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Atividade antioxidante in vitro e in vivo de café bebida mole

In vitro and in vivo antioxidant activity of soft coffee

Resumos

O objetivo deste trabalho foi determinar a atividade antioxidante do café, bebida mole, in vivo e in vitro, antes e após a torração. Para a análise da atividade antioxidante in vitro, foram utilizados os métodos de sequestro de radicais livres (DPPH) e de atividade quelante de íons Fe2+. Foram utilizados, para o ensaio in vivo, ratos Zucker diabéticos, portadores de síndrome metabólica, e ratos Zucker controle. Os animais receberam doses diárias das bebidas de café, por gavagem, por 30 dias. Após o tratamento, foi realizada a avaliação de peroxidação lipídica. As amostras torradas apresentaram a maior percentagem de sequestro de radicais livres. As concentrações nas amostras de café verde e torrado foram similares às do padrão Trolox. Das amostras torradas, a torração média se destacou com maior atividade quelante de íons Fe2+. Os cafés verdes mostraram maior poder quelante do que os torrados. Compostos presentes no extrato diminuíram a lipoperoxidação hepática e renal que é comum em casos de diabetes e síndrome metabólica. O café apresenta atividade antioxidante e protege o fígado e os rins dos animais contra a lipoperoxidação comumente presente em quadros de diabetes mellitus tipo 2 e síndrome metabólica.

Coffea arabica; diabetes mellitus tipo 2; peroxidação lipídica; radicais livres


The objective of this work was to determine the in vivo and in vitro antioxidant activity of soft coffee beverages, before and after roasting. For the analysis of the antioxidant activity, the methods of free radical sequestration (DPPH) and of the chelating activity of Fe2+ ions were used. In vivo tests were performed with diabetic Zucker rats with metabolic syndrome and control Zucker rats. The animals received daily doses of coffee drinks by gavage for 30 days. After treatment, lipid peroxidation was evaluated. Roasted coffee samples had the highest percentage of free radical sequestration. Concentration in both green and roasted coffee samples was similar to that of the Trolox standard. From the roasted samples, medium roast stood out with greater Fe2+ ion chelating activity. Green coffees showed higher quelating power than the roasted ones. The compounds in the extract decreased the lipid peroxidation in the liver and kidney which is common in cases of diabetes and metabolic syndrome. Coffee has an antioxidant activity and protects the liver and kidneys of animals from lipid peroxidation commonly present in type 2 diabetes mellitus and metabolic syndrome.

Coffea arabica; type 2 diabetes mellitus; lipid peroxidation; free radicals


TECNOLOGIA DE ALIMENTOS

Atividade antioxidante in vitro e in vivo de café bebida mole

In vitro and in vivo antioxidant activity of soft coffee

Sheila Andrade AbrahãoI; Rosemary Gualberto Fonseca Alvarenga PereiraII; Raimundo Vicente de SousaII; Adriene Ribeiro LimaII

IInstituto Federal Fluminense, Campus Bom Jesus do Itabapoana, CEP 28360-000 Bom Jesus do Itabapoana, RJ. E-mail: sheilanutri@yahoo.com.br

IIUniversidade Federal de Lavras, Caixa Postal 3.037, CEP 37200-000 Lavras, MG. E-mail: rosegfap@ufla.br, rvsousa@ufla.br, biodri@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi determinar a atividade antioxidante do café, bebida mole, in vivo e in vitro, antes e após a torração. Para a análise da atividade antioxidante in vitro, foram utilizados os métodos de sequestro de radicais livres (DPPH) e de atividade quelante de íons Fe2+. Foram utilizados, para o ensaio in vivo, ratos Zucker diabéticos, portadores de síndrome metabólica, e ratos Zucker controle. Os animais receberam doses diárias das bebidas de café, por gavagem, por 30 dias. Após o tratamento, foi realizada a avaliação de peroxidação lipídica. As amostras torradas apresentaram a maior percentagem de sequestro de radicais livres. As concentrações nas amostras de café verde e torrado foram similares às do padrão Trolox. Das amostras torradas, a torração média se destacou com maior atividade quelante de íons Fe2+. Os cafés verdes mostraram maior poder quelante do que os torrados. Compostos presentes no extrato diminuíram a lipoperoxidação hepática e renal que é comum em casos de diabetes e síndrome metabólica. O café apresenta atividade antioxidante e protege o fígado e os rins dos animais contra a lipoperoxidação comumente presente em quadros de diabetes mellitus tipo 2 e síndrome metabólica.

Palavras-chave: Coffea arabica, diabetes mellitus tipo 2, peroxidação lipídica, radicais livres.

ABSTRACT

The objective of this work was to determine the in vivo and in vitro antioxidant activity of soft coffee beverages, before and after roasting. For the analysis of the antioxidant activity, the methods of free radical sequestration (DPPH) and of the chelating activity of Fe2+ ions were used. In vivo tests were performed with diabetic Zucker rats with metabolic syndrome and control Zucker rats. The animals received daily doses of coffee drinks by gavage for 30 days. After treatment, lipid peroxidation was evaluated. Roasted coffee samples had the highest percentage of free radical sequestration. Concentration in both green and roasted coffee samples was similar to that of the Trolox standard. From the roasted samples, medium roast stood out with greater Fe2+ ion chelating activity. Green coffees showed higher quelating power than the roasted ones. The compounds in the extract decreased the lipid peroxidation in the liver and kidney which is common in cases of diabetes and metabolic syndrome. Coffee has an antioxidant activity and protects the liver and kidneys of animals from lipid peroxidation commonly present in type 2 diabetes mellitus and metabolic syndrome.

Key words: Coffea arabica, type 2 diabetes mellitus, lipid peroxidation, free radicals.

Introdução

O café é uma bebida de grande popularidade, com aroma e sabor característicos, consumida mundialmente. Muitas pesquisas têm demonstrado que os constituintes do café provocam várias respostas celulares e farmacológicas, num largo espectro de sistemas biológicos (Daglia et al., 2000; Natella et al., 2002; Duarte et al., 2005; Ozercan et al., 2006; Naidu et al., 2008). Há, entretanto, estudos epidemiológicos que contradizem os efeitos benéficos da ingestão de café (Tanaka et al., 1998). Algumas destas controvérsias dizem respeito ao aumento ou redução das oxidações biológicas (Somoza et al., 2003).

Os danos oxidativos induzidos nas células e tecidos têm sido relacionados à etiologia de várias doenças, inclusive as degenerativas como as cardiopatias, aterosclerose e problemas pulmonares. Os danos no DNA, causados pelos radicais livres, também desempenham um papel importante nos processos de mutagênese e carcinogênese (Poulsen et al., 1998).

O stress oxidativo, avaliado laboratorialmente por meio de índices de peroxidação lipídica, encontra-se aumentado no diabetes mellitus tipo 2, mesmo em doentes ainda sem graves complicações. Apesar dessa evidência de que o stress oxidativo pode contribuir para a manifestação e progressão das complicações diabéticas, resta ainda esclarecer se o estresse oxidativo está associado ou se é causa das modificações fisiopatológicas subjacentes à diabetes (Lemos et al., 2007).

Os antioxidantes são agentes responsáveis pela inibição e redução das lesões causadas pelos radicais livres nas células. De acordo com Sies & Stahl (1995) antioxidante é qualquer substância que, presente em baixas concentrações em comparação à do substrato oxidável, atrasa ou inibe a oxidação deste substrato de maneira eficaz.

Segundo Duarte et al. (2005), cafés crus ou torrados podem agir como antioxidantes, in vitro e in vivo, além de inibir a peroxidação de lipídeos, e os compostos fenólicos são os responsáveis por esta ação.

Nascimento (2006) observou redução progressiva da atividade antioxidante com o aumento do grau de torração. O café submetido à torração moderadamente clara apresentou atividade antioxidante máxima, enquanto o café com maior grau de torração apresentou a menor atividade antioxidante. Assim, as torrações mais claras seriam mais benéficas à saúde humana e mais eficazes na proteção das células contra os efeitos oxidativos.

Daglia et al. (2000) analisaram a capacidade protetora do café contra a peroxidação de lipídios, em fígado de ratos, e observaram que as amostras apresentaram aumento na atividade protetora com a torração. Resultados semelhantes foram obtidos por Borreli et al. (2002), que observaram a redução da peroxidação do acido linoleico, em cultura de células, com o aumento da torração. Castillo et al. (2002), avaliaram a atividade antioxidante de café submetido a diferentes graus de torração. Apesar da diminuição do conteúdo de ácidos clorogênicos, a atividade antioxidante das melanoidinas dos cafés sob torração clara e média foi maior do que a do café in natura.

De acordo com Araújo (2007), durante o processo de torração, ocorre o rompimento das ligações entre os compostos fenólicos e as moléculas ligadas a eles, o que confere aos compostos resultantes uma estrutura com maior capacidade antioxidante.

Em contrapartida, alguns trabalhos indicam que a torração propicia a formação de acrilamida (ACM) que apresenta uma potencial atividade oxidante em humanos. Germano & Germano (2002) relataram a presença de ACM em alguns alimentos, quando assados, fritos ou torrados, e os cereais, as batatas e o café são possivelmente suas maiores fontes de ingestão.

Apesar da discussão em torno da descoberta da ACM em alimentos, ainda há polêmica quanto aos riscos potenciais à saúde humana. Pesquisas apontam a acrilamida como neurotóxica ao ser humano, efeito conhecido há mais de trinta anos, em especial a partir da exposição ocupacional do indivíduo a essa substância. Embora os dados disponíveis sejam limitados, na análise de risco em induzir tumores na população humana, a ACM foi classificada como um provável carcinógeno humano (World Health Organization, 2002).

Assim, como muitos antioxidantes, o café pode exibir efeitos in vitro e in vivo duplos, altamente dependentes de parâmetros tais como a dose e a composição química dos grãos. Consequentemente, as propriedades pro-e antioxidantes dos alimentos e das bebidas devem ser interpretadas com cuidado, e os resultados não são facilmente extrapolados para avaliar o impacto na saúde humana (Stadler et al., 1994).

O objetivo deste trabalho foi avaliar a atividade antioxidante do café bebida mole, in vitro e in vivo, antes e após a torração.

Material e Métodos

Foram utilizadas amostras de café (Coffea arabica L.) provenientes da safra 2007/2008, do Município de Varginha, sul de Minas Gerais. As amostras foram torradas em torrador BRZ 6 Probat Leogap (Leogap Indústria e Comércio de Máquinas Ltda., Curitiba, PR, Brasil), com capacidade para 1 kg, nos graus de torração claro, médio e escuro, classificados por meio do sistema colorimétrico MW-A Roast Color Classification (Agtron Inc., Reno, NV, EUA). Em seguida, os grãos torrados foram moídos em moedor elétrico Probat Leogap (Leogap Indústria e Comércio de Máquinas Ltda., Curitiba, PR, Brasil), em granulometria fina, empacotados em embalagens de polietileno/alumínio/ polipropileno, selados a vácuo e armazenados a -20ºC, até o uso.

Os grãos crus foram moídos em granulometria fina, em moinho IKAA11 (Ika Works Inc., Arthur Nogueira, SP, Brasil), com auxílio de nitrogênio líquido.

Para a análise da atividade sequestrante de radicais livres 1,1-difenil-2-picril-hidrazil (DPPH) da bebida de café, cada amostra foi diluída em etanol a 25, 50, 100, 200 µg mL-1. A 4 mL da amostra adicionou-se 1 mL de DPPH (0,5 mmol L-1) igualmente diluído em etanol. A mistura foi acondicionada em tubo de ensaio âmbar e agitada. Após 30 min, foi realizada a leitura a 517 nm. A diminuição da absorbância indica a atividade sequestrante de radicais livres. Os testes foram realizados em triplicata. A atividade sequestrante de radicais livres (ASRL) foi expressa em percentagem, por comparação aos controles butil hidroxi tolueno (BHT), ácido ascórbico e Trolox, nas mesmas diluições das amostras de café, segundo a equação ASRL (%) = [(Ac - At)/Ac]×100, em que: Ac é a absorbância controle, e At a absorbância teste (amostra).

A atividade quelante de íons Fe2+ foi realizada de acordo com a metodologia descrita por Tang et al. (2002), com modificações. Cada amostra foi diluída em etanol a 200, 400, 800, 1.600 µg mL-1. Uma alíquota de 1 mL das amostras das bebidas de café verde, em torração clara, média e escura foi transferida para tubos de ensaio âmbar de 25 mL. A esta alíquota foram adicionados: 3,7 mL de água deionizada; 0,1 mL de FeSO4 2 μmol mL-1; e 0,2 mL de ferrozina 5 μmol mL-1 [3-(2-piridil)-5,6-bis-(4-ácido fenil sulfônico)-1,2,4-triazina]. O padrão, neste teste, foi feito pela substituição de 1 mL da amostra por água deionizada. A mistura foi agitada e, após 20 min, foi feita a leitura a 562 nm, tendo-se ajustado o aparelho com o branco; neste caso, substitui-se a amostra por EDTA a 2%. A redução da absorbância indica atividade quelante de Fe2+ que pode ser medida por AQ (%) = 100 -[(Ap - At)/Ap]×100, em que: AQ é a atividade quelante de Fe2+; Ap é a absorbância do padrão, que não foi incubado com o café; e At é a absorbância teste (amostras).

Para a determinação do efeito antioxidante in vivo do café, foram utilizados dez ratos Zucker fa/fa (recessivos com diabetes mellitus tipo 2) e 10 ratos Zucker fa/+ ou +/+ (dominantes, controle negativo, sem diabetes) machos, com oito semanas de idade, provenientes do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais, da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP. Os animais permaneceram durante todo o período experimental à temperatura de 23ºC, com período claro-escuro de 12 horas, e receberam ração comercial e água à vontade, em gaiolas metabólicas metálicas individuais, sem cama.

O experimento in vivo foi realizado no Biotério e Laboratório de Fisiologia e Farmacologia, do Departamento de Medicina Veterinária, da Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG, com a devida aprovação do comitê de ética da própria instituição, pelo parecer nº 015/2009.

Os animais foram divididos em quatro grupos e distribuídos em 20 gaiolas (um animal por gaiola, cinco animais por grupo), marcados individualmente e tratados de acordo com o protocolo a seguir: controle normal, sem diabetes mellitus tipo 2-– ratos Zucker fa/+ ou +/+, alimentados por gavagem com água por 30 dias; normal tratado, sem diabetes mellitus tipo 2 – ratos Zucker fa/+ ou +/+, alimentados com café torração média (3,6 mL kg-1 por dia), administrado por gavagem durante 30 dias; controle diabético, com diabetes mellitus tipo 2 – ratos Zucker fa/fa, alimentados por gavagem com água por 30 dias; diabético tratado, com diabetes mellitus tipo 2 – ratos Zucker fa/fa, alimentados com café torração média (3,6 mL kg-1 por dia), administrado por gavagem durante 30 dias.

O café recém-preparado foi administrado aos animais por gavagem oral, uma vez ao dia, por 30 dias, assim como a água do controle. A dose utilizada foi de 3,6 mL kg-1 por dia, correspondente ao consumo humano de cinco xícaras de 50 mL de café.

Decorrido o tempo, os animais foram anestesiados, por via intraperitoneal, com 35 mg kg-1 de tiopental, submetidos à ex-sanguinação por punção cardíaca e retirada dos rins e fígado. Os órgãos, após pesados, foram congelados em nitrogênio líquido e armazenados a -80ºC.

A fim de determinar se a bebida de café é capaz de reduzir o estresse oxidativo, foi analisada a peroxidação de lipídeos isolados nos rins e fígados dos animais. A peroxidação de lipídeos foi determinada pela formação de substâncias reativas com ácido tiobarbitúrico (TBARS), de acordo com Winterbourn et al. (1985). Os produtos da peroxidação de lipídeos reagem com o ácido tiobarbitúrico e produzem um composto que apresenta absorbância a 532 nm.

Os rins e os fígados dos animais foram pesados e homogeneizados em homogeneizador de tecidos, em banho de gelo, após adição de PBS 0,1 mol L-1, pH 7,4 (volume equivalente a quatro vezes o peso de tecido fresco). O homogeneizado foi centrifugado a 3.000 g por 10 min a 4ºC, e o sobrenadante foi mantido em banho de gelo e utilizado nos ensaios para análise da peroxidação lipídica.

Alíquotas de 500 µL L-1 do sobrenadante foram misturadas a 500 µL L-1 de ácido clorídrico a 25% (v v-1), 500 µL L-1 de ácido tiobarbitúrico a 1% (p v-1, em NaOH 0,05 mol L-1), e 45 µL L-1 de BHT a 2% (p v-1, em etanol). A mistura foi aquecida em banho de água fervente durante 10 min. Após o resfriamento em banho de gelo por 10 min, foram adicionados 1,5 mL de butanol, e as amostras foram agitadas vigorosamente em vórtex. A seguir, foram centrifugadas a 900 g, por 5 min, e a fração que continha butanol foi recolhida e utilizada para a determinação da absorbância a 532 nm. A concentração de TBARS foi calculada a partir da curva-padrão de dialdeído malônico (MDA; 1,1,3,3 tetraetoxipropano). Os resultados foram expressos em nanomoles por grama de MDA.

Utilizou-se o delineamento experimental inteira-mente casualizado, com parcelas subdivididas. As análises antioxidantes in vitro compreenderam quatro concentrações, quatro níveis de torração (cru, claro, médio e escuro) e três repetições. Para as análises in vivo, foram utilizados dois tipos de bebida (água e café), duas linhagens de animais (Zucker fa/fa e Zucker fa/+ ou +/+) e cinco repetições para cada tratamento.

Os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e comparados pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. Na análise da influência da concentração das bebidas de café sobre a atividade sequestrante de DPPH e a atividade quelante de metais, foi utilizado o teste de regressão.

Resultados e Discussão

O ácido ascórbico destacou-se com a maior atividade sequestrante de DPPH em todas as concentrações (Tabela 1). Entre as amostras de café analisadas, as torradas apresentaram a maior percentagem de sequestro de radicais livres e chegaram a 59,13% de atividade na concentração máxima testada (200 mg L-1) na torração média. As concentrações apresentadas pelas amostras de café, tanto verdes quanto torradas, foram similares à do padrão Trolox, um análogo da vitamina E.

A atividade sequestrante de radicais DPPH foi dependente da dose em todas as amostras avaliadas e no padrão BHT, ou seja, quanto maior a concentração das amostras maior a atividade antioxidante. Este fato não foi apresentado apenas pelo padrão ácido ascórbico.

A atividade sequestrante de radicais livres dos cafés verdes foi menor do que a apresentada por Naidu et al. (2008), que encontraram valores próximos a 80% em cafés verdes de C. arabica. Duarte et al. (2005) e Araújo (2007) utilizaram a mesma metodologia, para avaliar a atividade sequestrante de radicais livres de amostras de cafés torrados, e obtiveram valores na faixa de 82 a 92,52%, para a concentração de 200 mg L-1, valores superiores aos obtidos neste trabalho.

Nas concentrações 25, 50, 100 e 200 mg L-1, a atividade sequestrante de radicais livres foi significativamente superior nas amostras obtidas a partir dos grãos torrados, em comparação à atividade nos extratos dos grãos in natura, tendo-se destacado os de torração média (Tabela 1). Stalmach et al. (2006) também verificaram que a capacidade antioxidante da bebida, preparada com grãos submetidos à torração média, foi o dobro daquela dos grãos verdes.

A potencialização da atividade antioxidante com a torração também foi observada por Nicoli et al. (1997) e Daglia et al. (2000), o que indica que outros compostos, que não os fenólicos, poderiam ser responsáveis pela atividade antioxidante em grãos torrados de café.

Segundo Araújo (2007), apesar da torração reduzir o conteúdo de polifenóis que, como visto anteriormente, apresentam comprovada ação antioxidante, os produtos da reação de Maillard, especialmente as melanoidinas, também apresentam ação antioxidante. Além disso, durante o processo de torração, as condições de tempo e temperatura podem romper as ligações entre os compostos fenólicos e as moléculas a eles ligadas, o que confere aos compostos resultantes uma estrutura com maior capacidade antioxidante.

A relação entre o grau de torração do café e a capacidade antioxidante varia de acordo com a espécie de café (arábica ou robusta), condições da torração, procedimento utilizado para extração e teste de antioxidação (Garambone & Rosa, 2007).

Assim como no teste anterior, houve influência da torração sobre o poder quelante das amostras (p<0,05). Entre as amostras torradas, a torração média se destacou com maior atividade quelante de íons Fe2+ (Tabela 2).

Pela regressão, verificou-se que todas as amostras apresentaram poder quelante de metais dependente da dose, que atingiu o seu máximo com a amostra verde que apresentou 55,40% de atividade quelante. Os cafés verdes mostraram maior atividade antioxidante do que os torrados, diferentemente da atividade sequestrante de radicais livres, em que a maior concentração de polifenóis é favorável, pois um dos seus mecanismos de ação antioxidante de especial relevância é a capacidade de se ligar a metais como íons de ferro e cobre. Esses resultados estão de acordo com os de Santos et al. (2007), que encontraram maior atividade quelante nas amostras de café verde, provavelmente em razão da presença de compostos fenólicos funcionais.

Assim, conforme os dois testes de antioxidantes realizados, a bebida de café pode ser considerada como antioxidante; no entanto, sua ingestão pode contribuir para a quelação de metais de transição, o que pode levar à peroxidação lipídica, com consequente lesão às membranas plasmáticas e à oxidação do DNA, causando injúria ou morte celular (Halliwell & Gutteridge, 1999).

A atividade antioxidante das amostras analisadas variou conforme a metodologia utilizada, o que mostra a importância da realização de mais de uma análise para dar maior confiabilidade aos resultados.

Os índices de peroxidação lipídica no tecido hepático e renal dos animais estão apresentados na Tabela 3.

Durante a hiperglicemia persistente da diabetes, somada a outros fatores da síndrome metabólica como a obesidade, ocorre aumento da produção de radicais livres de oxigênio, por meio da auto-oxidação da glicose. Esses radicais exercem seus efeitos citotóxicos nos fosfolipídeos de membrana, o que resulta na formação de malonaldeído (MDA), um produto final da peroxidação lipídica que reage com o ácido tiobarbitúrico.

O consumo, durante 30 dias, de café torrado bebida mole foi efetivo na redução da produção de TBARS no fígado de ratos, o que indica que esta bebida confere proteção à membrana celular contra o ataque oxidativo. No tecido renal, apesar dos níveis de TBARS menores nos animais controle, esta diferença não foi significativa.

O estudo do café in vivo confirmou os resultados obtidos in vitro, ao mostrar significativa atividade antioxidante que protegeu o fígado dos animais contra a lipoperoxidação.

Os resultados encontrados corroboram os apresentados por Ozercan et al. (2006). Estes autores avaliaram o efeito antioxidante do café instantâneo em ratos e verificaram que o tratamento com café instantâneo reduziu significativamente os níveis de TBARS no tecido hepático dos animais.

De acordo com Natella et al. (2002) e Fujioka & Shibamoto (2006), os ácidos clorogênicos presentes na bebida de café podem ser absorvidos e exercem sua atividade antioxidante nos tecidos animais, assim como os produtos da reação de Maillard. Assim, a redução dos níveis de TBARS, observadas no fígado dos animais que receberam doses de café, no presente trabalho, pode ser atribuída à presença de ácidos clorogênicos e melanoidinas no extrato aquoso do café administrado.

Embora vários estudos citem a melanoidina e outros produtos da reação de Maillard como prováveis antioxidantes, há pesquisas que relatam uma propriedade oxidante dos produtos avançados da reação de Maillard (AGE) capazes de favorecer o surgimento e a progressão das diversas complicações do diabetes (Lemos etal., 2007). Pormeio da geração de radicais livres, da formação de ligações cruzadas com proteínas ou de interações com receptores celulares, os AGE promovem, respectivamente, estresse oxidativo, alterações morfofuncionais e aumento da expressão de mediadores inflamatórios (Barbosa et al., 2008). Provavelmente, no tecido renal, o efeito antioxidante da bebida do café contrabalanceou o efeito oxidante dos produtos da reação de Maillard, e não houve diferença entre o grupo diabético tratado e o controle.

Os processos de absorção e utilização dos compostos antioxidantes presentes no café ainda não estão bem compreendidos. Porém, os resultados do presente trabalho indicam que há potenciais efeitos benéficos do café para a saúde, que contribuem para prevenir ou adiar o início de doenças degenerativas, em razão da combinação do teor de antioxidantes, por dose servida, com a frequência do consumo da bebida.

Conclusões

1. O café bebida mole apresenta atividade antioxi-dante in vitro.

2. A atividade sequestrante de radicais livres é intensificada com a torração dos grãos de café, e a atividade quelante de metais é superior nos grãos in natura.

3. O café apresenta atividade antioxidante, pois protege o fígado e os rins dos animais contra a lipoperoxidação comumente presente em quadros de diabetes mellitus tipo 2 e síndrome metabólica.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, por concessão de bolsa.

Recebido em 12 de setembro de 2011 e aprovado em 14 de dezembro de 2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Jan 2012

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2011
  • Aceito
    14 Dez 2011
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