INTRODUÇÃO
O pessegueiro (Prunus persica (L.) Batsch) está entre as espécies frutíferas mais cultivadas no mundo. No Brasil, devido à grande amplitude de adaptação dos materiais disponíveis para cultivo comercial (FACHINELLO ; MARODIN, 2004), o plantio estende-se do Estado do Rio Grande do Sul até Minas Gerais. Nas regiões de inverno ameno, onde retarda a queda das folhas, as epidemias de ferrugem, causadas pelo fungo Tranzschelia discolor (Fuckel) Tranzschel & Litv., têm sido observadas com maior frequência (CITADIN et al., 2005), causando prejuízos aos produtores (ALVES et al., 2008). Relatos de danos também são encontrados no Estado de São Paulo (RODRIGUES et al., 2008),segundo polo produtor de pêssegos do Brasil, onde a ferrugem é a principal doença foliar.
Os danos causados pela ferrugem ocorrem em função da queda precoce da folha, o que pode induzir a floração e a brotação antecipada, levando à redução da produtividade do pomar (ALVE S; MAY-DE MIO, 2008). No Paraná, urediniósporos do fungo sobrevivem no inverno, sendo observadas urédias em cancros dos ramos, os quais podem servir de inóculo primário para infecções na safra seguinte (ALVE S et al., 2010).Teliósporos podem ser observados em pústulas em meados de maio (início da queda natural das folhas). Entretanto, a germinação destes teliósporos na primavera e o ciclo a partir de basidiósporos, passando por hospedeiro intermediário, não foram relatados no Brasil.
A aplicação de fungicidas é a prática utilizada em sistemas de manejo fitossanitário visando ao controle da ferrugem em pomares de pessegueiro (MAY -DE MIO et al., 2004), pois não há relatos sobre cultivares comerciais resistentes à doença, embora sejam observadas diferenças na intensidade da doença entre as cultivares (BARBOSA et al., 1994; CITADIN et al., 2010).
Na região da Lapa, maior produtora de pêssego do Estado do Paraná, a ferrugem ocorre em praticamente todos os pomares da região, e o uso de fungicidas é necessário para manter a folha na planta antes da desfolha natural. Apesar da importância da doença, são escassos os estudos que avaliam a diferença na intensidade da epidemia entre as cultivares comerciais mais utilizadas pelo produtor.
O objetivo do trabalho foi avaliar e comparar a intensidade da ferrugem em onze cultivares de pessegueiro em pomar comercial manejado segundo as normas da produção integrada.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi conduzido em pomar de pessegueiros localizado no município da Lapa- PR, Brasil, nas safras de 2007/2008 e 2008/2009, em pomar manejado de acordo com as normas da produção integrada de pêssegos (TI BOLA et al., 2007). O pomar, implantado no ano de 2004, situase em latitude 25º55’10”S, longitude 49°57’26”W e altitude de 863 m. O clima da região na classificação de Köppen é do tipo subtropical (Cfb), com verões frescos e sem estação seca definida. Os dados de precipitação pluviométrica foram coletados no local do experimento, e a temperatura foi obtida junto ao Instituto Tecnológico Simepar-PR, distante 8 km do experimento.
Foram realizadas oito pulverizações alternadas de mancozebe (200 g 100 L-1 de água) e captana (240 g 100 L-1 de água) entre outubro e janeiro, nos dois anos. No segundo ano, duas aplicações adicionais do fungicida metiran (300 g 100 L-1 de água) foram feitas em fevereiro e março, perfazendo um total de dez pulverizações. As pulverizações foram realizadas de acordo com o calendário do produtor.
O delineamento experimental foi em blocos ao acaso, com 11 tratamentos (cultivares) e três repetições (blocos). Cada bloco foi constituído de uma linha de plantio contendo as onze cultivares. As cultivares Aurora 1, Premier e Vanguarda são consideradas de maturação precoce; Chimarrita, Coral, Granada, Leonense, Maciel e Marli, de maturação intermediária, e Chiripá e Eldorado, de maturação tardia (ALVE S et al., 2012), as quais estavam dispostas dentro de um pomar comercial de pessegueiro. A unidade experimental foi composta de três plantas, por cultivar, na linha, sendo a planta central utilizada para a coleta dos dados, e as laterais, como bordadura. As plantas foram conduzidas em sistema ‘Y’, com espaçamento de 1,5 x 6,0 m entre plantas e linhas, respectivamente.
Para avaliar a reação das cultivares em relação à ferrugem do pessegueiro, as variáveis analisadas foram: incidência (proporção de folhas sintomáticas), severidade (percentual de área foliar sintomática) da doença e a desfolha em ramos mistos. Para tanto, foram marcados, na planta central de cada parcela, oito ramos mistos, com aproximadamente 35 cm de comprimento cada um distribuídos na copa da planta e voltados para a entrelinha. As avaliações foram realizadas a cada 15 dias, iniciando em novembro e finalizando em abril, em ambos os anos. As estimativas de severidade foram feitas com auxílio de escala diagramática (PERETTO ; SILVA , 2002; RODRIGUES et al., 2008) composta por cinco níveis de severidade: 0; 0,8; 2,4; 4,5 e 13,7%. Foram calculados os valores médios de incidência e severidade da doença (média de oito ramos/ repetição). A desfolha, expressa em porcentagem, foi estimada considerando o número de folhas da última avaliação em relação ao enfolhamento máximo, nos mesmos ramos utilizados para as outras avaliações.
Os valores de severidade foram integrados pelo modelo trapezoidal (CAMPBELL; MADDEN, 1990), calculando-se, assim, o valor da área abaixo da curva de progresso da severidade (AACPS). Os valores de incidência e severidade observados na avaliação final e a AACPS foram submetidos à análise de variância, e as médias, comparadas pelo teste Scott Knott, a 5 % de probabilidade, utilizandose do software Sisvar (FERREIRA, 2000). Os dados de progresso da incidência média foram submetidos à análise de regressão não linear, ajustandose o modelo logístico (BERGAMIN FILHO, 2011) utilizado para epidemias de ferrugem do pessegueiro em outras regiões (SOTO -ESTRADA; ADASKAVE G, 2004; ALVE S et al., 2011). Os parâmetros, taxa de progresso da doença e inóculo inicial, estimados pelos modelos nas diferentes cultivares, foram comparadas pelo teste t, a 5 % de significância (MADDEN et al., 2007). Os ajustes do modelo logístico foram realizados com auxílio do programa Statistica 8.0 (STAT SOFT, 2008).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No ciclo de 2007/2008, os primeiros sintomas foram observados a partir do mês de dezembro (18- 12-2007), nas plantas das cvs. Aurora 1 e Vanguarda. Em 25-01-2007, a cv. Chimarrita apresentou sintomas da doença seguida por Maciel e Granada (07-02-2008), Premier e Leonense (21-02-2008) e Chiripá, Eldorado, Marli e Coral (05-03-2008). No ciclo de 2008/2009, os primeiros sintomas foram observados em março, iniciando nas cultivares Chimarrita e Granada (06-03-2009) e posteriormente nas demais. Não foi verificada diferença significativa entre os valores de inóculo inicial (y0) nos dois anos (Tabela 1), o que sugere distribuição uniforme do inóculo na área. Tal fato é importante em estudos de suscetibilidade de cultivares em condições naturais de infecção (BEN-YEPHET et al., 1996). Neste experimento, esta uniformidade de inóculo e o uso do mesmo calendário de fungicidas, para todas as cultivares, permitiram comparar o desempenho destas cultivares na mesma condição de cultivo. O coeficiente de determinação (R2) do ajuste do modelo foi superior a 0,91, exceto nas cultivares Aurora 1 (R2 0,80) e Maciel (R2 0,82), na primeira safra; entretanto, todos foram considerados adequados para a comparação dos parâmetros. O modelo logístico ajustou-se aos dados de progresso da incidência da ferrugem nas cultivares de pessegueiro, que tipicamente descreve o progresso de ferrugens, como já observado para este hospedeiro (ALVE S et al., 2011) e em outros hospedeiros, como álamo (MAY - DE MIO et al., 2006) e soja (TSUMANUMA et al., 2010; MESQUINI et al., 2011).
O valor máximo de incidência na avaliação final do ano de 2007 foi observado na cultivar Chimarrita, seguida por Granada, Chiripá, Coral e Leonense, e nas demais, a incidência máxima foi inferior a 50% (Tabela 1). No ano de 2008, a incidência final foi menor, provavelmente devido ao maior número de pulverizações, e a utilização do fungicida metiram, em janeiro e fevereiro, o que pode ter interrompido o avanço da doença. Neste ano, as 11 cultivares podem ser separadas em dois grupos, com base nos valores de incidência da doença nas folhas: Leonense, Chimarrita e Granada (43-49,3%), e as outras cultivares com incidências máximas abaixo de 29% (Tabela 1). Soto-Estrada e Adaskaveg (2004) avaliaram a epidemia de ferrugem, em cultivares de pomares comerciais da principal região produtora de pêssegos da Califórnia/USA, com os dados de incidência, e relataram que, no terceiro ano do experimento, com 56% de incidência nos ramos, observaram 9,1% de incidência nos frutos. No Paraná, a doença é severa em folhas, mas não tem sido observada com frequência em frutos, porém, na região produtora de Paranapanema, Estado de São Paulo, produtores constantemente observam sintomas nos frutos, os quais, segundo eles, têm aumentado em frequência nos últimos anos.
A severidade nos dois anos, para a maioria das cultivares, foi baixa, apresentando valores inferiores ou próximos a 1% (Tabela 2) até o período natural de queda das folhas (maio). Este resultado, provavelmente, está relacionando às pulverizações realizadas durante o experimento. A severidade apresentou padrão de crescimento exponencial sem atingir a estabilização, com níveis insuficientes para provocar desfolha. No Estado de São Paulo, a severidade média do ramo, na cultivar Chimarrita, para provocar desfolha, deve atingir percentual acima de 10% (RODRIGUES et al., 2008). No sudoeste do Paraná, Assmann et al. (2010) verificaram mais de 50% de desfolha em cultivares de pessegueiro com severidade media próxima a 4%. A resposta da planta à desfolha e a esses limiares de severidade máxima na folha varia conforme a cultivar e as condições ambientais na safra (CITADIN et al., 2005).
Como os valores de severidade máxima foram baixos (0,06 a 1,56% da área foliar lesionada), as epidemias foram comparadas somente pelos valores absolutos de incidência. Parâmetros de ajuste à curva de progresso da severidade não foram considerados.
Foram observadas neste experimento variações nos valores de incidência e severidade entre as safras estudadas, o que pode estar relacionado com a época de início das epidemias (ALVE S et al., 2008), que ocorrem em função do nível de inóculo inicial presente nos ramos (SOTO -ESTRADA et al., 2005), associado às condições ambientais favoráveis.
Dentre os fatores climáticos, o desenvovimento das epidemias de ferrugem do pessegueiro é influenciado pela temperatura (ELLISON et al., 1988) e pelo período de molhamento durante o desenvolvimento vegetativo em climas subtropicais e tropicais (MARTINS; AMORIN, 1999). No ano de 2008, a ocorrência de temperaturas mais baixas durante a primavera, aliada ao tratamento fitossanitário, pode ter causado o atraso da epidemia, que apresentou os primeiros sintomas da doença em março. Soto-Estrada e Adaskaveg (2004)verificaram aumento da incidência de ferrugem em pomares da Califórnia nos anos com precipitação frequente e temperaturas amenas. No presente trabalho, a incidência final foi inferior a 83% no primeiro ano e 50% no segundo ano, possivelmente influenciada pelos menores valores acumulados de precipitação (680 mm e 540 mm no primeiro e segundo anos, respectivamente), no período de novembro a março.
A intensidade da ferrugem do pessegueiro no experimento variou entre as onze cultivares testadas , sendo menor na cultivar Eldorado e maior na Chimarrita, Granada e Leonense (Tabelas 1 e 2).
Em concordância com esses resultados, Kowata et al. (2011), avaliando a situação da produção integrada na mesma região, no mesmo período do presente trabalho, também verificaram menor incidência da ferrugem em pomares da cultivar Eldorado, o que sugere ser esta cultivar menos suscetível à ferrugem.
A cultivar Chiripá, que é de maturação tardia e iniciou o enfolhamento mais tarde, foi a última a apresentar sintomas, mas no final do ciclo apresentou incidência inferior somente a Chimarrita e Granada, nos dois anos avaliados, e a Leonense, no segundo ano (Tabela 1), demonstrando maior suscetibilidade a infecções secundárias. Tal observação também pode ser devido à disponibilidade de tecido foliar ocorrer na primavera, período em que se observa maior quantidade de urédias em cancros dos ramos (dados não apresentados), demonstrando que a importância da dispersão do inóculo dentro da planta é maior do que entre as áreas (NESI et al., 2014). Ao contrário do observado neste trabalho, Citadin et al. (2010), avaliando estas mesmas cultivares, em pomar sem controle químico, na região sudoeste do Estado do Paraná, em única avaliação no mês de fevereiro, não observaram diferenças na incidência entre estas cultivares, indicando que o comportamento entre as cultivares pode variar em função do controle da doença, corroborando a importância do estudo de cultivares em condições comerciais. Além disso, a doença também é muito influenciada pelo clima e inóculo inicial, o que favorece as diferenças na incidência da doença, porém é mais representativo e confiável para discutir a reação de cultivares ao desenvolvimento da ferrugem à avaliação ao longo do tempo.
TABELA 1 Incidência máxima observada no campo; inóculo inicial (y0) e taxa de progresso da doença (r) estimados pelo modelo logístico ajustado aos dados de incidência da ferrugem do pessegueiro (Tranzschelia discolor) e respectivos coeficientes de determinação (R2) em diferentes cultivares. Safras de 2007/2008 e 2008/2009.
