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Polinização e biologia reprodutiva de Araticum-liso (Annona coriacea Mart.: Annonaceae) em uma área de cerrado paulista: implicações para fruticultura

Pollination and reproductive biology of Araticum-liso (Annona coriacea Mart.: Annonaceae) in a savanna area: implication to fruit growing

Resumos

Anonáceas, em geral, são espécies cantarófilas e altamente especializadas, apresentando pétalas espessas, carnosas e nutritivas que formam uma câmara floral com ocorrência de termogênege. Este estudo objetivou verificar os efetivos polinizadores e sistema reprodutivo prevalente em A. coriacea. Flores foram marcadas e acompanhadas durante períodos do dia e da noite para verificar os polinizadores legítimos. Tratamentos de polinização manual foram realizados para determinar o sistema reprodutivo. Besouros escarabeídeos Cyclocephala atricapilla e Cyclocephala quatuordecimpunctata (Dynastinae) foram atraídos pelo odor emitido pelas flores no início da noite já contendo pólen em seus corpos e penetraram na câmara floral, onde permaneceram por até 48h alimentando-se das pétalas e de pólen, copulando, e ao tocarem nos estigmas receptivos, depositaram pólen. Posteriormente, flores em fase masculina liberaram pólen que novamente sujou o corpo dos besouros e, com a queda da flor, voaram para outra flor recém-aberta e em fase feminina, iniciando novo ciclo de polinização. A. coriacea é uma espécie autocompatível e Cyclocephala foram polinizadores muito eficientes.

Annona coriacea; autocompatibilidade; Cerrado; Cyclocephala; polinização por besouros


Anonaceous, in general, are cantharophilous highly specialized, presenting thick, fleshy and nutritious petals forming a floral chamber with thermogenese occurrence. This study aimed to verify the effective pollinators and prevalent breeding system in A. coriacea. Flowers were marked and accompanied during day and night periods to verify legitimate pollinators. Treatments of hand pollination were done to determine the breeding system. Scarab beetles Cyclocephala atricapilla and Cyclocephala quatuordecimpunctata (Dynastinae) were attracted by the scent exhaled by flowers in the beginning of the night already containing pollen on their bodies and penetrated into floral chamber, where stayed until 48 h feeding on the petals and shed pollen, copulating and when they touched the receptive stigmas, deposited pollen. Afterwards, flower in male phase released pollen that once more got the beetle bodies dirty and with the flower fall they flied to new-open flower and in female phase starting new pollination cycle. A. coriacea is a self-compatible species and Cyclocephala were considered very efficient pollinators.

Annona coriacea; beetle pollination; Cerrado; Cyclocephala; Self-compatibility


PALESTRAS

GENETICA E MELHORAMENTO

Polinização e biologia reprodutiva de Araticum-liso (Annona coriacea Mart.: Annonaceae) em uma área de cerrado paulista: implicações para fruticultura1 1 Palestra Anonáceas - V Congresso Internacional & Encontro Brasileiro sobre Annonaceae: do gene à exportação (19 a 23 de Agosto de 2013). Botucatu-SP.

Pollination and reproductive biology of Araticum-liso (Annona coriacea Mart.: Annonaceae) in a savanna area: implication to fruit growing

Hipólito Ferreira Paulino-Neto

Biólogo. Pós-Doutorando. Programa de Pós-Graduação em Entomologia, Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto-SP. E-mail: hipolitopaulino@gmail.com

RESUMO

Anonáceas, em geral, são espécies cantarófilas e altamente especializadas, apresentando pétalas espessas, carnosas e nutritivas que formam uma câmara floral com ocorrência de termogênege. Este estudo objetivou verificar os efetivos polinizadores e sistema reprodutivo prevalente em A. coriacea. Flores foram marcadas e acompanhadas durante períodos do dia e da noite para verificar os polinizadores legítimos. Tratamentos de polinização manual foram realizados para determinar o sistema reprodutivo. Besouros escarabeídeos Cyclocephala atricapilla e Cyclocephala quatuordecimpunctata (Dynastinae) foram atraídos pelo odor emitido pelas flores no início da noite já contendo pólen em seus corpos e penetraram na câmara floral, onde permaneceram por até 48h alimentando-se das pétalas e de pólen, copulando, e ao tocarem nos estigmas receptivos, depositaram pólen. Posteriormente, flores em fase masculina liberaram pólen que novamente sujou o corpo dos besouros e, com a queda da flor, voaram para outra flor recém-aberta e em fase feminina, iniciando novo ciclo de polinização. A. coriacea é uma espécie autocompatível e Cyclocephala foram polinizadores muito eficientes.

Termos para indexação:Annona coriacea, autocompatibilidade, Cerrado, Cyclocephala, polinização por besouros.

ABSTRACT

Anonaceous, in general, are cantharophilous highly specialized, presenting thick, fleshy and nutritious petals forming a floral chamber with thermogenese occurrence. This study aimed to verify the effective pollinators and prevalent breeding system in A. coriacea. Flowers were marked and accompanied during day and night periods to verify legitimate pollinators. Treatments of hand pollination were done to determine the breeding system. Scarab beetles Cyclocephala atricapilla and Cyclocephala quatuordecimpunctata (Dynastinae) were attracted by the scent exhaled by flowers in the beginning of the night already containing pollen on their bodies and penetrated into floral chamber, where stayed until 48 h feeding on the petals and shed pollen, copulating and when they touched the receptive stigmas, deposited pollen. Afterwards, flower in male phase released pollen that once more got the beetle bodies dirty and with the flower fall they flied to new-open flower and in female phase starting new pollination cycle. A. coriacea is a self-compatible species and Cyclocephala were considered very efficient pollinators.

Index term: Annona coriacea, beetle pollination, Cerrado, Cyclocephala, Self-compatibility.

INTRODUÇÃO

Annonacea é uma família de distribuição pantropical que apresenta maior diversidade dentre a ordem Magnoliales e demais famílias de angiospermas basais. São reconhecidas cerca de 2.400 espécies pertencentes a 108 gêneros nesta família (RAINER; CHATROU, 2006), cujos representantes são predominantemente plantas lenhosas de hábito arbóreo ou arbustivo (SOUZA; LORENZI, 2005).

O sistema de polinização nas anonáceas é predominantemente cantarófilo (GOTTSBERGER; SILBERBAUER-GOTTSBERGER, 2006; PAULINO-NETO; OLIVEIRA, 2006; MAIA et al., 2012), apresentando flores altamente especializadas à polinização por besouros. Suas flores são, em geral, grandes, com elevado número de estames e carpelos firmemente arranjados no centro do receptáculo floral, cujas pétalas frequentemente se dobram em direção ao centro da flor, formando uma câmara floral (GOTTSBERGER, 1990; GOTTSBERGER; SILBERBAUER-GOTTSBERGER, 2006; PAULINO-NETO; OLIVEIRA, 2006; MAIA et al., 2012). Suas flores, usualmente, apresentam pétalas espessas, carnosas e nutritivas (GOTTSBERGER, 1988; 1990), e através da respiração termogênica (GOTTSBERGER 1989a; 1990; 1994; GOTTSBERGER; SILBERBAUER-GOTTSBERGER, 2006; PAULINO NETO; OLIVEIRA, 2006; MAIA et al., 2012) conseguem elevar a temperatura no interior da câmara floral que pode atingir até 15ºC acima da temperatura ambiente do ar. A termogênese aumenta a volatilização de seus odores característicos que, por sua vez, atraem os besouros (GOTTSBERGER, 1989b; 1990; 1994; GOTTSBERGER; SILBERBAUER-GOTTSBERGER, 2006; PAULINO-NETO; OLIVEIRA, 2006; MAIA et al., 2012). No entanto, apesar de a cantarofilia ser o modo de polinização predominante entre as anonáceas (GOTTSBERGER, 1988; 1989a; b; 1990; 1994; MAIA et al., 2012), existem outros sistemas, tais como a polinização por tripes (GOTTSBERGER, 1994), moscas (GOTTSBERGER, 1988; NORMAN et al., 1992), abelhas (CARVALHO; WEBBER, 2000) e até mesmo baratas (NAGAMITSU; INOUE, 1997).

No Brasil, ocorrem 29 gêneros e cerca de 260 espécies (BARROSO, 1991). Dentre estes, o gênero Annona destaca-se por apresentar inúmeras espécies, e muitas delas constituem importante fonte de recurso alimentar para a fauna e/ou são muito apreciados pelo homem, sendo consumidos in natura ou como sucos, sorvetes, bombons e apresentando alto valor comercial. Dentre as espécies mais apreciadas, estão Annona, Atemoia, Fruta-do-conde, Graviola, Marolo, Pinha (DURIGAN et al., 2004; LORENZI, 2002). Dentre estas espécies, Annona coriacea Mart. (Araticum-liso, é amplamente distribuída pelo Cerrado brasileiro (BARROSO, 1991), possui flores hermafroditas e consiste em uma espécie cantarófila, ou seja, polinizada por besouros, mais especificamente por besouros do gênero Cyclocephala (GOTTSBERGER; SILBERBAUER- GOTTSBERGER, 2006a).

Este estudo teve por finalidade: 1) determinar quais são os efetivos polinizadores; e 2) investigar o sistema reprodutivo prevalente de A. coriacea

MATERIAL E MÉTODOS

Local e período de estudo

Este estudo foi realizado em área de Cerrado, entre setembro de 2006 e junho de 2007, localizada na Estação Ecológica de Itirapina (EEI), no município de Itirapina-SP, uma das poucas áreas de Cerrado do Estado de São Paulo (22º12' S, 47º55' W), que possui todas fitofisionomias típicas de Cerrado distribuídas numa área de 2.566 ha (DURIGAN et al., 2002; DELGADO et al., 2004). A EEI está situada a 730 m acima do nível do mar, apresentando clima mesotérmico, marcado por inverno seco de abril a setembro e verão úmido entre outubro e março (DELGADO et al., 2004). Segundo dados meteorológicos do Instituto Florestal de Itirapina para período de janeiro de 2005 a dezembro de 2007, a temperatura média mensal, a pluviosidade e a umidade variaram de 16,2 a 23,3ºC, 0 a 142 mm e 36,4 a 62,6%, respectivamente.

Sistema de estudo

Annona coriacea, popularmente conhecida por araticum-liso, araticum, araticum-do-campo, marolo, cabeça-de-negro e araticum-dos-grandes, é uma espécie característica de áreas de cerrado, cujo porte varia entre arbustivo e árvore de pequeno porte (3-6 m de altura), ocorrendo predominantemente em fitofisionomias campestres de cerrado, cerrado típico e ocasionalmente em cerradão (Figura 1A). Espécie ocorre nos Estados da Bahia, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Frutos consistem em um sincarpo ovoide-obtuso, os quais podem atingir até 25 cm de comprimento, comestíveis e muito apreciados pela fauna. Frutos também são consumidos na forma natural e também na forma de suco, sendo inclusive cultivados em muitos pomares domésticos e comercializados como fruta. Espécie importante em reflorestamentos de áreas degradadas por apresentar características de planta pioneira, apesar de apresentar crescimento lento (DURIGAN et al., 2004; LORENZI, 2002).


Polinização

A atividade dos visitantes em flores funcionais foi registrada em 15 indivíduos reprodutivos, distribuídos nas fitofisionomias de "Campo Sujo" e "Campo Cerrado" ao longo do período de floração, compreendido entre final de 2006 e início de 2007. Como a espécie estudada apresenta câmara floral fechada, visitantes florais foram acessados afastando-se manualmente as pétalas entre si para visualização de seu interior. As observações ocorreram em diferentes períodos do dia, manhã, tarde, noite, incluindo madrugada. Os visitantes florais foram fotografados e, quando possível, coletados para posterior identificação.

Sistema reprodutivo

Polinizações manuais controladas foram realizadas de 20-11 a 15-12-2006, nos 15 indivíduos reprodutivos citados acima, e o desenvolvimento dos frutos oriundos deste experimento foi acompanhado até seu completo desenvolvimento. Botões florais em pré-antese foram cobertos com pano filó para evitar que flores fossem visitadas. Foram realizados quatro tipos de tratamentos controlados: 1) simples ensacamento dos botões (visando a checar se ocorre autopolinização espontânea); 2) autopolinização manual (depositando-se sobre estigma receptivo pólen oriundo de outras flores da mesma planta); 3) polinização cruzada manual (polinizando flores com pólen proniviente de flores de outras plantas da população); e 4) polinização aberta (para verificar a eficiência da polinização ocorrida naturalmente em produzir frutos). Em todos os tratamentos de polinização, foi utilizado pólen fresco e flores apresentando nítida produção de exsudato sobre estigmas, representando fase pistilada e funcionalmente feminina. O índice de autoincompatibilidade - IAI, foi calculado dividindo-se a porcentagem de frutos produzidos pelo tratamento de autopolinização pela porcentagem de frutos provenientes de polinização cruzada, e a espécie é considerada como autocompatível IAI < 0,25 (BULLOCK, 1985). Em adição, foi calculada eficácia reprodutiva, que de acordo com Ruiz e Arroyo (1978), consiste na porcentagem de frutos decorrentes de polinização natural/porcentagem de frutos resultantes de polinização cruzada, fornecendo uma indicação direta da eficiência do polinizador.

RESULTADOS

Polinização

Os visitantes florais de A. coriacea mais assíduos no interior da câmara floral foram C. atricapilla e C. quatuordecimpunctata (Scarabaeidae: Dynastinae; Figura 1B; C ). Estes besouros permaneceram na flor desde sua antese até sua queda, alimentando-se das pétalas e pólen, copulando e transferindo o pólen de outras flores que estavam aderidos sobre seus corpos para os estigmas receptivos e que produzia exsudato viscoso e transparente (Figura 1D). Durante a fase masculina, um grupo de estigmas se desprendeu do gineceu, e estames soltaram-se do androceu, passando a liberar pólen que cai sobre os Cyclocephala que novamente fica aderido sobre eles (Figura 1E). Tais besouros emergiram assim que A. coriacea iniciou seu período de floração.




Outras espécies de besouros observadas menos frequentemente nas flores de A. coriacea foram Colopterus sp., Lobiopa sp1., Lobiopa sp2., Lobiopa sp3. e Lobiopa sp4. (Nitidulidae), cujo comportamento também pode favorecer a polinização. Flores também foram visitadas por várias espécies de curculionídeos, tais como Conotrachelus sp1., Conotrachelus sp2. e Telemus sp. (Curculionidae: Baridinae), que perfuraram as pépalas externas e raramente foram observados no interior da câmara floral.

Sistema reprodutivo

Annona coriacea não produziu frutos por autopolinização espontânea e houve baixa produção de frutos em todos os demais tratamentos. O índice de autoincompatibilidade foi de 0,75, portanto a espécie foi considerada autocompatível, visto que, segundo Bullock (1985), IAI < 0,25 indica autocompatibilidade, ou seja, frutos são formados tanto por autopolinizações como por polinizações cruzadas (Figura 1F). A eficácia reprodutiva foi de 1,17, com 23,33% de frutos produzidos por polinização natural e 20% oriundos de polinização cruzada manual (Tabela 1).


DISCUSSÃO

Polinização

A protoginia é uma característica de anonáceas e ocorre não somente em Annona, mas também nos demais gêneros, favorecendo a polinização cruzada, visto que a flor já se encontra funcionalmente feminina, receptiva, e o conjunto de estigmas produzindo relativamente grande quantidade de exsudato quando besouros polinizadores chegam sujos de pólen provenientes de outras flores da população. Então, este pólen adere-se sobre os estigmas, pois este exsudato é muito viscoso. A xenogamia também é favorecida, já que, posteriormente, estes besouros abandonam as flores, agora funcionalmente masculinas, com o corpo coberto de pólen e voa para uma nova flor recém-aberta e receptiva, novamente transferindo pólen (GOTTSBERGER, 1990; 1994; SILBERBAUER-GOTTSBERGER et al., 2001; GOTTSBERGER; SILBERBAUER-GOTTSBERGER, 2006; PAULINO-NETO; OLIVEIRA, 2006; MAIA et al., 2012).

Dentre todos os visitantes florais registrados no interior da câmara floral de A. coriácea, os besouros C. atricapilla e C. quatuordecimpunctata (Scaraaeidae: Dynastinae) foram os mais frequentes e, principalmente, os que exibiram comportamento que mais favoreceu a transferência de pólen entre flores na população estudada, pois permanecem por até 48 h no interior da câmara floral, caminhando sobre o androceu e o gineceu. Besouros Cyclocephala chegam às flores recém-abertas com pólen aderido sobre seus corpos no início da noite, horário em que estão produzindo odor mais intenso e funcionalmente femininas e receptivas, realizando transferência de pólen. Em adição, foram os maiores besouros e, portanto, os que potencialmente transferem maior quantidade de pólen por visita. Desta maneira, ambas as espécies de besouros Cyclocephala foram consideradas como efetivos e os principais polinizadores de A. coriacea na área estudada. Entretanto, em estudos anteriores (GOTTSBERGER, 1989a; 1990), somente C. atricapilla era considerado efetivo polinizador desta Annona, sendo C. quatuordecimpunctata observado muito ocasionalmente. Portanto, este é o primeiro registro em que C. quatuordecimpunctata foi abundante e também considerado como polinizador de A. coriacea.

Outras espécies de coleópteros nitidulídeos, tais como Colopterus sp., Lobiopa sp1., Lobiopa sp2., Lobiopa sp3. e Lobiopa sp4. podem eventualmente promover polinização, mas considerando seus tamanhos corporais em relação às espécies de Cyclocephala, pequena abundância na câmara floral e menor capacidade de deslocamento entre plantas co-específicas foram considerados polinizadores secundários e muito eventuais, que pouco contribuem para o sistema de polinização como um todo.

Já besouros Conotrachelus sp1., Conotrachelus sp2. e Telemus sp. (Curculionidae: Baridinae) foram observados na grande maioria das vezes na parte externa de botões florais e flores, e raramente na parte externa e/ou no interior da câmara floral de flores funcionais. Provavelmente, esses besouros utilizam-se das flores para colocar seus ovos e como recurso alimentar para suas larvas desenvolverem-se. Florivoria e oviposição no interior da câmara floral por curculionídeos é comum entre espécies de anonácea e, muitas vezes, pode resultar em diminuição do sucesso reprodutivo da planta, como registrado por Paulino-Neto e Teixeira (2006). Entretanto, como estes besouros perfuram as pétalas externas e não o ovário das flores, futuros estudos são necessários para compreender melhor a função destes curculionídeos e seu efeito sobre o sucesso reprodutivo de A. coriacea.

Sistema reprodutivo

Annona coriacea consiste em uma espécie autocompatível, o que favorece maior produção de frutos, haja visto que não depende somente do pólen oriundo de outra planta (polinização cruzada) para produzir frutos, sendo capaz de igualmente produzir frutos com pólen proveniente de flores da própria planta (autopolinização). Este tipo de sistema reprodutivo pode consistir em uma grande adaptação em sistemas cujos polinizadores apresentam limitações em se deslocar entre plantas da mesma população e/ou não são tão eficientes para promoverem a polinização xenogâmica.

Entretanto, o índice de eficácia reprodutiva de 1,17, considerado elevado, indica que há maior produção de frutos oriunda de polinização natural realizada pelos besouros do que de frutos resultantes de polinização cruzada manual, deixando claro que os polinizadores (C. atricapilla e C. quatuordecimpunctata) são extremamente eficazes em promover transferência de pólen entre flores na população de A. coriacea aqui estudada.

Apesar da alta eficiência dos polinizadores, independentemente do tipo de tratamento, somente 15-23,33% das flores produzidas resultam em frutos, o que foi considerado baixo para o sistema de polinização de A. coriacea. Tendo em vista que a maioria dos indivíduos produz de três a oito flores (observação pessoal), uma produção de frutos variando em torno de 15-23,33% representou, para a maioria das plantas, nenhum fruto desenvolvido e, portanto, sucesso reprodutivo nulo. Como os tratamentos de polinização controlada evidenciaram que não há limitação polínica, talvez a baixa produtividade de frutos possa ser consequência de limitação de algum recurso do solo ou estresse hídrico.

Assim, visando a potencializar o cultivo de A. coriacea e a aumentar a produtividade e a qualidade dos frutos para comercialização, é fortemente indicado que se verifique o estado nutricional do solo e se ele contém os nutrientes exigidos pela espécie. Também é indicado averiguar se há deficiência hídrica na cultura estabelecida para que a produção seja otimizada, produzindo-se maior quantidade de frutos com maior tamanho e qualidade. Também é fundamental que se conserve a fauna de principais polinizadores que, para A. coriacea, são besouros C. atricapilla e C. quatuordecimpunctata (Scarabaeidae: Dynastinae), pois sua ausência ou baixa ocorrência certamente resultará em menor produtividade e menor qualidade dos frutos. Em locais em que tais polinizadores já não mais existem ou ocorrem em baixa abundância, é fundamental que estas espécies de polinizadores sejam introduzidas na área.

CONCLUSÕES

1- Annona coriacea é uma espécie cantarófila e autocompatível.

2- Os principais e efetivos polinizadores foram besouros Cyclocephala atricapilla e C. quatuordecimpunctata (Scaraaeidae: Dynastinae).

3- A polinização por Cyclocephala é mais eficaz que autopolinização e polinização cruzada manual.

4- A produção de frutos foi considerada baixa e provavelmente há limitação de algum recurso do solo ou estresse hídrico.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao comitê Técnico Científico e aos organizadores do V International Congress & V Brazilian Meeting About Annonaceae: From Gene to Exportation, pelo convite; à Revista Brasileira de Fruticultura, pela organização deste número especial sobre anonáceas; aos doutores Brett Ratcliffe, Sérgio Vanin e Daniela Bená, pela identificação dos besouros; ao Instituto Florestal do Estado de São Paulo (IF), pela permissão e apoio logístico para pesquisar na Estação Ecológica de Itirapina. Meus sinceros agradecimentos à Milene Souza Rodrigues, Maria Sueli Paulino e Luiz Carlos Baldim, pelo apoio incondicional durante a redação deste manuscrito, e a Michele Araújo, Lucas Antônio, Marçal Cardeal e Jorge Ferreira, pela ajuda imprescindível no campo durante a coleta de dados; à Ong Idea Wild, pela doação de equipamentos úteis para coleta e análise de dados no campo, e à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela concessão da bolsa de Demanda Social, durante doutoramento no Brasil, e bolsa Estágio Doutorando PDEE (nº 1055-08-9), para estágio no exterior, realizado na Florida International University (FIU), Miami-FL, Estados Unidos.

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    Palestra Anonáceas - V Congresso Internacional & Encontro Brasileiro sobre Annonaceae: do gene à exportação (19 a 23 de Agosto de 2013). Botucatu-SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      2014
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