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Osteoartropatia hipertrófica primária: relato de caso e revisão da literatura

Primary hypertrophic osteoarthropathy: a case report and review of the literature

Resumos

Os autores relatam um caso de osteoartropatia hipertrófica do tipo primária em paciente de 29 anos de idade, com dores articulares e aumento de volume das extremidades há 15 anos. Ao exame físico apresentava baqueteamento dos dedos e unhas em "vidro de relógio". A osteoartropatia hipertrófica foi considerada como primária porque foram excluídas todas as causas da forma secundária. As principais alterações radiológicas foram: espessamento das camadas corticais dos ossos tubulares e reação periosteal contínua do tipo lamelar. Não foram notadas alterações dos espaços articulares.

Osteoartropatia hipertrófica; Paquidermoperiostose; Baqueteamento digital


The authors report a case of primary hypertrophic osteoarthropathy in a 29-year-old male with swollen joints. Physical examination revealed also digital clubbing and convexity of the nails. All other causes of secondary forms of hypertrophic osteoarthropathy were excluded. The main radiological abnormalities found were bone cortical hypertrophy and periosteal proliferation. Abnormalities of the joint spaces were not observed.

Hypertrophic osteoarthropathy; Pachydermoperiostosis; Digital clubbing


Osteoartropatia hipertrófica primária: relato de caso e revisão da literatura* * Trabalho realizado nas Disciplinas de Reumatologia e de Radiologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), Uberaba, MG.

Primary hypertrophic osteoarthropathy: a case report and review of the literature.

Andréa de Almeida Peduti BatistaI; José Antônio de Paula BiancoII; Adriano Peduti BatistaIII; Luis Renato AlvesIII; Anderson AfonsoIII; Hélder de Souza Lima e SilvaIV; Fabiano de Almeida BorgesV; Celso Montenegro TurtelliVI; Marlene FreireVII

IMédica Residente (R3) em Reumatologia da FMTM

IIMédico Residente (R2) em Reumatologia da FMTM

IIIAcadêmicos (9º período) de Medicina da FMTM

IVMédico Residente (R1) em Radiologia da FMTM

VMédico Residente (R3) em Radiologia da FMTM

VIProfessor Adjunto da Disciplina de Radiologia da FMTM

VIIProfessora Adjunta da Disciplina de Reumatologia da FMTM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Prof. Dr. Celso Montenegro Turtelli Rua Constituição, 751 Uberaba, MG, 38025-110 E-mail: celsomt@mednet.com.br

RESUMO

Os autores relatam um caso de osteoartropatia hipertrófica do tipo primária em paciente de 29 anos de idade, com dores articulares e aumento de volume das extremidades há 15 anos. Ao exame físico apresentava baqueteamento dos dedos e unhas em "vidro de relógio". A osteoartropatia hipertrófica foi considerada como primária porque foram excluídas todas as causas da forma secundária. As principais alterações radiológicas foram: espessamento das camadas corticais dos ossos tubulares e reação periosteal contínua do tipo lamelar. Não foram notadas alterações dos espaços articulares.

Unitermos: Osteoartropatia hipertrófica; Paquidermoperiostose; Baqueteamento digital.

ABSTRACT

The authors report a case of primary hypertrophic osteoarthropathy in a 29-year-old male with swollen joints. Physical examination revealed also digital clubbing and convexity of the nails. All other causes of secondary forms of hypertrophic osteoarthropathy were excluded. The main radiological abnormalities found were bone cortical hypertrophy and periosteal proliferation. Abnormalities of the joint spaces were not observed.

Key words: Hypertrophic osteoarthropathy; Pachydermoperiostosis; Digital clubbing.

INTRODUÇÃO

A osteoartropatia hipertrófica primária (OAH) ou paquidermoperiostose é uma síndrome caracterizada por baqueteamento digital, neoformação óssea no periósteo (em 97% dos casos), especialmente nas diáfises distais dos ossos longos (antebraço e perna), fácies de aspecto áspero, com pele grosseira, enrugada e oleosa na região frontal, cutis verticis gyrata (em 98% dos casos), "pés de elefante" (em 24% dos casos) e seborréia (em 33% dos casos)(1–4). O início da doença tem distribuição bimodal, com um pico no primeiro ano de vida e outro aos 15 anos, coincidindo com o período de crescimento rápido na puberdade(5). A OAH pode ser classificada em primária, com provável herança autossômica dominante, de penetrância variável, e na forma secundária, como conseqüência de doenças pulmonares crônicas, cardiopatias congênitas cianóticas, doenças hepatobiliares e síndromes paraneoplásicas(6,7).

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 29 anos de idade, branco, casado, aposentado, natural e procedente de Perdizes, MG, chegou ao ambulatório de Reumatologia com queixa de dores nas juntas há um ano. Referia que há 15 anos vinha apresentando aumento do comprimento e espessura dos dedos das mãos e dos pés, poliartralgia das mãos, pés, joelhos e tornozelos, às vezes acompanhada de edema. Há um ano vem ocorrendo aumento progressivo da dor articular, atualmente contínua, que piora com o esforço e melhora parcialmente com o uso de antiinflamatório não-hormonal. Negava febre, alterações urinárias ou gastrointestinais. No interrogatório complementar referia ter personalidade ansiosa, com história pregressa de picos hipertensivos, encontrando-se, no momento, em uso irregular de anti-hipertensivo. Negava história familiar de alterações semelhantes às dele. Tabagista crônico (quatro cigarros de palha/dia por cinco anos) e etilista por dez anos, tendo abandonado este vício há um ano.

Ao exame físico o paciente encontrava-se em bom estado geral, afebril, corado e hidratado, com ausculta pulmonar limpa, sem ruídos adventícios e com murmúrio vesicular preservado, bilateralmente. Apresentava coração rítmico a 80 sístoles por minuto, sem sopros e com pressão arterial de 140 × 80 mmHg; abdome sem alterações em relação à normalidade. Apresentava baqueteamento digital em mãos e pés e unhas em "vidro de relógio" (Figuras 1A e 1B), edema de membros inferiores, frio, mole, indolor, cacifo positivo de +/++++, sem dor à palpação e movimentação das articulações, e pés com aspecto de "pés de elefante" (Figura 1B). Havia também aumento do pregueamento cutâneo em região frontal e couro cabeludo, associado a uma maior oleosidade da pele (dermatite seborréica) (Figura 2). Exame neurológico dentro dos padrões da normalidade.



A avaliação laboratorial do paciente mostrou: hemácias, 4.370.000/mm³; hemoglobina, 14,2 g/dl; hematócrito, 40,5%; plaquetas, 308.000/mm³; leucócitos, 5.500/mm³ (0-61-1-0-36-2). Apresentava velocidade de hemossedimentação de 45 mm na primeira hora, proteína C reativa de 3,91 mg/dl, alfa-1 glicoproteína ácida de 124 mg/dl, uréia de 25 mg/dl, creatinina de 1 mg/dl, glicemia de 104 mg/dl, TGO de 17 U/l, TGP de 14 U/l, gama-GT de 11 U/l. Exame de urina normal. Radiografia de tórax normal (Figura 3). Eletrocardiograma com bradiarritmia sinusal e "provável" sobrecarga ventricular esquerda.


A radiografia dos ossos longos mostrou espessamento das camadas corticais com alargamento das diáfises. Notou-se reação periosteal lamelar contínua e espaços articulares conservados (Figuras 4 e 5)



DISCUSSÃO

A OAH é uma entidade que deve ser diagnosticada precocemente, já que esta enfermidade serve como indicadora de possível afecção grave em outra parte do organismo. É muito raro a OAH surgir sem uma doença primária aparente(3). Ela foi descrita, inicialmente, em dois irmãos, por Friedreich, em 1868. Mais tarde, muitos outros autores reportaram esta afecção(4,8,9) (Quadro 1). A OAH foi descrita na forma de duas entidades distintas, primária e secundária, atualmente sendo adotada a classificação proposta por Martínez-Lavin et al.(1), mostrada no Quadro 2.

A fisiopatologia da paquidermoperiostose ainda é pouco conhecida. Um defeito primário intrínseco das plaquetas, que poderia facilitar a degranulação e liberação de fatores de crescimento, foi sugerido por Martínez-Lavin et al.(1). Estudos anteriores de Matucci-Cerinic et al. têm reportado um aumento da atividade fibrinolítica em pacientes com afecção de pele e têm sugerido que o aumento da atividade do plasminogênio ativador funcionaria como um estímulo ao crescimento do tecido conjuntivo(10). Segundo Bianchi et al., uma alta concentração de receptores esteróides nucleares e ausência de receptores de fator de crescimento da epiderme podem indicar um comportamento específico do sistema receptor do fator de crescimento e esteróide na paquidermoperiostose(11). Outros autores reportam, em seus estudos, que a cultura de fibroblastos da pele afetada de pacientes com OAH primária produz uma maior quantidade de colágeno e alfa-1 procolágeno(12). No entanto, até o presente momento, apesar das várias propostas sugeridas para explicar a fisiopatogenia da OAH, não há relatos ou dados conclusivos para explicar os achados clínicos dessa enfermidade.

Este trabalho relata um caso de um paciente com diagnóstico de OAH primária, com 15 anos de evolução, que apresentavadados clínicos e exames complementares que nos levaram ao diagnóstico dessa doença. O comprometimento articular predominava nos punhos, joelhos e tornozelos, com presença de sinovite (ocorre em 30% dos casos), além de outras características típicas dessa síndrome, já referidas na literatura(13).

Os exames laboratoriais estavam normais, como em casos já descritos em outros trabalhos(13). O quadro radiológico, demonstrando caracteristicamente aumento da cortical e periostite de ossos longos, associado à clínica, reforçou nossa hipótese diagnóstica.

Outras condições, como osteoartropatia pulmonar hipertrófica, acromegalia, artropatia tireóidea, síndrome de Rosenthal-Kloepfer, artrite reumatóide (na fase inicial da OAH), hanseníase, linfoma, leishmaniose difusa, leucemia, doença metastática, osteomielite crônica e doença de Paget, devem ser consideradas como diagnósticos diferenciais(2,3,6,14,15).

O interesse deste relato é mostrar um caso de OAH primária com poliartralgia e sinovite crônica, raramente descrito na literatura, lembrando sempre de descartar as possíveis causas secundárias associadas a esta síndrome. Ela pode envolver, além dos ossos tubulares, a pelve e o crânio, sendo a coluna vertebral pouco atingida(16).

Recebido para publicação em 6/9/2002

Aceito, após revisão, em 6/12/2002

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  • 3.Cavichini QN, Brum AV, Monteiro RE, Anderson PAV, Vieira JTR. Colite ulcerativa associada a osteoartropatia hipertrófica. Rev Bras Colo-Proctol 1991;11:2932.
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  • Endereço para correspondência
    Prof. Dr. Celso Montenegro Turtelli
    Rua Constituição, 751
    Uberaba, MG, 38025-110
    E-mail:
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    Trabalho realizado nas Disciplinas de Reumatologia e de Radiologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), Uberaba, MG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Recebido
      06 Set 2002
    • Aceito
      06 Dez 2002
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