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O professor e o ensino a distância

Editorial

O professor e o ensino a distância

Prof. Dr. Gilberto Perez Cardoso* * Professor Titular de Medicina Interna, Coordenador Geral da Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal Fluminense.

Em recente pesquisa de opinião, levada a cabo na Universidade de São Paulo(1), e que envolveu 280 alunos dos cursos de graduação nas áreas de Comunicação, Administração, Economia, Psicologia, Engenharia, Direito, Medicina e Educação, parcela importante desses alunos (em torno de 18%) revelou acreditar que o professor estaria com os dias contados. Para esses estudantes, os mestres logo perderiam espaço para as máquinas — em especial para o computador.

Esses mesmos alunos, segundo a pesquisa, acham que seu aprendizado será permanente ao longo de toda a sua vida (98%); que muitas aulas, em breve, serão ministradas a distância (62%); que poderão, em futuro próximo, montar seus próprios currículos, escolhendo as matérias que mais lhes agradarem durante os cursos (55%), e que ferramentas tecnológicas de ensino, tais como TV, vídeo e vídeo-conferência, serão fundamentais (55%).

É curioso, contudo, observar da pesquisa, que o mesmo grupo acha que o professor continuará a existir (só 18% acham que não), que o diploma continuará a ser importante (só 17% acham que não), e que os livros em papel continuarão tendo relevante função (só 7% acham que não).

Em muitos aspectos, essa visão dos estudantes da USP parece coincidir com a daqueles que, ultimamente, têm-se entusiasmado com a chamada "educação a distância", chegando, por vezes, à euforia de parecer dispensar a atuação do professor, que se tornaria figura supérflua no processo de ensino-aprendizagem.

Na pesquisa em questão foram entrevistados 40 estudantes de cada curso, e algumas informações são ainda mais interessantes. A maioria acha que, do que lhe foi informado na escola, efetivamente aprendeu entre 50% e 70%, no máximo. E que a melhor forma de aprendizado foi, a saber: aula expositiva (31%); estudo sozinho (30%); trabalhos em grupo ou em seminários (20%), e realizando pesquisas práticas (14%). A maioria acredita que os alunos, no futuro, assim como também os professores, vão estar mais envolvidos com a faculdade e que as aulas serão mais dinâmicas, mais práticas e participativas (34%).

O interessante é compararmos algumas respostas dadas pelo conjunto dos alunos com aquelas fornecidas pelos alunos de Medicina. Os alunos de Medicina, em relação ao conjunto, acreditam também que a aprendizagem será contínua por toda a vida (100% × 98%); que muitas aulas serão dadas via Internet (68% × 62%), e que ferramentas tecnológicas serão importantes no ensino (68% × 55%). Mas são em menor número os que se acham capazes de montar sozinhos o próprio curso (38% × 55%), e os que concordam com a hipótese do desaparecimento do professor (3% × 18%) e com a possibilidade do desaparecimento do livro em papel (5% × 7%).

O grupo considera, ainda, como ponto positivo no "ensino a distância", a flexibilidade e a comodidade do horário (38%) e o conforto de não precisar se deslocar (29%). É compreensível até, especialmente num grande centro (com as dificuldades de deslocamento, os riscos de assaltos, etc.), que o ensino a distância seja festejado pelo seu aspecto de ser cômodo. Contudo, é interessante observar que o mesmo grupo, quando convidado a destacar os aspectos negativos de tal modalidade de ensino, tenha apontado "falta da presença, experiência, contato físico e intermediação do professor", especialmente para esclarecer dúvidas imediatas (45%). Além disso, 23% acham que "o ensino virtual fica muito impessoal, superficial e perde o contato humano, que é fundamental". De maneira muito significativa, os alunos de Medicina acham ainda que a "educação a distância" poderia ser útil em matérias que não necessitassem de contato com o paciente (Bioquímica, Estatística, Epidemiologia, etc.) e naquelas basicamente teóricas — Microbiologia, Fisiologia, Patologia e Histologia, entre outras. Dos alunos de Medicina, 71% acham que "a educação a distância não funcionaria em Clínica, Propedêutica, Anatomia e Cirurgia".

Por fim, quando indagados sobre se um curso a distância poderia dar certo sem nenhum contato humano presencial, 89% dos alunos do grupo de 280 responderam taxativamente que não.

A pesquisa fala por si só. A chamada "educação a distância", a nosso ver, é mais um método (às vezes muito eficiente e cômodo) que pode auxiliar o professor no processo de ensino-aprendizagem. Seria tolice, entretanto, festejá-lo como solução para todos os problemas do ensino, como uma panacéia para solucionar a nossa ignorância. As opiniões mostram claramente as limitações dessa modalidade, assim como são limitadas as longas aulas expositivas e aborrecidas as projeções seguidas de diapositivos com a luz apagada, enquanto a platéia se entrega gostosamente ao sono profundo.

Numa área como a médica, em que o aprender se confunde, essencialmente e em muitas ocasiões, com o fazer, é preciso não nos deixarmos entusiasmar açodadamente por métodos de ensino que nos afastem do paciente. Aliás, anteriormente já tivemos a oportunidade de apontar, do ponto de vista do rendimento educacional, a limitação de cursos teóricos, congressos e simpósios. Eles podem informar a novidade, mas não formam e não treinam, porque isso só se obtém pela prática.

Com relação aos métodos interativos, especialmente os computadorizados, começam a aparecer importantes críticos, e com conhecimento de causa. Recentemente, numa obra intitulada "High-tech heretic, reflections of a computer contrarian"(2), Clifford Stoll, cujo nome dispensa comentários para os aficionados pela Informática, despeja uma ducha de água fria sobre os defensores das maravilhas da Internet na escola. Segundo ele, "não se podem substituir bons professores por bons computadores ou bons "websites"; não se podem sequer substituir maus professores por um bom "software" ". Ainda segundo a abalizada opinião de Stoll, "absolutamente nada substitui a boa e velha relação professor/aluno". Na obra em questão, Stoll critica a pedagogia norte-americana pelo endeusamento da Informática e indaga sobre o que seria mais eficiente: despejar uma enxurrada de informações sobre os alunos ou desenvolver neles a sensibilidade necessária para poder interpretá-las?

Particularmente, estamos em total concordância com Stoll, aceitando a Informática como uma grande ferramenta ao nosso dispor, e festejando os métodos interativos de educação não-presencial como bons auxiliares no ensino médico e mesmo na abordagem do paciente — mas jamais cometendo a insensatez de inverter os papéis e subordinar o homem à máquina e as relações professor/aluno ou médico/paciente ao "software" engenhoso ou à teleconferência espetacular.

Parece sensato colocarmos as coisas em seus devidos lugares e lembrar que, na história da civilização, muitos feitos tecnológicos já surgiram... e também se foram.

O ser humano, porém, ficou.

(1)http://www.aprendiz.org.br/.

(2)http://www.anchorbooks.com.

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    Professor Titular de Medicina Interna, Coordenador Geral da Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal Fluminense.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2002
    • Data do Fascículo
      Jul 2002
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