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Importância da ecogenicidade da tireóide no diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune

Resumos

A tireoidite crônica auto-imune é, atualmente, a principal causa de hipotireoidismo e seu diagnóstico baseia-se nas manifestações clínico-laboratoriais. O marcador laboratorial mais importante é a presença de anticorpos antitireoglobulina e antiperoxidase, sendo este último o teste mais sensível. A biópsia aspirativa apresenta alta sensibilidade e especificidade, porém, é um método invasivo e, por isso, reservado para quando há presença de nódulo ou bócio de crescimento rápido. A cintilografia é desnecessária para o diagnóstico, já que apresenta baixa sensibilidade e especificidade. A ultra-sonografia, tanto ao modo B como ao dúplex-Doppler colorido, evoluiu de forma muito rápida e tornou-se um método simples, não-invasivo, reprodutível e com alta sensibilidade para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune. Ao modo B, a ecogenicidade é um parâmetro de extrema importância, já que, além de apresentar alta correlação com o quadro citopatológico, também apresenta alta sensibilidade para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune. Embora este parâmetro não seja específico da tireoidite crônica auto-imune, pois também pode estar presente na doença de Graves, na tireoidite pós-parto e na tireoidite subaguda, tais desordens podem ser facilmente diferenciadas tanto pelo quadro clínico-laboratorial quanto pelo dúplex-Doppler colorido. Assim, este artigo tem o objetivo de revisar a importância do estudo da ecogenicidade no diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune.

Ultra-sonografia; Ecogenicidade; Tireoidite; Crônica; Auto-imune


Chronic autoimmune thyroiditis is currently considered as the main cause for hypothyroidism and its diagnosis is based on clinical manifestations and laboratory tests results. The most significant laboratory marker for this disease is the presence of anti-thyroperoxidase and anti-thyroglobulin antibodies, the latter being the most sensitive one. Aspiration biopsy shows high sensitivity and specificity but, considering the invasiveness of this method it is reserved for cases of suspected nodules or fast growing goiter. Scintigraphy is unnecessary for the diagnosis, considering its low specificity and sensitivity. Both B-mode and duplex color Doppler ultrasonography have rapidly evolved, becoming a simple, noninvasive and reproducible method with high sensitivity for the diagnosis of chronic autoimmune thyroiditis. Echogenicity is a relevant parameter at B-mode ultrasonography because of the close correlation with cytopathological findings besides the high sensitivity in the diagnosis of the disease. Although this is not a specific parameter for chronic autoimmune thyroiditis, considering that it may also be found in Graves' disease, postpartum thyroiditis and subacute thyroiditis, such disorders can be easily differentiated both by clinical-laboratory and duplex color Doppler findings. Thus, the present study is aimed at evaluating the significance of thyroid echogenicity in the diagnosis of chronic autoimmune thyroiditis.

Ultrasonography; Echogenicity; Thyroiditis; Chronic; Autoimmune


ARTIGO DE REVISÃO

Importância da ecogenicidade da tireóide no diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune* * Trabalho realizado no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.

Danilo Bianchini HöflingI; Giovanni Guido CerriII; Adriana Gonçalves JulianoIII; Suemi MaruiIV; Maria Cristina ChammasV

IMédico Doutorando do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

IIProfessor Titular da Disciplina de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

IIIMédica Assistente do Serviço de Ultra-Sonografia do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

IVDoutora, Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

VDoutora, Diretora do Serviço de Ultra-Sonografia do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Danilo Bianchini Höfling Rua Tabapuã, 111, 9º andar, Itaim Bibi São Paulo, SP, Brasil, 04533-010 E-mail: dbhofling@uol.com.br

RESUMO

A tireoidite crônica auto-imune é, atualmente, a principal causa de hipotireoidismo e seu diagnóstico baseia-se nas manifestações clínico-laboratoriais. O marcador laboratorial mais importante é a presença de anticorpos antitireoglobulina e antiperoxidase, sendo este último o teste mais sensível. A biópsia aspirativa apresenta alta sensibilidade e especificidade, porém, é um método invasivo e, por isso, reservado para quando há presença de nódulo ou bócio de crescimento rápido. A cintilografia é desnecessária para o diagnóstico, já que apresenta baixa sensibilidade e especificidade. A ultra-sonografia, tanto ao modo B como ao dúplex-Doppler colorido, evoluiu de forma muito rápida e tornou-se um método simples, não-invasivo, reprodutível e com alta sensibilidade para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune. Ao modo B, a ecogenicidade é um parâmetro de extrema importância, já que, além de apresentar alta correlação com o quadro citopatológico, também apresenta alta sensibilidade para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune. Embora este parâmetro não seja específico da tireoidite crônica auto-imune, pois também pode estar presente na doença de Graves, na tireoidite pós-parto e na tireoidite subaguda, tais desordens podem ser facilmente diferenciadas tanto pelo quadro clínico-laboratorial quanto pelo dúplex-Doppler colorido. Assim, este artigo tem o objetivo de revisar a importância do estudo da ecogenicidade no diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune.

Unitermos: Ultra-sonografia; Ecogenicidade; Tireoidite; Crônica; Auto-imune.

INTRODUÇÃO

As doenças auto-imunes da glândula tireóide representam um espectro de várias desordens que têm em comum a presença de infiltrado linfocítico de intensidade variável no parênquima tireoidiano e produção de anticorpos antitireóide(1). Dentre tais desordens, a tireoidite crônica linfocítica auto-imune destaca-se como a causa mais comum de hipotireoidismo(2) e uma das mais freqüentes doenças auto-imunes organoespecíficas que afetam os seres humanos(3). A tireoidite crônica auto-imune apresenta tendência para se manifestar após os 50 anos de idade(4,5). Acomete 5% a 15% das mulheres e 1% a 5% dos homens, de acordo com os critérios diagnósticos e a localização geográfica(6), podendo ser até nove vezes mais freqüente na mulher(7).

Do ponto de vista clínico, a tireoidite crônica auto-imune apresenta-se principalmente sob duas formas: a forma atrófica (tireoidite atrófica) e a forma com bócio ou tireoidite de Hashimoto, descrita por este autor em 1912(8,9). Ambas são caracterizadas pela presença de tireoidite linfocítica, anticorpos antitireóide no sangue e vários graus de disfunção tireoidiana(6). A doença de Graves representa um dos espectros da doença auto-imune da glândula tireóide, que pode estar associada à presença de anticorpos antitireoidianos(6). A tireoidite silenciosa (indolor) e a pós-parto são, também, desordens auto-imunes que apresentam infiltrado linfocítico, geralmente autolimitadas, ambas supostamente atribuídas a manifestações de tireoidite crônica auto-imune(4). Outra forma de doença auto-imune da glândula tireóide, a tireoidite focal, pode simular neoplasias da tireóide(1,10).

A tireoidite crônica auto-imune com bócio é caracterizada por infiltrado linfocítico difuso, com ocasionais centros germinativos, folículos tireoidianos contendo escasso colóide, fibrose, alterações oxifílicas, tais como as células de Hürthle ou Askanazy. Na tireoidite crônica auto-imune atrófica a glândula tireóide é pequena, com infiltrado linfocítico e fibrose substituindo o parênquima glandular(6). Em ambas as variantes, o infiltrado linfocítico é o achado patológico característico da presença de auto-imunidade na glândula tireóide(11).

DIAGNÓSTICO CLÍNICO-LABORATORIAL E CITOLÓGICO

Os critérios diagnósticos da tireoidite crônica auto-imune baseiam-se no exame clínico e nos exames subsidiários(6). Os pacientes podem apresentar sintomas de hipotireoidismo e o exame físico pode revelar sinais de hipotireoidismo, mas tipicamente encontra-se apenas um bócio difuso, de consistência aumentada, cuja superfície é lobulada ou bocelada que, raramente, pode ser grande o suficiente para causar sintomas compressivos. Por definição, pacientes com a forma atrófica da tireoidite crônica auto-imune não têm bócio(6); ao contrário, apresentam-se com volume glandular reduzido ao diagnóstico. Esta forma pode apresentar-se sem que haja bócio preexistente ou pode resultar de evolução lenta e gradual da forma com bócio(12).

O principal marcador laboratorial da tireoidite crônica auto-imune é a presença de anticorpos antitireóide no soro. Anticorpos antitireoglobulina (TgAb) mostram-se presentes em 60% dos pacientes, enquanto os anticorpos antimicrossomal estão presentes em aproximadamente 95% dos pacientes(6). As concentrações de anticorpos antimicrossomal são, na maioria das vezes, mais elevadas do que as de TgAb, e um teste positivo para anticorpos antiperoxidase tireoidiana (TPOAb) é um indicador discretamente mais sensível para a tireoidite crônica auto-imune do que um teste positivo para anticorpos antimicrossomal(6). A cintilografia de tireóide é desnecessária para a confirmação do diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune(4,6). Na presença de suspeita clínica desta doença, um teste mostrando altas concentrações de anticorpos antitireóide e um teste para determinação dos níveis de TSH são suficientes para confirmar o diagnóstico(4,6).

A biópsia aspirativa por agulha fina deve ser considerada naqueles pacientes em que, apesar de apresentarem manifestações clínicas de tireoidite crônica auto-imune e concentrações elevadas de anticorpos antitireóide, se suspeita de nódulo tireoidiano e, também, na presença de um bócio difuso de crescimento rápido, especialmente nos que recebem terapia com tiroxina, com o intuito de afastar o diagnóstico de linfoma da glândula(1,13).

DIAGNÓSTICO ULTRA-SONOGRÁFICO

Embora na presença de manifestações clínicas de tireoidite crônica auto-imune um teste positivo para anticorpos antitireóide possa ser considerado suficiente para o seu diagnóstico(6), este método pode se mostrar negativo na fase inicial da doença, bem como em alguns pacientes com hipotireoidismo subclínico(6). Com o desenvolvimento de ensaios mais sensíveis para a detecção de TPOAb, concentrações relativamente baixas podem ser constatadas em indivíduos com outras doenças tireoidianas (bócio multinodular e neoplasias da tireóide)(6) e em indivíduos saudáveis (falso-positivos)(14). Além disso, embora a confirmação de anticorpos antitireóide indique a presença de linfócitos na glândula tireóide (auto-imunidade), esses testes não contribuem para a distinção entre os diversos tipos de doenças auto-imunes da glândula tireóide, tais como a tireoidite focal, a tireoidite difusa e a doença de Graves(1).

Dessa forma, um método simples, rápido, não-invasivo, reprodutível e que apresenta alta sensibilidade e especificidade, como a ultra-sonografia (US), pode ser de extrema utilidade para o diagnóstico precoce da tireoidite crônica auto-imune.

A US vem evoluindo de forma muito rápida nos últimos anos e está assumindo papel cada vez mais importante no diagnóstico das doenças da glândula tireóide. Vários parâmetros avaliados pela US contribuem para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune, desde a avaliação ao modo B (volume glandular, textura e ecogenicidade do parênquima tireoidiano) até a realização do dúplex-Doppler colorido. Na prática clínica, o volume da tireóide e a textura do parênquima são descritos em praticamente todos os laudos ultra-sonográficos; embora altamente correlacionado com a presença de tireoidite crônica auto-imune, o relato de ecogenicidade freqüentemente está ausente. Dessa maneira, este artigo tem o objetivo de revisar a importância da avaliação da ecogenicidade ultra-sonográfica do parênquima tireoidiano para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune, recomendando a descrição sistemática desta variável.

A análise da ecogenicidade do parênquima tireoidiano é realizada de modo subjetivo ao compará-la à ecogenicidade dos músculos pré-tireoidianos e da glândula submandibular, classificando-a em isoecogênica, hiperecogênica e hipoecogênica em relação a tais estruturas. Tipicamente, a glândula tireóide normal apresenta ecogenicidade maior que a dos músculos pré-tireoidianos e semelhante ou discretamente maior que a das glândulas submandibulares. Considera-se o parênquima tireoidiano hipoecogênico quando seus níveis de ecos são menores do que nas glândulas submandibulares, ou aproximam-se àqueles dos músculos pré-tireoidianos(15,16).

Correlação entre a ecogenicidade e a citopatologia na tireoidite crônica auto-imune

As evidências de correlação entre os achados citopatológicos (infiltrado linfocítico) e a redução da ecogenicidade foram obtidas com auxílio da punção aspirativa por agulha fina. Esta técnica foi empregada para avaliar a área ocupada por infiltração linfocítica e fibrose de pacientes com tireoidite crônica auto-imune e observou-se forte correlação entre a presença difusa de acentuado infiltrado linfocítico e fibrose com a intensa redução da ecogenicidade tireoidiana(15).

O grau de ecogenicidade foi, também, correlacionado com o diâmetro médio do lúmen folicular, ou seja, ecogenicidade normal foi observada em pacientes com diâmetro médio do lúmen folicular de 67 µm e hipoecogenicidade nos pacientes com diâmetro médio de 25 µm. Dessa forma, a ecogenicidade normal representou estrutura tecidual normofolicular ou macrofolicular, enquanto um padrão de hipoecogenicidade indicou estrutura microfolicular ou sólida, nos pacientes com tireoidite crônica auto-imune(16). A diminuição da ecogenicidade foi provocada, provavelmente, pela redução da interface celular-coloidal dominante da tireóide, que representa o fator essencial na reflexão do som. Assim, na estrutura normofolicular (glândula tireóide normal) ou macrofolicular (bócio colóide), uma grande quantidade de ondas ultra-sônicas interagem com a porção celular-coloidal e são refletidas para o transdutor, proporcionando aspecto ecogênico normal (Figura 1).


Na redução ou ausência de folículos há redução da interface acústica, provocando grande espalhamento e absorção das ondas ultra-sônicas e pouca reflexão sonora, originando o padrão hipoecogênico (Figura 2)(16). Desse modo, fica claro que a ecogenicidade do parênquima tireoidiano apresenta correlação inversa à presença de infiltrado linfocítico e à desagregação da estrutura folicular. Na doença de Graves a presença de hipoecogenicidade manifesta-se por um mecanismo diferente daquele encontrado na tireoidite crônica auto-imune, uma vez que é decorrente da hipervascularização e da hipercelularidade(17).


Ecogenicidade no diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune: valor preditivo, sensibilidade, especificidade, acurácia e comparação com outros métodos

Os valores preditivos da hipoecogenicidade para o diagnóstico das doenças auto-imunes da glândula tireóide (tireoidite crônica auto-imune e doença de Graves) foram estabelecidos com base em amostra de pacientes com hipoecogenicidade da tireóide. A punção aspirativa por agulha fina foi compatível com tireoidite crônica auto-imune em 352 pacientes e com doença de Graves em 47 pacientes. Os valores preditivos positivos e negativos de hipoecogenicidade como indicadores de doenças auto-imunes da glândula tireóide foram, respectivamente, 88,3% e 93%, demonstrando que a redução da ecogenicidade indica alta probabilidade de diagnóstico dessas doenças. Os valores preditivos positivos e negativos, isoladamente, para tireoidite crônica auto-imune foram, respectivamente, 59% e 93%, deixando claro que a ausência de hipoecogenicidade representa baixa probabilidade de diagnóstico dessa enfermidade(9).

A avaliação de pacientes com diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune por meio de punção aspirativa por agulha fina mostrou que 29,3% dos pacientes não apresentavam manifestações clínicas, 13% não tinham anticorpos antitireóide presentes e o hormônio estimulante da tireóide (TSH) estava normal em 41%. Enquanto a citologia foi isoladamente efetiva para o diagnóstico em 91,3% dos pacientes, a US mostrou sensibilidade de 94,6% para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune (presença de hipoecogenicidade)(18). Quando o padrão isoecogênico é encontrado em uma população não-selecionada para doenças de tireóide, a especificidade deste parâmetro, isoladamente, para excluir tireoidite crônica auto-imune excede 95%(19). Em uma amostra selecionada em um ambulatório de doenças da tireóide, a ausência de hipoecogenicidade foi eficaz para afastar o diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune em 84% dos pacientes(8). Dessa forma, a US apresenta alta especificidade para excluir esta doença. Já a presença de um padrão hipoecogênico não pode, isoladamente, diferenciar entre tireoidite crônica auto-imune e doença de Graves, principalmente em uma amostra selecionada de pacientes com doenças de tireóide, já que vários pacientes podem apresentar doença de Graves. Assim, a presença de hipoecogenicidade não é específica para o diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune. Nesse caso, porém, a combinação dos achados clínico-laboratoriais com o estudo ultra-sonográfico permitirá a diferenciação, uma vez que esta combinação apresenta alta especificidade para o diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune, mesmo em uma população selecionada(19). Além disso, o uso do dúplex-Doppler colorido pode, também, auxiliar na diferenciação entre tireoidite crônica auto-imune e doença de Graves(17).

Aproximadamente 10% dos indivíduos de uma população geral apresentam algum grau de hipotireoidismo, cuja principal causa é a tireoidite crônica auto-imune(20). A presença de hipotireoidismo não-diagnosticado pode representar um grave problema, tanto em crianças, devido ao risco de retardo de crescimento(21), como em gestantes, pelo risco de abortamentos, complicações perinatais e retardo do desenvolvimento neurológico do feto(22). Por isso, o interesse em avaliar quais os métodos mais acurados para o diagnóstico.

Com o objetivo de comparar a acurácia diagnóstica da hipoecogenicidade ultra-sonográfica com as concentrações elevadas de TPOAb no diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune, Raber et al. avaliaram 451 pacientes com status tireoidiano desconhecido de ambulatório com alta freqüência de doenças tireoidianas. A ecogenicidade do parênquima foi classificada em três graus: grau 1 – normal, ecogenicidade similar à glândula submandibular e hiperecóico em relação à musculatura pré-tireoidiana; grau 2 – parênquima hipoecóico em relação à glândula submandibular e hiperecóico em relação à musculatura pré-tireoidiana; grau 3 – iso ou hipoecóico em relação à musculatura pré-tireoidiana. Quando foi observado o grau 3, o valor preditivo positivo da doença foi de 95% e a sensibilidade foi de 56%. Já a sensibilidade, incluindo os graus 2 e 3 para o diagnóstico da doença, foi de 84%, enquanto a sensibilidade do TPOAb foi de 58%. A especificidade do grau 1 (normal) para excluir tireoidite crônica auto-imune foi de 96%. Esses autores observaram que 95% dos pacientes com o grau 3 na US apresentavam concentrações elevadas de TPOAb(23). Corroborando esses resultados, outra pesquisa, na qual a tireóide foi classificada de acordo com quatro tipos de padrões ultra-sonográficos distintos, revelou que os pacientes que exibiram o padrão mais alto (grau 4 – glândula tireóide com volume aumentado e com difusa e marcada hipoecogenicidade do parênquima) apresentaram as maiores concentrações de anticorpos antitireóide, os menores níveis de T4 e os mais altos níveis de TSH(24).

Nos pacientes com diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune confirmado pelo estudo citopatológico, evidenciou-se que a presença de hipoecogenicidade do parênquima tireoidiano está associada a maior probabilidade de hipotireoidismo do que à presença de isoecogenicidade do parênquima(25). A hipoecogenicidade ultra-sonográfica é, também, mais eficaz do que os anticorpos antitireóide para predizer o desenvolvimento de hipotireoidismo durante o seguimento dos pacientes(26).

É importante salientar que, em 90% dos casos, a hipoecogenicidade é decorrente de doenças auto-imunes, especialmente as tireoidites ou a doença de Graves. Todavia, uma forma de apresentação característica de hipoecogenicidade acentuada associada à presença de traves hiperecogênicas (fibróticas) atravessando o parênquima não deixa dúvida quanto ao diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune(27).

A forma atrófica da tireoidite crônica auto-imune também pode mostrar padrão ultra-sonográfico de hipoecogenicidade difusa ao exame de ultra-som. Esta condição apresenta uma típica redução de volume e da ecogenicidade glandular em 94,5% dos pacientes(28). Na tireoidite pós-parto, a hipoecogenicidade revelou-se máxima no período pós-parto, com normalização gradual durante o período de seguimento. Hipoecogenicidade persistente indicou processo contínuo de tireoidite destrutiva(29).

A tireoidite focal pode representar uma forma mais branda ou precoce de tireoidite crônica auto-imune e apresenta-se, à US, habitualmente com aspecto nodular focal hipoecóico (Figura 3)(7). Entretanto, também pode se apresentar com aspecto nodular hiperecóico, isoecóico e, mesmo, com ecogenicidade mista. Calcificações e degenerações císticas podem estar presentes no nódulo. Neste caso, a biópsia aspirativa por agulha fina é necessária para comprovar a doença e descartar neoplasia(10).


Vários estudos reportaram um padrão caracterizado por redução difusa da ecogenicidade em pacientes com tireoidite crônica auto-imune. Este parâmetro é importante tanto no diagnóstico da doença(8,9,15, 16,18,19,24,25,30) como para predizer disfunção tireoidiana ao longo do acompanhamento dos pacientes(25,26). Convém, dessa forma, salientar que o aspecto ultra-sonográfico clássico da tireóide em pacientes com tireoidite crônica auto-imune exibe, além da textura heterogênea(25,30) ou de padrão finamente micronodular(31), a presença da hipoecogenicidade (Figuras 2, 4 , 5 e 6 ).

O volume tireoidiano mostra-se aumentado na maioria dos pacientes (Figura 7) e reduzido nos pacientes com tireoidite atrófica (Figura 8), mas pode apresentar-se normal em parte dos pacientes. A presença de linfonodos de aspecto habitual na cadeia cervical VI corrobora ainda mais o diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune(32).



Diagnóstico ultra-sonográfico por meio do histograma computadorizado

Nos estudos já citados, a avaliação e a classificação da ecogenicidade da tireóide foram realizadas por examinadores experientes, comparando-a à ecogenicidade da musculatura pré-tireoidiana ou das glândulas submandibulares; entretanto, a interpretação e a quantificação são realizadas de maneira subjetiva. Apesar de a padronização dos procedimentos de utilização do equipamento de ultra-som e da classificação ter sido proposta por alguns autores, o método ainda é dependente do operador. Na busca de uma avaliação mais objetiva e quantitativa, foram desenvolvidos programas de computador que atribuem escalas numéricas aos vários tons de cinza do histograma da glândula tireóide (Graw-Wert-Einheiten – GWE). Quanto maior a resolução das imagens, maior o número de tonalidades de cinza identificado. A cor preta corresponde ao valor 0 e a cor branca corresponde ao maior valor, que depende da resolução da imagem. Tal técnica permite eliminar a subjetividade do método ao quantificar numericamente a ecogenicidade, tornando-a uma variável objetiva, quantitativa, altamente sensível e reprodutível e, portanto, capaz de proporcionar análises estatísticas mais precisas. Este método foi empregado por vários autores, tanto na avaliação de doenças da tireóide quanto de outras estruturas.

O histograma computadorizado foi utilizado na avaliação do corte transversal dos lobos tireoidianos (ganho de brilho constante) e mostrou redução significativa da ecogenicidade nos pacientes com tireoidite crônica auto-imune (GWE = 19,6) em comparação à do grupo controle (GWE = 25,6). Além disso, o alto grau de hipoecogenicidade foi correlacionado à ocorrência de altos níveis de TSH (incluindo hipotireoidismo subclínico) e TPOAb, contudo, sem correlação com os níveis de TgAb(33). Na experiência dos autores desta revisão, o histograma computadorizado pode, também, ser realizado utilizando-se o corte longitudinal do parênquima tireoidiano na comparação com a musculatura adjacente (Figura 9).


Considerando que a ecogenicidade da tireóide ao histograma computadorizado varia de acordo com o equipamento utilizado e, também, com o ajuste do ganho de brilho, foi proposto utilizar a comparação entre os valores obtidos no histograma da tireóide e dos músculos pré-tireoidianos em cortes transversais, com o objetivo de eliminar tais problemas. Este método torna o exame reprodutível mesmo com a utilização de diferentes aparelhos e, inclusive, permite que o examinador ajuste o ganho de brilho para melhor visualização do parênquima, desde que se utilize o mesmo ganho para a avaliação da musculatura. A tireóide foi considerada hipoecogênica quando os valores médios ± dois desvios-padrão do parênquima apresentaram sobreposição com aqueles da musculatura pré-tireoidiana. Todos os pacientes com tireoidite crônica auto-imune (100%) apresentaram valores de GWE do parênquima tireoidiano sobrepostos aos dos músculos pré-tireoidianos e todos os pacientes com hipotireoidismo apresentaram hipoecogenicidade envolvendo mais do que 68% da glândula(34). Além disso, em pacientes com tireoidite crônica auto-imune, o histograma revelou que pacientes com hipotireoidismo apresentaram significativa redução da ecogenicidade, quando comparados aos pacientes com eutireoidismo(35). Tais resultados obtidos com o histograma computadorizado corroboram a utilidade da hipoecogenicidade do parênquima tireoidiano no diagnóstico de tireoidite crônica auto-imune e também para predizer o hipotireoidismo.

Os estudos acima avaliaram a ecogenicidade, selecionando regiões de interesse (ROI) em cortes transversais dos lobos direito e esquerdo. Inicialmente, era necessário armazenar as imagens em arquivos tipo JPEG e transportá-las ao microcomputador para efetuar a análise, o que limitava a utilização do método em decorrência do trabalho e do tempo necessários. Atualmente, alguns aparelhos de ultra-som disponibilizam o programa, realizando a análise em tempo real, o que adiciona praticidade ao procedimento (Figuras 10, 11 e 12).




O rápido desenvolvimento de novos programas para a avaliação da ecogenicidade resultou em novos aprimoramentos. Um deles permite a avaliação da ecogenicidade em uma ROI de três dimensões(36); o outro possibilita delinear os contornos de uma estrutura durante o exame, estimando o volume e a média volumétrica da ecogenicidade de todo o tecido e não apenas de um corte transversal ou longitudinal da área selecionada(37). Esta evolução permitirá que a região selecionada pelo examinador seja representativa da média real da ecogenicidade de toda a estrutura, proporcionando coeficientes de concordância elevadíssimos, tanto intra-observadores como interobservadores, tornando esse parâmetro ainda mais sensível e reprodutível.

CONCLUSÃO

Demonstrado o valor do estudo da ecogenicidade no diagnóstico da tireoidite crônica auto-imune, recomenda-se a descrição sistemática no relatório ultra-sonográfico da glândula tireóide, além do volume e da textura, também a ecogenicidade do parênquima, ainda que de forma subjetiva.

Recebido para publicação em 14/4/2008. Aceito, após revisão, em 5/6/2008.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Danilo Bianchini Höfling
    Rua Tabapuã, 111, 9º andar, Itaim Bibi
    São Paulo, SP, Brasil, 04533-010
    E-mail:
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    Trabalho realizado no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      05 Jun 2008
    • Recebido
      14 Abr 2008
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