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Fibrodisplasia ossificante progressiva: relato de caso

Fibrodysplasia ossificans progressiva: a case report

Resumos

Os autores descrevem um caso de fibrodisplasia ossificante progressiva, doença hereditária caracterizada por calcificações heterotópicas do tecido conectivo, geralmente induzida por trauma, gerando imobilidade permanente das articulações. Hálux valgo, clinodactilia e polegares curtos são as principais malformações congênitas associadas. Manifesta-se na infância, sendo o diagnóstico clínico-radiológico importante, pois procedimentos invasivos exacerbam a doença. Tratamentos disponíveis são apenas paliativos, tendo a prevenção relevância nesse contexto.

Fibrodisplasia ossificante progressiva; Ossificação heterotópica; Hálux valgo; Trauma; Prevenção


The authors describe a case of fibrodysplasia ossificans progressiva, a hereditary disease characterized by heterotopic ossification of the connective tissues, usually triggered by trauma, resulting in permanent immobility of the joints. Hallux valgus, clinodactyly and short thumbs are the main associated congenital anomalies. Fibrodysplasia ossificans progressiva usually develops during early childhood. Clinical and radiological diagnosis is essential, since invasive procedures exacerbate the disease. Only palliative treatments are available and prevention plays an important role in patients with fibrodysplasia ossificans progressiva.

Fibrodysplasia ossificans progressiva; Heterotopic ossification; Hallux valgus; Trauma; Prevention


RELATO DE CASO

Fibrodisplasia ossificante progressiva: relato de caso* * Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital-Escola da Fundação de Apoio ao Universitário (HE/FAU) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS.

Fibrodysplasia ossificans progressiva: a case report

Daiana Martins de CamposI; Décio Valente RenckII; Flavia Emilia BebberI; Ivan Brezolin MarquettoI; Lívia Freire BrumI; Lucas Mendes1

IAcadêmicos de Medicina e Estagiários do Serviço de Radiologia do HE/FAU da Escola de Medicina da UFPel

IIMédico Radiologista do HE/FAU-UFPel, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR)

RESUMO

Os autores descrevem um caso de fibrodisplasia ossificante progressiva, doença hereditária caracterizada por calcificações heterotópicas do tecido conectivo, geralmente induzida por trauma, gerando imobilidade permanente das articulações. Hálux valgo, clinodactilia e polegares curtos são as principais malformações congênitas associadas. Manifesta-se na infância, sendo o diagnóstico clínico-radiológico importante, pois procedimentos invasivos exacerbam a doença. Tratamentos disponíveis são apenas paliativos, tendo a prevenção relevância nesse contexto.

Unitermos: Fibrodisplasia ossificante progressiva; Ossificação heterotópica; Hálux valgo; Trauma; Prevenção.

ABSTRACT

The authors describe a case of fibrodysplasia ossificans progressiva, a hereditary disease characterized by heterotopic ossification of the connective tissues, usually triggered by trauma, resulting in permanent immobility of the joints. Hallux valgus, clinodactyly and short thumbs are the main associated congenital anomalies. Fibrodysplasia ossificans progressiva usually develops during early childhood. Clinical and radiological diagnosis is essential, since invasive procedures exacerbate the disease. Only palliative treatments are available and prevention plays an important role in patients with fibrodysplasia ossificans progressiva.

Key words: Fibrodysplasia ossificans progressiva; Heterotopic ossification; Hallux valgus; Trauma; Prevention.

INTRODUÇÃO

A fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP) é uma doença rara de caráter hereditário autossômico dominante(1,2), com envolvimento primário de tecido conectivo(3). Caracteriza-se por calcificações progressivas de fáscias, aponeuroses, ligamentos, tendões e tecido conectivo intersticial de músculo esquelético(4,5), gerando imobilidade articular permanente(1,6,7).

Também conhecida por miosite ossificante progressiva ou doença de Münchmeyer(3), foi primeiramente descrita por Guy Patin(8) em uma paciente à qual ele denominou "a mulher que virou madeira".

A doença é determinada por malformação congênita e progressiva do hálux (hálux valgo), microdactilia e clinodactilia(1), edema doloroso do pescoço e tórax superior(3) e osteogênese em musculatura esquelética, induzida ou não por trauma(1,2).

O edema de partes moles começa in utero ou precocemente na vida extra-uterina(3). Geralmente o envolvimento esquelético está presente ao nascimento(9) e a doença se desenvolve na infância(2).

RELATO DO CASO

Paciente de 12 anos de idade, sexo feminino, branca, estudante da sexta série do ensino fundamental, natural e procedente de Pelotas, RS. Assintomática até o sexto mês de vida, quando se iniciaram sintomas de diminuição da mobilidade articular dos cotovelos. Caminhou aos 15 meses, com mobilidade reduzida da coluna. Refere que aos três anos apresentou trauma contuso em cintura pélvica.

Há seis meses realizou procedimento odontológico sob anestesia local, que resultou em limitação do movimento da articulação temporomandibular (ATM) e surgimento de nódulo pétreo no local da intervenção anestésica. Apresenta hálux valgo congênito bilateral com monofalange, escoliose e coluna cervical com mobilidade reduzida. Em região dorsal, possui alguns nódulos endurecidos, não dolorosos e sem trauma local prévio.

Ombros, cotovelo direito e tornozelo direito com restrição de movimento. Demais articulações sem alterações ao exame físico. Nega dores ósseas ou articulares. Apresenta limitação da deambulação.

DISCUSSÃO

Não se conhece exatamente a etiologia da doença(2,6). A herança é provavelmente autossômica dominante, mas a maioria dos casos parece ser esporádica, já que poucos pacientes sobrevivem tempo bastante para se reproduzirem(3,6). A Associação Internacional da Fibroplasia Ossificante Progressiva, em 2001, apresentava menos de 200 pessoas acometidas pela doença(6). A prevalência é de 0,6 para 1.000.000, e mais freqüente no sexo masculino (4:1)(8).

Mutações no cromossomo 4q 2-31 parecem alterar a expressividade da proteína óssea morfogênica 4 (BMP 4), que é encontrada em concentrações elevadas no sangue desses pacientes(2,4,6).

Traumas e lesões (traumas cirúrgicos, injeções intramusculares, lesões musculares) em tecidos moles desencadeiam a formação de nódulos inflamatórios, dolorosos ou não, que ao longo de algumas semanas se ossificam(6).

As manifestações geralmente aparecem na infância(7), com início dos sintomas desde poucos meses de vida, sendo sete anos a média de idade da restrição de movimentos e de escoliose grave(6).

Edema de partes moles, formação de osso ectópico, malformação do hálux com hálux valgo, braquidactilia, microdactilia e monofalange(6), implantação baixa do polegar e clinodactilia são alguns dos estigmas da doença(1), assim como escoliose e hipoacusia(10).

Aproximadamente aos 30 anos, já se observa pacientes restritos ao leito. Geralmente, a morte ocorre por insuficiência respiratória e cor pulmonale devido à restrição torácica(6,8,11). Diafragma, músculos extra-oculares, cardíaco e liso não são comprometidos pela doença(8).

O diagnóstico deve ser feito no período neonatal, para que sejam evitados procedimentos que desencadeiam ossificação(6,8,12) . Anamnese, exame físico e radiológico devem ser subsídios suficientes para o diagnóstico(12), evitando-se procedimentos invasivos como biópsias e tratamentos cirúrgicos(6,8).

O diagnóstico radiológico fundamenta-se nos seguintes achados: edema de partes moles, ossificação ectópica, malformação do hálux em hálux valgo, braquidactilia, microdactilia e monofalange, subluxação do trapézio e primeiro metacarpo, clinodacilia e escoliose com malformações da coluna vertebral(13,14).

O tratamento é paliativo e o ácido ascórbico associado a bifosfonado pode ser uma opção no controle e diminuição das calcificações ectópicas a longo prazo(1).

Recebido para publicação em 30/7/2004. Aceito, após revisão, em 30/1/2005.

Endereço para correspondência: Lucas Mendes. Rua Gonçalves Chaves, 250, ap. 501, Centro. Pelotas, RS, 96015-560. E-mail: mendeslucas@gmail.com

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  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital-Escola da Fundação de Apoio ao Universitário (HE/FAU) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Recebido
      30 Jul 2004
    • Aceito
      30 Jan 2005
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