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Paracoccidioidomicose pulmonar: relato de dois casos enfatizando o sinal do halo invertido

Resumos

Este trabalho relata dois casos de paracoccidioidomicose pulmonar comprovados histologicamente, nos quais foi encontrado o sinal radiológico do halo invertido. Este sinal, descrito inicialmente como patognomônico da pneumonia criptogênica em organização, foi posteriormente encontrado e descrito na paracoccidioidomicose.

Halo invertido; Paracoccidioidomicose; Pneumonia criptogênica em organização


The present study reports two histologically proven cases of pulmonary paracoccidioidomycosis where a reversed halo sign was found. The reversed halo, initially described as a pathognomonic sign of cryptogenic organizing pneumonia, has later been found and described in paracoccidioidomycosis.

Reversed halo sign; Paracoccidioidomycosis; Cryptogenic organizing pneumonia


RELATOS DE CASO

Paracoccidioidomicose pulmonar: relato de dois casos enfatizando o sinal do halo invertido* * Trabalho realizado no Hospital Regional de Taguatinga – Secretaria de Estado da Saúde, Brasília, DF, Brasil.

Matias de Freitas FilhoI; Fabrício Guimarães GonçalvesII; Marcello Antônio Rezende BasílioII; Alexandre Dias MançanoIII; Bruno CherulliIV; Márcia Rocha Carneiro BarreirosIV

IMédico Estagiário do Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital Regional de Taguatinga – Secretaria de Estado da Saúde, Brasília, DF, Brasil

IIMédicos Residentes do Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital Regional de Taguatinga – Secretaria de Estado da Saúde, Brasília, DF, Brasil

IIICoordenador da Residência Médica em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Regional de Taguatinga – Secretaria de Estado da Saúde, Médico Radiologista da Radiologia Anchieta – Taguatinga, Brasília, DF, Brasil

IVPreceptores da Residência Médica em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Regional de Taguatinga – Secretaria de Estado da Saúde, Brasília, DF, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Alexandre Dias Mançano SQSW 100, Bloco G, ap. 401 Brasília, DF, Brasil, 70670-017 E-mail: alex.manzano@uol.com.br

RESUMO

Este trabalho relata dois casos de paracoccidioidomicose pulmonar comprovados histologicamente, nos quais foi encontrado o sinal radiológico do halo invertido. Este sinal, descrito inicialmente como patognomônico da pneumonia criptogênica em organização, foi posteriormente encontrado e descrito na paracoccidioidomicose.

Unitermos: Halo invertido; Paracoccidioidomicose; Pneumonia criptogênica em organização.

INTRODUÇÃO

A paracoccidioidomicose é a infecção fúngica sistêmica de maior prevalência na América Latina, sendo o Brasil o país mais acometido(1). Ela é causada pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis e representa a mais importante micose em nosso meio. Como se trata de uma micose profunda, não se limita à superfície epitelial do organismo, invadindo tecido conjuntivo e vísceras(2). Suas formas clínicas predominantes são a pulmonar e a cutâneo-mucosa. Os pulmões são acometidos em aproximadamente 75% dos casos(2), sendo que em 10% destes pode-se encontrar, na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR), o sinal do halo invertido(3).

RELATO DOS CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 37 anos de idade, lavrador, residente em Mato Grosso do Sul, foi encaminhado ao nosso serviço para realização de tomografia computadorizada (TC) de tórax por apresentar quadro de dispnéia progressiva há uma semana, e radiografias de tórax evidenciando opacidades reticulonodulares bilaterais, com predomínio nos terços superiores e consolidação em terço médio de campo pulmonar esquerdo. O paciente apresentava-se em bom estado geral, eupnéico, corado e afebril. Queixava-se de odinofagia e dor em mesogástrio. Negava dor torácica e tosse. Ao exame físico notavam-se linfonodomegalias dolorosas submandibulares bilateralmente, com cerca de 1,0 cm, aderidas aos planos profundos e sem alterações tróficas da pele adjacente. O palato mole apresentava lesão granulomatosa e hiperemiada. Havia lesões ulceradas em mucosa jugal, bilateralmente. Semiologia cardiopulmonar sem alterações e abdome doloroso à palpação do hipogástrio.

Foi realizada TCAR de tórax, que evidenciou opacidades nodulares difusas, imagens escavadas, áreas de consolidação, atenuação em vidro fosco e sinal do halo invertido de localização subpleural. O paciente foi submetido também a ultra-sonografia abdominal e espirometria, as quais não mostraram alterações.

A biópsia incisional da lesão granulomatosa da boca revelou hiperplasia epitelial escamosa, microabscessos intra-epiteliais e reação granulomatosa contendo histiócitos epitelióides, células gigantes multinucleadas e acúmulos centrais de polimorfonucleares neutrófilos. No interior das células gigantes foram observados fungos circulares ou alongados com cápsulas espessas e refringentes. O diagnóstico histopatológico foi de paracoccidioidomicose.

O paciente foi medicado com itraconazol 200 mg/dia, tendo recebido alta hospitalar com melhora no quadro pulmonar e sem queixas. Está em acompanhamento ambulatorial por dois meses, fazendo uso de sufametoxazol-trimetoprim profilático.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 39 anos de idade, lavrador, natural de Guaíra, SP, compareceu ao nosso serviço para realização de radiografia de tórax devido a tosse produtiva, hemoptise e dispnéia progressiva de início há cerca de um mês e meio.

Apresentava-se em bom estado geral e relatava que há dez meses vinha tendo febre irregular, lesões em cavidade oral e emagrecimento de 10 kg. Ao exame físico notava-se lesão granulomatosa na comissura labial direita envolvendo mucosa jugal, gengiva, e abertura bucal limitada. À ausculta pulmonar evidenciavam-se murmúrio vesicular positivo, com broncofonia no terço médio do pulmão esquerdo, e hipersonoridade à percussão. Semiologia cardíaca e abdominal sem particularidades. Ausência de linfonodomegalias palpáveis.

Na radiografia simples de tórax foram evidenciadas opacidades reticulonodulares grosseiras difusas e bilaterais, com focos esparsos de consolidações nos campos pulmonares médios e inferiores. Foi realizada TCAR, que demonstrou importante distorção arquitetural, extensos focos de consolidações subpleurais, nódulos escavados, espessamento de septos interlobulares, bandas parenquimatosas, focos esparsos de atenuação em vidro fosco, opacidades nodulares de espaço aéreo e algumas áreas de sinal do halo invertido nos lobos inferiores.

A broncoscopia evidenciou presença de secreção hialina em toda a árvore brônquica, mucosa pálida com sinais de bronquite, e calibre aumentado de todos os segmentos brônquicos. Foram realizados lavado, escovado e biópsia endobrônquica. O escovado brônquico mostrou presença de células colunares, grande quantidade de neutrófilos, eosinófilos e numerosos macrófagos. Presença de células gigantes multinucleadas englobando estruturas arredondadas com membrana birrefringente, compatíveis com P. brasiliensis. Encontrou-se figura típica em "roda de leme" do fungo. Estudo negativo para malignidade. Pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente negativa no lavado brônquico e prova tuberculínica não-reatora. A biópsia da lesão granulomatosa da mucosa oral diagnosticou paracoccidioidomicose.

O paciente foi tratado com itraconazol e sulfametoxazol-trimetoprim, com excelente evolução clínica.

DISCUSSÃO

A paracoccidioidomicose incide principalmente em homens jovens, moradores em zona rural e lavradores. A infecção se dá pela inalação de conídios infectantes do fungo P. brasiliensis. Acomete pulmões, mucosas digestiva e respiratória superior, ossos, sistema nervoso central, supra-renais e linfonodos(4).

O quadro clínico é dado principalmente por febre, tosse, emagrecimento, hemoptise, odinofagia, linfonodomegalias, lesões ulcerosas ou granulomatosas em mucosas digestiva e respiratória superiores.

Os achados radiológicos pulmonares incluem espessamento de septos interlobulares, opacidades nodulares, espessamento do interstício peribroncovascular, opacidades centrolobulares, linhas intralobulares, atenuação em vidro-fosco, escavações, consolidações do espaço aéreo, bronquiectasias de tração, aumento irregular do espaço aéreo(2,5) e sinal do halo invertido(3).

O sinal do halo invertido é definido como uma atenuação em vidro-fosco central circundada por consolidação periférica densa em forma de crescente (formando mais de três quartos do círculo) ou em anel (círculo completo)(3,6). A atenuação em vidro-fosco central corresponde, histologicamente, a infiltrado inflamatório no septo alveolar, composto de macrófagos, linfócitos, células plasmáticas e algumas células gigantes, com preservação relativa dos espaços alveolares. A consolidação periférica consiste em denso e homogêneo infiltrado celular intra-alveolar. Não há evidência de pneumonia em organização. Observa-se presença de P. brasiliensis no interior dos septos alveolares e espaços aéreos. Estes achados indicam que o sinal do halo invertido pode ser encontrado em indivíduos com infecção ativa pelo P. brasiliensis(3).

A opacidade em vidro-fosco central circundada por consolidação densa em crescente ou anel na TCAR do tórax foi relatada em 1996 por Voloudaki et al.(7) em pacientes com pneumonia criptogênica em organização. Estudos histológicos demonstraram que a atenuação em vidro-fosco correspondia à inflamação septal alveolar e débris celulares, e a opacidade periférica em crescente ou anel, a consolidação do espaço aéreo e áreas de pneumonia em organização dentro dos ductos alveolares(3).

Em 2003, Kim et al.(6) revisaram pacientes com pneumonia criptogênica em organização, com achados na TCAR de atenuação em vidro-fosco central envolta por consolidação em crescente ou anel com as mesmas características histológicas descritas por Voloudaki et al.(7) e nomearam este achado como "sinal do halo invertido"(6).

Recentemente, Gasparetto et al.(3) descreveram a associação entre o sinal do halo invertido e paracoccidioidomicose. Foram estudados 148 pacientes com diagnóstico de paracoccidioidomicose e, dentre eles, 15 apresentaram tal achado. Em dois casos o sinal do halo invertido foi o único aspecto visto na TCAR. Três pacientes apresentaram apenas uma imagem do halo invertido, um paciente teve duas lesões, e os demais, múltiplas lesões. A localização majoritária foi nos campos pulmonares médios e inferiores. Predominantemente, também, o sinal do halo invertido foi encontrado nas zonas periféricas, e o diâmetro variou de 10 mm a 50 mm (média de 20 mm)(3).

CONCLUSÃO

Recentes estudos sugerem que a paracoccidioidomicose pode cursar com o sinal do halo invertido na sua forma ativa. Cerca de 10% dos pacientes com infecção ativa por P. brasiliensis podem apresentar este achado, não sendo específico da pneumonia criptogênica em organização.

Recebido para publicação em 22/9/2005. Aceito, após revisão, em 11/10/2005.

  • 1. Gonzáles FM, Faucz RA, Paes Jr. AJO, Cavalcante AJW, Souza RP. Aspecto da tomografia computadorizada de alta resolução do tórax na paracoccidioidomicose em paciente com SIDA: relato de caso e revisão da literatura. Rev Imagem 2004;26:241245.
  • 2. Muniz MAS, Marchiori E, Magnago M, Moreira LBM, Almeida Jr JG. Paracoccidioidomicose pulmonar: aspectos na tomografia computadorizada de alta resolução. Radiol Bras 2002;35:147154.
  • 3. Gasparetto EL, Escuissato DL, Davaus T, et al. Reversed halo sign in pulmonary paracoccidioidomycosis. AJR Am J Roentgenol 2005;184: 19321934.
  • 4. Capone D, Jansen JM, Tessarollo B, Lopes AJ, Mogami R, Marchiori E. Micoses pulmonares. In: Santos AASMD, Nacif MS. Radiologia e diagnóstico por imagem: aparelho respiratório. 1Ş ed. Rio de Janeiro, RJ: Livraria e Editora Rubio, 2005;163169.
  • 5. Funari M, Kavakama J, Shikanai-Yasuda MA, et al. Chronic pulmonary paracoccidioidomycosis (South American blastomycosis): high-resolution CT findings in 41 patients. AJR Am J Roentgenol 1999;173:5964.
  • 6. Kim SJ, Lee KS, RyuYH, et al. Reversed halo sign on high-resolution CT of cryptogenic organizing pneumonia: diagnostic implications. AJR Am J Roentgenol 2003;180:12511254.
  • 7. Voloudaki AE, Bouros DE, Froudarakis ME, Datseris GE, Apostolaki EG, Gourtsoyiannis NC. Crescentic and ring-shaped opacities. CT features in two cases of bronchiolitis obliterans organizing pneumonia (BOOP). Acta Radiol 1996;37: 889992.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Alexandre Dias Mançano
    SQSW 100, Bloco G, ap. 401
    Brasília, DF, Brasil, 70670-017
    E-mail:
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    Trabalho realizado no Hospital Regional de Taguatinga – Secretaria de Estado da Saúde, Brasília, DF, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Recebido
      22 Set 2005
    • Aceito
      11 Out 2005
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