N total acumulado pela parte aérea da cana-planta, ao término de seu ciclo de crescimento de 18 meses. Isso pode ser explicado pela baixa decomposição desses resíduos, independentemente de sua incorporação parcial ao solo. É provável que a contribuição desses resíduos seja maior nas safras subsequentes, como mencionado por Vallis et al. (1996), que sugerem redução na adubação nitrogenada em razão do N disponibilizado pela palha, após um período de 20 anos em sistema sem queima. Em condições de campo, Ng Kee Kwong et al. (1987) concluíram que os resíduos de cana-de-açúcar representariam uma fonte de N pouco significativa para as plantas, considerando-se um estoque maior do que 3.000 kg ha-1 de N no solo e de apenas 40 kg ha-1 de resíduos.

Conclusões

1. O aproveitamento de N oriundo da mineralização de resíduos culturais da palhada e do sistema radicular aumenta expressivamente com o tempo, no entanto, esta fonte pouco contribui para a nutrição da cultura.

2. A cana-planta recupera 30,3±3,7%, 13,9±4,5% e 6,4±0,9% de 15N-ureia, do 15N-palhada e de 15N-sistema radicular, respectivamente.

3. As contribuições de N proveniente da ureia, da palhada e do sistema radicular representam, respectivamente, 15,9%, 4,7% e 1,4% do N total acumulado pela parte aérea, na colheita da cultura.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, por concessão de bolsas e suporte financeiro; ao Centro de Tecnologia Canavieira e à Usina São Martinho, pelo apoio logístico.

Recebido em 13 de dezembro de 2010 e aprovado em 14 de fevereiro de 2011

  • BASANTA, M.V.; DOURADO-NETO, D.; REICHARDT, K.; BACCHI, O.O.S.; OLIVEIRA, J.C.M.; TRIVELIN, P.C.O.; TIMM, L.C.; TOMINAGA, T.T.; CORRECHEL, V.; CASSARO, F.A.M.; PIRES, L.F.; MACEDO, J.R. Management effects on nitrogen recovery in a sugarcane crop grown in Brazil. Geoderma, v.116, p.235-248, 2003.
  • BOLOGNA-CAMPBELL, I. Balanço de nitrogênio e enxofre no sistema solo-cana-de-açúcar no ciclo de cana-planta 2007. 112p. (Doutorado) -Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba.
  • FARONI, C.E.; TRIVELIN, P.C.O.; SILVA, P.H. da; BOLOGNA, I.R.; VITTI, A.C.; FRANCO, H.C.J. Marcação de fitomassa de cana-de-açúcar com aplicação de solução de uréia marcada com 15N. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.42, p.851-857, 2007.
  • FENILLI, T.A.B.; REICHARDT, K.; TRIVELIN, P.C.O.; FAVARIN, J.L. Volatilization of ammonia derived from fertilizer and its reabsorption by coffee plants. Communications in Soil Science and Plant Analysis, v.38, p.1741-1751, 2007.
  • FRANCO, H.C.J.; OTTO, R.; FARONI, C.E.; VITTI, A.C.; OLIVEIRA, E.C.A.; TRIVELIN, P.C.O. Nitrogen in sugarcane derived from fertilizer under Brazilian field conditions. Field Crops Research, v.121, p.29-41, 2011.
  • FRANCO, H.C.J.; TRIVELIN, P.C.O.; FARONI, C.E.; VITTI, A.C.; OTTO, R. Stalk yield and technological attributes of planted cane as related to nitrogen fertilization. Scientia Agricola, v.67, p.579-590, 2010.
  • FRANCO, H.C.J.; VITTI, A.C.; FARONI, C.E.; CANTARELLA, H.; TRIVELIN, P.C.O. Estoque de nutrientes em resíduos culturais incorporados ao solo na reforma do canavial. STAB, v.25, p.249-256, 2007.
  • GALDOS, M.V.; CERRI. C.C.; CERRI, C.E.P. Soil carbon stocks under burned and unburned sugarcane in Brazil. Geoderma, v.153, p.347-352, 2009.
  • GAVA, G.J.C.; TRIVELIN, P.C.O.; VITTI, A.C.; OLIVEIRA, M.W. Recuperação do nitrogênio (15N) da uréia e da palhada por soqueira de cana-de-açúcar (Saccharum spp.). Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.27, p.621-630, 2003.
  • GUPTA, S.R.; SINGH, J.S. The effect of plant species, weather variables and chemical composition of plant material on decomposition in a tropical grassland. Plant and Soil, v.59, p.99-117, 1981.
  • JINGGUO, W.; BAKKEN, L.R. Competition for nitrogen during mineralization of plant residues in soil: microbial response to C and N availability. Soil Biology and Biochemistry, v.29, p.163-170, 1997.
  • MALAVOLTA, E.; VITTI, G.C.; OLIVEIRA, S.A. de. Avaliação do estado nutricional das plantas: princípios e aplicações. 2.ed. Piracicaba: Potafos, 1997. 319p.
  • MARTHA JÚNIOR, G.B.; TRIVELIN, P.C.O.; CORSI, M. Absorção foliar pelo capim-tanzânia da amônia volatilizada do 15N-uréia aplicado ao solo. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.33, p.103-108, 2009.
  • MEIER, E.A.; THORBURN, P.J.; WEGENER, M.K.; BASFORD, K.E. The availability of nitrogen from sugarcane trash on contrasting soils in the wet tropics of North Queensland. Nutrient Cycling in Agroecosystems, v.75, p.101-114, 2006.
  • NEIRYNCK, J.; KOWALSKI, A.S.; CARRARA, A.; CEULEMANS, R. Driving forces for ammonia fluxes over mixed forest subjected to high deposition loads. Atmospheric Environment, v.39, p.5013-5024, 2005.
  • NG KEE KWONG, K.F.; DEVILLE, J. The course of fertilizer nitrogen uptake by rainfed sugarcane in Mauritius. The Journal of Agricultural Sciences, v.122, p.385-391, 1994.
  • NG KEE KWONG, K.F.; DEVILLE, J.; CAVALOT, P.C.; RIVIERE, V. Value of cane trash in nitrogen nutrition of sugarcane. Plant and Soil, v.102, p.79-83, 1987.
  • SANTOS, H.G. dos; JACOMINE, P.K.T.; ANJOS, L.H.C. dos; OLIVEIRA, V.A. de; OLIVEIRA, J.B. de; COELHO, M.R.; LUMBRERAS, J.F.; CUNHA, T.J.F. (Ed.). Sistema brasileiro de classificação de solos 2.ed. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2006. 306p.
  • TRIVELIN, P.C.O.; OLIVEIRA, M.W. de; VITTI, A.C.; GAVA, G.J. de C.; BENDASSOLLI, J.A. Perdas de nitrogênio da uréia no sistema solo-planta em dois ciclos de cana-de-açúcar. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.37, p.193-201, 2002.
  • TRIVELIN, P.C.O.; VICTORIA, R.L.; RODRIGUES, J.C.S. Aproveitamento por soqueira de cana-de-açúcar de final de safra do nitrogênio da aquamônia-15N e uréia-15N aplicado ao solo em complemento à vinhaça. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.30, p.1375-1385, 1995.
  • VALLIS, I.; PARTON, W.J.; KEATING, B.A.; WOOD, A.W. Simulation of the effects of trash and N fertilizer management on soil organic matter levels and yields of sugarcane. Soil & Tillage Research, v.38, p.115-132, 1996.
  • VITTI, A.C. Adubação nitrogenada da cana-de-açúcar (soqueira) colhida mecanicamente sem a queima prévia: manejo e efeito na produtividade. 2003. 114p. Tese (Doutorado) -Universidade de São Paulo, Piracicaba.
  • VITTI, A.C.; FERREIRA, D.A.; FRANCO, H.C.J.; FORTES, C.; OTTO, R.; FARONI, C.E.; TRIVELIN, P.C.O. Utilisation of nitrogen from trash by sugarcane ratoons. International Sugar Journal, v.28, p.249-253, 2010.
  • VITTI, A.C.; FRANCO, H.C.J.; FARONI, C.E.; CANTARELLA, H.; TRIVELIN, P.C.O. Balanço de massas e de nutrientes da palhada e da rebrota de cana desseca com glifosato. STAB, v.25, p.30-33, 2007.
  • VITTI, A.C.; TRIVELIN, P.C.O.; CANTARELLA, H.; FRANCO, H.C.J.; FARONI, C.E.; OTTO, R.; TRIVELIN, M.O.; TOVAJAR, J.G. Mineralização da palhada e crescimento de raízes de cana-de-açúcar relacionados com a adubação nitrogenada de plantio. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 32, p.2757-2762, 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 2011

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2010
  • Aceito
    14 Fev 2011
Embrapa Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento; Pesquisa Agropecuária Brasileira Caixa Postal 040315, 70770-901 Brasília DF Brazil, Tel. +55 61 3448-1813, Fax +55 61 3340-5483 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: pab@embrapa.br