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Novos paradigmas na avaliação por imagem dos tumores parenquimatosos renais

EDITORIAL

Novos paradigmas na avaliação por imagem dos tumores parenquimatosos renais

Ronaldo Hueb Baroni

Doutor, Assistente do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: rbaroni@einstein.br

Por muito tempo, os métodos de imagem desempenharam papel secundário no diagnóstico e planejamento terapêutico dos tumores renais parenquimatosos, pois a urografia excretora era capaz de detectar apenas lesões grandes, que promovessem abaulamento do contorno renal ou distorção do sistema coletor, geralmente em pacientes sintomáticos com doença avançada.

O advento da ultra-sonografia (US) representou um divisor de águas neste cenário, pois pequenas lesões subclínicas passaram a ser diagnosticadas de forma incidental — os chamados incidentalomas. Com isto, houve significativa melhora da sobrevida, visto que pacientes com tumores incidentais menores que 4 cm (estádio T1) têm 95% de probabilidade de sobrevida em dez anos(1). A maior disponibilidade do Doppler e dos meios de contraste ultra-sonográficos contribuiu, nos últimos anos, para aumentar a aplicabilidade da US na detecção, planejamento terapêutico e seguimento pós-tratamento das lesões focais renais.

A tomografia computadorizada (TC) com contraste iodado endovenoso, por sua vez, tornou-se o método de escolha na avaliação da grande maioria das lesões focais renais, pois, além de possibilitar uma melhor caracterização de lesões detectadas à US, também permitiu um acurado estadiamento pré-terapêutico destas lesões. As tecnologias atuais, com tomógrafos helicoidais de múltiplas fileiras de detectores (TCMD ou TC multislice) e utilizando protocolos dedicados com quatro fases de exame (pré-contraste, córtico-medular, nefrográfica e excretora) ampliaram ainda mais a aplicabilidade da TC, com exames mais rápidos, de maior resolução espacial e com possibilidade de reconstruções multiplanares e tridimensionais(2).

Por fim, a ressonância magnética (RM), com sua excepcional resolução de contraste e possibilidade de subtração digital de imagens, veio a contribuir de modo positivo na avaliação de lesões renais focais, especialmente nos pacientes alérgicos a contraste iodado e na caracterização das lesões indeterminadas à TC(3).

Os tumores renais parenquimatosos englobam uma gama extensa e heterogênea de lesões expansivas, desde lesões benignas ou de baixa agressividade, até tumores malignos extremamente agressivos com sobrevida média de poucos meses após o diagnóstico. Como regra geral, 90% dos tumores parenquimatosos renais são malignos, e, destes, cerca de 90% são carcinomas de células renais (CCR).

Frente a um tumor parenquimatoso sólido renal detectado de forma incidental em um método de imagem, cabe ao radiologista realizar o estadiamento da lesão, pela TCMD ou pela RM, mediante avaliação dos seguintes parâmetros:

•Tamanho tumoral: nódulos menores que 4 cm apresentam maior chance de tratar-se de lesão benigna (20%) ou não-cirúrgica (30%), enquanto massas maiores que 7 cm têm pior prognóstico(4).

•Invasão das gorduras perirrenal e sinusal, ou de órgãos adjacentes: a acurácia da TCMD e da RM para detecção de invasão da gordura perirrenal chega a 90%, desde que critérios específicos de análise sejam seguidos(5,6).

•Invasão de veias renais e da veia cava inferior: os valores preditivos positivo e negativo para invasão vascular são maiores que 92%, tanto para a TCMD quanto para a RM(2).

•Acometimento linfonodal: considerando-se linfonodos maiores que 1 cm (no menor diâmetro) como comprometidos por tumor, a sensibilidade dos métodos de imagem é de mais de 95%, mas a especificidade é de apenas 50%(2). Este cenário deve melhorar sobremaneira com a liberação comercial dos contrastes superparamagnéticos linfotróficos à base de nanopartículas de ferro, que mostraram sensibilidade de 100% e especificidade de 95% no estadiamento linfonodal em estudos preliminares(7).

•Metástases a distância: a TC é o método mais indicado para detecção de lesões secundárias, sendo os sítios mais comuns de metástases pulmões, mediastino, ossos e fígado.

O artigo publicado nesta edição da Radiologia Brasileira(8) chama a atenção para um importante aspecto dos CCRs: a possibilidade de recorrência tumoral tardia, anos (ou décadas) após o tratamento da lesão primária. Como particularidade, o artigo destaca o padrão hipervascularizado das metástases pancreáticas do CCR e enfatiza o diagnóstico diferencial com tumores pancreáticos de linhagem neuroendócrina. Duas outras mensagens relevantes podem ser obtidas da leitura deste artigo: a importância de um protocolo de exame adequado, incluindo uma fase arterial ou córtico-medular do abdome superior, e a necessidade de controles oncológicos prolongados nos pacientes com CCR.

Também o tratamento do CCR passou por mudanças significativas nos últimos anos, com o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas preservadoras de néfrons, como a nefrectomia parcial e a enucleação. Estas abordagens cirúrgicas podem ser aplicadas principalmente em pacientes com tumores pequenos, circunscritos e periféricos, sendo as taxas de recorrência similares àquelas encontradas em pacientes submetidos a nefrectomia total(9). Além disso, existe também a possibilidade de cirurgias laparoscópicas e robóticas, abordagens percutâneas minimamente invasivas (ablação por radiofreqüência e crioterapia) e mesmo observação vigilante, em casos selecionados.

O surgimento dessas novas modalidades terapêuticas criou novos paradigmas na avaliação por imagem dos tumores renais. Além do estadiamento propriamente dito, cabe ao radiologista fornecer ao urologista informações relevantes para a decisão da modalidade terapêutica mais adequada, ou para o manejo intra-operatório das lesões. Detalhes topográficos (como distância da lesão em relação ao seio renal e contato com vasos hilares) e vasculares (existência de artérias supranumerárias, veias com trajeto anômalo ou varizes peritumorais) devem sempre ser mencionados.

A biópsia percutânea dos tumores renais guiada por TC ou US, outrora proscrita em decorrência de risco teórico de disseminação neoplásica no trajeto da agulha, tem-se mostrado método seguro e eficaz, especialmente com a utilização de agulhas coaxiais (com risco de disseminação menor que 0,01%) e com técnicas combinadas de punção-aspirativa e de fragmento (core-biopsy). As indicações estabelecidas de biópsia de lesão focal renal são: pacientes com suspeita de lesão renal de origem neoplásica secundária ou etiologia infecciosa, suspeita de lesão irressecável, ou ausência de condições cirúrgicas. Outras indicações emergentes são: nódulos menores que 3 cm hiperatenuantes e com realce homogêneo, pacientes candidatos a tratamento percutâneo (radiofreqüência ou crioterapia), ou lesões císticas complexas indeterminadas (Bosniak III)(10).

Por fim, estudos recentes têm demonstrado a capacidade de predição pré-operatória da agressividade, ou mesmo do subtipo histológico dos tumores pela TC e RM, especialmente em relação aos carcinomas de células claras e papilíferos. Os primeiros costumam apresentar hipervascularização heterogênea com focos de necrose e podem conter gordura microscópica detectável nas seqüências de RM gradiente-eco com água e gordura "fora-de-fase" (a especificidade da RM para este subtipo histológico é de 83%). Já os tumores papilíferos costumam apresentar-se como nódulos homogêneos, hipovascularizados e com baixo sinal nas seqüências de RM ponderadas em T2 (especificidade de 94% na RM)(11). Estes resultados são extremamente promissores, com grande perspectiva de aplicação em pacientes com lesões incidentais, candidatos a terapêuticas minimamente invasivas ou observação vigilante.

Em resumo, o salto tecnológico dos métodos de imagem nos últimos anos, somado às novas possibilidades terapêuticas, trouxeram novos paradigmas à avaliação por imagem dos tumores parenquimatosos renais.

  • 1. Ficarra V, Novara G, Galfano A, et al. Application of TNM, 2002 version, in localized renal cell carcinoma: is it able to predict different cancer-specific survival probability? Urology. 2004;63:10504.
  • 2. Sheth S, Scatarige JC, Horton KM, et al. Current concepts in the diagnosis and management of renal cell carcinoma: role of multidetector CT and three-dimensional CT. Radiographics. 2001;21:S23754.
  • 3. Zhang J, Lefkowitz RA, Bach A. Imaging of kidney cancer. Radiol Clin North Am. 2007;45:11947.
  • 4. Lebret T, Poulain JE, Molinie V, et al. Percutaneous core biopsy for renal masses: indications, accuracy and results. J Urol. 2007;178:11848.
  • 5. Catalano C, Fraioli F, Laghi A, et al. High-resolution multidetector CT in the preoperative evaluation of patients with renal cell carcinoma. AJR Am J Roentgenol. 2003;180:12717.
  • 6. Roy C Sr, El Ghali S, Buy X, et al. Significance of the pseudocapsule on MRI of renal neoplasms and its potential application for local staging: a retrospective study. AJR Am J Roentgenol. 2005;184:11320.
  • 7. Guimaraes AR, Tabatabei S, Dahl D, et al. Pilot study evaluating use of lymphotrophic nanoparticle-enhanced magnetic resonance imaging for assessing lymph nodes in renal cell cancer. Urology.2008;71:70812.
  • 8. Prando A. Achados da tomografia computadorizada em metástases pancreáticas do carcinoma de célular renais. Radiol Bras. 2008;41:225228.
  • 9. Lerner SE, Hawkins CA, Blute ML, et al. Disease outcome in patients with low stage renal cell carcinoma treated with nephron sparing or radical surgery. J Urol. 1996;155:186873.
  • 10. Silverman SG, Gan YU, Mortele KJ, et al. Renal masses in the adult patient: the role of percutaneous biopsy. Radiology. 2006; 240:622.
  • 11. Pedrosa I, Chou MT, Ngo L, et al. MR classification of renal masses with pathologic correlation. Eur Radiol. 2008;18:36575.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008
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