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Avaliação das mamas com métodos de imagem

EDITORIAL

Avaliação das mamas com métodos de imagem

Luciano Fernandes ChalaI; Nestor de BarrosI, II

IInstituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IIDepartamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Correspondência Correspondência: Dr. Luciano F. Chala E-mail: lucianochala@terra.com.br

A mamografia, a ultra-sonografia e a ressonância magnética desempenham papel central na detecção, no diagnóstico e na conduta das doenças mamárias. Além delas, outras tecnologias têm sido estudadas nas mamas, tais como a tomografia por emissão de pósitrons (PET), a espectroscopia, a tomografia computadorizada, a tomossíntese e a ultra-sonografia com contraste; o custo-benefício destas novas tecnologias, entretanto, necessita de mais estudos.

A mamografia continua a ser a mais importante técnica de imagem para as mamas. Trata-se do método de escolha para o rastreamento populacional do câncer de mama em mulheres assintomáticas e é a primeira técnica de imagem indicada para avaliar a maioria das alterações clínicas mamárias. Há uma ampla concordância de que o rastreamento mamográfico reduz a mortalidade pelo câncer de mama em mulheres assintomáticas(1,2). Outros benefícios da detecção precoce incluem o aumento das opções terapêuticas, da probabilidade de sucesso do tratamento e da sobrevida.

Atualmente existem dois tipos de formação de imagem nos equipamentos mamográficos. A primeira geração é formada pelo conjunto filme-écran e caracteriza a mamografia convencional, e a segunda geração é representada pelos receptores digitais e define a mamografia digital. O modo de obtenção da imagem mamográfica (receptor digital versus filme) determina a maioria das diferenças entre a mamografia convencional e a digital. Na mamografia convencional, o filme representa o meio de aquisição, de exposição e de armazenamento da imagem mamográfica, e apesar de gerar imagens com alta resolução espacial e contraste, há pouca margem para melhorias.

Na mamografia digital, os processos de aquisição, exposição e armazenamento são separados e podem ser aperfeiçoados individualmente; além disto, a análise das imagens mamográficas digitais em estações de trabalho com monitores da alta resolução permite uma série de processamentos que podem melhorar o contraste das imagens. A mamografia digital também facilita a incorporação de uma série de novas tecnologias como o CAD (computer aided detection), a tomossíntese, o uso de contraste intravenoso e a interpretação a distância do exame (telerradiologia).

Recentemente, Pisano et al.(3) compararam a mamografia convencional com a digital em 42.760 mulheres e concluíram que a acurácia geral da mamografia convencional e da digital no rastreamento do câncer de mama foi similar. Porém, a mamografia digital mostrou acurácia maior em alguns subgrupos específicos de mulheres, a saber: mulheres com menos de 50 anos, mulheres com mamas radiologicamente densas e mulheres na pré-menopausa ou perimenopausa. Todavia, há muito debate a respeito do significado e das razões da maior acurácia da mamografia digital neste subgrupo de mulheres. Deve-se ressaltar que, no presente momento, tanto a mamografia convencional quanto a digital podem ser empregadas para o rastreamento populacional do câncer. Não há nenhum consenso em relação a um uso preferencial da mamografia digital ou convencional, mesmo em subgrupos específicos de mulheres.

A capacidade da mamografia em detectar o câncer de mama varia entre as mulheres de acordo com alguns fatores e o mais importante deles é a densidade radiológica da mama; a sensibilidade da mamografia é menor nas mamas densas do que naquelas com predomínio de tecido adiposo(4). Por esta razão, métodos de imagem suplementares para rastrear e avaliar mamas densas têm sido investigados e incluem, principalmente, a ultra-sonografia e a ressonância magnética.

A ultra-sonografia é o principal método adjunto da mamografia e do exame físico na detecção e no diagnóstico das doenças mamárias(5) e seu uso na prática clínica vem crescendo ao longo dos anos. As principais indicações e potenciais indicações da ultra-sonografia nas mamas são: diferenciar e caracterizar nódulos sólidos e cistos identificados pela mamografia ou pelo exame clínico; orientar procedimentos intervencionistas na mama; avaliar pacientes jovens, gestantes ou lactantes com alterações clínicas na mama; pesquisar abscessos nas mastites; avaliar nódulos palpáveis em mamas radiologicamente densas; analisar implantes mamários; estadiar, locorregionalmente, o câncer de mama; caracterizar assimetrias focais que podem corresponder a nódulos; avaliar a resposta à quimioterapia neo-adjuvante; suplementar a mamografia no rastreamento do câncer de mama em mulheres com mamas radiologicamente densas.

Uma indicação muito debatida da ultra-sonografia é seu uso como método suplementar da mamografia no rastreamento do câncer de mama em mulheres com mamas radiologicamente densas, visando detectar lesões ocultas no exame físico e na mamografia. No entanto, caso seja indicada, ela não deve ser utilizada como alternativa a mamografia, devido às suas limitações na detecção e caracterização de calcificações, distorções arquiteturais e nódulos localizados em áreas nas quais predominem tecido adiposo. A limitação da ultra-sonografia para detectar microcalcificações é particularmente importante, pois esta é a forma de apresentação mais comum dos carcinomas ductais in situ.

A ressonância magnética das mamas também está sendo cada vez mais utilizada como método adjunto da mamografia e da ultra-sonografia na detecção, na caracterização e no planejamento terapêutico do câncer de mama. Muitas indicações têm sido identificadas e avaliadas e, em geral, elas baseiam-se principalmente na sua elevada sensibilidade para a detecção do câncer de mama, inclusive de lesões ocultas no exame físico e nos métodos convencionais (mamografia e ultra-sonografia). A ressonância magnética das mamas tem sido investigada no rastreamento de mulheres com alto risco para o câncer de mama; no rastreamento da mama contralateral em mulheres com diagnóstico de câncer de mama para pesquisa de neoplasias sincrônicas; na procura da lesão primária oculta em pacientes com metástases axilares; na caracterização de achados duvidosos na mamografia ou na ultra-sonografia; para determinar a extensão local do câncer de mama; para verificar a presença e a extensão de doença residual, especialmente quando margem cirúrgica é positiva no exame histológico; para avaliar a resposta à quimioterapia neo-adjuvante; na diferenciação entre cicatriz cirúrgica e recorrência tumoral nas pacientes previamente tratadas por câncer de mama; na avaliação da integridade dos implantes mamários. A ressonância magnética não deve ser empregada como critério para se indicar ou não a investigação histológica de lesões suspeitas por critérios clínicos, mamográficos ou ultra-sonográficos. Também não há estudos que forneçam base científica para o seu uso no rastreamento do câncer de mama em mulheres que não possuem alto risco para a doença.

Após a detecção de uma alteração em qualquer método de imagem é necessária a sua caracterização para estabelecer se ela representa uma alteração benigna ou uma lesão potencialmente maligna. A probabilidade de malignidade de uma alteração é determinada principalmente pela avaliação de suas características morfológicas e evolutivas (redução, estabilidade ou crescimento ao longo do tempo). A utilidade prática da mamografia, da ultra-sonografia e da ressonância magnética nas mamas muitas vezes é limitada pela especificidade relativamente baixa destes exames que implica em biópsias ou seguimentos precoces. Isto decorre da conhecida sobreposição de achados entre as lesões benignas e malignas nos métodos de imagem, mas também se relaciona à padronização e ao entendimento do valor preditivo de cada critério utilizado para a interpretação dos achados nestes exames.

Dois artigos publicados nesta edição da Radiologia Brasileira endereçam os critérios de interpretação na caracterização das lesões mamárias. Um avalia a capacidade preditiva para malignidade das categorias 3, 4 (A, B e C) e 5 do BI-RADS(6) em lesões não-palpáveis da mama. O BI-RADS(6), ao padronizar a definição dos critérios empregados para caracterizar as lesões na mamografia, na ultra-sonografia e na ressonância magnética, contribuiu para facilitar a comparação entre os diferentes estudos e, por conseguinte, o entendimento deles. Além disto, ele estabeleceu categorias de avaliação final que são utilizadas para classificar os nódulos de acordo com sua probabilidade de malignidade, facilitando a conduta subseqüente.

A categoria 0 é utilizada quando a caracterização da alteração está incompleta, sendo necessária avaliação adicional. As categorias 1 e 2 indicam que não há nenhuma evidência mamográfica sugestiva de malignidade. A categoria 3 indica a presença de achados provavelmente benignos (menos de 2% de chance de malignidade), para os quais a conduta preferencial é o controle precoce. A categoria 4 refere-se a uma anormalidade suspeita para a qual a biópsia deveria ser considerada e pode ser subdividida em A, B e C. A categoria 4A deve ser utilizada para achados que necessitam de intervenção, mas com baixa suspeição de malignidade; histologia maligna não é esperada e o seguimento em seis meses ou de rotina após a biópsia ou citologia benigna é adequado. A categoria 4B inclui lesões com suspeição intermediária para malignidade; os achados nesta categoria requerem criteriosa correlação anátomo-radiológica e o seguimento de resultados benignos na biópsia destas lesões depende desta correlação. A categoria 4C inclui achados com moderada suspeição, mas não clássicos, como na categoria 5, para malignidade. A categoria 5 é reservada para achados altamente sugestivos de malignidade e a categoria 6 é utilizada quando já há uma biópsia indicando que a lesão se trata de um câncer. Não há muitos estudos que permitam definir com clareza quais lesões estão nas subcategorias 4A, 4B e 4C e qual o valor preditivo positivo delas.

O outro artigo verifica a capacidade preditiva das características ultra-sonográficas dos nódulos mamários. Atualmente sabe-se que uma série de características está associada a um maior risco de malignidade, tais como: margem não-circunscrita, forma irregular, ecogenicidade complexa, sombra acústica posterior, orientação não-paralela, halo ecogênico e alterações nos tecidos adjacentes. A identificação de nódulos provavelmente benignos na ultra-sonografia, candidatos a um controle precoce, requer a exclusão de qualquer sinal de malignidade e a presença de uma associação de critérios de benignidade. Isto implica em análise ultra-sonográfica criteriosa e a identificação de qualquer sinal sugestivo de malignidade indica a biópsia. Não se deve deixar de realizar uma biópsia de um nódulo sólido na ultra-sonografia com base em apenas uma característica benigna, por exemplo, margens circunscritas.

O consenso em relação aos nódulos sólidos que podem ser classificados como provavelmente benignos na ultra-sonografia está sendo construído. Stavros et al.(7) demonstraram que nódulos sem sinais de malignidade e que tinham forma elipsóide e pseudocápsula, ou a presença de duas ou três lobulações e pseudocápsula ou possuíam intensa hiperecogenicidade homogênea associaram-se a um valor preditivo negativo para malignidade de 99,5%; a sensibilidade foi de 98,4%. Chala et al.(8) relataram que nódulos redondos, ovais ou lobulados com menos de três lobulações que apresentavam margens circunscritas, orientação paralela e ausência de acentuada hipoecogenicidade, sombra acústica posterior, calcificações e alterações no tecido adjacente, independentemente da ecotextura e da presença da pseudocápsula, apresentaram sensibilidade e valor preditivo negativo para câncer, respectivamente, de 98,1% e 99%.

Avanços no entendimento do valor preditivo dos diversos critérios, isolados ou combinados, utilizados na caracterização das lesões mamárias detectadas nos diferentes métodos de imagem são um passo importante para reduzir o número de biópsias com resultados benignos. Entretanto, deve-se ressaltar que as técnicas de imagem não são técnicas de diagnóstico histológico. Assim, a biópsia para investigação histológica continuará a ser necessária para muitas lesões mamárias e, a maioria delas, felizmente, será benigna.

REFERÊNCIAS

1. Humphrey LL, Helfand M, Chan BK, Woolf SH. Breast cancer screening: a summary of the evidence for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med 2002;137:347–360.

2. Fletcher SW, Elmore JG. Mammographic screening for breast cancer. N Engl J Med 2003;348:1672–1680.

3. Pisano ED, Gatsonis C, Hendrick H, et al. Diagnostic performance of digital versus film mammography for breast-cancer screening. N Engl J Med 2005;353:1773–1783.

4. Barton MB, Elmore JG, Fletcher SW. Breast symptoms among women enrolled in a health maintenance organization: frequency, evaluation and outcome. Ann Intern Med 1999;130: 651–657.

5. Basset LW, Kim CH. Breast imaging: mammography and ultrasonography. Magn Reson Imaging Clin N Am 2001;9:251–271.

6. ACR Breast Imaging Reporting and Data System. Breast Imaging Atlas. 4th ed. Reston: American College of Radiology, 2003.

7. Stavros AT, Thickman D, Rapp CL, Dennis MA, Parker SH, Sisney GA. Solid breast nodules: use of sonography to distinguish between benign and malignant lesions. Radiology 1995; 196:123–134.

8. Chala L, Endo E, Kim S, et al. Gray-scale sonography of solid breast masses: diagnosis of probably benign masses and reduction of the number of biopsies. J Clin Ultrasound 2007;35:9–19.

  • Correspondência:

    Dr. Luciano F. Chala
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007
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