Gradientes de qualidade em abacaxi 'Pérola' em função do tamanho e do estádio de maturação do fruto

Quality gradients in 'Pérola' pineapple in function of fruit size and maturation stage

COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

COLHEITA E PÓS-COLHEITA

Gradientes de qualidade em abacaxi 'Pérola' em função do tamanho e do estádio de maturação do fruto¹

Quality gradients in 'Pérola' pineapple in function of fruit size and maturation stage

Domingo Haroldo Reinhardt^I; Valdique Martins Medina^I; Ranulfo Correa Caldas^I; Getúlio Augusto Pinto da Cunha^I; Rodrigo Fernandes Herrera Estevam^II

^IPesquisador, Embrapa Mandioca e Fruticultura, Caixa Postal 7, 44380-000 Cruz das Almas, BA, Brasil, [e-mail], [e-mail], [e-mail], [e-mail]

^IIEstudante da Escola de Agronomia, UFBA, 44380-000 Cruz das Almas, BA, Brasil

RESUMO

Frutos compostos podem apresentar variações expressivas nas propriedades da polpa, exigindo cuidados especiais nos procedimentos de controle de qualidade. Este trabalho visou a determinar gradientes dos principais atributos da polpa do abacaxi 'Pérola', em função do tamanho e do estádio de maturação dos frutos. Estes foram colhidos em plantios comerciais em Itaberaba-BA, na safra 2002, determinando-se os teores de sólidos solúveis totais (SST), vitamina C (ácido ascórbico) e da acidez titulável (AT), o pH e a relação SST/AT no suco. Em delineamento inteiramente casualizado, foram estudados os tratamentos distribuídos em esquema fatorial 2 (tamanho do fruto — pequeno e grande) x 2 (estádio de maturação do fruto — verdoso/pintado e colorido) x 3 (terços superior, mediano e inferior), com 15 repetições, no primeiro experimento, e em esquema fatorial 3 (terços superior, mediano, inferior) x 3 (terços externo, central e interno), com sete repetições, no segundo. Os SST aumentaram da parte superior do fruto para a inferior e da externa para a interna, sendo mais altos em frutos coloridos, ocorrendo o contrário para a AT e a vitamina C. Frutos pequenos apresentaram maiores teores de SST e AT e menores de SST/AT e vitamina C. A amplitude dos gradientes observados no abacaxi 'Pérola' exige a utilização de amostras constituídas por seções longitudinais e horizontais completas do fruto, nos procedimentos de controle de qualidade.

Termos para indexação: Ananas comosus, amostragem, sólidos solúveis, acidez titulável, vitamina C.

ABSTRACT

Composed fruits may present expressive variations in its pulp proprieties, requiring special attention to quality control procedures. This work aimed at determining the main attributes of 'Pérola' pineapple pulp, in function of fruit size and maturation stage. Fruits were harvested from commercial fields in Itaberaba, Bahia, Brazil, in the 2002 harvest season, and their contents of total soluble solids (TSS), vitamin C (ascorbic acid), titratable acidity (TA), TSS/TA ratio and pulp pH determined. In completely randomized experimental designs, were studied treatments distributed in a factorial scheme of 2 (fruit size — small and large) x 2 (maturation stage — green-ripe and colored) x 3 (upper, middle and lower third parts), with 15 replications, in the first experiment; and in a factorial scheme of 3 (upper, middle and lower third parts) x 3 (outer, central and inner third parts), with seven replications, in the second one. TSS increased from the fruit top to the bottom and from the outside to the inside, being higher in colored fruits, occurring the opposite for TA and vitamin C contents. Small fruits presented higher contents of TSS and TA and lower values for SST/AT and vitamin C. The amplitude of gradients observed in 'Pérola' pineapple fruits requires the use of samples set up by complete longitudinal and horizontal fruit sections, for quality control procedures.

Index-Terms:Ananas comosus, sampling, soluble solids, titratable acidity, vitamin C.

O fruto do abacaxizeiro é uma infrutescência relativamente comprida, composta por 50 a 150 frutos individuais chamados de frutilhos, originados a partir de flores completas (Cunha e Cabral, 1999). Assim como toda a planta, a infrutescência também é formada por uma espiral, de baixo para cima (Coppens D'Eeckenbrugge e Leal, 2003), de modo que os frutilhos na parte inferior têm idade fisiológica maior que os das partes mediana e superior, o que pode resultar em variações muito significativas nos atributos de qualidade da polpa do fruto.

O Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) do Brasil regulamentou por portaria, em 2002, a classificação e padrões de comercialização de frutos de abacaxi para todo o território nacional, incluindo exigências qualitativas específicas, tais como o teor mínimo de açúcares correspondente a 12 °Brix (12%), além de critérios de tamanhos e graus de maturação aparente dos frutos (MAPA, 2002; CQH, 2003). Diante da diferença de idade fisiológica interna existente nos frutos, a fiscalização justa destes critérios de qualidade dependerá muito de uma metodologia de amostragem correta. O conhecimento dos gradientes de qualidade existentes nestes frutos é fundamental à definição do material de coleta.

Neste trabalho, foram determinados os gradientes dos principais atributos da polpa do abacaxi 'Pérola' em função do tamanho e do estádio de maturação dos frutos, auxiliando na definição de metodologia de amostragem para procedimentos de controle de qualidade.

Na safra de 2002-2003 em Itaberaba-BA, foram colhidos frutos de plantios comerciais e usados em dois experimentos realizados na Embrapa Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas-BA. No primeiro experimento, conduzido na primeira semana de dezembro de 2002, foram usados frutos grandes (1.500 a 1.800 g) e pequenos (900 a 1.300 g) e dois estádios de maturação aparente baseados na coloração da casca (verdoso a pintado, com até 15% da área da casca amarela; colorido, com mais de 40% da área da casca amarela). Cada fruto foi descascado e dividido em terços superior, mediano e inferior. Nos sucos destas porções, determinaram-se o pH, usando-se um peagâmetro de mesa marca Digimed (precisão 0,01), os teores de sólidos solúveis totais (SST), com refratômetro de mesa marca Abbe Mark 2 (precisão 0,1), a acidez titulável (AT) por titulação com solução NaOH a 0,1 M, sendo o resultado expresso em % de ácido cítrico (AOAC, 1995) e vitamina C (mg de ácido ascórbico 100 g^-1) (Benassi, 1990). O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, em esquema fatorial 2 (tamanhos de fruto) x 2 (estádios de maturação) x 3 (porções do fruto), com quinze repetições, cada uma representada por um fruto.

No segundo experimento, conduzido no final de dezembro de 2002 e início de janeiro de 2003, foram usados frutos de tamanho intermediário (1.300 a 1.400 g), com até 5% da área da casca amarela (frutos verdosos). Estes foram descascados e divididos em três porções, tanto no sentido vertical (superior, mediana, inferior) como no sentido horizontal (terços externo — próximo à casca; central; e interno — próximo ao eixo do fruto, sem incluir este). Realizaram-se análises dos teores de SST e AT, calculando-se a relação SST/AT. O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, em esquema fatorial 3 (porções verticais do fruto) x 3 (porções horizontais) e com sete repetições, sendo cada uma representada por um fruto. Os dados obtidos nos experimentos foram submetidos a análises de variância, sendo as médias comparadas pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade.

Experimento 1 — Frutos pequenos apresentaram maiores teores de SST e AT, atributos positivos para o seu uso na indústria de sucos e também para o consumidor do fruto in natura. No entanto, a menor relação SST/AT e o menor teor de vitamina C são fatores desfavoráveis ao seu consumo. O menor pH nos frutos pequenos está de acordo com a sua maior acidez em relação aos frutos grandes (Tabela 1). Ocorreram mudanças esperadas para o avanço da maturação, com os frutos coloridos apresentando valores mais altos para o teor de SST, o pH e a relação SST/AT, bem como valores menores para AT e vitamina C (Tabela 1).

A elevação do teor de SST e a diminuição da AT com o avanço da coloração amarela da casca e a degradação concomitante do pigmento verde (clorofila), na casca do fruto, têm sido as alterações bioquímicas mais comuns relatadas para abacaxi em geral (Dull, 1971) e para diferentes variedades de abacaxi, tais como 'Pérola' (Santana e Medina, 2000), 'Red Spanish' (Pérez et al., 1996) e 'Smooth Cayenne' (Gortner et al., 1967). No entanto, em alguns trabalhos têm sido observado valores de AT mais altos (Tay, 1977) e valores de pH mais baixos (Teisson e Pinneau, 1982) para frutos da cv. Smooth Cayenne com casca mais amarela. Neste caso, os frutos avaliados encontravam-se, provavelmente, num estádio inicial do amadurecimento, no qual a curva de variação de AT é, ainda, ascendente, passando a ser descendente na segunda fase do amadurecimento, conforme Dull (1971).

A análise de porções separadas dos frutos evidenciou a existência de gradientes verticais muito significativos para os atributos da polpa estudados, independentemente do tamanho do fruto e do seu estádio de maturação aparente (Tabela 1). O teor de SST e a relação SST/AT aumentaram da ponta para a base, registrando aumentos de 21% e 51%, respectivamente, ao passo que a AT e o teor de vitamina C (ácido ascórbico) diminuíram, neste mesmo sentido, em 21% e 23%, respectivamente. Em consonância com esta redução do teor de ácidos, o pH do suco aumentou em 2,3%.

Na literatura, há poucas referências sobre variações da qualidade no interior do fruto de abacaxi, embora estas variações sejam esperadas em função do tipo de fruto, classificado como infrutescência do tipo sorose (Okimoto, 1948), com desenvolvimento seqüencial, e em espiral, de baixo para cima, o que é bem evidenciado pela evolução das aberturas florais com duração total de, aproximadamente, três semanas (Matos e Sanches, 1989). Sideris e Krauss (1933) e Miller e Hall (1953) reportaram que o teor de SST pode variar em 40 g L^-1 (4%) da parte basal (mais madura e doce) até a porção do fruto próximo à coroa (menos madura e menos doce), na variedade Smooth Cayenne, variação superior à observada neste trabalho em frutos da cv. Pérola, que foi de 2,6%. Paull e Chen (2003), citando Singleton (1955), também mencionaram reduções da AT e do teor de ácido ascórbico (vitamina C) e elevação do teor de SST, do topo para a base, em abacaxi 'Smooth Cayenne'.

Experimento 2 — Além de confirmar as observações feitas no primeiro experimento sobre os gradientes verticais nos frutos de abacaxi 'Pérola', os resultados também evidenciaram gradientes horizontais para as variáveis SST, AT e relação SST/AT (Tabela 2). Os gradientes verticais de SST e da relação SST/AT, ambos com valores crescentes da ponta para a base, e de AT, decrescentes da ponta para a base, foram mais altos que no experimento anterior, atingindo amplitudes expressivas de até 29%, 64% e 39%, respectivamente.

As diferenças entre as partes externa e interna da polpa também foram acentuadas, sobretudo para a AT e a relação SST/AT, atingindo amplitudes de 30% e 38%, respectivamente (Tabela 2). A AT diminuiu de fora para dentro, enquanto a relação SST/ATT aumentou neste mesmo sentido, o que também ocorreu com relação ao teor de SST, que aumentou 5%, sem atingir significância estatística. Variações similares para AT e ácido ascórbico em frutos da cv. Smooth Cayenne foram reportadas por Huet (1958) e por Singleton (1955), citado por Paull e Chen (2003).

Estes resultados indicam a grande variação na qualidade da polpa ao longo dos eixos vertical e horizontal do fruto de abacaxi 'Pérola'. Além disso, a ausência de interações significativas entre as porções do fruto analisadas e os fatores de tamanho e estádio de maturação do fruto, para as mais relevantes variáveis da qualidade da polpa (dados não mostrados), sugere que os gradientes observados são representativos tanto para frutos grandes e pequenos quanto para frutos verdosos/pintados e coloridos.

As ordens de grandeza destes gradientes evidenciam a importância dos procedimentos metodológicos de amostragem para as análises de controle de qualidade. É necessário cuidado especial para se obter amostra realmente representativa do fruto de abacaxi 'Pérola'. A extração do suco do fruto inteiro minimiza o risco de erro de amostragem, mas é um procedimento demorado e exigente em mão-de-obra. É mais conveniente usar uma amostra de menor tamanho, mas que seja constituída por uma seção longitudinal e horizontal completa do fruto, a exemplo de uma amostra representada por ¼ da polpa do fruto, formada por pedaços correspondentes a ¼ das metades superior e inferior, posicionados ao longo de uma seção diagonal. Outra alternativa seria usar a metodologia adotada por Giacomelli (1982), sobretudo em trabalhos com abacaxi 'Smooth Cayenne', extraindo-se o suco de 4/16 da polpa, correspondente a dois pedaços da metade superior e dois da metade inferior, após a divisão de cada uma das metades em oito pedaços de tamanho aproximadamente igual.

Recebido: 12/02/2004.

Aceito para publicação: 28/10/2004.

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1

(Trabalho 013/2004).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Mar 2005
• Data do Fascículo
  Dez 2004

Histórico

• Recebido
  12 Fev 2004
• Aceito
  28 Out 2004