Acessibilidade / Reportar erro

Doppler e marcadores séricos maternos na predição de complicações da gestação

Resumos

OBJETIVO: Comparar a eficácia do Doppler das artérias uterinas e de marcadores séricos maternos na predição de complicações da gestação. MATERIAIS E MÉTODOS: Trata-se de um estudo prospectivo com 49 primigestas, incluídas no estudo na 18ª semana, sendo coletada a amostra sanguínea para a realização das dosagens séricas, realizadas pelo método de quimioluminescência (alfa-fetoproteína, gonadotrofina coriônica humana e óxido nítrico) e radioimunoensaio (peptídio atrial natriurético). O Doppler das artérias uterinas foi realizado entre 24-26 semanas, determinando a presença ou ausência de incisura na onda de velocidade de fluxo. Na análise estatística utilizou-se o teste de Mann-Whitney, para amostras não-paramétricas, e o teste exato de Fisher, para parâmetros qualitativos. RESULTADOS: Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo foram, respectivamente, de 8,3%, 97,0%, 50,0% e 74,4% para a alfa-fetoproteína; 8,3%, 87,9%, 20,0% e 72,5% para a gonadotrofina coriônica humana; 16,7%, 97,0%, 33,3% e 76,2% para o peptídio atrial natriurético; e 16,7%, 93,9%, 50,0% e 75,6% para o óxido nítrico. A sensibilidade do Doppler foi de 75,0%, especificidade de 63,6%, valor preditivo positivo de 57,1% e valor preditivo negativo de 87,5%. CONCLUSÃO: O Doppler das artérias uterinas é melhor preditor de complicações da gestação quando comparado a alguns marcadores séricos em populações de baixo risco.

Doppler; Marcadores séricos; Pré-eclâmpsia; Complicações; Gravidez


OBJECTIVE: To compare the effectiveness of uterine artery Doppler and maternal serum screening in the prediction of pregnancy complications. MATERIALS AND METHODS: Prospective study with 49 primigravidae at their 18th gestational week, when a blood sample was collected for serum dosage by chemiluminescence (alpha-fetoprotein, human chorionic gonadotropin and nitric oxide) and radioimmunoassay (atrial natriuretic peptide). Uterine artery Doppler was performed between the 24th and 26th gestational weeks, for determining the presence or absence of notch in the flow velocity waveform. The non-parametric Mann-Whitney test was utilized for statistical analysis, and the Fisher exact test for analysis of qualitative parameters. RESULTS: Sensitivity, specificity, positive and negative predictive values were, respectively, 8.3%, 97.0%, 50.0% and 74.4% for alpha-fetoprotein; 8.3%, 87.9%, 20.0% and 72.5% for human chorionic gonadotropin; 16.7%, 97.0%, 33.3% and 76.2% for atrial natriuretic peptide; and 16.7%, 93.9%, 50.0% and 75.6% for nitric oxide. The uterine artery Doppler sensitivity was 75.0%, specificity 63.6%, positive predictive value 57.1%, and negative predictive value 87.5%. CONCLUSION: Uterine artery Doppler is an effective method for prediction of pregnancy complications as compared with maternal serum screening in low risk populations.

Doppler; Serum screening; Preeclampsia; Complications; Pregnancy


ARTIGO ORIGINAL

Doppler e marcadores séricos maternos na predição de complicações da gestação* Endereço para correspondência: Dr. Fabrício da Silva Costa Rua Eunice Weaver, 210, casa 13, Bairro Edson Queiroz Fortaleza, CE, Brasil, 60834-540 E-mail: fabriciouece@hotmail.com

Fabrício da Silva CostaI; Rebeca Silveira RochaII; Sérgio Pereira da CunhaIII; Francisco Cândido dos ReisIV; Aderson Tadeu BerezowskiV; José Antunes-RodriguesVI

IDoutor, Professor Adjunto da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE, Brasil

IIAcadêmica da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE, Brasil, Bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

IIILivre-docente, Professor Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

IVLivre-docente, Professor Associado do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

VDoutor, Professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

VILivre-docente, Professor Titular do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Fabrício da Silva Costa Rua Eunice Weaver, 210, casa 13, Bairro Edson Queiroz Fortaleza, CE, Brasil, 60834-540 E-mail: fabriciouece@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Comparar a eficácia do Doppler das artérias uterinas e de marcadores séricos maternos na predição de complicações da gestação.

MATERIAIS E MÉTODOS: Trata-se de um estudo prospectivo com 49 primigestas, incluídas no estudo na 18ª semana, sendo coletada a amostra sanguínea para a realização das dosagens séricas, realizadas pelo método de quimioluminescência (alfa-fetoproteína, gonadotrofina coriônica humana e óxido nítrico) e radioimunoensaio (peptídio atrial natriurético). O Doppler das artérias uterinas foi realizado entre 24–26 semanas, determinando a presença ou ausência de incisura na onda de velocidade de fluxo. Na análise estatística utilizou-se o teste de Mann-Whitney, para amostras não-paramétricas, e o teste exato de Fisher, para parâmetros qualitativos.

RESULTADOS: Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo foram, respectivamente, de 8,3%, 97,0%, 50,0% e 74,4% para a alfa-fetoproteína; 8,3%, 87,9%, 20,0% e 72,5% para a gonadotrofina coriônica humana; 16,7%, 97,0%, 33,3% e 76,2% para o peptídio atrial natriurético; e 16,7%, 93,9%, 50,0% e 75,6% para o óxido nítrico. A sensibilidade do Doppler foi de 75,0%, especificidade de 63,6%, valor preditivo positivo de 57,1% e valor preditivo negativo de 87,5%.

CONCLUSÃO: O Doppler das artérias uterinas é melhor preditor de complicações da gestação quando comparado a alguns marcadores séricos em populações de baixo risco.

Unitermos: Doppler; Marcadores séricos; Pré-eclâmpsia; Complicações; Gravidez.

INTRODUÇÃO

Durante as últimas três décadas, numerosos testes clínicos, biofísicos e bioquímicos foram propostos para a detecção precoce de vários distúrbios gestacionais, sendo o principal destes a pré-eclâmpsia. Alguns desses testes são simples, outros são invasivos; alguns foram estudados extensivamente, outros ainda estão sob investigação clínica. A revisão da literatura mostra grande discordância na sensibilidade e no valor preditivo de vários desses testes, não existindo ainda um teste ideal para ser utilizado no rastreamento das principais doenças gestacionais e perinatais(1).

A grande maioria dos estudos atuais que procuram marcadores para as complicações gestacionais e perinatais, relacionadas a alterações na invasão trofoblástica, mostra tendência em se identificar um marcador único(2). A pré-eclâmpsia e a restrição do crescimento intra-uterino (RCIU), entretanto, são doenças multissistêmicas, com anormalidades na placentação que podem derivar de bases genéticas e imunológicas(3), e uma multiplicidade de alterações humorais e cardiovasculares que podem estar relacionadas à disfunção endotelial(4), tornando praticamente inatingível a descoberta de um bom marcador único.

Alguns artigos publicados na literatura demonstraram que a combinação de marcadores séricos com o Doppler anormal das artérias uterinas pode potencializar a identificação das mulheres de risco e prevenir o desenvolvimento de complicações na gravidez(5,6).

O objetivo do presente estudo é comparar a eficácia do Doppler das artérias uterinas e de quatro marcadores séricos maternos — alfa-fetoproteína (AFP), gonadotrofina coriônica humana (hCG, human chorionic gonadotropin), peptídio atrial natriurético (ANP, atrial natriuretic peptide) e óxido nítrico (NO, nitric oxide) — na predição de complicações da gestação.

MATERIAIS E MÉTODOS

A casuística deste estudo compreendeu 49 mulheres na sua primeira gestação, sem doenças crônicas, gestacionais ou ginecológicas, atendidas no Ambulatório de Pré-Natal do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) ou na rede pública municipal da cidade de Ribeirão Preto, SP. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP. Os exames foram realizados após explicação prévia às pacientes e assinatura do termo de consentimento pós-informação.

A determinação da idade gestacional foi feita pela data da última menstruação e pela realização de ultra-sonografia transvaginal no primeiro trimestre da gestação.

As gestantes foram incluídas no estudo na 18ª semana, momento em que foi coletada a amostra sanguínea para a realização das dosagens séricas. O Doppler das artérias uterinas foi realizado entre 24–26 semanas de gestação. As pacientes também foram orientadas sobre a realização dos partos no Centro Obstétrico do HCFMRP-USP. As mulheres mantiveram o acompanhamento pré-natal nas unidades de origem até o final da gravidez. Foi oferecida a realização de exames extras ao protocolo nos casos de intercorrências ou por solicitação do pré-natalista. Nos casos de complicações da gestação, as pacientes foram encaminhadas para seguimento no Ambulatório de Gestação de Alto Risco do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HCFMRP-USP.

Os critérios de exclusão do estudo foram os seguintes: existência de doenças crônicas, gestacionais ou ginecológicas, uso crônico de medicações, tabagismo, gestação múltipla, presença de malformações fetais, abortamento, não-comparecimento aos retornos agendados e partos realizados em outros hospitais. No decorrer da pesquisa ocorreram quatro perdas, sendo dois casos devidos à falta aos retornos agendados e dois casos pela realização dos partos em outros hospitais.

Foram obtidos os seguintes dados das gestantes: idade, cor e história familiar de doenças crônicas (hipertensão arterial crônica e diabetes mellitus).

No momento da inclusão da paciente no estudo, na 18ª semana da gravidez, após repouso de 30 minutos na posição sentada, foram colhidos 15 ml de sangue, por meio de punção venosa periférica, utilizando seringa de 20 ml (sem heparina).

As dosagens de AFP e hCG foram realizadas pelo método de quimioluminescência, utilizando kits Immulite AFP (2000) e Immulite hCG (2000), manufaturados pelo laboratório DPC (Diagnostic Products Corporation; Los Angeles, CA). O ensaio foi realizado no Laboratório de Fisiologia e Farmacologia Tocoginecológica do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HCFMRP-USP. As medidas foram realizadas com analisador automático Immulite, fabricado pela DPC Cirrus Inc., subsidiária da DPC. Os valores encontrados para a AFP e hCG foram convertidos em múltiplos da mediana. A mediana da AFP e da hCG foi estabelecida por meio de uma curva de normalidade para a nossa população. Foi considerado como anormalidade na dosagem da AFP e da hCG valores superiores a 2,0 MoM, conforme estabelecido pela literatura(1).

As dosagens do ANP foram realizadas pelo método de radioimunoensaio, usando kits Euro-Diagnostica (2000), manufaturados pelo laboratório Alpco (American Laboratory Products Company; Windham, NH). O ensaio foi realizado no Laboratório de Neurofisiologia do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP. A sensibilidade do ensaio nesse estudo para o ANP foi de 3,5 pg/ml. O erro intra-ensaio, com média e desvio-padrão de 12,6 ± 1,1 pg/ml, foi de 8,6%. Todas as dosagens foram realizadas em um único ensaio, eliminando o erro interensaio. Foram considerados como anormalidade na dosagem do ANP valores superiores a 237,4 pg/ml, que corresponde ao percentil 95 da presente amostra.

As dosagens do NO foram realizadas por meio de uma curva colorimétrica que tem os seguintes parâmetros ou características: slope = 2,70; intercept = –26,00; R = 0,99992 e desvio-padrão de 6,38 µmol/l. Todas as dosagens foram realizadas em um único ensaio, eliminando o erro interensaio. Foram considerados como anormalidade na dosagem do NO valores superiores a 17,8 µmol/l, que corresponde ao percentil 95 da presente amostra.

Os exames Doppler das artérias uterinas foram realizados sempre pelo mesmo observador, após micção espontânea, em decúbito dorsal, com a cabeceira elevada em 45°, entre 24–26 semanas de gestação. A duração média do exame foi de 30 minutos. O equipamento utilizado foi da marca ATL (Advanced Technologies Laboratories; Bothell, WA), modelo HDI 3000, dotado de transdutor convexo de 2–5 MHz (banda larga), Doppler pulsátil, Doppler colorido e Doppler de amplitude (power Doppler); o filtro foi fixado em 100 Hz.

Os vasos avaliados, através do método Doppler, foram as artérias uterinas direita e esquerda em seus ramos ascendentes. Para a realização do exame, o transdutor foi colocado no quadrante inferior lateral do abdome e angulado medialmente. O Doppler colorido foi utilizado para identificar a artéria uterina homolateral ao transdutor, no ponto que cruza a artéria ilíaca externa, e a amostra de volume colocada aproximadamente a 1 cm acima do ponto de cruzamento. Foi considerado como Doppler alterado a presença de incisura bilateral no exame realizado entre 24–26 semanas de gestação.

Os partos foram realizados no Centro Obstétrico do HCFMRP-USP. Os recém-nascidos foram recepcionados e acompanhados pela equipe do Departamento de Pediatria e Puericultura deste hospital.

Foram consideradas complicações da gestação o surgimento de pré-eclâmpsia, o descolamento prematuro da placenta normalmente inserida (DPPNI) e o parto pré-termo (PPT). O diagnóstico de pré-eclâmpsia fundamentou-se no aumento da pressão arterial > 140/90 mmHg, mantida após repouso de seis horas, associado a proteinúria > 0,3 g em 24 horas(6).

Foram consideradas complicações perinatais a centralização cerebral do fluxo sanguíneo fetal, a presença de mecônio espesso no líquido amniótico no momento do nascimento e os recém-nascidos pequenos para a idade gestacional (PIG). Consideraram-se recém-nascidos PIG aqueles que apresentaram peso ao nascimento abaixo de percentil 10 na curva de crescimento estabelecida para a nossa população.

Na análise dos dados utilizou-se o teste t não-pareado para a análise das variáveis quantitativas contínuas de distribuição normal, o teste de Mann-Whitney para amostras quantitativas não-paramétricas, o teste exato de Fisher na avaliação dos parâmetros qualitativos e o teste de Pearson na avaliação das correlações. Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo foram calculados pelos pontos de corte estabelecidos na literatura para a AFP e hCG(1) e pelos valores do percentil 95 do ANP e NO. A análise multivariada, realizada por meio da regressão logística múltipla, foi utilizada para a avaliação de todos os marcadores em conjunto.

RESULTADOS

Foram avaliadas 45 gestantes no decorrer do estudo, e suas características epidemiológicas e resultados das gestações estão descritas na Tabela 1.

As pacientes foram divididas em dois grupos: normais – sem a presença de complicações obstétricas e/ou perinatais; complicadas – com a presença de complicações obstétricas e/ou perinatais.

A Tabela 2 lista os 12 casos de complicações apresentadas na gestação e/ou no período perinatal.

Todas as complicações observadas fazem parte do espectro de alterações relacionadas à má-adaptação placentária. Não foi observado nenhum caso de DPPNI.

A Tabela 3 mostra a média e o desvio-padrão das dosagens de AFP, hCG, ANP e NO nas gestações normais e complicadas.

A presença de incisura bilateral nas artérias uterinas foi encontrada, no exame realizado entre 24–26 semanas de gestação, em 21 casos (46,7%), a incisura unilateral em 3 casos (6,6%) e estava ausente em 21 casos (46,7%).

A presença de incisura bilateral nas artérias uterinas entre 24–26 semanas apresentou-se fortemente associada ao surgimento de complicações na gestação. Nove gestantes apresentaram intercorrências, representando 75% do total de complicações. Todos os casos de pré-eclâmpsia (quatro), um caso de recém-nascido PIG, três casos de PPT e um caso de presença de mecônio espesso no momento do parto apresentaram essa alteração da onda de velocidade de fluxo (OVF).

A presença de incisura unilateral foi observada somente em três casos. Uma gestação evoluiu normalmente, enquanto um caso resultou em PPT com recém-nascido PIG e outro em "centralização da circulação fetal", tendo como resultado recém-nascido a termo sem complicações neonatais.

A normalidade da OVF não esteve associada fortemente ao surgimento de doenças na gestação. Das 21 pacientes que não apresentaram incisura nas artérias uterinas, somente um caso evoluiu com complicação no período perinatal.

A Tabela 4 mostra a associação entre a presença de complicações da gestação e/ou do período perinatal com a avaliação qualitativa da OVF das artérias uterinas.

A presença de qualquer complicação na gravidez e/ou no período perinatal mostrou-se mais freqüente quando havia a presença de incisura bilateral no Doppler das artérias uterinas, pelo teste exato de Fisher (p < 0,04).

A Tabela 5 mostra a análise por meio de regressão múltipla, utilizada para avaliar o efeito simultâneo ou multivariado da dosagem de AFP, hCG, ANP, NO e do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação.

A presença de incisura bilateral é a única variável que apresenta correlação, pela análise multivariada, com o surgimento de complicações, com odds ratio de 5,2.

A Tabela 6 mostra a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo dos diversos marcadores na predição de complicações.

DISCUSSÃO

Mais de 100 testes já foram avaliados para a predição de distúrbios relacionados à má-adaptação placentária, entre eles, principalmente, a pré-eclâmpsia, sem ainda ter sido descrito o teste preditivo ideal(7).

Em 1988, estudiosos obtiveram, de maneira geral, 26% de resultados gestacionais adversos depois de inexplicável alta dosagem de AFP, sendo 6% de mortes fetais ou neonatais, 15% de baixo peso ao nascimento e 6,2% de anomalias congênitas(8). Já alguns autores têm contestado o valor da AFP na predição da pré-eclâmpsia(9). Pesquisadores estudaram 72 pacientes com inexplicada elevação da AFP durante a gestação e compararam seus achados com os de controles normais. Resultado perinatal adverso ocorreu em 38,9% dos casos com AFP elevada e em 31,9% dos controles (p = 0,50), permitindo concluir que a AFP oferece somente um pequeno valor preditivo adicional em uma população de alto risco(9).

Na presente amostra, os valores da AFP não mostraram diferença estatística significativa entre o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 0,98 ± 0,48 MoM) e o grupo-controle (média de 0,91 ± 0,36 MoM), com p = 0,89. Utilizando como ponto de corte para anormalidade valores acima de 2,0 MoM, a sensibilidade da AFP, na predição de complicações, foi de apenas 8,3%, com especificidade de 97,0%, valor preditivo positivo de 50,0% e valor preditivo negativo de 74,4%.

Alguns trabalhos publicados na literatura mostraram que a dosagem de hCG e/ou b-hCG plasmático entre 14–20 semanas de amenorréia parece ser um ótimo teste preditivo para complicações vasculares em primigestas(10). Uma pesquisa demonstrou que níveis de b-hCG duas vezes acima da média estavam associados com aumento do risco relativo de hipertensão induzida pela gestação isolada e pré-eclâmpsia (risco relativo de 1,7 e 5,1, respectivamente)(10).

Semelhante à AFP, alguns autores têm contestado a validade da dosagem de hCG na predição de complicações gestacionais. Em estudo realizado em 1998, os níveis de b-hCG foram utilizados para construir uma curva ROC para avaliar o seu potencial no rastreamento da pré-eclâmpsia. Dezenove pacientes (4,4%) desenvolveram pré-eclâmpsia e a média da dosagem de b-hCG livre, no segundo trimestre da gravidez, estava significantemente elevada quando comparada com o grupo-controle (1,52 versus 1,10; p = 0,03). A curva ROC mostrou que, para uma sensibilidade de 79%, a especificidade era de somente 54%, permitindo aos autores concluir que a dosagem isolada da fração livre de b-hCG, durante o segundo trimestre da gestação, não é clinicamente útil como teste de rastreamento para a pré-eclâmpsia em primigestas(11).

No presente estudo, os valores de hCG não mostraram diferença estatística significante entre o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 1,19 ± 0,78 MoM) e o grupo-controle (média de 1,08 ± 0,75 MoM). Utilizando como ponto de corte para anormalidade valores acima de 2,0 MoM, a sensibilidade da hCG na predição de complicações foi de apenas 8,3%, especificidade de 87,9%, valor preditivo positivo de 20,0% e valor preditivo negativo de 72,5%.

O ANP parece ter interessante papel como marcador preditivo da pré-eclâmpsia e de outras doenças relacionadas, pois sua secreção pode responder a mudanças hemodinâmicas, que possivelmente precedem o aparecimento clínico da doença(1). Por intermédio da ultra-sonografia, foi possível constatar aumento nas dimensões do átrio esquerdo e freqüente ocorrência de efusão pericárdica em mulheres com pré-eclâmpsia e que apresentavam elevados níveis séricos de ANP no terceiro trimestre da gestação e no puerpério inicial, sugerindo que a pré-eclâmpsia aumenta a pressão intracardíaca, estimulando a secreção do ANP(12).

Os dados da presente casuística não evidenciaram diferença estatisticamente significante na concentração sérica do ANP, considerando o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 139,3 ± 77,1 pg/ml) e o grupo-controle (média de 119,6 ± 47,0 pg/ml). Utilizando como ponto de corte para anormalidade valores acima do percentil 95 (272,7 pg/ml), a sensibilidade do ANP na predição de complicações foi de apenas 16,7%, especificidade de 97,0%, valor preditivo positivo de 33,3% e valor preditivo negativo de 76,2%.

Para demonstrar que a diminuição na produção do NO pode ter papel na fisiopatologia da pré-eclâmpsia, estudiosos dosaram o nitrato sérico em 20 mulheres que apresentavam pré-eclâmpsia, em 20 gestantes saudáveis e em 12 mulheres não-grávidas em idade reprodutiva. A concentração de nitrato estava significativamente mais elevada nas pacientes com pré-eclâmpsia, comparadas às gestantes saudáveis e às mulheres não-grávidas(13). Tais resultados não sustentam a hipótese de que uma redução na produção endotelial do NO tenha importância na fisiopatologia da pré-eclâmpsia; ao contrário, níveis de nitrato sérico aumentados podem refletir aumento na produção do NO ou redução da sua eliminação renal como resposta à doença.

O papel do NO sérico materno na predição de complicações da gestação, ainda na sua primeira metade, não foi testado. Tal fato estimulou sua investigação como provável preditor no nosso estudo. Neste, não foi evidenciada diferença estatística significante na concentração sérica do NO entre o grupo que apresentou complicações gestacionais e/ou perinatais (média de 11,1 ± 4,6 µmol/l) e o grupo-controle (média de 10,0 ± 3,4 µmol/l). Utilizando como ponto de corte para anormalidade valores acima do percentil 95 (18,9 µmol/l), a sensibilidade do NO na predição de complicações foi de apenas 16,7%, especificidade de 93,9%, valor preditivo positivo de 50,0% e valor preditivo negativo de 75,6%.

A placenta, no seu processo de implantação e desenvolvimento, modifica a circulação uterina de um baixo fluxo com alta resistência para alto fluxo e baixa resistência(6). Essas modificações fazem desaparecer a incisura protodiastólica das artérias uterinas por volta da 24ª–26ª semana de gestação. No presente grupo de gestantes, a incisura bilateral nas artérias uterinas estava presente em 21 casos (46,7%) no exame realizado entre 24–26 semanas de gravidez, com diferença estatisticamente significante em relação às gestações normais (p < 0,04). Em 1998, realizando a avaliação Doppler das artérias uterinas entre 19–21 semanas, estudiosos notaram a presença de incisura bilateral em 12,4% dos casos e o Doppler foi considerado alterado em 22,8% dos casos(14). Também em 1998, estudando pacientes não-selecionadas, na 24ª semana da gestação, autores perceberam a presença de incisura em 27,7% dos casos(15). Já outra pesquisa mostrou alta incidência na sua população, entre 18–26 semanas de gestação, com presença de incisura bilateral em 40,7% dos casos(16).

Por ser considerado método de fácil realização, seguro e não-invasivo, a sensibilidade e a especificidade do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação já foram amplamente testadas(17,18). Em 1998, utilizando a presença de incisura bilateral, um estudo obteve sensibilidade de 61,9% para o diagnóstico de pré-eclâmpsia, especificidade de 88,7%, valor preditivo positivo de 11,1% e valor preditivo negativo de 99,0%. Para o diagnóstico de RCIU, a sensibilidade foi de 36,8%, especificidade de 89,2%, valor preditivo positivo de 17,9% e valor preditivo negativo de 95,7%. Quando os autores utilizaram a resistência elevada como critério de anormalidade do Doppler, obtiveram sensibilidade de 71,4%, especificidade de 78,2%, valor preditivo positivo de 6,9% e valor preditivo negativo de 99,2% para o diagnóstico de pré-eclâmpsia. Para o diagnóstico de RCIU, a sensibilidade foi de 47,4%, especificidade de 78,7%, valor preditivo positivo de 12,5% e valor preditivo negativo de 95,9%(14). Em 1998, também utilizando a presença de incisura bilateral ou o índice de resistência (IR) elevado como critérios de anormalidade do Doppler, pesquisadores demonstraram boa sensibilidade, mas valores preditivos positivos baixos. A incisura bilateral predizendo toxemia mostrou sensibilidade de 100,0%, especificidade de 76,3%, valor preditivo positivo de 19,0% e valor preditivo negativo de 100,0%; o IR elevado mostrou sensibilidade de 83,3%, especificidade de 84,7%, valor preditivo positivo de 23,3% e valor preditivo negativo de 98,9%(15). Em 2000, um estudo demonstrou, para a predição de pré-eclâmpsia, sensibilidade de 91,0%, especificidade de 42,0% e valor preditivo positivo de 37,0%(16). Para a predição de recém-nascidos PIG, a sensibilidade foi de 84,0%, especificidade de 39,0% e valor preditivo positivo de 33,0%. Estudo realizado em 2005 avaliou, prospectivamente, o índice de líquido amniótico em gestantes de baixo risco e evidenciou que não é um bom preditor de complicações gestacionais e perinatais, enquanto a presença de incisura bilateral das artérias uterinas confirmada pelo Doppler no período de 24–26 semanas de gestação consiste em bom preditor de tais complicações, com sensibilidade de 90% e especificidade de 62,5%(19). Outro estudo mostrou que a presença de IR elevado entre 24–26 semanas de gestação apresentou sensibilidade e especificidade semelhantes à presença de incisura bilateral nas artérias uterinas, com melhora muito discreta no valor preditivo positivo(20).

Em 1998, estudiosos avaliaram, simultaneamente, o peptídio N-terminal do ANP, a fração livre de b-hCG e a AFP na predição da pré-eclâmpsia, por meio da sua dosagem sérica entre 15–19 semanas de gestação em população de 637 primigestas. A sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos foram calculados utilizando como ponto de corte o valor de 2,0 MoM para a AFP e a b-hCG. Inexplicável elevação da AFP acima de 2,0 MoM foi observada em 2% das gestantes, enquanto a b-hCG mostrou-se elevada em 16% das gestantes. A sensibilidade e a especificidade da AFP na predição da pré-eclâmpsia foi de 3% e 98%, e da b-hCG foi de 20% e 84%, respectivamente. Os valores preditivos positivo e negativo da AFP foram de 9% e 95%, e da b-hCG foram de 3% e 95%, respectivamente(1). Essas baixas sensibilidades na detecção de complicações da gestação foram semelhantes às encontradas no nosso estudo. Os níveis séricos do peptídio N-terminal do ANP não estavam elevados nas pacientes com hipertensão gestacional (330 pmol/l) e nos casos de pré-eclâmpsia (270 pmol/l) em relação aos controles normais. Tais dados são semelhantes aos nossos achados, pois também não encontramos diferença significativa nos níveis de ANP entre as gestações complicadas e as normais. Utilizando modelo de regressão logística gradual, esses mesmos autores avaliaram o efeito simultâneo da dosagem do N-terminal do ANP, AFP, b-hCG, idade materna e a pressão arterial média entre 19–24 semanas de gestação, com as chances do desenvolvimento de pré-eclâmpsia. As dosagens séricas e a idade materna não predizem a pré-eclâmpsia, sendo o único fator identificado como preditor de risco a pressão arterial média (p = 0,01). Na presente pesquisa também foi utilizada a regressão logística gradual para avaliar, simultaneamente, a AFP, a hCG, o ANP, o NO e o Doppler das artérias uterinas como preditores de complicações. A presença de incisura bilateral no Doppler das artérias uterinas é a única variável que apresenta correlação, pela análise multivariada, com o surgimento de complicações gestacionais e/ou perinatais, com odds ratio de 5,2.

CONCLUSÃO

Os dados deste estudo mostram a importância da realização do Doppler das artérias uterinas, principalmente entre a 24ª–26ª semana gestacional, mesmo em populações de baixo risco, podendo selecionar pacientes com alterações do fluxo útero-placentário para acompanhamento pré-natal em unidades de referência e possibilitando a utilização de medidas profiláticas.

Recebido para publicação em 14/3/2007. Aceito, após revisão, em 24/5/2007.

* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.

  • 1. Pouta AM, Hartikainen AL, Vuolteenaho OJ, et al. Midtrimester N-terminal proatrial natriuretic peptide, free beta-hCG, and alpha-fetoprotein in predicting preeclampsia. Obstet Gynecol. 1998; 91:9404.
  • 2. Broughton Pipkin F, Sharif J, Lal S. Predicting high blood pressure in pregnancy: a multivariate approach. J Hypertens. 1998;16:2219.
  • 3. Robillard PY, Hulsey TC, Périanin J, et al. Association of pregnancy-induced hypertension with duration of sexual cohabitation before conception. Lancet. 1994;344:9735.
  • 4. Roberts JM, Taylor RN, Musci TJ, et al. Preeclampsia: an endothelial cell disorder. Am J Obstet Gynecol. 1989;161:12004.
  • 5. Elsandabesee D, Srinivas M, Kodakkattil S. The clinical value of combining maternal serum screening and uterine artery Doppler in prediction of adverse pregnancy outcome. J Obstet Gynaecol. 2006;26:1157.
  • 6. Cnossen JS, van der Post JAM, Mol BWJ, et al. Prediction of pre-eclampsia: a protocol for systematic reviews of test accuracy. BMC Pregnancy and Childbirth. 2006;6:29.
  • 7. Dekker GA, Sibai BM. Early detection of preeclampsia. Am J Obstet Gynecol. 1991;165:16072.
  • 8. Burton BK. Outcome of pregnancy in patients with unexplained elevated or low levels of maternal serum alpha-fetoprotein. Obstet Gynecol. 1988;72:70913.
  • 9. Phillips OP, Simpson JL, Morgan CD, et al. Unexplained elevated maternal serum alpha-fetoprotein is not predictive of adverse perinatal outcome in an indigent urban population. Am J Obstet Gynecol. 1992;166:97882.
  • 10. Sorensen TK, Williams MA, Zinghein RW, et al. Elevated second-trimester human chorionic gonadotropin and subsequent pregnancy-induced hypertension. Am J Obstet Gynecol. 1993;169: 8348.
  • 11. Luckas M, Hawe J, Meekins J, et al. Second trimester serum free beta human chorionic gonadotrophin levels as a predictor of pre-eclampsia. Acta Obstet Gynecol Scand. 1998;77:3814.
  • 12. Pouta AM, Räsänen JP, Airaksinen KEJ, et al. Changes in maternal heart dimensions and plasma atrial natriuretic peptide levels in the early puerperium of normal and pre-eclamptic pregnancies. Br J Obstet Gynaecol. 1996;103:98892.
  • 13. Smárason AK, Allman KG, Young D, et al. Elevated levels of serum nitrate, a stable end product of nitric oxide, in women with pre-eclampsia. Br J Obstet Gynaecol. 1997;104:53843.
  • 14. Kurdi W, Campbell S, Aquilina J, et al. The role of color Doppler imaging of the uterine arteries at 20 weeks' gestation in stratifying antenatal care. Ultrasound Obstet Gynecol. 1998;12:33945.
  • 15. Montenegro CAB, Chaves E, Pessoa LG, et al. Valor preditivo para a toxemia do Doppler das artérias uterinas. Prog Diagn Prenat. 1998;10:169.
  • 16. Coleman MA, McCowan LM, North RA. Mid-trimester uterine artery Doppler screening as a predictor of adverse pregnancy outcome in high-risk women. Ultrasound Obstet Gynecol. 2000; 15:712.
  • 17. Nardozza LMM, Camano L, Moron AF, et al. Alterações ultra-sonográficas na gravidez Rh negativo sensibilizada avaliada pela espectrofometria do líquido amniótico e pela dopplervelocimetria da artéria cerebral média. Radiol Bras. 2006;39: 113.
  • 18. Pastore AR. Dopplervelocimetria da artéria cerebral média fetal: o divisor de águas no diagnóstico da anemia fetal [editorial]. Radiol Bras. 2006;39(1):iii.
  • 19. Costa FS, Cunha SP, Berezowski AT. Avaliação prospectiva do índice de líquido amniótico em gestações normais e complicadas. Radiol Bras. 2005;38:33741.
  • 20. Costa FS, Cunha SP, Berezowski AT. Qual o melhor período para a realização do Doppler das artérias uterinas na predição de complicações da gestação? Radiol Bras. 2006;39:97102.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Fabrício da Silva Costa
    Rua Eunice Weaver, 210, casa 13, Bairro Edson Queiroz
    Fortaleza, CE, Brasil, 60834-540
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      24 Maio 2007
    • Recebido
      14 Mar 2007
    Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br