O pacamã (Lophiosilurus alexandri) é uma espécie de peixe nativa da Bacia do Rio São Francisco, Brasil (Shibata, 2003). Apresenta hábito alimentar carnívoro e carne valorizada pelo mercado por não possuir espinhos intramusculares e de sabor agradável ao paladar (Luz et al., 2008). Há poucas informações para essa espécie, com ênfase apenas para a fase de larvicultura (Luz & Santos, 2008; Luz et al., 2011). Informações sobre as exigências nutricionais e a utilização de diferentes alimentos não convencionais, que são fundamentais para uma formulação adequada para todas as espécies, ainda são escassas. A determinação da digestibilidade dos alimentos e de seus nutrientes permitirá obter informações fundamentais para o desenvolvimento do pacamã em cativeiro. Nos ensaios de digestibilidade, podem-se utilizar dois tipos de dieta-referência, a prática ou a purificada. Ambas as dietas podem influenciar os resultados de digestibilidade dos ingredientes-teste, já que, hipoteticamente, os ingredientes da dieta interagem entre si (Sales & Britz, 2001).
Assim, é fundamental buscar respostas sobre essa influência nos coeficientes de digestibilidade, para a obtenção de formulações mais próximas às exigências nutricionais do pacamã, e permitir a inclusão de ingredientes de origem vegetal que possam ser substitutos da farinha de peixe.
O objetivo deste trabalho foi determinar a digestibilidade aparente de seis ingredientes (farinha de peixe, farinha de carne e ossos, farelo de soja, soja integral tostada, farelo de trigo e protenose de milho), em dietas-referência prática e purificada, e estudar a influência dessas dietas sobre a digestibilidade dos ingredientes para juvenis de pacamã.
O experimento foi realizado no Laboratório de Aquacultura (Laqua) da Universidade Federal de Minas Gerais, na Escola de Veterinária, em Belo Horizonte, MG, entre novembro de 2013 e janeiro de 2014. Utilizou-se o delineamento experimental de blocos ao acaso, em arranjo fatorial 6x2, com seis ingredientes (farinha de peixe, farinha de carne e ossos, farelo de soja, protenose de milho, soja integral tostada e farelo de trigo), duas dietas-referência (prática ou purificada), com quatro repetições, em dois períodos de coleta fecal (blocos). Cada unidade experimental foi composta por um tanque com sete peixes. O total de 336 juvenis de pacamã, com peso inicial de 256±1,41 g, foram aleatoriamente distribuídos nos tanques. Utilizaram-se 24 tanques com 100 L de volume útil, semelhantes aos do sistema de Guelph modificado, ligados a um sistema de recirculação de água com temperatura média da água de 28,75±0,04ºC e oxigênio dissolvido de 6,19±0,27 mg L-1.
As dietas-referência e dietas-teste (Tabela 1) foram preparadas no Laqua-UFMG e fornecidas aos animais à vontade no período da tarde e à noite (16:00, 18:00 e 20:00 horas). Os tanques foram limpos diariamente, antes da coleta das fezes, que foram transferidas e estocadas em potes que formaram um pool de cada tanque e, posteriormente, foram armazenadas em freezer a -20ºC, para análises da composição nutricional e determinação de cromo. Os coeficientes de digestibilidade aparente (CDAs) dos nutrientes e a energia bruta das dietas-referência e dietas-teste foram calculados pela fórmula descrita por Nose (1960), como: CDA (%) = 100 - 100 × [(% indicador dieta)/(% indicador fezes)] × [(% N fezes)/(% N dieta)], em que: CDA é o coeficiente de digestibilidade aparente de um nutriente ou energia da dieta-teste ou da dieta-referência; % indicador dieta e % indicador são, respectivamente, o teor do Cr2O3 da dieta e das fezes; % N dieta e % N fezes representam, respectivamente, a concentração do parâmetro nutricional de interesse (por exemplo, proteína ou energia) na dieta e nas fezes.
Tabela 1: Composição nutricional das dietas-referência prática e purificada.

(1)Premix vitamínico (mg kg-1 ou UI kg-1): ácido fólico, 2.500; ácido pantotênico, 3.750; BHT, 2.500; biotina, 125; Zn, 20; Cu, 2.000; colina, 125; Fe, 15; I, 125; vitamina K3, 1.000; Mn, 3.700; niacina, 7.800; Se, 75; vitamina A, 2.000.000; vitamina E, 15.000; vitamina B1, 2.500; vitamina B12, 5.000; vitamina B2, 2.500; vitamina B6, 2.000; vitamina D3, 500.000; etoxiquim, 2.500.
(2)Caulim.
(3)Valor calculado.
Os valores de digestibilidade aparente para matéria seca, proteína bruta e energia bruta dos ingredientes foram determinados conforme metodologia proposta por Cho & Slinger (1979), baseada na proporção de 70:30 da mistura da dieta-referência e ingrediente, e na equação abaixo, atualizada por Bureau et al. (1999): CDA (%) = CDAteste + (CDAteste - CDAref.) × (0,7 × Nref.) / (0,3 × Ning), em que: CDA é a digestibilidade de um nutriente ou energia do ingrediente-teste; CDAteste é a digestibilidade aparente da dieta-teste (dieta com 30% do ingrediente e 70% da dieta referência); CDAref. é a digestibilidade aparente da dieta-referência (dieta composta por 100% da dieta referência); Nref. e Ning são os nutrientes (ou energia) de interesse na dieta-referência e no ingrediente, respectivamente. Os dados foram avaliados quanto à normalidade dos erros (teste Lilliefors) e homocedasticidade das variâncias (teste de Cochran). Posteriormente, os dados foram submetidos à análise de variância fatorial com dois fatores (dieta referência e ingredientes), e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.
Os coeficientes de digestibilidade aparente (CDA) da matéria seca, proteína bruta e energia bruta foram influenciados pelos ingredientes avaliados e pela dieta-referência prática ou purificada (Tabela 2). As fontes de carboidrato presentes na dieta-teste influenciam o CDA dos ingredientes. Os polissacarídeos não amiláceos solúveis podem impedir a interação dos diferentes nutrientes e diminuir sua aditividade na dieta (Glencross et al., 2010).
Tabela 2: Coeficientes de digestibilidade aparente (CDA) da proteína bruta, da matéria seca e da energia bruta, na dieta-referência prática e na dieta-referência purificada de ingredientes para juvenis de pacamã(1).

(1)Médias seguidas de letras, maiúsculas nas colunas e minúsculas nas linhas, entre dietas-referência em um mesmo CDA, diferem pelo teste Tukey, a 5% de probabilidade.
Verificou-se que os CDA da matéria seca para ingredientes - farelo de trigo e soja integral tostada - foi menor, quando se utilizou a dieta-referência purificada. Resultados semelhantes foram obtidos por Glencross et al. (2012) para truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss), em que a adição de celulose ou lignosulfonato à dieta reduziu a digestibilidade da matéria seca. Uma vez que as dietas-referência, no presente trabalho, apresentaram equidade de valores de fibra bruta, pode-se inferir que, provavelmente, a fonte e tipo de fibra proporcionaram resultados diferentes quanto à digestibilidade. Irvin et al. (2015) constataram que o efeito interativo de diferentes polissacarídeos pode alterar os valores de digestibilidade dos ingredientes. Os menores CDA da matéria seca, na dieta purificada, foram observados para os ingredientes de origem vegetal (farelo de trigo, soja integral tostada, farelo de soja), resposta associada às fontes de carboidrato presentes na dieta-referência, como discutido anteriormente. Houve, também, baixo aproveitamento da fração energética do farelo de trigo e farelo de soja pelo pacamã, provavelmente, em razão do baixo conteúdo de lipídios presente nesses ingredientes. Assim, também, ao utilizar outra espécie carnívora, o surubim (Pseudoplatystoma spp.), Gonçalves & Carneiro (2003) determinaram baixos coeficientes de digestibilidade da energia bruta do farelo de soja (61,66%) e do farelo de trigo (53,20%). Quanto à protenose de milho, os CDA da proteína para o pacamã foram considerados satisfatórios (90,54% dieta prática e 90,27% dieta purificada). Estes resultados confirmam o relato de Tibbetts et al. (2006), que afirmaram que as espécies carnívoras como o pacamã apresentam os maiores CDA de energia e proteína bruta quanto aos ingredientes proteicos. Com base nos valores determinados para os CDA, independentemente da dieta-referência, pode-se deduzir que a espécie pacamã pode utilizar de modo eficiente os ingredientes de origem vegetal, principalmente aqueles utilizados como fonte de proteína, como a protenose de milho e a soja integral tostada. Assim, os coeficientes de digestibilidade aparente dos ingredientes apresentam resultados diferentes, de acordo com a dieta-referência, mas o pacamã apresenta elevados valores de CDA quanto aos ingredientes proteicos de origem vegetal, para as duas dietas-referência.