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Qual o seu diagnóstico?

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?

Marcelo Souto NacifI, IV; Amarino Carvalho de Oliveira JúniorII, IV; Denise Madeira MoreiraIII, IV; Mônica Regina NaganoIV; José Hugo Mendes LuzIV; Paulo Roberto Dutra da SilvaV; Carlos Eduardo RochitteVI

IProfessor da Faculdade de Medicina de Teresópolis, Subcoordenador da Pós-Graduação do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas, Mestre em Radiologia (Angio-Ressonância Magnética) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

IICoordenador do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Procardíaco

IIIProfessora Doutora (Adjunta) da Universidade Federal do Rio de Janeiro

IVMédicos Radiologistas do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Procardíaco

VMédico Cardiologista do Hospital Pró-Cardíaco

VIProfessor Livre-Docente da Universidade de São Paulo, Consultor do Hospital Procardíaco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Marcelo Souto Nacif Rua Álvares de Azevedo, 130, ap. 704/A, Icaraí Niterói, RJ, 24220-042 E-mail: msnacif@yahoo.com.br

Paciente de 38 anos de idade, do sexo masculino, com 82 kg de peso, 1,78 m de altura, com taquicardia ventricular não sustentada, foi encaminhado para o Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Procardíaco para a realização de ressonância magnética (RM) do coração.

Descrição das imagens

Figura 1. Aquisições acopladas ao ECG, em cine Fiesta (SSFP), ao final da diástole, nos planos da via de saída (A), quatro câmaras (B), eixo longo duas câmaras (C), eixo curto medial (D) e eixo curto apical (E). Observar os átrios de tamanho normal, ventrículo direito com diâmetros preservados; a função global e segmentar do ventrículo direito era preservada. O ventrículo esquerdo (VE) possui diâmetro diastólico discretamente aumentado, com sua função global e segmentar preservada. Notar o aumento da trabeculação subendocárdica do VE nos segmentos apicais, anterior e inferior mediais. A relação da espessura miocárdica diastólica não-compactada (NC)/compactada (C) máxima foi de 4. A relação média foi de 2,4.


Figura 2. Aquisições acopladas ao ECG. Realce tardio quatro câmaras (A), eixo curto (B) e eixo longo duas câmaras (C). Observar a ausência de realce tardio miocárdico, compatível com ausência de necrose/fibrose miocárdica.


Diagnóstico: Miocárdio não-compactado isolado.

COMENTÁRIOS

O miocárdio não-compactado é uma entidade rara, usualmente diagnosticada na população pediátrica e que se encontra associada a outras malformações estruturais congênitas do coração, predominando em pacientes com obstrução congênita da via de saída do ventrículo direito ou do VE(1,2). O miocárdio não-compactado isolado, definido pela ausência de outra alteração estrutural cardíaca associada, é uma forma de apresentação ainda mais rara, com poucos relatos na literatura(2).

Também chamada de hipertrabeculação do VE, miocárdio em esponja ou trabeculação isolada anormal do VE, esta doença foi descrita pela primeira vez em 1932, após necropsia. Até hoje, foram publicados poucos casos no Brasil. Sua prevalência foi estimada em 0,05–0,24%, mas com o atual avanço dos métodos diagnósticos por imagem, principalmente no campo da ressonância magnética (RM), esta prevalência tende a aumentar (1–4).

A etiologia do miocárdio não-compactado não está bem definida, mas fatores genéticos heterogêneos parecem estar intimamente ligados à doença. Durante o desenvolvimento embrionário, existe uma trama trabecular com miocárdio tipo esponjoso. À medida que o coração se desenvolve, o miocárdio se condensa e os recessos intertrabeculares são reduzidos a capilares. O miocárdio não-compactado é definido como uma anormalidade da morfogênese endomiocárdica, o que pode se tratar de uma parada da compactação das fibras miocárdicas que se encontram, formando uma malha frouxa entrelaçada durante a vida intra-uterina. O miocárdio não-compactado isolado pode ser identificado desde a infância até a vida adulta. Ambos os sexos são afetados e pode haver recorrência familiar. Estratificação familiar por meio de RM do coração deve ser considerada em parentes de pacientes com diagnóstico de miocárdio não-compactado isolado. O presente caso está de acordo com a literatura, em que os casos com boa função miocárdica e ausência de arritmias constantes podem apresentar bom prognóstico. Existe comprovação de associações a insuficiência cardíaca, arritmias graves e eventos embólicos(3–5).

Na maioria dos relatos na literatura, a não-compactação ventricular encontra-se associada a outras cardiopatias congênitas, predominando a atresia pulmonar e a obstrução da via de saída do VE combinada ao septo interventricular íntegro. O miocárdio não-compactado também foi identificado associado a anormalidades da origem da artéria coronária esquerda a partir do tronco da artéria pulmonar. No caso do miocárdio não-compactado isolado (Figura 3), sua causa é desconhecida e ainda não foi identificado qualquer fator que possa justificar uma parada na compactação miocárdica ventricular. O diagnóstico de miocárdio não-compactado isolado seria baseado na presença, à RM, de trabeculações numerosas e excessivamente proeminentes e de profundos recessos intertrabeculares na ausência de anormalidades cardíacas coexistentes. A tomografia computadorizada com multidetectores contrastada e a RM são exames complementares úteis para a confirmação diagnóstica, possibilitando um delineamento entre o tecido compactado e o não-compactado(1,5–7).


As manifestações clínicas podem variar desde pacientes assintomáticos a pacientes com disfunção ventricular esquerda progressiva com arritmias e com fenômenos embólicos sistêmicos ou pulmonares. Devido ao fato de algum grau de trabeculação ínfero-apical associado a espaços intertrabeculares poder ser visualizado na cardiomiopatia dilatada, uma distinção entre essas duas doenças, pelo menos do ponto de vista morfológico, nem sempre é nítida. Apesar do fato de a demonstração de recessos intertrabeculares profundos perfundidos, na técnica de perfusão pela RM, ser um dos sinais diagnósticos do miocárdio não-compactado isolado, variações transicionais entre miocárdio não-compactado isolado e cardiomiopatia dilatada podem existir(6–10). Além disso, podem existir casos mais discretos de miocárdio não-compactado isolado, que podem não ter o diagnóstico confirmado, caso não exibam trabeculações excessivas na região ínfero-apical, hipertrofia e espaços intertrabeculares pronunciados. A grande incidência de fenômeno tromboembólico no miocárdio não-compactado isolado resultaria principalmente na formação de trombos locais ao nível dos recessos intertrabeculares profundos, além da presença de disfunção ventricular(4,9–11).

A RM apresenta-se como um método de grande importância, não só diagnóstica como também para o acompanhamento evolutivo destes pacientes.

REFERÊNCIAS

1. Bellet S, Gouley BA. Congenital heart disease with multiple cardiac anomalies: report of a case showing aortic atresia, fibrous scar in myocardium, and embryonal sinusoidal remains. Am J Med Sci 1932;183:458–465.

2. Chin TK, Perloff JK, Williams RG, Jue K, Mohrmann R. Isolated noncompaction of left ventricular myocardium: a study of eight cases. Circulation 1990;82:507–513.

3. Conces DJ Jr, Ryan T, Tarver RD. Noncompaction of ventricular myocardium: CT appearance. AJR Am J Roentgenol 1991;156:717–718.

4. Dusek J, Estadal B, Duskova M. Postnatal persistence of spongy myocardium with embryonic blood supply. Arch Pathol 1975;99:312–317.

5. Lauer RM, Fink HP, Petry EL, Dunn MI, Diehl AM. Angiographic demonstration of intramyocardial sinusoids in pulmonary-valve atresia with intact ventricular septum and hypoplastic right ventricle. N Engl J Med 1964;271:68–72.

6. Oechslin EN, Jost CHA, Rojas JR, Kaufmann PA, Jenni R. Long-term follow-up of 34 adults with isolated left ventricular noncompaction: a distinct cardiomyopathy with poor prognosis. J Am Coll Cardiol 2000;36:493–500.

7. Ritter M, Oechslin EN, Sütsch G, Attenhoffer C, Schneider J, Jenni R. Isolated noncompaction of the myocardium in adults. Mayo Clin Proc 1997; 72:26–31.

8. Robida A, Hajar HA. Ventricular conduction defect in isolated noncompaction of the ventricular myocardium. Pediatr Cardiol 1996;17:189–191.

9. Jenni R, Wyss CA, Oechslin EN, Kaufmann PA. Isolated ventricular noncompaction is associated with coronary microcirculatory dysfunction. J Am Coll Cardiol 2002;39:450–454.

10. Stöllberger C, Finsterer J. Left ventricular noncompaction, cardiac magnetic resonance imaging, and neuromuscular disorders. J Am Coll Cardiol 2006;47:1233–1234.

11. Wong JA, Bofinger MK. Noncompaction of the ventricular myocardium in Melnick-Needles syndrome. Am J Med Genet 1997;71:72–75.

Trabalho realizado no Hospital Procardíaco, Rio de Janeiro, RJ.

  • Endereço para correspondência:

    Prof. Dr. Marcelo Souto Nacif
    Rua Álvares de Azevedo, 130, ap. 704/A, Icaraí
    Niterói, RJ, 24220-042
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007
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