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Baixa temperatura noturna e deficiência hídrica na fotossíntese de cana‑de‑açúcar

Low night temperature and water deficit on photosynthesis of sugarcane

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar as respostas fotossintéticas da cana‑de‑açúcar aos efeitos simultâneos e isolados de baixa temperatura noturna (TN) e deficiência hídrica (DH). Após 128 dias do plantio, as plantas da cultivar IACSP94-2094 foram submetidas aos tratamentos: controle, sem DH e com TN de 20°C (TN20); com DH e TN de 20°C (DH/TN20); sem DH e com TN de 12°C (TN12); e com DH e TN de 12°C (DH/TN12) por cinco dias. Após o período de tratamento, as plantas foram irrigadas e submetidas à TN de 20°C por mais quatro dias, para recuperação. Houve decréscimos na assimilação de CO2 em todos os tratamentos. A recuperação total da assimilação de CO2 foi observada apenas nas plantas do tratamento TN12. A ocorrência simultânea da baixa temperatura noturna e da deficiência hídrica causou dano acentuado e persistente na condutância estomática, na capacidade máxima da ribulose‑1,5‑bisfosfato carboxilase, no transporte aparente de elétrons, no fator de eficiência e na eficiência operacional do fotossistema II, o que resultou em limitações difusivas, bioquímicas e fotoquímicas da fotossíntese das plantas de cana‑de‑açúcar.

Saccharum; assimilação de CO2; PEPcase; resfriamento; Rubisco


The objective of this work was to evaluate the photosynthetic responses of sugarcane to the simultaneous and isolated effects of low night temperature (TN) and water deficit (DH). After 128 days of planting, plants of the cultivar IACSP94-2094 were subjected to the following treatments: control, without DH and with TN of 20°C (TN20); with DH and TN of 20°C (DH/TN20); without DH and with TN of 12°C (TN12); and with DH and TN of 12°C (DH/TN12). After the period of treatment, plants were irrigated and subjected to TN of 20°C for four more days, for recovery. There were decreases in CO2 assimilation in all treatments. Total recovery of CO2 assimilation was observed only in plants from the treatment TN12. The simultaneous occurrence of low night temperature and water deficit caused a accentuated and persistent effect on stomatal conductance, on the maximum capacity of ribulose‑1,5‑bisphosphate carboxylase, on the electron transport rate, on the efficiency factor, and on the operational efficiency of photosystem II, which resulted in diffusive, biochemical, and photochemical limitations of photosynthesis of sugarcane plants.

Saccharum; CO2 assimilation; PEPcase; cooling; Rubisco


FISIOLOGIA VEGETAL

Baixa temperatura noturna e deficiência hídrica na fotossíntese de cana‑de‑açúcar

Low night temperature and water deficit on photosynthesis of sugarcane

Daniela Favero São Pedro MachadoI; Ana Maria Magalhães Andrade LagôaI; Rafael Vasconcelos RibeiroII; Paulo Eduardo Ribeiro MarchioriI; Ricardo Silvério MachadoI; Eduardo Caruso MachadoI

IInstituto Agronômico, Caixa Postal 28, CEP 13012‑970 Campinas, SP. E‑mail: danifavero@yahoo.com.br, alagoa@iac.sp.gov.br, marchiori.paulo@gmail.com, machado_rs@yahoo.com.br, caruso@iac.sp.gov.br

IIUniversidade Estadual de Campinas, Instituto de Biologia, Departamento de Biologia Vegetal, Rua Monteiro Lobato, nº 255, CEP 13083‑862 Campinas, SP. E‑mail: rvr@unicamp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar as respostas fotossintéticas da cana‑de‑açúcar aos efeitos simultâneos e isolados de baixa temperatura noturna (TN) e deficiência hídrica (DH). Após 128 dias do plantio, as plantas da cultivar IACSP94-2094 foram submetidas aos tratamentos: controle, sem DH e com TN de 20°C (TN20); com DH e TN de 20°C (DH/TN20); sem DH e com TN de 12°C (TN12); e com DH e TN de 12°C (DH/TN12) por cinco dias. Após o período de tratamento, as plantas foram irrigadas e submetidas à TN de 20°C por mais quatro dias, para recuperação. Houve decréscimos na assimilação de CO2 em todos os tratamentos. A recuperação total da assimilação de CO2 foi observada apenas nas plantas do tratamento TN12. A ocorrência simultânea da baixa temperatura noturna e da deficiência hídrica causou dano acentuado e persistente na condutância estomática, na capacidade máxima da ribulose‑1,5‑bisfosfato carboxilase, no transporte aparente de elétrons, no fator de eficiência e na eficiência operacional do fotossistema II, o que resultou em limitações difusivas, bioquímicas e fotoquímicas da fotossíntese das plantas de cana‑de‑açúcar.

Termos para indexação:Saccharum, assimilação de CO2, PEPcase, resfriamento, Rubisco.

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the photosynthetic responses of sugarcane to the simultaneous and isolated effects of low night temperature (TN) and water deficit (DH). After 128 days of planting, plants of the cultivar IACSP94-2094 were subjected to the following treatments: control, without DH and with TN of 20°C (TN20); with DH and TN of 20°C (DH/TN20); without DH and with TN of 12°C (TN12); and with DH and TN of 12°C (DH/TN12). After the period of treatment, plants were irrigated and subjected to TN of 20°C for four more days, for recovery. There were decreases in CO2 assimilation in all treatments. Total recovery of CO2 assimilation was observed only in plants from the treatment TN12. The simultaneous occurrence of low night temperature and water deficit caused a accentuated and persistent effect on stomatal conductance, on the maximum capacity of ribulose‑1,5‑bisphosphate carboxylase, on the electron transport rate, on the efficiency factor, and on the operational efficiency of photosystem II, which resulted in diffusive, biochemical, and photochemical limitations of photosynthesis of sugarcane plants.

Index terms:Saccharum, CO2 assimilation, PEPcase, cooling, Rubisco.

Introdução

A cultura de cana‑de‑açúcar (Saccharum spp.) tem importância mundial como fonte de alimento e de energia. No Brasil, o cultivo dessa espécie tem aumentado em áreas marginais, onde há variações anuais acentuadas de temperatura e da disponibilidade hídrica (Rolim et al., 2007). Episódios de baixa temperatura noturna ocorrem com certa frequência e causam danos que podem afetar a produtividade das plantas (Soares‑Cordeiro et al., 2010; Sales et al., 2012). Nas regiões subtropicais, a ocorrência de baixas temperaturas noturnas é comum no final do inverno, quando há deficiência hídrica no solo e dias com temperaturas relativamente altas.

Plantas têm tolerância variável à baixa temperatura, e, em espécies tropicais sensíveis ao resfriamento, podem ocorrer danos mesmo quando estas são expostas a temperaturas superiores à de congelamento do tecido (Sage & Kubien, 2007; Kakani et al., 2008). Folhas de plantas expostas ao resfriamento mostram inibição da fotossíntese, translocação mais lenta de carboidratos, menor respiração, inibição do metabolismo de proteínas, geração de espécies reativas de oxigênio, crescimento lento e murcha foliar. Estas modificações são causadas por disfunções em processos metabólicos promovidos por alterações das propriedades da membrana, mudanças na estrutura de proteínas e nas interações entre macromoléculas, e pela inibição de reações enzimáticas (Carmo‑Silva et al., 2008; Kakani et al., 2008; Soares‑Cordeiro et al., 2010; Liu et al., 2012). Em condições de baixa temperatura noturna, observou-se decréscimo na fotossíntese em espécies C4 (milho e gramíneas), o que pode ser atribuído tanto a fatores difusivos quanto metabólicos (Kakani et al., 2008; Soares‑Cordeiro et al., 2010).

Além das condições térmicas, a deficiência hídrica do solo constitui um dos estresses mais limitantes da produtividade vegetal. A deficiência hídrica tem impacto variável na produtividade agrícola dependendo da fase fenológica em que ocorre (Inman‑Bamber & Smith, 2005; Machado et al., 2009), e há genótipos de cana‑de‑açúcar que mostram diferentes capacidades de recuperação no crescimento após eventos de seca (Landell et al., 2004; Machado et al., 2009). Sob deficiência hídrica, as plantas apresentam alterações morfofisiológicas, tais como: enrolamento e alteração do ângulo da folha; redução da área foliar, da transpiração, da condutância estomática, da fotossíntese e da condutividade hidráulica das raízes; modificação da atividade de enzimas do metabolismo de nitrogênio e de carbono; e mudanças nos teores de antioxidantes (Ghannoum, 2009; Machado et al., 2009; Lopes et al., 2011; Ribeiro et al., 2013). A fotossíntese decresce inicialmente em razão do fechamento dos estômatos e, com o agravamento da deficiência hídrica, também se evidenciam limitações metabólicas (Ghannoum et al., 2003; Carmo‑Silva et al., 2008; Ghannoum, 2009; Lopes et al., 2011).

Estudos sobre os danos causados pela baixa temperatura noturna e pela deficiência hídrica em espécies C3 são frequentes (Machado et al., 2010); porém, em espécies C4, como a cana‑de‑açúcar, são mais escassos (Sales et al., 2012).

O objetivo deste trabalho foi avaliar as respostas fotossintéticas da cana‑de‑açúcar aos efeitos simultâneos e isolados de baixa temperatura noturna e deficiência hídrica.

Material e Métodos

Foram plantados mini toletes de cana‑de‑açúcar (Saccharum spp.), cultivar IACSP94-2094, em bandejas contendo substrato comercial composto de turfa de esfagno, vermiculita expandida, calcário dolomítico, gesso agrícola e fertilizante NPK (traços). Aos 35 dias após o plantio (DAP), as mudas foram transplantadas para vasos de plástico contendo 8,5 L de uma mistura na proporção 1:1:1 de terra, areia e substrato. As plantas foram mantidas em casa de vegetação, e receberam irrigação diária e aplicações de nutrientes. Estas aplicações foram parceladas em três vezes, o que totalizou, por vaso: 18,21 g de Ca(NO3)2; 5,31 g de MAP; 7,29 g de KCl; 2,12 g de MgSO4; 0,17 g de H3BO3; 0,20 g de MnSO4; 0,02 g de CuSO4; 0,02 g de (NH4)6Mo7O24 x 4(H2O); 0,09 g de ZnSO4; e 42,5 mL de solução de Fe‑EDTA. A radiação solar variou entre 400 e 1.014 W m‑2 e a temperatura do ar entre 16 e 28°C durante o experimento.

Aos 128 DAP, as plantas foram submetidas aos seguintes tratamentos: testemunha, com temperatura noturna (TN) de 20°C e irrigação (TN20); TN de 20°C com deficiência hídrica (DH/TN20); TN de 12°C com irrigação (TN12); e TN de 12°C com deficiência hídrica (DH/TN12). Para imposição da baixa temperatura noturna, as plantas foram transferidas para câmara de crescimento modelo PGR14 (Conviron, Winnipeg, Manitoba, Canadá) e permaneceram nessa condição durante 12 horas (das 19h às 7h), sendo transferidas para a casa de vegetação no dia seguinte. As plantas foram irrigadas diariamente, tendo-se feito a reposição da água evapotranspirada, a qual foi medida por pesagens diárias dos vasos. A deficiência hídrica foi imposta pela suspensão da rega, e o substrato foi mantido com 50% da capacidade máxima de retenção de água, medida pela pesagem dos vasos (Sales et al., 2012). Os tratamentos foram aplicados pelo período de cinco dias. Na sequência, as plantas foram submetidas a um período de quatro dias de recuperação, quando a TN retornou a 20°C nos tratamentos TN12 e DH/TN12, e as plantas dos tratamentos DH/TN20 e DH/TN12 foram reidratadas. A reidratação do substrato foi realizada ao entardecer do quinto dia de tratamento, até 90% de capacidade máxima de retenção de água.

O potencial da água (ψW) na folha foi medido em câmara psicrométrica C‑52 (Wescor, Inc., Logan, UT, EUA) e em microvoltímetro HR‑33T (Wescor, Inc., Logan, UT, EUA), no modo higrométrico, às 14h (Boyer, 1995).

Na primeira folha totalmente expandida e com a lígula aparente (folha +1), foram realizadas, simultaneamente, as medidas de trocas gasosas e fluorescência da clorofila a, por meio de analisador de gases por infravermelho integrado com câmara de fluorescência, modelo Li 6400‑40F (Licor, Inc., Lincoln, NE, EUA). Na folha +1 de cada planta, foram realizadas curvas de resposta da assimilação de CO2 (A) e da fluorescência da clorofila a pela variação da concentração intercelular de CO2 (Ci), nas condições de densidade de fluxo de fótons fotossintéticos (DFFF) de 2.000 μmol m‑2 s‑1, de temperatura foliar de 30°C e de deficit de pressão de vapor entre a folha e o ar de 1,5 kPa. A variação de Ci foi obtida pela variação da concentração de CO2 do ar (Car) de entrada da câmara de medida, de acordo com Long & Bernacchi (2003).

As variáveis analisadas em relação à fluorescência da clorofila a foram: fluorescência mínima (Fo) e máxima (Fm), medidas após adaptação ao escuro por 30 min; fluorescência no estado de equilíbrio dinâmico (F') e máxima (Fm'), medidas após adaptação à luz (Maxwell & Johnson, 2000). A fluorescência variável máxima no escuro e à luz foram calculadas, respectivamente, por Fv = Fm ‑ Fo e Fv' = Fm' ‑ Fo', em que Fo' representa a fluorescência mínima em folhas adaptadas à luz. O termo Fq' foi calculado por Fq' = Fm' ‑ F', que representou a extinção fotoquímica da fluorescência causada pelos centros oxidados do fotossistema II (FSII) segundo Baker (2008). Dessa forma, calcularam-se a eficiência quântica máxima (Fv/Fm) e a eficiência operacional do FSII (Fq'/Fm'), o transporte aparente de elétrons (ETR = Fq'/Fm' × DFFF × 0,5 × 0,84) e o fator de eficiência do FSII (Fq'/Fv') de acordo com Maxwell & Johnson (2000) e Baker (2008), respectivamente. Para o cálculo de ETR, considerou-se uma distribuição de elétrons entre o FSI e o FSII de 0,5 e absorção de luz de 0,85. Calculou-se, também, a eficiência quântica da fotossíntese (ΦCO2) pela relação A/DFFF, para cada valor de Ci.

A partir da curva A vs. Ci, foram calculadas: a eficiência aparente de carboxilação da fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPcase, Vpmáx), pela inclinação inicial da curva (dA/dCi), em valores abaixo de 100 μmol mol‑1 (Caemmerer, 2000); a capacidade máxima da ribulose‑1,5‑bisfosfato carboxilase/oxigenasse (Rubisco, Vmáx), de acordo com Collatz et al. (1992); a assimilação de CO2 a 400 μmol mol‑1 no ar; e a assimilação máxima de CO2 em concentração saturante de CO2 (Apot). Estimou-se a limitação metabólica (LM) pela equação LM = [(A ‑ A')/A]100, conforme Lawlor (2002), em que A é a assimilação de CO2 das plantas controle, e TN20 e A' são a assimilação das plantas sob estresse, medida em Ci de 400 μmol mol‑1. As curvas A vs. Ci foram realizadas no primeiro, no segundo e no quarto dias após o início dos tratamentos e no primeiro e no quarto dias após a reidratação do solo.

A variação diurna da assimilação de CO2 foi avaliada no terceiro e no quinto dias após o início dos tratamentos, tendo-se considerado a variação natural das condições atmosféricas. Os valores de DFFF foram medidos no início de cada horário de avaliação, fixados e utilizados para as demais réplicas. Calculou-se a assimilação diurna de CO2 (Ai) a partir da integração da assimilação instantânea de CO2 ao longo do dia.

Utilizou-se o delineamento experimental inteiramente ao acaso com parcelas subdivididas no tempo, e as causas de variação foram os quatro tratamentos (TN20, DH/TN20, TN12 e DH/TN12) em cada período de avaliação. Os resultados foram submetidos à análise de variância, e as médias, obtidas de três repetições. Quando encontradas diferenças significativas, as médias foram comparadas pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

Resultados e Discussão

A imposição do frio e do deficit hídrico causou redução significativa na assimilação diurna de CO2 (Ai) a partir do terceiro dia de tratamento, com reduções de 24, 31 e 42% nos tratamentos DH/TN20, TN12 e DH/TN12, respectivamente, em relação à testemunha TN20 (Figura 1 A). No quinto dia de tratamento, Ai apresentou decréscimo mais acentuado com 71, 50 e 61% nos tratamentos DH/TN20, TN12 e DH/TN12, respectivamente, o que mostra efeito cumulativo conforme o tempo de estresse. Os menores valores observados em Ai, no quinto dia, decorreram da menor incidência de radiação solar no período.



Tanto A quanto gs foram menores nos tratamentos, em comparação à testemunha, no segundo dia de baixa temperatura noturna e restrição hídrica (Figura 1 B e C ). Até o segundo dia, o efeito isolado do frio noturno (TN12) e o simultâneo do frio noturno mais deficit hídrico (DH/TN12) sobre a fotossíntese (A) foram mais acentuados que o da deficiência hídrica (DH/TN20) (Figura 1 B). Após o segundo dia, a fotossíntese, nas plantas submetidas à deficiência hídrica (DH/TN20) e ao frio noturno e à deficiência hídrica (DH/TN12), continuou menor em comparação a TN20, tendo atingido valores menores que as plantas submetidas ao tratamento TN12. Após quatro dias da reidratação do substrato e do retorno a TN20, apenas as plantas TN12 apresentaram A semelhante à da testemunha, tendo persistido o efeito do frio associado ao deficit hídrico sobre A nas plantas DH/TN12 e DH/TN20.

O decréscimo da fotossíntese observado em plantas tanto em baixa temperatura noturna quanto sob deficiência hídrica, ou sob a combinação de ambos os estresses, pode ser atribuído a fatores difusivos, metabólicos ou fotoquímicos (Ghannoum et al., 2003; Ghannoum, 2009; Machado et al., 2009, 2010). No segundo dia de tratamento em plantas sob TN12, DH/TN12 e DH/TN20, a gs foi menor (Figura 1 C ) e houve alta correlação entre A e gs nas plantas estudadas (A = ‑0,57 + 174,22gs, R2=0,91, p<0,01), o que indica que o fechamento parcial dos estômatos causou limitações à fotossíntese. A queda em gs em plantas submetidas à baixa temperatura noturna (TN12 e DH/TN12) ocorreu possivelmente em razão da redução da condutância hidráulica ocasionada pelo decréscimo da permeabilidade do protoplasma (Machado et al., 2010), uma vez que não houve variação de ψW14 nestes tratamentos. O fechamento de estômatos ocasionado pela redução da umidade do substrato está relacionado com a diminuição do ψW14 em DH/TN20 (Figura 2 A), com a condutividade hidráulica e com o transporte de sinais bioquímicos, como o transporte e a redistribuição do ácido abscísico resultante da alcalinização da seiva do xilema, desde as raízes até as folhas (Ghannoum et al., 2009; Machado et al., 2009; 2010).



Assim como observado para gs, E foi menor nos tratamentos TN12, DH/TN20 e DH/TN12, em comparação ao controle, após quatro dias dos tratamentos (Figura 2 B). Somente as plantas do tratamento DH/TN20 tiveram menor ψW14 que a testemunha (Figura 2 A). Esse resultado é intrigante, pois, em relação às plantas DH/TN12, também sob estresse hídrico, gs e E foram semelhantes (Figura 1 B; Figura 2 B). No quarto dia de recuperação, nas plantas DH/TN20 e DH/TN12, a reidratação proporcionou recuperação parcial de gs e E (Figura 1 C ; Figura 2 B). Somente TN12 recuperou totalmente gs e E. Em todos os casos, o ψW14 recuperou-se totalmente no quarto dia após a irrigação, na temperatura noturna de 20ºC.

As Apot dos tratamentos TN12, DH/TN20 e DH/TN12 foram menores que a da testemunha a partir do primeiro dia. No segundo dia, as plantas que foram submetidas a TN12 e a DH/TN12 apresentaram Apot menor que as submetidas a DH/TN20, o que sugere efeito mais intenso da baixa TN do que da DH no início do estresse. No quinto dia, as Apot de DH/TN20 e DH/TN12 foram as menores, enquanto as plantas TN12 apresentaram aclimatação. A Apot é medida em condições de saturação de CO2 e, portanto, desconsidera limitações difusivas. Assim, os valores inferiores em relação às plantas TN20 indicam limitações metabólicas (Figura 3 A). Em DH/TN20 e DH/TN12, os valores de Apot foram menores que os dos outros tratamentos no final do período de recuperação, o que sugere que as limitações metabólicas ainda persistiram nestes dois tratamentos, com destaque para DN/TN12 que foi menor que DH/TN20. De fato, o decréscimo da fotossíntese foi associado ao aumento significativo da limitação metabólica (LM) nas plantas que sofreram restrição hídrica (DH/TN20 e DH/TN12) e que não apresentaram redução de LM após a reidratação do solo (Figura 3 B). Também, neste caso, a LM de DH/TN12 ficou maior que a de DH/TN20 na recuperação.


O ciclo fotossintético C4 da cana‑de‑açúcar caracteriza-se por adaptações celulares, bioquímicas e fisiológicas. O CO2 atmosférico é inicialmente fixado por fosfoenolpiruvato‑carboxilase (PEPcase), em ácido C4, nas células do mesofilo. Os ácidos C4 são transportados para as células da bainha do feixe vascular (BFV), onde são descarboxilados, e o CO2 liberado entra no metabolismo C3 via ribulose‑1,5‑bifosfato (RuBP) carboxilase/oxigenase (Rubisco) confinada nas células da BFV. Este mecanismo concentra CO2 próximo à enzima Rubisco, o que permite sua maior atividade como carboxilase e resulta em maior eficiência do uso de água e de nitrogênio e na ausência de fotorrespiração (Sage & Kubien, 2007). Dessa forma, a LM da fotossíntese pode estar relacionada a alterações na atividade enzimática da PEPcase e da Rubisco, com regeneração dos substratos das enzimas e transporte de elétrons (Ripley et al., 2007; Carmo‑Silva et al., 2008; Ghannoum, 2009; Soares‑Cordeiro et al., 2010). A eficiência aparente de carboxilação da PEPcase (Vpmáx) foi menor do que a da testemunha, no primeiro dia, em todos os tratamentos. No entanto, houve aclimatação das plantas no início do período de recuperação, ou seja, os valores de Vpmáx se igualaram aos verificados em TN20 (Figura 3 C). Alguns estudos também mostraram a redução na atividade da PEPcase com a diminuição do conteúdo de água no solo (Du et al., 1996; Markelz et al., 2011) e com a baixa temperatura noturna (Kakani et al., 2008; Soares‑Cordeiro et al., 2010).

Vmáx foi menor que a testemunha em todos os tratamentos no primeiro dia, sendo mais acentuada em TN12 e DH/TN12, no segundo dia, e em DH/TN20 e DH/TN12 no quarto dia de tratamento. Nas plantas do tratamento TN12, foi observada a aclimatação de Vmáx. Os valores de Vmáx foram maiores que os dos outros tratamentos e próximos ao da testemunha no quarto dia de tratamento, e semelhantes ao da testemunha no final do período de recuperação (Figura 3 D). As plantas DH/TN12 não apresentaram recuperação de Vmáx ao término do período de recuperação (Figura 3 D). As reduções de Vpmáx e Vmáx indicam limitações bioquímicas do metabolismo fotossintético C4 da cana‑de‑açúcar em condições de baixa temperatura noturna e deficit hídrico. A atividade da Rubisco foi mais sensível aos tratamentos, em especial nas plantas submetidas ao deficit hídrico (DH/TN20 e DH/TN12), mesmo após a reidratação, quando apresentavam LM de aproximadamente 25%, em razão dos baixos valores de Vmáx (Figura 3 A e D). No quarto dia de recuperação, a Vmáx de DH/TN12 foi menor que a de DH/TN20 (Figura 3 D).

Os tratamentos não causaram variações significativas em Fv/Fm, o que sugere que não houve fotoinibição da fotossíntese (Figura 4 A). No entanto, ETR e Fq'/Fm'foram menores no primeiro dia dos tratamentos do que no controle (Figura 4 B e C). Apenas as plantas do tratamento DH/TN12 não recuperaram ETR e Fq'/Fm' após quatro dias da reidratação. A diminuição do Fq'/Fm' indica diminuição significativa da dissipação da energia dos elétrons na etapa fotoquímica, também confirmada pela redução de Fq'/Fv' (Figura 4 D), o que implica aumento na dissipação não fotoquímica de fluorescência, possivelmente associado à formação de calor (Ripley et al., 2007). Assim, a redução de Fq'/Fm' pode estar relacionada ao fechamento (redução) dos centros de reação do FSII sob condição de baixa temperatura e deficit hídrico (Baker, 2008). Isso reflete em acúmulo de QA em estado reduzido, indicado pela diminuição de Fq'/Fv', resultante da significativa redução da assimilação de CO2 em DH/TN20, TN12 e DH/TN12.


A diminuição de gs causa menor fluxo de CO2 para o mesofilo foliar e pode causar redução na concentração de CO2 junto à Rubisco e estimular a atividade da oxigenase, ou seja, a fotorrespiração (Carmo‑Silva et al., 2008). De fato, no presente trabalho, houve queda de Ci somente em DH/TN20 e no quarto dia de estresse (Ci=115±25 µmol mol‑1 em DH e Ci=176±19 µmol mol‑1 nos demais tratamentos). A relação entre ΦCO2 e Fq'/Fm' não foi modificada pelos tratamentos (Figura 5), o que sugere que não houve aumento na atividade de drenos alternativos de elétrons, como fotorrespiração e reação de Mehler (Ghannoum, 2009), e sim decréscimo no uso da energia em reações fotoquímicas da fotossíntese (Figura 4 C e D; Figura 5). Este resultado é indicativo de que, apesar de ter ocorrido menor fluxo de CO2 em decorrência da diminuição de gs, o mecanismo de concentração de CO2 da cana‑de‑açúcar nos tratamentos avaliados é efetivo em limitar a fotorrespiração (Carmo‑Silva et al., 2008).


Conclusões

1. A assimilação diurna de CO2 em plantas de cana‑de‑açúcar decresce em função da baixa temperatura noturna e da deficiência hídrica, e esta associada à diminuição da condutância estomática (fator difusivo), à redução na atividade da PEPcase e da Rubisco (fatores bioquímicos), e à menor atividade fotoquímica.

2. A ocorrência simultânea de baixa temperatura noturna e deficiência hídrica em cana‑de‑açúcar interfere na recuperação fotossintética das plantas.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsas; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela concessão de bolsa; e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo financiamento da pesquisa (Processo 2008/57495‑3).

Recebido em 28 de dezembro de 2012 e aprovado em 3 de maio de 2013

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Maio 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Dez 2012
    • Aceito
      03 Maio 2013
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