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Qual o seu diagnóstico?

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?

Marcelo Souto NacifI; Denise Castro de Souza CôrtesII; Amarino Carvalho de Oliveira JuniorIII; Luiz Carlos SimõesIV; Ricardo Andrade Fernandes de MelloV; Edson MarchioriVI

IDoutorando (RM Cardíaca), Professor do Unifeso, Teresópolis, RJ, Brasil

IIMédica da Cardiosuporte e da Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES (Fapes), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIICoordenador do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SRDI) do Hospital Pró-Cardíaco, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVChefe do Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras (INCL), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VMestre, Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil

VIProfessor Titular do Departamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Coordenador Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Marcelo Souto Nacif Rua Tavares de Macedo, 136, ap. 1503, Bloco A, Icaraí Niterói, RJ, Brasil, 24220-211 E-mail: msnacif@yahoo.com.br / www.msnacif.med.br

Paciente de 29 anos de idade, do sexo masculino, portador de hipoplasia do ventrículo direito, sem qualquer abordagem terapêutica até o momento. Apresentava-se pouco sintomático, com desenvolvimento físico normal, sem limitação para atividades cotidianas. Exames de rotina indicaram alta suspeita clínica de shunt direita–esquerda. Foi submetido a estudo transtorácico por ecocardiograma, por médicos com mais de 20 anos de experiência, que identificaram hipoplasia do ventrículo direito e estenose pulmonar, mas houve dúvida diagnóstica entre shunt direita–esquerda. O paciente foi encaminhado para o Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Pró-Cardíaco para estudo do septo interatrial e pesquisa de shunt.

Descrição das imagens

Figura 1. Aquisições acopladas ao ECG, em cine-RM (SSFP) nos planos (A a F) quatro câmaras varredura. Observar a cavidade direita de tamanho reduzido e o defeito do septo interatrial junto à entrada da veia cava superior no átrio direito.


Figura 2. Aquisições acopladas ao ECG, de (A a C) eixo curto varredura atrial, (D) via de saída do ventrículo direito e (E e F) estudo de fluxo pela técnica phase contrast. Nas imagens de A a C, observar a ausência do septo na porção superior medindo 1,5 cm. Em D identifica-se a estenose da pulmonar supravalvar com jato anterógrado visível. Em E e F, estudo de fluxo mostra que a velocidade média na pulmonar é de 31,5 ml e na aorta é de 63,3 ml, configurando um Qs/Qp = 2,0 e shunt direita–esquerda.


Diagnóstico: Hipoplasia do ventrículo direito associada a comunicação interatrial e estenose supravalvar do tronco da pulmonar em paciente adulto.

COMENTÁRIOS

O número de pacientes portadores de doença cardíaca congênita (DCC) que chegam à idade adulta vem aumentando gradualmente. Muitos desses adultos apresentam dificuldades na abordagem médica e cirúrgica. Um estudo retrospectivo acompanhou, no período de 1980 a 2000, 206 pacientes adultos, entre 18 e 71 anos de idade, portadores de DCC admitidos em um hospital terciário. A mais frequente anomalia congênita identificada foi comunicação interatrial (53%), seguida de defeito do septo ventricular (comunicação interventricular) (11%) e tetralogia de Fallot (11%). Muitos pacientes eram assintomáticos, sendo as queixas mais frequentes dispneia e fadiga. A cianose estava presente em 27 pacientes (13%) e 17 destes foram submetidos a correção cirúrgica (63%). A mortalidade cirúrgica e complicações intra-hospitalares foram um pouco maiores nos adultos do que as relatadas em crianças com lesões cardíacas similares(1–3).

O ecocardiograma transtorácico (ETT) é o exame realizado de rotina para a avaliação das doenças cardíacas, todavia, são conhecidas as suas limitações, sendo a principal delas a janela de estudo limitada. Na avaliação da doença congênita, principalmente no adulto e na identificação de shunts, o ETT, em um número expressivo de casos não firma o diagnóstico, observando-se números altos de falso-negativos. A suspeita clínica é de extrema importância para a definição do diagnóstico e, atualmente, os cardiologistas e clínicos ligados à área indicam o ecocardiograma transesofágico (ETE) para o diagnóstico(3).

Com os avanços tecnológicos e a introdução de novos equipamentos, temos a tomografia computadorizada cardíaca e a ressonância magnética cardíaca (RMC) como métodos não invasivos com a capacidade de diagnóstico de alterações morfológicas e anatômicas de forma não invasiva. No caso das cardiopatias congênitas, a ressonância pode fornecer dados hemodinâmicos com as técnicas em cine-RM e phase contrast (PC), que, quando bem aplicadas, são muito úteis para o diagnóstico(4,5).

Defeito do septo atrial e comunicações interatriais

O defeito do septo atrial é a cardiopatia congênita mais frequente, ocorrendo em 1 para 1.500 nascidos vivos(5). É comumente subdividido em cinco apresentações: 1 – a forma mais frequente é a conhecida como forame oval patente, em que não ocorre o fechamento normal após o nascimento pelo septum primum, se opondo à porção superior da banda límbica; 2 – o ostium secundum é a segunda forma mais comum após o forame oval patente e envolve a fossa ovalis, usualmente relacionado a deficiência de fechamento do septum primum; pode ser único ou múltiplo associado a várias fenestrações; 3 – a terceira forma mais comum de apresentação é a conhecida como ostium primum e ocorre no terço inferior do septo interatrial, abaixo da fossa ovalis e acima dos folhetos malformados das valvas atrioventriculares, isto é, pode estar associado a fissura no folheto anterior da valva mitral; 4 – o tipo menos frequente é o tipo seio venoso, que pode ocorrer próximo à entrada da veia cava superior ou inferior junto ao septo interatrial. Um dado importante é que os defeitos interatriais tipo seio venoso geralmente estão entre a veia pulmonar do lobo superior direito e a entrada da veia cava superior, e neste caso também estão frequentemente associados a retorno venoso pulmonar anômalo envolvendo a veia pulmonar do lobo superior direito, podendo se conectar à própria veia cava superior ou à veia ázigos. No entanto, podem envolver qualquer região próxima às veias do lobo médio e inferior direito; 5 – o defeito septal tipo seio coronário é o mais raro dos defeitos do septo atrial e ocorre quando esta porção do septo está parcial ou completamente descoberto, o que permite a passagem de fluxo pelo seio. Quando isto acontece, deve-se estar atento para o diagnóstico de veia cava superior esquerda persistente e que aparentemente se conecta ao átrio esquerdo (síndrome de Raghib)(2,3,6).

O shunt atrial esquerda–direita, que se dá na presença de defeito no septo atrial, leva a um aumento do volume das cavidades direitas, com ectasia do tronco e das artérias pulmonares. O não diagnóstico ao longo dos anos leva à hipertensão arterial pulmonar, com endurecimento parietal das artérias pulmonares em torno de 5–10% dos casos, podendo ocorrer a inversão do shunt, que passa a ser da direita para a esquerda, pelo aumento de pressão na cavidade direita (síndrome de Eisenmenger)(3).

O papel da RMC

Graças à sua capacidade multiplanar e a possibilidade de estudo anatômico, funcional e de fluxo, esta última, especificamente, pela técnica PC, a ressonância deve entrar como método não invasivo claro e objetivo para o diagnóstico de DCCs no adolescente e no adulto(5), suspeitas ou não conhecidas. Com a maior disponibilidade da RMC em nosso meio, poderá ser utilizada substituindo o ETE em alguns casos.

A possibilidade de correção do defeito do septo atrial via cirúrgica ou percutânea tem sido planejado pela RMC. Durongpisitkul et al.(7) demonstraram que a RMC pode ser útil na mensuração do maior diâmetro do defeito do septo atrial e do seu anel póstero-inferior, com dados semelhantes aos da cateterização cardíaca, o que define anatomicamente o paciente para o fechamento percutâneo.

Alguns defeitos são comumente não diagnosticados pelo ETT, e a RMC tem papel diferenciado e alternativo na caracterização desses raros tipos de shunts no nível atrial. Normalmente são lesões como o defeito septal tipo seio venoso, retorno venoso pulmonar parcial anômalo e defeito septal tipo seio coronário(5,8).

A relação do fluxo pulmonar/fluxo sistêmico (Qp/Qs) pode ser determinado pela cine-PC, pela técnica PC e pela comparação do volume contração (sistólico) nas medidas de volume entre o ventrículo direito e o esquerdo e pela correta mensuração das relações na artéria pulmonar e na aorta. A relação Qp/Qs possui correlação próxima com a oximetria realizada durante a cateterização(5,8,9) .

Na prática, quando do encontro de um defeito do septo atrial, deve-se informar dados que irão indicar a necessidade de fechamento deste defeito. Além dos sintomas, são necessários os dados entre o shunt esquerda–direita. Dados que ratificam a necessidade de fechamento são: diâmetro superior a 5 mm, dilatação do ventrículo direito, retificação do septo interventricular na diástole (causado pelo aumento de pressão secundário ao hiperfluxo) e Qp/Qs maior do que 1,5–2,0, e anormalidades cardíacas ou vasculares associadas(8).

Diante do exposto, nota-se que o protocolo de avaliação desses pacientes deve ser preciso e necessita de varreduras no eixo longo quatro câmaras e no eixo curto de todo o septo atrial, estudo em PC com dois eixos perpendiculares no septo, além do estudo na artéria pulmonar e na aorta, isto associado a uma angio-RM tridimensional T1 com gadolínio. Mesmo com esses protocolos específicos, pode-se ficar na dúvida diagnóstica em defeitos do septum primum, superestimar o tamanho do defeito interatrial ou ter diagnósticos falso-positivos e incapacidade de quantificar anatomicamente defeitos multifenestrados.

No presente caso, a RMC pré-operatória revelou hipoplasia de ventrículo direito, comunicação interatrial tipo seio venoso, com shunt direita–esquerda (Qs/Qp = 2,0), estenose pulmonar supravalvar e disfunção moderada do ventrículo esquerdo, e fração de ejeção de 45%.

Cirurgia e avaliações pós-operatórias

O paciente foi submetido a sangria no período pré-operatório até atingir hematócrito 50%, foi feita correção cirúrgica com circulação extracorpórea, sendo realizadas atriosseptoplastia com patch de pericárdio bovino, plastia da estenose pulmonar e anastomose da veia cava superior com o ramo direito da artéria pulmonar (procedimento de Glenn), com bandagem deste ramo pulmonar. Apresentou sangramento peroperatório normal e não houve necessidade de reposição de hemoderivados. A evolução no pós-operatório imediato foi satisfatória, com boa saturação arterial e drenagem normal, sendo o paciente extubado em poucas horas de pós-operatório.

O paciente permaneceu em anticoagulação plena após retirada dos drenos, mas evoluiu com derrame pericárdico moderado, sendo suspensa a heparina plena. No entanto, houve progressão para derrames pleural e pericárdico volumosos, que necessitaram de drenagem cirúrgica, sendo mantido com enoxiparina dose única diária profilática e corticoide dose baixa (Figura 3A). Após melhora dos derrames, permaneceu desconforto ventilatório com hipoxemia. A angiografia por tomografia computadorizada (angio-TC) identificou trombose no ramo direito da artéria pulmonar, posterior à anastomose com a veia cava superior, que se encontrava pérvia (Figura 3B).


Retornou-se anticoagulação plena com heparina intravenosa, com controle rigoroso do tempo de tromboplastina no sangue, e associou-se antiagregação plaquetária com ácido acetilsalicílico 100 mg/dia, com boa resposta. Posteriormente, introduziu-se anticoagulação oral com cumarínico e manteve-se a associação com ácido acetilsalicílico. O controle por angio-TC mostrou resolução completa dos trombos e recanalização da árvore arterial pulmonar.

Na RMC, no pós-operatório (Figura 4), foi possível o estudo do fechamento do septo interatrial e do shunt venoso sistêmico/pulmonar de Glenn, com anastomose pérvia e sem alterações.


Considerações finais

A RMC estará cada vez mais disponível para a prática cardiológica e já se tornou uma importante ferramenta na abordagem de pacientes com cardiopatia congênita, principalmente na avaliação de shunts de difícil avaliação pelo ETT. Em muitos casos irá substituir o ETE no diagnóstico desta doença.

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SRDI) do Hospital Pró-Cardíaco e no Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

  • 1. Hannoush H, Tamim H, Younes H, et al. Patterns of congenital heart disease in unoperated adults: a 20-year experience in a developing country. Clin Cardiol. 2004;27:23640.
  • 2. Abbara S, Walker TG. Diagnostic imaging: cardiovascular. Manitoba: Amirsys; 2008.
  • 3. Webb GD, Smallhorn JF, Therrien J, et al. Doença cardíaca congênita. In: Zipes DP, Libby P, Bonow RO, et al., editores. BraunwaldTratado de doenças cardiovasculares. 7Ş ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2006. p. 1489552.
  • 4. Grizzard JD, Judd RM, Kim RJ. Hemodynamic assessment and congenital heart disease. In: Grizzard JD, Judd RM, Kim RJ, editors. Cardiovascular MRI in practice a teaching file approach. London: Springer-Verlag; 2008. p. 428.
  • 5. Valente AM, Powell AJ. Clinical applications of cardiovascular magnetic resonance in congenital heart disease. Magn Reson Imaging Clin N Am. 2007;15:56577, vi.
  • 6. Campbell M. Natural history of atrial septal defect. Br Heart J. 1970;32:8206.
  • 7. Durongpisitkul K, Tang NL, Soongswang J, et al. Predictors of successful transcatheter closure of atrial septal defect by cardiac magnetic resonance imaging. Pediatr Cardiol. 2004;25:12430.
  • 8. Wald RM, Powell AJ. Congenital heart disease indications, patient preparation and simple lesions. In: Kwong RY, editor. Cardiovascular magnetic resonance imaging. Totowa: Humana Press; 2008. p. 53765.
  • 9. Powell AJ, Tsai-Goodman B, Prakash A, et al. Comparison between phase-velocity cine magnetic resonance imaging and invasive oximetry for quantification of atrial shunts. Am J Cardiol. 2003;91:15235, A9.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Marcelo Souto Nacif
    Rua Tavares de Macedo, 136, ap. 1503, Bloco A, Icaraí
    Niterói, RJ, Brasil, 24220-211
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2009
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