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Efeito da poda verde na composição físico-química do mosto da uva Merlot

Effect of summer pruning on the physicochemical composition of the Merlot grape must

Resumos

O manejo do dossel vegetativo da videira pode causar modificações na composição e na qualidade da uva e do vinho. Dentre as práticas culturais utilizadas para essa finalidade, destacam-se as relacionadas à poda verde. Nesse sentido, visando a melhorar a qualidade do mosto da uva Merlot, conduziu-se este experimento com diferentes modalidades de poda verde. O trabalho foi realizado de 1993/1994 a 1996/1997, num vinhedo conduzido em latada. Houve 12 tratamentos e três repetições, sendo o delineamento experimental em blocos casualizados. Os tratamentos constituíram-se da testemunha e de 11 diferentes modalidades de poda verde, i.e., desbrota, desponta e desfolha, algumas delas em diferentes épocas do ciclo vegetativo da videira. Os resultados mostram que houve variação de ano para ano, mas, considerando a média dos quatro anos de avaliação, constatou-se que os tratamentos 10 (desbrota + desponta + desfolha realizada no início da floração e eliminando todas as folhas abaixo dos cachos) e 9 (desbrota + desfolha realizada 21 dias antes da colheita e eliminando metade das folhas abaixo dos cachos) proporcionaram maior síntese e acúmulo de açúcar na uva, o que é expresso pelo ºBrix e pela densidade, e menor de acidez, expressa pelos ácidos tartárico e málico, pH e acidez titulável. Num segundo plano, mas ainda eficientes, citam-se os tratamentos 11 (desbrota + desponta + desfolha realizada 21 dias antes da colheita e eliminando metade das folhas abaixo dos cachos), 2 (desponta) e 3 (desfolha no início da floração e eliminando todas as folhas abaixo dos cachos).

videira; Vitis vinifera; poda de verão; desbrota; desponta; desfolha


Grapevine canopy management can induce modifications in the grape and wine composition and quality, and summer pruning is among the cultural practices used to reach this objective. In this way, an experiment with different types of summer pruning were carried out to improve the quality of Merlot grape must. It was performed from 1993/1994 to 1996/1997 on a vineyard conducted in the pergola system. There were 12 treatments with three replications disposed in a randomized block design. Treatments consisted of control grapevines and 11 types of summer pruning, i.e., sprouting, topping and leaf removal, some of them applied in different times of the grapevine vegetative cycle. Results show that there was variation among years, but considering the average of the four vintages, the best treatments were 10 (sprouting + topping + leaf removal on the bloom time with removal of all leaves below clusters) and 9 (sprouting + leaf removal of half leaves below clusters 21 days before harvesting) proportioned higher synthesis and accumulation of sugar, expressed by ºBrix and density, and lower of acidity, expressed by tartaric and malic acids, pH and titratable acidity. Following in effectiveness, the treatments 11 (sprouting + topping + leaf removal of half leaves below clusters 21 days before harvesting), 2 (topping) and 3 (leaf removal of all leaves below clusters in the bloom time).

grapevine; Vitis vinifera; summer pruning; sprouting, topping; leaf removal


ARTIGOS

FITOTECNIA

Efeito da poda verde na composição físico-química do mosto da uva Merlot1 1 (Trabalho 246-07).

Effect of summer pruning on the physicochemical composition of the Merlot grape must

Francisco MandelliI; Alberto MieleI; Luiz Antenor RizzonI; Mauro Celso ZanusII

IEngo. Agro., Dr., Embrapa Uva e Vinho, 95700-000 Bento Gonçalves, RS. E-mails: mandelli@cnpuv.embrapa.br; miele@cnpuv.embrapa.br; rizzon@cnpuv.embrapa.br

IIEngo. Agro., M.Sc., Embrapa Uva e Vinho, 95700-000 Bento Gonçalves, RS. E-mail: zanus@cnpuv.embrapa.br

RESUMO

O manejo do dossel vegetativo da videira pode causar modificações na composição e na qualidade da uva e do vinho. Dentre as práticas culturais utilizadas para essa finalidade, destacam-se as relacionadas à poda verde. Nesse sentido, visando a melhorar a qualidade do mosto da uva Merlot, conduziu-se este experimento com diferentes modalidades de poda verde. O trabalho foi realizado de 1993/1994 a 1996/1997, num vinhedo conduzido em latada. Houve 12 tratamentos e três repetições, sendo o delineamento experimental em blocos casualizados. Os tratamentos constituíram-se da testemunha e de 11 diferentes modalidades de poda verde, i.e., desbrota, desponta e desfolha, algumas delas em diferentes épocas do ciclo vegetativo da videira. Os resultados mostram que houve variação de ano para ano, mas, considerando a média dos quatro anos de avaliação, constatou-se que os tratamentos 10 (desbrota + desponta + desfolha realizada no início da floração e eliminando todas as folhas abaixo dos cachos) e 9 (desbrota + desfolha realizada 21 dias antes da colheita e eliminando metade das folhas abaixo dos cachos) proporcionaram maior síntese e acúmulo de açúcar na uva, o que é expresso pelo ºBrix e pela densidade, e menor de acidez, expressa pelos ácidos tartárico e málico, pH e acidez titulável. Num segundo plano, mas ainda eficientes, citam-se os tratamentos 11 (desbrota + desponta + desfolha realizada 21 dias antes da colheita e eliminando metade das folhas abaixo dos cachos), 2 (desponta) e 3 (desfolha no início da floração e eliminando todas as folhas abaixo dos cachos).

Termos para indexação: videira, Vitis vinifera, poda de verão, desbrota, desponta, desfolha.

ABSTRACT

Grapevine canopy management can induce modifications in the grape and wine composition and quality, and summer pruning is among the cultural practices used to reach this objective. In this way, an experiment with different types of summer pruning were carried out to improve the quality of Merlot grape must. It was performed from 1993/1994 to 1996/1997 on a vineyard conducted in the pergola system. There were 12 treatments with three replications disposed in a randomized block design. Treatments consisted of control grapevines and 11 types of summer pruning, i.e., sprouting, topping and leaf removal, some of them applied in different times of the grapevine vegetative cycle. Results show that there was variation among years, but considering the average of the four vintages, the best treatments were 10 (sprouting + topping + leaf removal on the bloom time with removal of all leaves below clusters) and 9 (sprouting + leaf removal of half leaves below clusters 21 days before harvesting) proportioned higher synthesis and accumulation of sugar, expressed by ºBrix and density, and lower of acidity, expressed by tartaric and malic acids, pH and titratable acidity. Following in effectiveness, the treatments 11 (sprouting + topping + leaf removal of half leaves below clusters 21 days before harvesting), 2 (topping) and 3 (leaf removal of all leaves below clusters in the bloom time).

Index terms: grapevine, Vitis vinifera, summer pruning,sprouting, topping, leaf removal.

INTRODUÇÃO

As condições de clima e de solo da Serra Gaúcha e o sistema de condução latada utilizado na região propiciam um desenvolvimento vegetativo exuberante da videira. Esse excesso de vegetação dificulta a iluminação e o arejamento dos cachos, causando maior incidência de doenças fúngicas e diminuição da produtividade do vinhedo e da qualidade da uva e do vinho.

A poda verde é uma prática cultural que vem sendo utilizada para melhorar as condições do dossel vegetativo dos vinhedos visando a favorecer a qualidade da uva. A desbrota, a desponta e a desfolha são modalidades de poda verde que interferem diretamente no dossel vegetativo e podem contribuir para que se atinja equilíbrio entre as partes vegetativa e reprodutiva da videira.

Na desbrota, são eliminados os brotos que surgem das gemas dormentes do tronco e dos braços velhos e os brotos improdutivos, fracos e também alguns produtivos, desde que não sirvam para renovar ramos atacados por doenças ou ocupar espaços vazios no vinhedo. A desbrota deve ser efetuada precocemente, quando os brotos apresentam um desenvolvimento limitado e são ainda pouco eficientes fotossinteticamente (Fregoni, 1985; Bertamini & Mescalchin, 1997; Poni, 2003). A desbrota proporciona melhor aproveitamento das substâncias de reserva da videira e facilita a realização da poda seca no ano seguinte, pois ela reduz o número de brotos, melhorando a distribuição e o desenvolvimento dos ramos selecionados.

A desponta tem por finalidade limitar o crescimento vegetativo mediante a eliminação de partes de ramos herbáceos. A época de realizar a desponta é bastante ampla, podendo ser efetuada antes e após a floração. Sua intensidade pode consistir desde a desponta dos ápices dos ramos até a manutenção de duas folhas acima do último cacho (Poni, 2003, 2005).

A desfolha consiste na eliminação de folhas para favorecer o arejamento na região das inflorescências e dos cachos de uva e para proporcionar condições para sua maturação. Trabalhos realizados em várias regiões vitícolas mostram que desfolhar ligeiramente a zona dos cachos em diversos estádios fenológicos (Hunter et al., 1995) aumentam o teor de sólidos solúveis totais e diminuem a acidez, o pH e o potássio (Bledsoe et al., 1988; Reynolds et al., 1996). Isto ocorre porque se eliminam as folhas velhas e sombreadas, que pouco ou nada contribuem para a síntese de açúcar (Fregoni, 1985; Williams et al., 1987; Hunter & Visser, 1990; Valenti et al., 1997; Guidoni & Schubert, 2001; Main & Morris, 2004; Murisier & Ferretti, 2004; Poni et al., 2005).

Constata-se, portanto, que a poda verde pode propiciar melhores condições ao dossel vegetativo da videira e que isso pode favorecer o aumento da qualidade da uva e do vinho.

Face ao exposto, conduziu-se este trabalho com o objetivo de determinar a influência de diferentes modalidades de poda verde na composição físico-química do mosto da uva Vitis vinifera L. cv. Merlot nas condições edafoclimáticas da Serra Gaúcha, visando ao aumento da qualidade do mosto.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido na Embrapa Uva e Vinho, Bento Gonçalves-RS, no período compreendido entre 1993/94 e 1996/97, num vinhedo de oito anos da cv. Merlot (Vitis vinifera L.), enxertada sobre o porta-enxerto SO4. O vinhedo foi conduzido no sistema latada e o espaçamento entre filas foi de 2,5 m e entre plantas de 1,8 m. A poda foi mista, sendo que, em cada planta, foram deixados, em média, cinco varas de oito gemas e dez esporões de duas gemas.

Foram empregadas as seguintes modalidades de poda verde, das quais, além da testemunha, constituíram os tratamentos: 1) Desbrota realizada no início da brotação, em brotos com até 15 cm de comprimento, deixando-se os esporões com dois brotos e as varas com um broto/gema; 2) Desponta realizada na mudança de cor, eliminando-se a extremidade apical acima da última folha expandida; 3) Desfolha (a) realizada no início da floração, eliminando-se todas as folhas abaixo dos cachos; 4) Desfolha realizada no pegamento do fruto, eliminando todas as folhas abaixo dos cachos; 5) Desfolha realizada no início da mudança de cor, eliminando-se todas as folhas abaixo dos cachos; 6) Desfolha (b) realizada 21 dias antes da colheita, eliminando-se todas as folhas abaixo dos cachos; 7) Desfolha realizada 21 dias antes da maturação, eliminando-se metade das folhas abaixo dos cachos; 8) Desponta + Desfolha (a); 9) Desponta + Desfolha (b); 10) Desbrota + Desponta + Desfolha (a); 11) Desbrota + Desponta + Desfolha (b), e 12) Testemunha (sem poda verde).

O delineamento experimental foi em blocos casualizados, com três repetições. As parcelas foram formadas por plantas de duas filas contíguas. Cada tratamento foi isolado por uma linha de plantas na bordadura e cada parcela foi formada por 10 plantas, sendo seis úteis. A área de cada parcela foi de 45 m2.

As variáveis avaliadas foram sólidos solúveis totais, expressos em ºBrix (BRX), acidez titulável (ATL) (g de ácido tartárico/100 mL), relação ºBrix/Acidez titulável (BAT), pH (pH), densidade (DEN) (g/mL), ácido tartárico (AT) (meq/L), ácido málico (AM) (meq/L), ácido tartárico + ácido málico (ATM) (meq/L) e relação ácido tartárico/ácido málico (TM), as quais foram determinadas segundo a metodologia de Ribéreau-Gayon et al. (1982). Os ácidos tartárico e málico foram analisados por meio da cromatografia líquida de alta eficiência (Auguste, 1979).

Os dados obtidos foram analisados utilizando-se da análise de componentes principais (ACP) (Hair et al., 1995) pelo programa Statistica 6.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados relativos à composição físico-química do mosto da uva Merlot foram analisados por ano e no conjunto dos quatro anos, os quais são evidenciados e discutidos a seguir.

Safra de 1994

Os dados relativos à composição físico-química do mosto da uva Merlot da safra de 1994 encontram-se na Tabela 1, e os gráficos da ACP estão nas Figuras 1A e 1B. Essa análise mostra que os dois componentes principais representaram 69,32% e 12,83%, respectivamente, da variação total (Figuras 1A e 1B). Constatou-se, também, uma correlação significativa entre as variáveis e os dois componentes principais, cujos valores estão a seguir expressos entre parênteses.


De fato, o componente principal 1 propiciou a formação de dois grupos distintos de variáveis. Um, formado por aquelas mais relacionadas com a maturação da uva, tais como relação ºBrix/Acidez titulável (BAT) (r = 0,9717), ºBrix (BRX) (r = 0,8533), relação ácido tartárico/ácido málico (TM) (r = 0,8083) e pH (pH) (r = 0,6991). O outro, por um conjunto de variáveis relacionado com a acidez do mosto, como ácido tartárico + ácido málico (ATM) (r = -0,9751), acidez titulável (ATL) (r = -0,9413), ácido málico (AM) (r = -0,9263) e ácido tartárico (AT) (r = -0,8450). No componente principal 2, apenas a densidade (DEN) (r = 0,9585) esteve bem representada. Neste caso, o que mais interfere em seu valor é o teor de açúcar, embora a acidez também tenha uma participação secundária.

Os tratamentos 9, principalmente; 2; 10 e 11 (Figura 1B) contribuíram para melhorar a maturação da uva, isto é, para obter mostos com mais açúcar e menor acidez. Em princípio, esses tratamentos influenciaram positivamente na composição físico-química e na qualidade do mosto da uva. Os tratamentos 7 e 8 não favoreceram o acúmulo de açúcar na baga e conseqüente maturação da uva. Ao contrário, contribuíram para aumentar a acidez, aspecto que é negativo para a qualidade do mosto e do vinho. O tratamento 6 apresentou maior densidade (DEN) do mosto.

Safra de 1995

Os dados relativos à composição físico-química do mosto da uva Merlot da safra de 1995 encontram-se na Tabela 2, e os gráficos da ACP estão nas Figuras 2A e 2B. A ACP da safra de 1995 mostra que os componentes principais 1 e 2 representaram 63,21% e 23,77%, respectivamente, da variação total. Constatou-se, também, uma correlação significativa entre as variáveis e os dois componentes principais.


O componente principal 1 permitiu separar as variáveis em dois grupos (Figura 2A). As mais identificadas com a maturação da uva localizam-se no lado direito e apresentam as seguintes correlações com o componente principal 1: relação ºBrix/Acidez titulável (BAT) (r = 0,9896), relação ácido tartárico/ácido málico (TM) (r = 0,8909), densidade (DEN) (r = 0,8141), pH (pH) (r = 0,8094) e ºBrix (BRX) (r = 0,7969). O outro grupo, formado por variáveis identificadas com a acidez do mosto, teve as seguintes correlações: ácido málico (AM) (r = -0,9466) e acidez titulável (ATL) (r = -0,9534). No componente principal 2, estiveram bem correlacionadas duas variáveis: ácido tartárico (AT) (r = 0,9930) e soma ácido tartárico + ácido málico (ATM) (r = 0,9171).

Quanto aos tratamentos (Figura 2B), o 3 e o 11 evidenciaram valores elevados de ºBrix/Acidez titulável (BAT), relação ácido tartárico/ácido málico (TM), densidade (DEN), pH (pH) e ºBrix (BRX), e baixos de ácido málico (AM) e acidez titulável (ATL). Os tratamentos 9 e 10 também se caracterizaram por elevados valores dessas variáveis e apresentaram baixa acidez, o que pode ser evidenciado pelos valores do ácido tartárico (AT) e da soma do ácido tartárico + ácido málico (ATM). Na posição oposta, destacou-se o tratamento 7, que apresentou valores elevados de ácido málico (AM) e de acidez titulável (ATL), e baixo de pH (pH). O tratamento 5 distinguiu-se por apresentar teor elevado de ácido tartárico (AT) e do valor da soma ácido tartárico + ácido málico (ATM).

Safra de 1996

Os dados relativos à composição físico-química do mosto da uva Merlot da safra de 1996 encontram-se na Tabela 3, e os gráficos da ACP estão nas Figuras 3A e 3B. Esta análise mostra que os componentes principais 1 e 2 representaram 61,07% e 19,86%, respectivamente, da variação total. Constatou-se, também, uma correlação significativa entre as variáveis e os dois componentes principais.


As variáveis mais identificadas com a maturação da uva situam-se no lado direito do gráfico, onde as melhores correlações registram-se com a relação ºBrix/Acidez titulável (BAT) (r = 0,9895), ºBrix (BRX) (r = 0,7172), densidade (DEN) (r = 0,6977) e relação ácido tartárico/acido málico (TM) (r = 0,6722). O outro conjunto de variáveis, identificado com a acidez do mosto, localiza-se no lado esquerdo do gráfico e foi representado pelas variáveis ácido málico (AM) (r = -0,9734), acidez titulável (ATL) (r = -0,9018) e ácido tartárico + ácido málico (ATM) (r = -0,8864). O componente principal 2 esteve representado pelo ácido tartárico (AT) (r = 0,6549) e pelo pH (pH) (r = -0,5656).

Os tratamentos 3; 9 e 10 diferenciaram-se dos demais por apresentar teor elevado de açúcar, representado pelo ºBrix (BRX) e densidade (DEN) e valores elevados das relações ºBrix/Acidez titulável (BAT) e ácido tartárico/ácido málico (TM), variáveis estas determinantes para uma maturação mais adequada da uva. Os tratamentos 2 e 4 diferenciaram-se por apresentar pH elevado. O tratamento 7 apresentou teores de ácido málico (AM), de acidez titulável (ATL) e da soma ácido tartárico + ácido málico (ATM) elevados e baixo de açúcar, portanto foi um dos tratamentos onde a maturação foi mais deficiente.

Safra de 1997

Os dados relativos à composição físico-química do mosto da uva Merlot da safra de 1997 encontram-se na Tabela 4, e os gráficos da ACP estão nas Figuras 4A e 4B. A ACP dos dados de 1997 mostra que os componentes principais 1 e 2 representaram 52,13% e 26,44%, respectivamente, da variação total. Constatou-se, também, uma correlação significativa entre as variáveis e os dois principais componentes.


O componente principal 1 foi formado no lado direito pelas variáveis relação ácido tartárico/ácido málico (TM) (r = 0,8366) e ácido tartárico (AT) (r = 0,5158). No lado oposto, aparecem bem situadas as variáveis densidade (DEN) (r = -0,8960), ácido málico (AM) (r = -0,8594), ºBrix (BRX) (r = -0,8421), pH (pH) (r = -0,7711) e soma ácido tartárico + ácido málico (ATM) (r = -0,7112). Com exceção do ácido málico (AM), as demais variáveis caracterizam a maturação da uva e apresentaram concentrações mais elevadas nas uvas que alcançaram maior nível de maturação. Em 1997, as condições climáticas não foram tão favoráveis à maturação e favoreceram o aumento da concentração de ácido málico (AM). O componente principal 2 esteve representado pela acidez titulável (ATL) (r = -0,8715) e relação ºBrix/Acidez titulável (BAT) (r = 0,8162).

O tratamento 1 distinguiu-se entre os demais por apresentar valor elevado da relação ácido tartárico/ácido málico (TM) e da concentração de ácido tartárico (AT) (Figura 4B). Os tratamentos 9; 10 e 11 destacaram-se por ter concentração elevada de açúcar, expresso em ºBrix (BRX) e densidade (DEN), o que mostra que as uvas alcançaram maior grau de maturação. Os tratamentos 5; 12 e 6 tiveram valores elevados de acidez titulável (ATL), portanto caracterizaram-se por uma acidez mais pronunciada, o que foi devido, provavelmente, à maturação inadequada da uva.

Média das safras de 1994 a 1997

Os dados relativos à composição físico-química do mosto da uva Merlot da média das safras de 1994 a 1997 encontram-se na Tabela 5, e os gráficos da ACP estão nas Figuras 5A e 5B. A ACP das médias dos quatro anos avaliados mostra que os componentes principais 1 e 2 representaram 62,84% e 15,91%, respectivamente, da variação total. Constatou-se, também, uma correlação significativa entre as variáveis e os dois principais componentes.


O componente principal 1 separou as variáveis em dois grupos. As mais identificadas com a maturação da uva situaram-se no lado direito do gráfico e são a relação ºBrix/Acidez titulável (BAT) (r = 0,9760), relação ácido tartárico/ácido málico (TM) (r = 0,8486) e ºBrix (BRX) (r = 0,8347). O outro conjunto de variáveis, identificado com a acidez do mosto e localizado no lado esquerdo do gráfico, é constituído pela acidez titulável (ATL) (r = -0,9497), ácido tartárico + ácido málico (ATM) (r = -0,8667) e ácido málico (AM) (r = - 0,8660).

Nos tratamentos 9 e 10, sobressaíram-se os valores elevados do ºBrix (BRX) e das relações ºBrix/Acidez titulável (BAT) e ácido tartárico/ácido málico (TM). Nesse sentido, esses dois tratamentos contribuíram para aumentar o teor de açúcar da uva Merlot e reduzir o do ácido málico (AM), fatores importantes e determinantes para a qualidade da uva para vinho na Serra Gaúcha. Num nível intermediário, mas com grau de maturação também mais elevado que os mostos dos demais tratamentos, aparecem os tratamentos 2; 11 e 3. Esses três tratamentos não se destacaram pelo elevado teor de açúcar nem pelo excesso de acidez, mas apresentaram valores intermediários entre os mais doces e os mais ácidos. No lado oposto do gráfico, destaca-se o tratamento 7, que apresentou valores elevados de acidez titulável (ATL), de ácido málico (AM) e de ácido tartárico + málico (ATM), portanto mostrou-se ácido. Os demais tratamentos ocuparam posições intermediárias entre os que se apresentaram com maior teor de açúcar e os mais ácidos.

De modo geral, observou-se que os tratamentos que provocaram aumento do teor de açúcar no mosto, especialmente 9 e 10, estão entre os que mais sofreram retiradas de partes vegetativas por meio da desbrota, desponta e desfolha. No entanto, além dessas práticas agronômicas, a época de realização das operações também foi importante.

As diferenças encontradas na composição físico-química do mosto da uva Merlot, nas quatro safras avaliadas, foram devidas às diferentes modalidades de poda verde, embora condicionadas às condições climáticas de cada ano. Analisando-se os dados de precipitação pluviométrica do período de maturação da uva, que ocorreu de dezembro a fevereiro, verificou-se que o maior teor médio de °Brix foi em 1997, o qual apresentou o menor volume de precipitação (409 mm), enquanto o menor teor médio de °Brix foi em 1996, que teve o maior volume de precipitação (726 mm). Nas demais safras, os valores de °Brix e de precipitação apresentaram valores intermediários aos de 1996 e 1997. Esses dados confirmam que a precipitação ocorrida durante o período de maturação da uva na região da Serra Gaúcha tem grande influência sobre sua qualidade e que essa variável deve ser considerada quando se avaliam a qualidade da uva e seus derivados.

As pesquisas que abordam o tema poda verde da videira, ressaltam a importância da época e da intensidade de sua realização e, em função delas, podem-se obter resultados distintos (Fregoni, 1985; Williams et al., 1987; Guidoni & Schubert, 2001). A desbrota efetuada precocemente e a desponta da parte terminal do broto proporcionaram resultados semelhantes aos encontrados por Bertamini & Mescalchin (1997) e Poni (2003), uma vez que melhoraram a distribuição da vegetação, a arquitetura da planta e as condições microclimáticas na região dos cachos.

A desfolha na região dos cachos teve efeito na época e na intensidade de sua realização, resultados que estão de acordo com os obtidos por Hunter et al. (1995), Reynolds et al. (1996), Valenti et al. (1997), Campostrini & Serina (2003), Poni (2003), Main & Morris (2004) e Murisier & Ferretti (2004). Entretanto, esses autores afirmam que a desfolha deve ser realizada com cautela, pois se estará eliminando órgãos especializados para a fotossíntese e conseqüente translocação de açúcar para o fruto, principalmente, e a síntese e acúmulo de amido nas partes perenes da planta.

Os resultados mostram, também, que a combinação de diferentes modalidades e épocas de poda verde (tratamentos 9 e 10) melhoraram a qualidade da uva, principalmente pelo aumento do teor de açúcar e diminuição da acidez e aumento do pH do mosto. Esses resultados estão de acordo com os de Hunter et al. (1995), Bertamini & Mescalchin (1997), Poni (2003) e Murisier & Ferretti (2004), que, além da melhora qualitativa da composição do mosto, atribuem à poda verde o melhoramento das condições de luminosidade, arejamento e diminuição da umidade na região dos cachos.

CONCLUSÕES

1-Houve variação do efeito da poda verde sobre a composição físico-química do mosto da uva Merlot de acordo com o ano.

2- Considerando a média dos quatro anos de avaliação, constatou-se que os tratamentos 10 (desbrota + desponta + desfolha realizada no início da floração e eliminando todas as folhas abaixo dos cachos) e 9 (desbrota + desfolha realizada 21 dias antes da colheita e eliminando metade das folhas abaixo dos cachos) proporcionaram maior síntese de açúcar e seu acúmulo na uva, o que é expresso pelo ºBrix e pela densidade, e menor de acidez, expressa pelos ácidos tartárico e málico, pH e acidez titulável. Num segundo plano, mas ainda eficientes, sobressaíram-se os tratamentos 11 (desbrota + desponta + desfolha realizada 21 dias antes da colheita e eliminando metade das folhas abaixo dos cachos), 2 (desponta) e 3 (desfolha no início da floração e eliminando todas as folhas abaixo dos cachos).

Recebido em: 10-10-2007. Aceito para publicação em: 16-05-2008.

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    (Trabalho 246-07).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008

    Histórico

    • Aceito
      16 Maio 2008
    • Recebido
      10 Out 2007
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