Acessibilidade / Reportar erro

Curva de referência para a medida da translucência nucal na população capixaba

Reference range curve of nuchal translucency in the population of the State of Espírito Santo, Brazil

Resumos

OBJETIVO: Estudar o comportamento da medida da translucência nucal (TN) na população capixaba, no período entre a 10ª e a 14ª semanas de gestação. MATERIAIS E MÉTODOS: Estudou-se de forma transversal 853 fetos, consecutivamente, que apresentaram cariótipos ou fenótipos normais. Todos os fetos foram submetidos, durante a ultra-sonografia de rotina, à medida da TN. A análise estatística utilizou o teste "t" de Student e ANOVA. O teste de regressão ajustou o melhor modelo matemático para traduzir o comportamento da TN. RESULTADOS: A idade materna variou de 14 a 49 anos (média de 30,2 anos), sendo que 22,1% encontravam-se com mais de 35 anos. A TN mostrou comportamento crescente com a idade gestacional e o comprimento cabeça-nádegas (CCN). Houve 73 casos (6,46%) de fetos normais com TN maior que 2,5 mm. O melhor modelo matemático encontrado para representar o comportamento da TN foi a regressão linear simples (TN = 0,414 + 0,020 × CCN), que permitiu estabelecer curva de normalidade com os percentis 5, 10, 25, 50, 75, 90 e 95. CONCLUSÃO: A TN apresenta comportamento crescente com o avançar da idade gestacional, no período de 10 a 14 semanas. A população capixaba apresenta medidas de TN semelhantes às demais populações já testadas.

Translucência nucal; Curva de normalidade; Diagnóstico pré-natal


OBJECTIVE: To assess the behavior of nuchal translucency (NT) in the population of the State of Espírito Santo, Brazil, during weeks 10 to 14 of pregnancy and to establish a reference range for this population. MATERIALS AND METHODS: A transversal study was performed in 853 fetuses which presented normal cariotype or phenotype. All the fetuses were submitted to ultrasound analysis for NT measurement, during routine ultrasound examinations. The Student's "t" test and ANOVA were used in the statistical analysis. The regression test was used to adjust the better mathematical model to translate the NT behavior. RESULTS: Maternal age varied between 14 to 49 years (mean 30.2%), and 22.1% were above 35 years of age. The NT measurement increased with gestational age and the crown-rump length (CRL). In 73 normal fetuses (6.46%) the NT was thicker than 2.5 mm. The better mathematical model was the linear correlation (NT = 0.414 + 0.020 × CRL) which allowed to establish the reference range (percentiles 5, 10, 25, 50, 75, 90 and 95). CONCLUSION: The NT measurement is a manageable method during the usual ultrasonography. NT measurements increase with gestational age during weeks 10 to 14 of pregnancy. The NT measurements seen in the population of the State of Espírito Santo were similar to other population tested.

Nuchal translucency; Reference curve; Prenatal diagnosis


ARTIGO ORIGINAL

Curva de referência para a medida da translucência nucal na população capixaba* * Trabalho realizado na Clínica de Ultra-sonografia Vitória MedifetUS, Vitória, ES.

Reference range curve of nuchal translucency in the population of the State of Espírito Santo, Brazil

Luiz Cláudio FrançaI; Carlos Geraldo Viana MurtaII

IProfessor Adjunto Doutor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Médico Ultra-sonografista da Vitória MedifetUS

IIProfessor Doutor Colaborador da Disciplina de Medicina Fetal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Disciplina de Obstetrícia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia, Médico Ultra-sonografista do Hospital Universitário Cassiano Antônio Morais e da Clínica Vitória MedifetUS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Luiz Cláudio França Vitória MedifetUS Rua das Palmeiras, 795/409 Santa Lúcia, Vitória, ES, 29045-205 E-mail: lcfranca@npd.ufes.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar o comportamento da medida da translucência nucal (TN) na população capixaba, no período entre a 10ª e a 14ª semanas de gestação.

MATERIAIS E MÉTODOS: Estudou-se de forma transversal 853 fetos, consecutivamente, que apresentaram cariótipos ou fenótipos normais. Todos os fetos foram submetidos, durante a ultra-sonografia de rotina, à medida da TN. A análise estatística utilizou o teste "t" de Student e ANOVA. O teste de regressão ajustou o melhor modelo matemático para traduzir o comportamento da TN.

RESULTADOS: A idade materna variou de 14 a 49 anos (média de 30,2 anos), sendo que 22,1% encontravam-se com mais de 35 anos. A TN mostrou comportamento crescente com a idade gestacional e o comprimento cabeça-nádegas (CCN). Houve 73 casos (6,46%) de fetos normais com TN maior que 2,5 mm. O melhor modelo matemático encontrado para representar o comportamento da TN foi a regressão linear simples (TN = 0,414 + 0,020 × CCN), que permitiu estabelecer curva de normalidade com os percentis 5, 10, 25, 50, 75, 90 e 95.

CONCLUSÃO: A TN apresenta comportamento crescente com o avançar da idade gestacional, no período de 10 a 14 semanas. A população capixaba apresenta medidas de TN semelhantes às demais populações já testadas.

Unitermos: Translucência nucal; Curva de normalidade; Diagnóstico pré-natal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To assess the behavior of nuchal translucency (NT) in the population of the State of Espírito Santo, Brazil, during weeks 10 to 14 of pregnancy and to establish a reference range for this population.

MATERIALS AND METHODS: A transversal study was performed in 853 fetuses which presented normal cariotype or phenotype. All the fetuses were submitted to ultrasound analysis for NT measurement, during routine ultrasound examinations. The Student's "t" test and ANOVA were used in the statistical analysis. The regression test was used to adjust the better mathematical model to translate the NT behavior.

RESULTS: Maternal age varied between 14 to 49 years (mean 30.2%), and 22.1% were above 35 years of age. The NT measurement increased with gestational age and the crown-rump length (CRL). In 73 normal fetuses (6.46%) the NT was thicker than 2.5 mm. The better mathematical model was the linear correlation (NT = 0.414 + 0.020 × CRL) which allowed to establish the reference range (percentiles 5, 10, 25, 50, 75, 90 and 95).

CONCLUSION: The NT measurement is a manageable method during the usual ultrasonography. NT measurements increase with gestational age during weeks 10 to 14 of pregnancy. The NT measurements seen in the population of the State of Espírito Santo were similar to other population tested.

Key words: Nuchal translucency; Reference curve; Prenatal diagnosis.

INTRODUÇÃO

Apesar dos enormes avanços alcançados na área do diagnóstico pré-natal, as maiores taxas de nascimentos de crianças portadoras de anomalias cromossômicas ainda se concentram nas populações compostas de mulheres mais jovens.

Uma vez que o diagnóstico pré-natal invasivo apresenta riscos inerentes ao procedimento, a busca por métodos diagnósticos não invasivos permanece incessante. Diversas técnicas diagnósticas foram apresentadas na literatura e, entre elas, destaca-se a medida da translucência nucal (TN).

A TN caracteriza-se como imagem ultra-sonográfica hipoecogênica localizada na região posterior do pescoço do feto, devida ao acúmulo de líquido extravascular, que ocorre com mais exuberância no período entre a 10ª e a 14ª semanas de gestação(1).

A maior casuística e experiência com a avaliação da TN foi relatada pelo grupo de investigadores do King's College de Londres, que, em um estudo multicêntrico, após computarem cerca de 100.000 exames, reafirmaram a importância do método como ideal no rastreamento de anomalias cromossômicas do feto(2).

Este grupo empregou, inicialmente, o valor máximo da TN de 3,5 mm como ponto de corte fixo e arbitrário, e obteve taxa de detecção de 70% para as anomalias cromossômicas, com resultados falso-positivos de 1,1%(2). Posteriormente, com a finalidade de melhorar a sensibilidade do método, passaram a empregar novo ponto de corte, fixado em 2,5 mm, o que aumentou a sensibilidade para 80% e os resultados falso-positivos para apenas 4,1%(3).

Posteriormente, diversos estudos demonstraram que a espessura da TN estava diretamente relacionada à idade gestacional (IG) ou ao comprimento cabeça-nádegas (CCN), o que demandou o estabelecimento de curvas de distribuição da TN relacionadas com estas variáveis(4-7).

Em que pese o aspecto multirracial da população brasileira, o estado do Espírito Santo apresenta nítido predomínio de origem italiana, o que pode conferir-lhe características peculiares. Dessa forma, de acordo com Jou et al.(8) e Thilaganathan et al.(9), seria ideal que cada centro estabelecesse seu próprio referencial, a fim de afastar as possíveis diferenças raciais envolvidas nesta avaliação.

Embora o "software" distribuído pela Fetal Medicine Foundation (FMF) tenha sido testado por vários serviços de diagnóstico pré-natal e confirmada a sua aplicabilidade em diversos países, este sistema apresenta acesso bloqueado para a obtenção dos riscos clínicos, impedindo o conhecimento da origem e características do seu banco de dados. Dessa forma, à semelhança de Zoppi et al.(10), julgamos ser necessário que cada população de estudo deva ser comparada através de seus próprios parâmetros, conferindo maior confiabilidade ao método.

O objetivo deste trabalho foi estudar o comportamento da medida da TN na população capixaba e estabelecer os melhores parâmetros para o rastreamento de anomalias cromossômicas no período entre a 10ª e a 14ª semanas de gestação.

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo foi realizado por meio da análise dos laudos de exames realizados por diversas indicações clínicas. Avaliou-se a medida da TN em 1.152 gestantes, com fetos únicos e com IG entre a 10ª e a 14ª semanas.

Todos os exames foram realizados em clínica privada, no período de setembro de 1997 a junho de 2001, pelos autores do trabalho. Os dados de um único exame foram coletados de cada paciente, caracterizando a natureza transversal da pesquisa.

Para assegurar uma amostra de casos normais foram excluídas do estudo gestações múltiplas, malformações fetais detectadas durante o exame e fetos com aneuploidias detectadas por intermédio de procedimentos invasivos. Durante a evolução da gravidez foram excluídos os casos em que ocorreram óbito do concepto, restrição ao crescimento fetal, aparecimento de malformações em ultra-sonografia de rotina ou perda do contato com a paciente. Após o nascimento, as gestantes e/ou seus obstetras foram contatados, por telefone, para ter a certeza da ausência de malformações ou fenótipo anormal que pudessem sugerir alguma síndrome gênica. Foram excluídos, ainda, os casos em que o parto ocorreu antes de 36 semanas completas ou com recém-nascido apresentando peso menor que 2.500 g. Após as devidas exclusões, foram analisados 853 fetos que apresentaram cariótipo ou fenótipo normais.

O exame ultra-sonográfico transvaginal foi realizado com transdutor com freqüência de 6 a 7,5 MHz e o exame abdominal com transdutor com freqüência de 3,5 MHz (Toshiba SSH-140 A).

A técnica empregada foi a padronizada pela FMF(11), atendendo às seguintes recomendações: a medida do CCN deve variar de 45 mm a 84 mm; o exame pode ser realizado pelas vias abdominal ou vaginal, entretanto, a via vaginal permite maior reprodutibilidade do método; a imagem do feto deverá ser em corte sagital adequado, o mesmo para medir o CCN; deve-se amplificar a imagem para ocupar no mínimo três quartos da tela; discriminar a membrana amniótica da pele fetal; medir a espessura máxima do espaço hipoecogênico, entre a pele e o tecido celular subcutâneo que recobre a coluna cervical; o feto deve estar em posição neutra (ausência de hiperextensão ou flexão do pescoço); os "calipers" deverão ter a forma de "+", de modo que a linha horizontal do "caliper" fique na linha que delimita a TN; caso haja circular cervical do cordão, a medida da TN acima e abaixo do cordão são diferentes, e recomenda-se para cálculo de risco adotar a menor medida (Figura 1).


Atendendo a todas essas recomendações, a espessura máxima do espaço translúcido subcutâneo observado entre a pele da nuca e a superfície da coluna cervical foi medida com variação de 0,1 mm.

A IG foi estimada com base no primeiro dia da última menstruação e ajustada ou corrigida através da medida do CCN, quando a diferença superasse sete dias(12).

As pacientes foram subdivididas em grupos de acordo com a IG, nos seguintes intervalos: 10 semanas a 10 semanas e 6 dias; 11 semanas a 11 semanas e 6 dias; 12 semanas a 12 semanas e 6 dias; 13 semanas a 13 semanas e 6 dias; e 14 semanas a 14 semanas e 6 dias.

As medidas do CCN foram agrupadas e divididas em intervalos de 10 mm cada.

As relações entre as medidas da TN e a IG, assim como da TN e o CCN, foram analisadas através da análise de regressão e ajustado o melhor modelo matemático para expressar o comportamento da TN. De acordo com a equação de regressão obtida, foram estimados os valores da TN esperados para as diferentes IG ou medidas do CCN, e a faixa de variação através dos percentis 5, 10, 25, 50, 75, 90 e 95.

Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 8.0 para Windows. Foram calculados a média, a mediana, o desvio-padrão, o erro amostral e os intervalos de confiança de cada parâmetro em cada grupo de IG estudado. O estudo estatístico foi realizado através da análise de regressão e de variância. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

No período de 1997 a 2001 foram avaliados 1.152 fetos nos quais a medida da TN foi considerada adequada.

No início da pesquisa houve algumas dificuldades na obtenção da imagem ideal, entretanto, após a alternância das vias de acesso, tanto a vaginal quanto a abdominal, todos os casos tiveram a TN medida. Em 651 oportunidades (56,5%) empregou-se a via vaginal, em 442 oportunidades (38,3%) foi empregada a via abdominal e em 59 oportunidades (5,1%) ambas as vias foram empregadas.

Entre as características da população estudada, a idade materna variou de 14 a 49 anos, com média de 30 anos (mediana de 30,2 anos). Do total de 1.152 pacientes, 22,1% delas (255) encontravam-se com idade de 35 anos ou mais. Nessa faixa etária, 55 pacientes submeteram-se ao diagnóstico pré-natal invasivo (21,5%), sendo identificados oito casos de anomalias cromossômicas. Em relação às gestantes com idade inferior a 35 anos, 64 de 897 (7,1%) realizaram o estudo citogenético, sendo identificados 15 casos de anomalias cromossômicas. As pacientes com idade inferior a 35 anos submeteram-se ao diagnóstico invasivo por outras razões: antecedente ou história familiar de cromossomopatia, ansiedade e TN aumentada (oito casos com TN > 3,0 mm e 34 casos com risco corrigido > 1/250).

Após a exclusão dos casos de anomalias cromossômicas, além dos demais critérios de exclusão, a população de estudo constituiu-se de 853 casos com evolução normal até o parto a termo.

A distribuição conforme a IG foi de 87 casos no grupo com 10 semanas de gestação, 254 casos no grupo com 11 semanas, 300 no grupo com 12 semanas, 202 no grupo com 13 semanas e dez pacientes no grupo com 14 semanas de gestação.

A IG média à época da avaliação foi de 12,1 semanas (mediana de 12,1), variando de 10 semanas e três dias a 14 semanas e dois dias, enquanto o CCN médio foi de 59,1 mm (mediana de 58,3), variando de 38 a 84 mm (Tabela 1).

A distribuição das medidas da TN em função da IG apresentou comportamento significativamente crescente até a 13ª semana (p < 0,005), com ligeira tendência à queda de seus valores a partir da 14ª semana (Figura 2).


A medida da TN foi igual ou maior que 2,5 mm em 51 casos (3,9%), maior que 3,0 mm em 12 casos (1,3%) e maior que 3,5 mm em dez casos (0,9%) (Figura 3).


A variação das medidas da TN foi de 0,6 a 6,6 mm (média de 1,6 mm e mediana de 1,6 mm).

O melhor modelo matemático encontrado capaz de expressar o comportamento da TN foi a regressão linear simples (TN = 0,414 + 0,20 × CCN). Após a análise de variância (ANOVA), observou-se significativa associação entre as variáveis estudadas (F = 193,992; p < 0,000), o que permitiu estabelecer um modelo de curva de referência com os diferentes intervalos de confiança a partir dos percentis 5, 10, 25, 50, 75, 90 e 95 (Figuras 3 e 4; Tabela 2).


DISCUSSÃO

O presente estudo reveste-se de importância devido ao fato de ser inédito na literatura nacional, procurando reproduzir a metodologia de investigação aplicada nos trabalhos que deram origem ao rastreamento das aneuploidias fetais empregando a avaliação da TN.

Os resultados mostram com evidência a alta reprodutibilidade deste método de investigação, já que em nenhum caso houve necessidade de exclusão por não ter sido possível realizar uma boa avaliação da TN.

A habilidade em se obter uma adequada mensuração da TN determina um acréscimo de, em média, um minuto ao tempo dispensado à mensuração do CCN. Entretanto, vale ressaltar que a maior facilidade na realização da medida da TN está diretamente relacionada à posição do feto, sendo fundamental dispensar o tempo que for necessário para se obter a posição ideal para a mensuração, a fim de minimizar os falsos resultados.

Os mecanismos fisiopatológicos para explicar esse marcador ultra-sonográfico transitório ainda não estão bem estabelecidos. Alguns eventos que ocorrem nessa época da prenhez poderiam eventualmente esclarecer o acúmulo transitório de líquido na região da nuca do feto. As possíveis causas são atribuídas às alterações da drenagem linfática fetal e/ou, particularmente, ao distúrbio hemodinâmico do feto (disfunção cardíaca)(13).

Durante o primeiro trimestre de gestação o sistema linfático do embrião encontra-se em desenvolvimento e, paralelamente, persiste a alta resistência vascular placentária, determinando um maior trabalho cardíaco. Somente após a 14ª semana o sistema linfático se encontra suficientemente desenvolvido para drenar qualquer excesso de líquido existente no feto e a resistência vascular placentária encontra-se em franco declínio, favorecendo o trabalho do sistema cardiovascular(14).

Alterações anatômicas ou fisiológicas do coração fetal, observadas nessa época, também podem ser responsáveis pelo edema nucal, devido ao esforço cardíaco aumentado, provocado pela dificuldade do sangue atravessar o coração, o que talvez justificasse esse acúmulo de líquido na região cervical(15), além do fato do coração fetal apresentar força contrátil limitada pelo pequeno número de sarcômeros, que aumenta as possibilidades de uma insuficiência cardíaca precoce e transitória(13).

A confirmação bioquímica de semelhante hipótese advém do aumento do fator natriurético atrial no tecido cardíaco de fetos com trissomias(16). Nesse particular, o aumento da TN faz supor a possibilidade da existência de cardiopatia, achado incontestado na síndrome de Down. Estudos anatomopatológicos demonstraram, no primeiro trimestre da gestação, que 65% de fetos portadores dessa anomalia apresentavam defeitos septais(17) e 49% exibiam estreitamento do istmo aórtico(18).

Outro mecanismo que pode estar envolvido na gênese da TN é a constituição do tecido conjuntivo. Na trissomia 21 o gene que codifica a síntese do colágeno subtipo VI pode apresentar sua expressão exacerbada, resultando em um tecido conectivo com composição mais elástica, determinando uma derme fetal mais edemaciada, incluindo a área nucal(19,20).

A importância de se avaliar com precisão as medidas da TN foi bem estabelecida por diversos estudos que demonstraram o aumento da TN, entre 10 e 14 semanas, e as anormalidades cromossômicas(21,22).

Na população brasileira foram relatados resultados semelhantes por Brizot et al.(23). Em trabalho pioneiro, esses autores avaliaram 2.996 gestações no período entre 10 e 14 semanas, reproduzindo as mesmas taxas de detecção para as aneuploidias fetais relatadas pela FMF, concluindo que não parecia haver diferenças étnicas entre as populações brasileira e londrina que inviabilizassem a aplicação deste método de rastreamento.

Na população capixaba o comportamento da medida da TN confirmou os dados relatados na literatura(3,8,9,23-25).

A distribuição da TN apresentou um ligeiro incremento dos seus valores em função da IG e verificamos que o percentil 95 da curva não ultrapassou a medida de 3,0 mm. Este aumento progressivo dos seus valores ocorreu até a IG de 14 semanas e pode ser representado pela regressão linear simples (TN = 0,414 + 0,020 × CCN).

A impossibilidade de confirmação de redução progressiva da TN a partir da IG de 14 semanas deve-se à pequena casuística obtida nessa faixa etária e à exclusão de IG superior.

A maior prevalência de TN superior a 2,5 mm com o avançar da IG referenda a necessidade da utilização da curva de distribuição dos valores da TN em função da IG. Aspecto fundamental na avaliação do risco populacional para aneuploidias, uma vez que a utilização de pontos de corte fixos, tais como 2,5 mm ou 3,0 mm, pode subestimar estes riscos ou aumentar os resultados falso-positivos, gerando ansiedade na família e expondo a riscos desnecessários dos procedimentos invasivos.

Em trabalho anterior(26) observamos que 16 dos 23 fetos com aneuploidias exibiram medida da TN maior que o percentil 95, determinando uma taxa de detecção de 69,6% e taxa de falso-positivo de 3,6%, semelhante aos achados da literatura sobre o tema em apreço, referendando a curva de referência desenvolvida em nosso serviço.

Embora haja resultados contraditórios na literatura(27), a medida da TN é considerada um excelente meio de rastreamento de cromossomopatias. Essa técnica de rastreamento está sendo bastante difundida em todo o mundo e deve ser adotada como rotina em todos os serviços que realizam exames ultra-sonográficos obstétricos.

Concluímos que nossos achados são semelhantes aos relatados na literatura e confirmam a aplicabilidade deste método de rastreamento. A curva de normalidade desenvolvida em nosso serviço é semelhante à utilizada pelo programa distribuído pela FMF, não havendo diferenças interraciais capazes de inviabilizar a utilização deste importante método de detecção das aneuploidias fetais.

Recebido para publicação em 22/11/2002. Aceito, após revisão, em 3/2/2004

  • 1.Nicolaides KH, Azar G, Snijders RJM, Gosden CM. Fetal nuchal oedema: associated malformations and chromosomal defects. Fetal Diagn Ther 1992;7: 123-31.
  • 2.Snijders RJM, Noble P, Sebire N, Souka A, Nicolaides KH. UK multicentre project on assessment of risk of trisomy 21 by maternal age and fetal nuchal translucency thickness at 10-14 weeks of gestation. Fetal Medicine Foundation First Trimester Screening Group. Lancet 1998;352:343-6.
  • 3.Snijders RJM, Pandya P, Brizot ML, Nicolaides KH. First trimester fetal nuchal translucency. In: Snijders RJM, Nicolaides KH, eds. Ultrasound markers for fetal chromosomal defects. London, UK: Parthenon Publishing Group, 1996:121-56.
  • 4.Pandya PP, Goldberg H, Walton B, et al The implementation of first trimester scanning at 10-13 weeks' gestation and the measurement of fetal nuchal translucency thickness in two units. Ultrasound Obstet Gynecol 1995;5:20-5.
  • 5.Pajkrt E, Van Lith JMM, Mol BW, Bleker OP, Bilardo CM. Screening for Down's syndrome by fetal nuchal translucency measurement in a general obstetric population. Ultrasound Obstet Gynecol 1998;12:163-9.
  • 6.Matias A, Gomes C, Flack N, Montenegro N, Nicolaides KH. Screening for chromosomal abnormali ties at 10-14 weeks: the role of ductus venosus blood flow. Ultrasound Obstet Gynecol 1998;12: 380-4.
  • 7.Murta CGV, Moron AF, Avila MAP. Dopplervelocimetria no rastreamento de aneuploidias no primeiro trimestre da gestação. Rev Bras Ginecol Obstet 2001;23:291-8.
  • 8.Jou HJ, Wu SC, Li TC, Hsu HC, Tzeng CY, Hsieh FJ. Relationship between fetal nuchal translucency and crown-rump length in an Asian population. Ultrasound Obstet Gynecol 2001;17:111-4.
  • 9.Thilaganathan B, Khare M, Williams B, Wathen NC. Influence of ethnic origin on nuchal translucency screening for Down's syndrome. Ultrasound Obstet Gynecol 1998;12:112-4.
  • 10.Zoppi MA, Ibba RM, Floris M, Monni G. Fetal nuchal translucency screening in 12,495 pregnancies in Sardinia. Ultrasound Obstet Gynecol 2001; 18:649-51.
  • 11.Nicolaides KH, Sebire NJ, Snijders RJM. The 11-14-week scan - the diagnosis of fetal abnormalities. 1st ed. Casterton Hall, Carnforth, UK: Parthenon Publishing Group, 1999:15-6.
  • 12.Robinson HP, Fleming JEE. A critical evaluation of sonar "crown-rump length" measurements. Br J Obstet Gynaecol 1975;82:702-10.
  • 13.Montenegro N, Matias A, Areias JC, Castelo S, Barros H. Increased fetal nuchal translucency: possible involvement of early cardiac failure. Ultrasound Obstet Gynecol 1997;10:265-8.
  • 14.Maymon R, Dreazen E, Buckovsky I, Weinraub Z, Herman A. Does a 'notched' nuchal translucency indicate Down syndrome fetuses or other adverse pregnancy outcome? Prenat Diagn 2001;21:403-8.
  • 15.Matias A, Huggon I, Areias JC, Montenegro N, Nicolaides KH. Cardiac defects chromosomally normal fetuses with abnormal ductus venosus blood flow at 10-14 weeks. Ultrasound Obstet Gynecol 1999;14:307-10.
  • 16.Hyett JA, Brizot ML, Von Kaisenberg CS, Mckie AT, Farzaneh F, Nicolaides KH. Cardiac gene expression of atrial natriuretic peptide and brain natriuretic peptide in trisomic fetuses. Obstet Gynecol 1996;87:506-10.
  • 17.Hyett JA, Moscoso G, Nicolaides KH. First-trimester nuchal translucency and cardiac septal defects in fetuses with trisomy 21. Am J Obstet Gynecol 1995;172:1411-3.
  • 18.Hyett JA, Moscoso G, Nicolaides KH. Increased nuchal translucency in trisomy 21 fetuses: relationship to narrowing of the aortic isthmus. Hum Reprod 1995;10:3049-51.
  • 19.Brand-Saberi B, Floel H, Christ B, Schulte-Vallentin M, Schindler H. Alterations of the fetal extracellular matrix inthe nuchal oedema of Down's syndrome. Anat Anz 1994;176:539-47.
  • 20.Berger A. What is fetal nuchal translucency? BMJ 1999;318:85.
  • 21.Nicolaides KH, Brizot ML, Snijders RJ. Fetal nuchal translucency: ultrasound screening for fetal trisomy in the first trimester of pregnancy. Br J Obstet Gynaecol 1994;101:782-6.
  • 22.Pandya PP, Snijders RJM, Johnson SP, Brizot ML, Nicolaides KH. Screening for fetal trisomies by maternal age and fetal nuchal translucency thickness at 10 to 14 weeks of gestation. Br J Obstet Gynecol 1995;102:957-62.
  • 23.Brizot ML, Carvalho MHB, Liao AW, Reis NSV, Armbruster-Moraes E, Zugaib M. First-trimester screening for chromosomal abnormalities by fetal nuchal translucency in a Brazilian population. Ultrasound Obstet Gynecol 2001;18:652-5
  • 24.Pajkrt E, Bilardo CM, Van Lith JMM, Mol BWJ, Bleker OP. Nuchal translucency measurement in normal fetuses. Obstet Gynecol 1995;86:994-7.
  • 25.Braithwaite JM, Morris RW, Economides DL. Nuchal translucency measurements: frequency distribution and changes with gestation in general population. Br J Obstet Gynaecol 1996;103:1201-4.
  • 26.Murta CGV, França LC. Medida da translucência nucal no rastreamento das anomalias cromossômicas. Rev Bras Ginecol Obstet 2002;24:167-73.
  • 27
    ACOG Committee opinion. First-trimester screening for fetal anomalies with nuchal translucency. Number 223, October 1999. Committee on Genetics. American College of Obstetricians and Gynecologists. Int J Gynaecol Obstet 2000;68:71-2.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Luiz Cláudio França
    Vitória MedifetUS
    Rua das Palmeiras, 795/409
    Santa Lúcia, Vitória, ES, 29045-205
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Clínica de Ultra-sonografia Vitória MedifetUS, Vitória, ES.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      03 Fev 2004
    • Recebido
      22 Nov 2002
    Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br