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Simulação do risco de deficit hídrico em regiões de expansão do cultivo de cana-de-açúcar no Brasil

Simulation of the water deficit risk in sugarcane-crop expansion regions in Brazil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi determinar o risco de deficit hídrico para a cultura da cana-de-açúcar em diferentes regiões brasileiras, com foco nas áreas de expansão. Para tanto, utilizou-se o modelo CSM-Canegro, para simular a produtividade da cana-planta de 12 meses, em 30 localidades. A partir dos valores estimados de produtividades potencial e atingível (produtividade sem irrigação), definiram-se as classes de risco de deficit hídrico de acordo com os níveis de eficiência climática, dada pela razão entre essas produtividades. O modelo simulou o efeito dos diferentes tipos de solo e datas de plantio sobre a produtividade, o que possibilitou caracterizar o risco de deficit hídrico associado à cultura. A região de maior risco é Petrolina, PE, enquanto as regiões de menor risco são as similares a Recife, PE, e Araguaína, TO.

Saccharum ; DSSAT; eficiência climática; produtividade potencial; risco climático; zoneamento climático


The objective of this work was to determine the water deficit risk for sugarcane crop in different Brazilian regions, focusing on crop-expansion regions. For that, the CSM-Canegro model was used to simulate the 12-month plant cane crop yield in 30 locations. From the estimated values for potential and attainable (without irrigation) yields, the water deficit risk classes were defined according to the climatic efficiency given by the ratio between these yields. The crop model simulated the effect of different soil types and planting dates on the yield, which made possible to characterize the water deficit risk associated to the crop. The region with the highest risk is Petrolina, state of Pernanbuco, whereas the regions with the lowest risk are those similar to Recife, state of Pernanbuco, and Araguaína, state of Tocantins.

Saccharum ; DSSAT; climatic efficiency; potential yield; climatic risk; climate zoning


Introdução

A cana-de-açúcar (Saccharum spp.) é uma das culturas de maior importância social, econômica e ambiental, tendo atingido uma produção de 600 milhões de toneladas em 8,5 milhões de hectares no Brasil, país que é o maior produtor mundial da cultura (Veiga Filho et al., 2008). Em constante expansão, em razão da frota crescente de veículos flexfuel e do preço atrativo do açúcar, a cultura é a principal matéria prima para produção de etanol e açúcar. As maiores áreas produtoras estão nas regiões Centro-Sul e Nordeste, e o Estado de São Paulo é o maior produtor, com mais de 50% da produção do país (Companhia Nacional de Abastecimento, 2013). As áreas de expansão concentram-se na maior parte no Triângulo Mineiro e no oeste de Minas Gerais, em Goiás e no Mato Grosso do Sul (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2013), e em algumas regiões localizadas no interior nordestino.

Os principais fatores ambientais que influenciam a produtividade de cana-de-açúcar são a temperatura do ar e a disponibilidade hídrica. A temperatura afeta vários processos metabólicos da planta, além de interferir na demanda evapotranspirativa. A água no solo, em disponibilidade abaixo do ideal, pode causar redução dos perfilhos da cultura e da área foliar, e estimular a senescência, o que reduzirá o crescimento dos colmos e, consequentemente, a produtividade (Inman-Bamber, 2004; Inman-Bamber & Smith, 2005), o que torna a cultura muito dependente das condições climáticas.

Em razão de a cultura da cana-de-açúcar estar se expandindo de forma desordenada para regiões não tradicionais de cultivo, as produtividades vêm sendo impactadas por fatores climáticos adversos, entre os quais o deficit hídrico é o mais importante. Assim, estudos que avaliem os impactos do deficit hídrico sobre a referida cultura são de extrema importância para o planejamento dos novos canaviais.

Um dos modos de se avaliar os efeitos do clima sobre a produtividade das culturas é por meio do uso de modelos de simulação, que são ferramentas para o planejamento agrícola, pois auxiliam a otimização da produção e o gerenciamento da expansão de áreas com potencial produtivo. Há vários modelos dedicados à simulação da produtividade da cultura da cana-de-açúcar no mundo, entre os quais, o Apsim-Sugar (Keating et al., 1999), o Auscane (Jones et al.,1989), o CSM-Canegro (Inman-Bamber, 1991; Jones & Singels, 2008), o Casupro (Villegas et al., 2005), o Qcane (Liu & Kingston, 1995) e Fao-MZA (Monteiro & Sentelhas, 2013); e os modelos mais usados são o Apsim-Sugar, desenvolvido na Austrália, e o CSM-Canegro, de origem sul-africana. Para a simulação da produtividade potencial da cana-de-açúcar, o modelo CSM-Canegro considera apenas a disponibilidade de energia solar, fotoperíodo, temperatura média e, principalmente, as características fenológicas e fiógicas da cultivar utilizada, enquanto que para a simulação da produtividade atingível, a disponibilidade de água no solo e o deficit hídrico são os principais fatores limitantes (Jones & Singels,2008).

O objetivo deste trabalho foi determinar os riscos de deficit hídrico para a cultura da cana-de-açúcar, em diferentes regiões brasileiras, com foco nas áreas de expansão.

Material e Métodos

O presente estudo foi realizado por meio da utilização do modelo CSM-Canegro, que faz parte do sistema DSSAT v4.5 ("decision support system agrotechnology transfer"). Com o modelo, é possível simular a produtividade da cultura da cana-de-açúcar, como valores de massa do colmo, biomassa da raiz, área foliar, altura, concentração de sacarose, entre outros, além do estresse hídrico ao qual a cultura foi submetida (Jones & Singels, 2008).

Os dados meteorológicos utilizados no presente estudo foram obtidos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para 30 localidades (Tabela 1), inclusive a precipitação pluvial, as temperaturas máxima e mínima do ar e a insolação, todos na escala diária, que contemplam a série histórica de 1980 a 2010.

Tabela 1
Localidades e estações meteorológicas do Inmet empregadas no presente estudo, suas coordenadas geográficas, altitudes, período de dados disponíveis (início e fim)

As localidades foram selecionadas por já serem tradicionais produtoras de cana-de-açúcar, assim como por apresentarem potencial de expansão da cultura no país; para a região Sudeste e Centro-Oeste, essa seleção foi feita com base nas informações apresentadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2013) (Figura 1).

Figura 1
Localização das estações meteorológicas do Inmet, empregadas no presente estudo, áreas de expansão da cana‑de‑açúcar (Inpe, 2013) e principais municípios produtores em 2012 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2013).

Para a correção dos dados faltantes de precipitação, utilizou-se o critério da estação mais próxima, conforme descrito em Garcia et al. (2006); essas estações provêm da rede pluviométrica da Agência Nacional de Águas (ANA), no raio máximo de 20 km de cada estação. Como o CSM-Canegro exige dados diários de radiação solar global (Qg), e estes não estavam disponíveis nas séries históricas do Inmet, foi necessário estimar esses valores com base na equação de Glover & McCulloch (1958), a qual emprega dados de insolação. Para as situações em que os dados de insolação estavam disponíveis, empregou-se o método proposto por Hargreaves (1985) para a estimativa da radiação solar, o qual assume a premissa de que a amplitude térmica diária é diretamente relacionada à nebulosidade do local.

Para o preenchimento de falhas de dados de temperatura que faltaram em até três dias, foi feita uma interpolação linear entre os dados do dia anterior e posterior ao período faltante. Após esses tratamentos, os dados foram inseridos na ferramenta WeatherMan, que faz parte do pacote de ferramentas DSSAT45, e os períodos com falhas de dados mais longos nas séries de dados meteorológicos foram preenchidos pela ferramenta, com uso da média mensal e dos processos estocásticos. Assim, as séries foram padronizadas para o início em 1978 e término em 2010.

Como foram utilizadas 30 estações, em localidades distintas, nem sempre os perfis de solo para cada região dispunham dos dados requeridos pelo modelo. Portanto, foram utilizados três perfis que representam solos de textura arenosa (<15% de teor de argila), média (15-35% de teor de argila) e argilosa (>35% de teor de argila) (Brasil, 2013). Foram obtidos, assim, três cenários que representam baixa, média e alta capacidade de água disponível (CAD) no solo (solos tipo1,2e3), critério que se assemelha ao adotado para a operacionalização do zoneamento agrícola de risco climático do Brasil (Brasil, 2013).

A granulometria dos solos usados no presente trabalho foi obtida do banco de dados RadamBrasil, que são: um perfil de Latossolo Vermelho distroférrico, de textura argilosa, que representa o cenário de maior retenção de água (CAD = 152 mm); um Latossolo Vermelho distrófico, de textura média, que representa o cenário de média retenção (CAD = 71 mm); e um Neossolo Quartzarênico distrófico, de baixo teor de argila, para representar o cenário de baixa retenção de água (CAD = 48 mm).

Os valores que dizem respeito às características físico-hídricas do solo (Tabela 2), como a condutividade hidráulica, a densidade e os teores de água no solo foram estimados pelo DSSAT por meio de funções de pedotransferência. Contudo, as funções de pedotransferência do programa, para estimar a curva de retenção de água no solo, estão ajustadas para solos de clima temperado,e não são tão apropriadas para estimar os valores em solos brasileiros, pois interferem diretamente na simulação do balanço de água no solo e na disponibilidade de água para a cultura (Marin et al.,2011). Portanto, para estimar os valores de ponto de murcha permanente (-1.500 kPa), capacidade de campo(-10kPa) e ponto de saturação do solo,utilizou-se o método de curva de retenção de água proposto por Van Genuchten (1980).

Tabela 2
Profundidade, horizonte, características granulométricas e físicas, ponto de murcha permanente (PMP), capacidade de campo (CC), ponto de saturação (es) e capacidade de água disponível (CAD) dos solos empregados no presente estudo e cadastrados no banco de solos do DSSAT ("decision support system for agrotechnology transfer")(1) (1) K, condutividade hidraúlica; Ds, densidade do solo. .

A cultivar de cana-de-açúcar RB86-7515 foi utilizada, devidamente calibrada, já que os valores predefinidos no DSSAT estão adequados às cultivares sul-africanas. Acultivar usada ocupa cerca de 30% da área plantada de cana-de-açúcar no Brasil e foi calibrada para cinco localidades do país, que representam condições distintas de solo e clima (Nassif et al.,2012). A calibração foi feita com base em dados obtidos de experimentos de campo, nos quais se determinaram: a fenologia, a população de colmos, a cobertura do dossel e as frações de partição de biomassa.

As simulações para as diferentes condições do estudo foram concebidas em duas partes, a primeira, em nível potencial, em que a opção de balanço de água no solo foi desabilitada e, assim, o modelo gerou os valores de produtividade sem restrição hídrica; e a segunda, com o balanço de água habilitado para contabilização da produtividade de sequeiro. Como o modelo CSM-Canegro não simula os sucessivos cortes da cana-de-açúcar (Jones & Singels, 2008), as simulações levaram em conta o ciclo de cana-planta (12 meses), que foi replicado para doze datas de plantio, uma para cada mês do ano.

O risco de deficit hídrico para a cultura da cana-de-açúcar foi baseado na relação entre as produtividades atingível (ou de sequeiro) (PA) e potencial (PP), o que gerou um coeficiente de eficiência climática (η) para cada combinação de local, tipo de solo e data de plantio (η = PA/PP) (Monteiro &amp; Sentelhas, 2013).

O critério de classificação dos riscos de deficit hídrico foi semelhante ao utilizado no zoneamento de risco climático do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil, 2013), em que se considerou um cenário de risco em razão da ocorrência de valores de eficiência climática (η) maiores do que 0,65. Assim, as condições de risco de deficit hídrico foram classificadas e organizadas de acordo com a frequência de anos (fa) com η maior ou igual a 0,65 para cada local, tipo de solo e data de plantio, tendo-se obedecido às seguintes classes de risco: baixo (fa >80,1%); moderado (fa entre 60,1 e 80%); alto (fa entre 40,1 e 60%); muito alto (fa ≤40%).

Resultados e Discussão

Ao simular o crescimento e desenvolvimento da cana-planta para as condições potenciais, a taxa dos processos fisiológicos variou em função da temperatura do ar de cada local. Em locais com temperaturas mais elevadas, o período requerido para a ocorrência dos processos fisiológicos foi mais curto do que nos locais com temperaturas mais amenas. Como a taxa de expansão da planta, a eficiência da conversão da radiação fotossinteticamente ativa, a respiração de manutenção, assim como a emergência de folhas e a fração do incremento da biomassa aérea para os colmos são dependentes do tempo térmico (Singels & Bezuidenhout, 2002; Jones &amp; Singels, 2008), a temperatura influenciou a velocidade do crescimento da cana-de-açúcar.

Assim, as simulações da produtividade potencial da cana-planta de 12 meses pelo CSM-Canegro apresentaram valores médios anuais que variaram entre 137,6 e 171,1 Mg ha-1 para cada localidade, e a média entre os locais foi de 162 Mg ha-1 (Figura 2). As maiores produtividades potenciais foram estimadas para Natal, RN, que atingiu o valor médio anual de 171,1 Mg ha-1, seguida de Petrolina, PE com valor médio de produtividade potencial de 170,2 Mg ha-1. Em contrapartida, em Santa Maria, RS, observou-se o menor valor de produtividade potencial média, que chegou a 137,6 Mg ha-1. Os valores de produtividade potencial para cana-planta de 12 meses, encontrados no presente estudo, foram ligeiramente inferiores aos simulados por Monteiro & Sentelhas (2013) que, para as condições do Estado de São Paulo, encontraram valores entre 160 a 190 Mg ha-1.

Figura 2
Produtividades potencial e atingível: médias para cada localidade, de acordo com o tipo de solo considerado (NQd, Neossolo Quartzarênico distrófico; LVEd, Latossolo Vermelho distroférrico; LRd, Latossolo Vermelho distrófico). ALMA, Maceió, Al; BABA, Barreiras, BA; GOPI, Pirenópolis, GO; GOFO, Formosa, GO; GOJA, Jataí, GO; MABA, Balsas, MA; MGCA, Capinópolis, MG; MGUB, Uberaba, MG; MGMO, Mocambinho, MG; MGPO, Pompeu, MG; MGJO, João Pinheiro, MG; MSIV, Ivinhema, MS; MTDI, Diamantino, MT; PAMA, Marabá, PA; PBJO, João Pessoa, PB; PEPE, Petrolina, PE; PERE, Recife, PE; PIBO, Bom Jesus do Piauí, PI; PIFL, Floriano, PI; PRMA, Maringá, PR; RNNA, Natal, RN; RSSA, Santa Maria, RS; SEAR, Aracaju, SE; SPPI, Piracicaba, SP; SPPR, Presidente Prudente, SP; SPCA, Catanduva, SP; SPVO, Votuporanga, SP; TOPE, Peixe, TO; TOAR, Araguaína, TO; TOPA, Palmas, TO.

As produtividades atingíveis médias para as simulações de sequeiro, que consideraram os solos de baixa (Neossolo Quartzarênico distrófico, NQd), média (Latossolo Vermelho-Escuro distrófico, LVEd) e alta (Latossolo Roxo dófico, LRd) capacidade de retenção de água foram, respectivamente,69,6, 107,1e 117,3 Mg ha-1.Os diferentes patamares de produtividade entre os tipos de solo decorreram da quantidade de água disponível no solo para a planta. Para a região Nordeste, os solos de maior predominância são os de baixa e média capacidade de retenção de água, enquanto para a região Centro-Sul, a predominância é de solos de média a alta capacidade retenção de água. Entretanto, algumas práticas de manejo, como a manutenção da palhada na área, podem contribuir para minimizar o deficit hídrico, já que isso reduz as taxas de evaporação do solo (Olivier &amp; Singels, 2012; Costa et al., 2014; Marin et al., 2014). Além disso, o uso intensivo de máquinas nos canaviais promove a compactação do solo e, assim, afeta negativamente suas características físico-hídricas (Rodríguez et al., 2012).

Tendo-se considerado um cenário em que a produtividade atingível alcance pelo menos 65% da produtividade potencial (η≥0,65), o risco foi classificado como muito alto para a maioria das regiões com cultivo de cana-de-açúcar, em solo de baixa capacidade de retenção de água (NQd) (Tabela 3). Nessas condições, as localidades que apresentaram valores de risco de deficit hídrico classificado como moderado e alto foram: Maceió, AL; Diamantino, MT; Marabá, PA; Recife, RE; e Araguaína, TO. Para essas regiões, a chance de ocorrer produtividade de sequeiro acima de 65% da produtividade potencial está entre 40 e 80%, apenas em algumas épocas de plantio. Nas demais regiões, a ocorrência de produtividade de sequeiro maior ou igual a 65% da potencial não foi superior a 40%.

Tabela 3
Risco climático para a cultura da cana-de-açúcar, associado à frequência de ocorrência (%) de anos com eficiência climática (η) maior ou igual a 0,65, em um solo com baixa capacidade de retenção de água (Neossolo Quartzarênico distrófico), em diferentes localidades brasileiras e para diferentes épocas de plantio (uma por mês).

Conforme aumenta a capacidade de água disponível no solo, diminui o risco de deficit hídrico para grande parte das regiões do estudo. Para o solo com capacidade média de retenção de água (LVEd) (Tabela 4), apenas as regiões de Petrolina, PE, Barreiras, BA e Mocambinho, MG apresentaram risco muito alto, durante todas as épocas de plantio; para as demais regiões, houve diminuição do risco, especialmente nas melhores épocas de plantio. As regiões de Diamantino, MT e Araguaína, TO, se destacaram, tendo apresentado baixo risco, em todas as épocas de plantio, nas simulações com o solo de textura média (LVEd).

Tabela 4
Risco climático para a cultura da cana-de-açúcar, associado à frequência de ocorrência (%) de anos com eficiência climática (η) maior ou igual a 0,65, em um solo com média capacidade de retenção de água (Latossolo Vermelho distroférrico), em diferentes localidades brasileiras e para diferentes épocas de plantio (uma por mês).

Para as condições de solo com alta capacidade de retenção de água (LRd), o risco de deficit hídrico foi ainda menor para cana-planta de sequeiro (Tabela 5). A maioria dos locais apresentou pelo menos uma época de plantio classificada como de baixo risco, com destaque novamente para as regiões de Diamantino, MT e Araguaína, TO, como também para as regiões de Ivinhema, MS e Marabá, PA, que apresentaram baixo risco em todas as épocas de plantio. Em contrapartida, em Petrolina, PE e Mocambinho, MG, a classificação de alto risco se manteve em todas as épocas de plantio ao longo do ano.

Tabela 5
Risco climático para a cultura da cana-de-açúcar, associado à frequência de ocorrência (%) de anos com eficiência climática (η) maior ou igual a 0,65, em um solo com alta capacidade de retenção de água (Latossolo Vermelho distrófico), em diferentes localidades brasileiras e para diferentes épocas de plantio (uma por mês).

Vale ressaltar que, para a prática do plantio de inverno na região Centro-Sul, é extremamente necessário o uso de irrigação e fertirrigação, para garantir a emergência da cana-de-açúcar (Dantas Neto et al., 2006), uma vez que o modelo CSM-Canegro não considera a morte da planta ou da gema por estresse hídrico severo (Jones &amp; Singels, 2008). Para o plantio nas localidades da região Sul, como em Santa Maria, RS, o risco de as geadas prejudicarem severamente os canaviais é grande (Wrege et al., 2005), e isto também não foi quantificado pelo CSM-Canegro.

Ao se comparar o risco de deficit hídrico nas datas de plantio, é possível determinar qual delas apresenta os maiores níveis de produtividade. No caso das localidades do litoral nordestino, em que a época chuvosa ocorre entre os meses de abril e setembro, as épocas de plantio que apresentaram os menores riscos foram entre os meses setembro e abril. Nas regiões com período chuvoso entre outubro e março, as épocas de plantio que mais se destacaram pelo menor risco foram entre abril e setembro. Como o modelo não penaliza significativamente a cana-de-açúcar nas fases de emergência e perfilhamento, a cultura, quando simulada para as condições de sequeiro nos meses de inverno, sobrevive ao período de baixas temperaturas e seca, enquanto ainda está em fase de estabelecimento, e chega ao período de chuvas com sistema radicular e dossel mais desenvolvidos.

Em condições extremas de aridez, como em Petrolina, PE e Mocambinho, MG, o risco de deficit hídrico foi classificado como muito alto, em todos os plantios e em todos os tipos de solo. Para esses locais, nem mesmo um manejo do solo capaz de aumentar a capacidade de retenção de água seria suficiente para garantir incrementos significativos de produtividade e, portanto, é extremamente necessário o uso de irrigação complementar ou plena para o plantio de cana-de-açúcar nessas regiões. No entanto, em ões como a de Marabá, PA, com períodos de altos índices pluviais seguidos de seca severa, é preciso considerar a qualidade da cana quanto aos teores de açúcar no colmo, já que a seca severa pode dificultar a extração de caldo dos colmos, em razão da sua intensa desidratação (Cardozo &amp; Sentelhas, 2013). Esse ponto é ainda mais importante, se considerarmos que o modelo CSM-Canegro não leva em conta a maturação fisiológica da cana-de-açúcar, mas somente simula o acúmulo de sacarose em decorrência do crescimento do colmo (Singels &amp; Bezuidenhout, 2002).

Conclusões

1. O modelo CSM-Canegro é capaz de simular o efeito dos diferentes tipos de solo e datas de plantio sobre a produtividade potencial e atingível da cana-de-açúcar, em diferentes regiões brasileiras.

2. O risco de deficit hídrico para a cultura da cana-de-açúcar varia conforme a capacidade de retenção de água de cada solo, e o de textura arenosa é o solo que apresenta maior risco em todos os locais e épocas de plantio.

3. A região de Petrolina, PE, é a que apresenta o maior risco associado à eficiência climática para a cultura da cana-de-açúcar, e as regiões de Recife, PE, e Araguaína, TO, são as que apresentaram o menor risco.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelas bolsas concedidas; ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), pela disponibilização dos dados meteorológicos; e ao Dr. Fábio Ricardo Marin, pelas sugestões e auxílio com o modelo CSM-Canegro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2013
  • Aceito
    25 Mar 2014
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