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Produtividade e composição de uva e de vinho de videiras consorciadas com plantas de cobertura

Productivity and composition of grapes and wine of vines intercropped with cover crops

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência de plantas de cobertura verde sobre a produtividade das videiras e sobre a composição da uva e do vinho. Durante duas safras, foram feitas avaliações de três tipos de consórcio, dois manejos das coberturas e de um tratamento controle, com plantas espontâneas controladas por herbicidas e roçagem. Utilizou-se vinhedo de uvas 'Cabernet Sauvignon', localizado a 1.130 m de altitude, em um Cambissolo Húmico distrófico, em São Joaquim, SC. Os consórcios foram realizados com a sucessão de cultivos anuais de moha (Setaria italica) com azevém (Lolium multiflorum) e de trigo mourisco (Fagopyrum esculentum) com aveia‑branca (Avena sativa), bem como com a planta perene festuca (Fetusca sp.). Os manejos consistiram da transferência ou não do resíduo cultural da linha para a entrelinha. As videiras apresentaram maior produtividade de uva no consórcio com as plantas anuais, em comparação ao tratamento controle, ou com a planta perene festuca. O manejo da cobertura verde não teve influência sobre as variáveis avaliadas. Os consórcios não influenciaram de forma consistente os teores de N da uva nem a composição do mosto, embora, na última safra, o teor de sólidos solúveis totais do mosto tenha sido maior nos tratamentos com consórcio, em comparação ao controle. Além disso, as videiras consorciadas com festuca podem proporcionar vinho com maior teor de antocianinas e polifenóis totais.

Vitis vinifera; adubo verde; qualidade da uva; vigor vegetativo; vinho de altitude


The objective of this work was to evaluate the influence of green cover crops on vine productivity and on grape and wine composition. For two growing seasons, evaluations were done for three intercrops, two managements of the cover crops, and for a control treatment with weeds controlled by herbicides and mowing. A vineyard of 'Cabernet Sauvignon', located at 1,130 m altitude in a Haplumbrept soil, in São Joaquim, SC, Brazil was used. Intercropping was done with a succession of the cover crops moha (Setaria italica) with annual ryegrass (Lolium multiflorum), and buckwheat (Fagopyrum esculentum) with oat (Avena sativa), and with perennial fescue (Fetusca sp.). Cover crop managements consisted of transferring or not crop residues from the row to the between rows. Grape yield were higher in vines intercropped with the annual plants, in comparison to the control treatment or to fescue. The management of the cover crops did not affect the evaluated variables. Intercropping did not consistently influence N contents of grapes and wine composition; however, soluble solid contents of must were greater with intercropping treatments compared to control, in the last season. Moreover, vines intercropped with fescue can enable wine with greater content of anthocyanins and total polyphenols.

Vitis vinifera; green manure; grape quality; vegetative vigor; high‑altitude wine


GENÉTICA

Produtividade e composição de uva e de vinho de videiras consorciadas com plantas de cobertura

Productivity and composition of grapes and wine of vines intercropped with cover crops

Jovani ZalamenaI; Paulo Cezar CassolII; Gustavo BrunettoIII; Jonas PanissonII; José Luiz Marcon FilhoII; Caroline SchlemperII

IInstituto Federal do Rio Grande do Sul, Campus Sertão, Rodovia RS‑135, Km 25, CEP 99170‑000 Sertão, RS. E‑mail: jovanizalamena@yahoo.com.br

IIUniversidade do Estado de Santa Catarina, Avenida Luiz de Camões, 2.090, CEP 88520‑000 Lages, SC. E‑mail: a2pc@cav.udesc.br, jonas‑panis@hotmail.com, marconfilho_jl@yahoo.com.br, carolzinha_schl@hotmail.com

IIIUniversidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Engenharia Rural, Rodovia Admar Gonzaga, 1.346, Itacorubi, CEP 88034‑000 Florianópolis, SC. E‑mail: brunetto.gustavo@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência de plantas de cobertura verde sobre a produtividade das videiras e sobre a composição da uva e do vinho. Durante duas safras, foram feitas avaliações de três tipos de consórcio, dois manejos das coberturas e de um tratamento controle, com plantas espontâneas controladas por herbicidas e roçagem. Utilizou-se vinhedo de uvas 'Cabernet Sauvignon', localizado a 1.130 m de altitude, em um Cambissolo Húmico distrófico, em São Joaquim, SC. Os consórcios foram realizados com a sucessão de cultivos anuais de moha (Setaria italica) com azevém (Lolium multiflorum) e de trigo mourisco (Fagopyrum esculentum) com aveia‑branca (Avena sativa), bem como com a planta perene festuca (Fetusca sp.). Os manejos consistiram da transferência ou não do resíduo cultural da linha para a entrelinha. As videiras apresentaram maior produtividade de uva no consórcio com as plantas anuais, em comparação ao tratamento controle, ou com a planta perene festuca. O manejo da cobertura verde não teve influência sobre as variáveis avaliadas. Os consórcios não influenciaram de forma consistente os teores de N da uva nem a composição do mosto, embora, na última safra, o teor de sólidos solúveis totais do mosto tenha sido maior nos tratamentos com consórcio, em comparação ao controle. Além disso, as videiras consorciadas com festuca podem proporcionar vinho com maior teor de antocianinas e polifenóis totais.

Termos para indexação:Vitis vinifera, adubo verde, qualidade da uva, vigor vegetativo, vinho de altitude.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the influence of green cover crops on vine productivity and on grape and wine composition. For two growing seasons, evaluations were done for three intercrops, two managements of the cover crops, and for a control treatment with weeds controlled by herbicides and mowing. A vineyard of 'Cabernet Sauvignon', located at 1,130 m altitude in a Haplumbrept soil, in São Joaquim, SC, Brazil was used. Intercropping was done with a succession of the cover crops moha (Setaria italica) with annual ryegrass (Lolium multiflorum), and buckwheat (Fagopyrum esculentum) with oat (Avena sativa), and with perennial fescue (Fetusca sp.). Cover crop managements consisted of transferring or not crop residues from the row to the between rows. Grape yield were higher in vines intercropped with the annual plants, in comparison to the control treatment or to fescue. The management of the cover crops did not affect the evaluated variables. Intercropping did not consistently influence N contents of grapes and wine composition; however, soluble solid contents of must were greater with intercropping treatments compared to control, in the last season. Moreover, vines intercropped with fescue can enable wine with greater content of anthocyanins and total polyphenols.

Index terms:Vitis vinifera, green manure, grape quality, vegetative vigor, high‑altitude wine.

Introdução

Na região serrana de Santa Catarina, especialmente em locais com altitude entre 1.000 e 1.400 m, o clima favorece a produção de uvas viníferas. Entretanto, os solos destes locais contêm altos teores de matéria orgânica e elevada acidez potencial (Santos et al., 2006). A distribuição de chuvas na região, normalmente, possibilita alta disponibilidade hídrica durante o ciclo da videira, e o cultivo é feito com adubação corretiva de fósforo e potássio.

A elevada disponibilidade hídrica, aliada às fertilizações e à calagem, promove o alto crescimento vegetativo das videiras que, nestes casos, apresentam vigor excessivo da parte aérea (Dry & Loveys, 1998; Zalamena, 2012). O excesso de vigor diminui a incidência de raios solares no interior do dossel, favorece o aparecimento de doenças fúngicas (Duchêne et al., 2001) e pode diminuir a concentração de nutrientes e compostos orgânicos na uva, como polifenóis e antocianinas, pelo maior deslocamento destes para os ramos e folhas mais novos (Dry & Loveys, 1998; Brunetto et al., 2008). Além disso, o excesso de vigor pode diminuir a atividade de enzimas que promovem a síntese desses compostos e causar queda de qualidade enológica da uva e do vinho (Keller & Hrazdina, 1998; Chavarria et al., 2011). O vigor adequado da parte aérea das videiras proporciona rendimento e composição da uva e de seu mosto mais propícios à vinificação (Wheeler et al., 2005), o que possibilita a elaboração de vinhos tintos com maior teor de compostos fenólicos totais e antocianinas (Xi et al., 2010), favoráveis a características como cor, corpo e adstringência do vinho (Xi et al., 2011).

A alta disponibilidade de N no solo pode favorecer a abundância desse elemento no mosto, o que estimula a multiplicação e atividade da biomassa microbiana, com efeito direto sobre a taxa e o tempo de fermentação. Além disso, os produtos finais de metabolismo microbiano influenciam a composição do vinho (Bell & Henschke, 2005).

As plantas de cobertura, geralmente, são cultivadas nas entrelinhas das videiras e até mesmo nas faixas das linhas, com o objetivo de proteger a superfície do solo e evitar a erosão (Colugnati et al., 2003). Entretanto, estas plantas também podem ser usadas para diminuir a disponibilidade de água e nutrientes no solo, especialmente do N, com o intuito de diminuir o vigor vegetativo das videiras (Dry & Loveys, 1998; Wheeler et al., 2005; Lopes et al., 2008). Além disso, a roçagem da parte aérea das plantas de cobertura, nas linhas de cultivo, com subsequente transferência dos resíduos culturais para as entrelinhas, pode diminuir a disponibilidade de nutrientes na faixa de plantio – onde normalmente se encontra a maior densidade de raízes (Eissenstat, 2007) –, o que pode contribuir para o menor desenvolvimento vegetativo das plantas. Portanto, o cultivo e manejo adequados de plantas de cobertura do solo pode constituir uma alternativa promissora, para o controle do vigor excessivo de videiras, na região sul do Brasil. Entretanto, há carência de avaliações experimentais que possibilitem identificar as espécies e o sistema de manejo mais indicados para utilização nos vinhedos comerciais da região.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência de plantas de cobertura verde sobre a produtividade das videiras e sobre a composição da uva e do vinho.

Material e Métodos

O experimento foi realizado em vinhedo de 'Cabernet Sauvignon', enxertada sobre o porta‑enxerto 'Paulsen 1103', no município de São Joaquim, SC, região da Serra Catarinense (28º14'10"S, 50º4'15"W, altitude de 1.130 m). O clima da região, segundo a classificação Köppen, é do tipo Cfb, mesotérmico úmido com verões amenos, e precipitação média anual de 1.903 mm. Nas safras avaliadas, de 2009/10 e 2010/11, as chuvas ocorridas no período vegetativo das videiras (de novembro até meados de abril) totalizaram 1.025 mm e 947 mm, respectivamente.

O vinhedo foi implantado em 2002, em espaçamento de 1,2x2,9 m, com plantas conduzidas em espaldeira, sobre um Cambissolo Húmico distrófico (Santos et al., 2006). Na instalação do experimento, o solo da faixa de plantio das videiras, na camada de 0–10 cm, apre­sentou as seguintes características: argila, 481 g kg‑1; silte, 367 g kg‑1; areia, 152 g kg‑1; matéria orgânica, 81 g kg‑1; pH em água, 6,8; Ca, 12 cmolc dm‑3;

Mg, 5,0 cmolc dm‑3; Al trocável, 0,0 cmolc dm‑3 (extrator KCl 1 mol L‑1); P, 6,8 mg dm‑3; e K, 436 mg dm‑3

(Mehlich 1).

Avaliaram-se três consórcios das videiras com plantas de cobertura e dois manejos da cobertura vegetal, além de um tratamento controle. Os tratamentos foram dispostos em delineamento de blocos ao acaso, em arranjo fatorial 3x2+1, com quatro repetições. Os consórcios foram realizados com a sucessão das espécies anuais moha (Setaria italica) com azevém (Lolium multiflorum) (M‑A) e trigo mourisco (Fagopyrum esculentum) com aveia‑branca (Avena sativa) (T‑A), e com a espécie perene festuca (Fetusca sp.). Inicialmente, o experimento havia incluído o consórcio com a espécie perene pensacola (Paspalum notatum), porém, essa gramínea não sobreviveu às fortes geadas que ocorrem na região de estudo, o que impossibilitou a análise deste tratamento. Os tratamentos de manejo foram caracterizados por roçagens com (ct) ou sem transferência (st) do resíduo cultural da linha à entrelinha. O tratamento controle consistiu do uso de herbicidas, na faixa de plantio, e de roçagem, na entrelinha, para o controle de plantas espontâneas. Esse é o manejo normalmente praticado nos vinhedos da região. As parcelas experimentais tiveram área útil equivalente a 12 plantas de videira, contidas em duas linhas, além de uma linha utilizada como bordadura. Além dessa linha, as plantas nas cabeceiras das linhas também foram consideradas bordaduras.

O experimento foi instalado em janeiro de 2009, com a semeadura das espécies anuais de verão moha e trigo mourisco, nos consórcios com sucessão de anuais, e da festuca, no consórcio com perene. A semeadura na linha de plantio foi realizada com semeadora manual tipo saraquá e, na entrelinha, com uma semeadora mecanizada de disco. As espécies festuca, moha, trigo mourisco, aveia‑branca e azevém foram semeadas com 10, 7, 50, 80 e 20 kg ha‑1 de sementes, respectivamente.

As espécies anuais receberam duas roçagens, com respectivo manejo dos resíduos. Uma roçagem foi feita na fase de diferenciação floral, e a outra, no final do ciclo. A festuca recebeu quatro roçagens anuais, tendo-se procurado coincidir duas delas nas mesmas épocas das roçagens do consócio com anuais. Após o cômputo de todos os cortes, a produção acumulada de matéria seca pelas plantas de cobertura anuais teve média de 5,63 Mg ha‑1, e a produção de matéria seca da festuca foi de 7,83 Mg ha‑1 (Zalamena, 2012).

Durante o experimento, não se realizou aduba­ção nitrogenada; no entanto, foram aplicados superficialmente ao solo, na faixa da linha plantio, 46 kg ha‑1 de K2O, no ano de 2009, e de 42 e 52 kg ha‑1 de P2O5 nos anos de 2010 e 2011, respectivamente.

A amostragem das uvas foi feita nas fases de mudança da cor e na colheita, tendo-se coletado uma baga da parte inferior, uma na mediana e uma da superior de dois cachos (um em cada lado da linha), das 12 plantas úteis de cada parcela. As amostras foram inicialmente divididas em duas partes iguais, embaladas em saquinhos de filme de polietileno, refrigeradas e mantidas em caixas térmicas. No mesmo dia, uma parte foi armazenada em refrigerador a 0o C, para posterior esmagamento manual e determinação dos teores de antocianinas e polifenóis do mosto. A uva foi esmagada manualmente, tendo-se determinado no mosto: o pH, com potenciômetro digital; o teor de sólidos solúveis totais (SST), com refratômetro digital de bancada, ajustado à temperatura ambiente; o teor de acidez total, por titulação com NaOH 0,1 N e indicador azul de bromotimol; e os teores de N amoniacal e total, pelo método micro‑Kjeldahl, conforme Tedesco et al. (1995).

Os teor de antocianinas no mosto foi determinado por extração com solução hidroalcoólica de etanol a 50% (v/v), conforme a metodologia da variação de cor em diferentes pH, com determinação da absorbância dos extratos feita no comprimento de onda 520 nm (Ribéreau‑Gayon & Stonestreet, 1965).

Os teor de polifenóis totais no mosto, na safra 2009/2010, foi estimado pelo método do índice I280 (Iland et al., 2004) e, na safra 2010/2011, pelo método Folin‑Ciocalteu, descrito por Singleton & Rossi Junior (1965). O primeiro simula a extração destes compostos durante a fermentação alcoólica da vinificação, com extração dos polifenóis pela solução hidroalcoólica de etanol a 50% (v/v) em pH 2,0, e quantificação do I280 em espectrofotômetro UV/VIS, a partir do valor da absorbância da luz ultravioleta a 280 nm pelo extrato. No segundo método, o teor de polifenóis totais foi estimado em equivalentes de catequina, tendo-se como padrão o ácido gálico (Singleton & Rossi Junior, 1965).

A colheita da uva foi realizada no estádio de maturação plena, em meados de abril, tendo-se colhido todos os cachos das 12 plantas úteis. A massa dos cachos foi medida em balança mecânica.

A vinificação foi feita na safra 2010/2011, apenas nas uvas dos tratamentos controle, M‑A/st e festuca/st. Inicialmente, separou-se a ráquis, com uso de desengaçadeira mecânica, e, em seguida, as uvas foram esmagadas manualmente, com posterior acondicionamento de porções de 25 kg do mosto em garrafões de vidro com capacidade de 40 L. Após o condicionamento do mosto, foram adicionados 0,12 g kg‑1 de metabissulfito de K e 200 mg kg‑1 de leveduras secas ativas (Saccharomyces cerevisiae). Os garrafões foram fechados com tampa adaptada com batoque, tendo-se mantido as cascas em maceração por sete dias, com duas remontagens diárias. A fermentação alcoólica ocorreu entre 23 e 25°C. Foram realizadas quatro trasfegas, e o vinho foi engarrafado aos nove meses. As determinações de pH e dos teores de antocianinas, polifenóis totais e acidez total do vinho foram realizadas em amostras coletadas aos 30 dias após o engarrafamento, de acordo com a metodologia utilizada na análise do mosto já descrita.

A análise estatística dos dados foi efetuada com o programa SAS, tendo-se comparado os tratamentos por contrastes ortogonais. O contraste 1 comparou o controle ao grupo das sucessões anuais; o contraste 2, o controle com a festuca; o contraste 3, as sucessões anuais com a festuca; e o contraste 4, os dois manejos. Como as duas sucessões anuais não diferiram entre si, em nenhuma das variáveis determinadas, elas foram comparadas aos demais tratamentos como um grupo único, denominado anuais. No caso das variáveis do vinho, foram empregados os contrastes 1, 2 e 3.

Resultados e Discussão

Na safra de 2009/2010, nem o consórcio com plantas de cobertura, anuais ou perene, nem o tipo de manejo dos resíduos dessas plantas afetaram a produtividade da videira (Tabela 1). Porém, na safra seguinte, as videiras consorciadas com as plantas anuais produziram 20 e 35% a mais de uva, na comparação com as videiras do tratamento controle e com as consorciadas com festuca, respectivamente.

A maior competição da festuca por água e nutrientes pode ter diminuído a produtividade em relação ao consórcio com as anuais. Essa espécie teve maior produção acumulada de matéria seca da parte aérea, que chegou a 7,83 Mg ha‑1, enquanto a média das anuais ficou em 5,63 Mg ha‑1 (Zalamena, 2012). A elevada capacidade de competição de plantas de cobertura já foi relatada como responsável pela menor produção de matéria seca da videira (Dry & Loveys, 1998), o que está de acordo com o observado por Silvestroni et al. (1999) em vinhedos da região do Marche, na Itália, e com os observados por Ruiz‑Colmenero et al. (2011), que reportaram diminuição da produtividade de uva em videiras consorciadas com a espécie perene Brachypodium distachyon, na Espanha.

Quanto aos teores de N total e amoniacal na uva, as videiras consorciadas com festuca produziram frutos com menores teores do que as consorciadas com as espécies anuais, na safra 2009/2010, tanto em amostras coletadas no estádio de mudança da cor, como na plena maturação (Tabela 1). A maior absorção do nutriente pela festuca pode explicar esses menores teores e está de acordo com o observado por Brunetto et al. (2008). Entretanto, na safra 2010/2011, em termos gerais, não houve diferença entre os tratamentos. Destaca-se que o teor adequado de N amoniacal na uva é determinante da fermentação satisfatória de seu mosto durante a elaboração do vinho, um vez que leveduras e bactérias são exigentes em N disponível, como é a forma amoniacal (Boeira & Daudt, 1995; Bell & Henschke, 2005).

O manejo das plantas de cobertura pela roçagem e transferência do resíduo cultural da linha para a entrelinha das videiras não afetou a produção de uva, tampouco os teores de N amoniacal e os de N total na uva (Tabela 1).

Em relação à composição do mosto, na safra 2009/2010, as videiras consorciadas com as espécies anuais produziram frutos cujo mosto apresentava menores teores de sólidos solúveis totais (SST), em comparação ao consórcio com a festuca e ao tratamento controle (Tabela 2). No entanto, na safra 2010/2011, o teor de SST do mosto foi maior no tratamento controle do que nos consorciados. Em geral, os maiores teores de SST estiveram associados a maiores teores de N na uva (Tabela 1) e nas folhas da videira (Zalamena, 2012). Keller (2005) relata que, em condições de alta luminosidade solar, como as que ocorrem no local do experimento, o aumento da disponibilidade de N promove a atividade fotossintética, o que contribuiria para a maior alocação de açúcares na uva. Brighenti et al. (2010) observaram que o teor de SST nas uvas está associado à maior atividade fotossintética, derivada do aumento da área foliar da videira.

A transferência dos resíduos da linha de plantio para a entrelinha diminuiu o teor de SST no mosto de uvas, coletadas na maturação, na safra 2009/2010 (Tabela 2).

O pH do mosto das uvas de videiras consorciadas com festuca foi maior do que o das consorciadas com as espécies anuais e do controle, na safra 2009/2010 (Tabela 2). No entanto, nessa mesma safra, as uvas das videiras consorciadas com a perene apresentaram teor de acidez total menor do que as das consorciadas com as plantas anuais. Os menores valores de acidez total do mosto das videiras consorciadas com festuca podem estar relacionados ao menor vigor da parte aérea da videira, estimado pela massa de matéria seca de ramos (Zalamena, 2012). Na safra 2010/2011, não houve diferença entre os tratamentos quanto ao pH e ao teor de acidez total do mosto.

Espera-se que a redução no vigor das plantas propicie maior penetração da luz no interior do dossel, com maior incidência direta nas uvas, o que aumentaria a degradação de alguns ácidos orgânicos, como o málico, e causaria aumento do pH e diminuição dos teores de acidez total (Keller & Hrazdina, 1998; Spayd et al., 2002; Monteiro & Lopes, 2007; Lopes et al., 2008). Porém, em certas situações, a desfolha ao redor dos cachos pode retardar a maturação, pois o menor número de folhas por planta causa a diminuição da produção de fotoassimilados para os cachos, conforme relatado por Pötter et al. (2010), o que reduziria o pH e aumentaria o teor de acidez total no mosto.

O teor de antocianinas no mosto não foi afetado pelo consórcio com plantas de cobertura, tampouco pelo manejo destas (Tabela 2). O solo da área experimental apresentava alta fertilidade (Zalamena, 2012), e não houve restrições hídricas durante as fases vegetativa e reprodutiva da videira. Essas condições possivelmente contribuíram para que a magnitude da competição pelas plantas de cobertura tenha sido insuficiente para afetar o teor de antocianina no mosto, o que estaria de acordo com resultados obtidos por Lopes et al. (2008). No entanto, o teor de polifenóis totais foi menor no mosto de videiras consorciadas com as espécies anuais, em comparação ao controle, na safra 2009/2010. Outros autores observaram que as plantas de cobertura, especialmente da família das gramíneas, podem diminuir o vigor da parte aérea da videira (Monteiro & Lopes, 2007; Lopes et al., 2008; Xi et al., 2010), o que diminuiria o dreno de ramos e folhas novas para compostos orgânicos, como os polifenóis. Assim, videiras menos vigorosas possibilitariam maior incidência de luz no interior das plantas e estimulariam a atividade de enzimas que promovem a síntese desses compostos.

Quanto à composição do vinho, o pH, na safra 2010/2011, variou de 3,36 a 3,47 (Tabela 3), nos três tratamentos avaliados (controle, M‑A/st e festuca). Esses valores são adequados para vinhos tintos (Mpelasoka et al., 2003). O pH do vinho derivado das videiras consorciadas com festuca foi menor do que o das consorciadas com a sucessão de moha‑azevém, embora o mosto das uvas dessa safra tenha apresentado pH semelhante em todos os tratamentos. A acidez total do vinho não variou significativamente entre os tratamentos, o que está de acordo com os resultados encontrados no mosto (Tabela 2). Pötter et al. (2010), em trabalho realizado na região da Campanha, no Rio Grande do Sul, com intensidades crescentes de desfolha no entorno dos cachos, para simular a diminuição do vigor, também não encontraram variação no teor de acidez total do vinho, embora a tenham observado no mosto das uvas. Outros estudos, com videiras consorciadas com plantas de cobertura verde, também relataram a ausência de efeito desta prática no pH dos vinhos (Xi et al., 2010, 2011).

O teor de polifenóis totais, no entanto, foi 13% superior no vinho derivado das videiras consorciadas com festuca (Tabela 3). Resultado semelhante ocorreu com o teor de antocianinas, em que as videiras consorciadas com a festuca produziram vinho com teores 27 e 31% superiores ao de videiras consorciadas com a sucessão moha‑azevém e do controle, respectivamente. Os maiores teores de polifenóis totais, e também de antocianinas, no vinho elaborado de uvas das videiras consorciadas com festuca, podem ser explicados, principalmente, pelo menor vigor da copa dessas videiras (Zalamena, 2012) e pela menor produtividade de uva (Tabela 1), que teriam propiciado maior concentração desses compostos no vinho (Lopes et al., 2008; Xi et al., 2010, 2011), com reflexo direto sobre sua qualidade.

Conclusões

1. O consórcio das videiras com espécies anuais de plantas de cobertura aumenta a produtividade de uva.

2. A composição da uva ou do vinho não é afetada de forma consistente pelo consórcio, nas safras avaliadas.

3. O consórcio com festuca proporciona vinho com maiores teores de antocianinas e polifenóis totais.

4. O manejo de transferência dos resíduos culturais da linha à entrelinha da videira não afeta a produtividade de uva nem a sua composição.

Agradecimentos

À Vinícola Suzin, por disponibilizar os vinhedos comerciais para a instalação do experimento; à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), pelo auxílio financeiro; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por concessão de bolsa.

Recebido em 5 de junho de 2012 e aprovado em 30 de janeiro de 2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Fev 2013

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2012
  • Aceito
    30 Jan 2013
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