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Xantomatose cerebrotendínea: relato de dois casos

Resumos

Xantomatose cerebrotendínea é rara condição de natureza genética, na qual se observa redução na atividade da enzima hepática 27-hidroxilase, envolvida no metabolismo e excreção do colesterol. Consequentemente, depósitos de material lipídico (colesterol/colestanol) acumulam-se em diferentes regiões do organismo, principalmente tendões, sistema nervoso central e cristalino. Relatamos dois casos da doença em duas irmãs, mostrando os principais achados de imagem.

Xantomatose cerebrotendínea; Xantomatose; Hipercolesterolemia; Imagem por ressonância magnética; Tomografia computadorizada


Cerebrotendinous xanthomatosis is a rare genetic disorder characterized by a decrease in activity of the hepatic sterol 27-hydroxylase involved in the cholesterol metabolism and excretion. Consequently, lipid (cholesterol/cholestanol) deposition is observed in different regions of the body, especially tendons, central nervous system and eye lens. The present report describes the cases of two sisters affected by this disease, highlighting the main imaging findings.

Cerebrotendinous xanthomatosis; Xanthomatosis; Hypercholesterolemia; Magnetic resonance imaging; Computed tomography


RELATO DE CASO

Xantomatose cerebrotendínea: relato de dois casos* * Trabalho realizado no Departamento de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil.

Pedro Paulo Teixeira e Silva TorresI; Tiago Tavares VilelaII; Fernando Henrique Abrão Alves da CostaIII; Renato Duarte CarneiroIV; Luciana Garcia RochaV; Kim-Ir-Sen Santos TeixeiraVI

IMembro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médico Residente em Ressonância Magnética da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIMembro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médico Radiologista da Clínica Goiana de Diagnósticos, São Luís de Montes Belos, GO, Brasil

IIIMédico Radiologista da Clínica Center-X Diagnósticos e do Hospital Samaritano, Goiânia, GO, Brasil

IVMembro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médico Radiologista, Professor Substituto do Departamento de Radiologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil

VMembro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médica Radiologista do Instituto de Angiologia de Goiânia, Goiânia, GO, Brasil

VIDoutor, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Professor Adjunto e Chefe do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Pedro Paulo Teixeira e Silva Torres Rua 122, Setor Sul Goiânia, GO, Brasil, 74085-500 E-mail: pedroptstorres@yahoo.com.br

RESUMO

Xantomatose cerebrotendínea é rara condição de natureza genética, na qual se observa redução na atividade da enzima hepática 27-hidroxilase, envolvida no metabolismo e excreção do colesterol. Consequentemente, depósitos de material lipídico (colesterol/colestanol) acumulam-se em diferentes regiões do organismo, principalmente tendões, sistema nervoso central e cristalino. Relatamos dois casos da doença em duas irmãs, mostrando os principais achados de imagem.

Unitermos: Xantomatose cerebrotendínea; Xantomatose; Hipercolesterolemia; Imagem por ressonância magnética; Tomografia computadorizada.

INTRODUÇÃO

A xantomatose cerebrotendínea é uma doença metabólica rara com base genética (herança autossômica recessiva)(1), na qual a redução na atividade da enzima hepática 27-hidroxilase (envolvida na produção dos ácidos cólico e deoxicólico, principais vias de excreção do colesterol) leva ao acúmulo de material lipídico em diferentes tecidos, destacando-se tendões, sistema nervoso central e cristalinos(2). O mecanismo de lesão do sistema nervoso central é controverso, não se sabendo precisar qual o evento primário na lesão tecidual: desmielinização ou acúmulo neuroaxonal primário de toxinas com desmielinização secundária(3).

O espectro clínico é variável, com início do quadro geralmente na infância, quando se observam catarata bilateral, diarreia crônica, arteriosclerose precoce, anormalidades neurológicas e xantomas tendíneos(4). As manifestações neurológicas incluem retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, epilepsia, ataxia cerebelar, paraparesia espástica, distúrbios de comportamento, demência e polineuropatia(4,5).

Neste trabalho são descritos dois casos de xantomatose cerebrotendínea em irmãs, ressaltando-se os aspectos de imagem.

RELATO DOS CASOS

Pacientes C.J.S., sexo feminino, branca, 36 anos de idade (caso 1), e G.J.S., sexo feminino, branca, 35 anos de idade (caso 2) relatavam lesões expansivas periarticulares, de crescimento lento, com recidivas após exérese cirúrgica. Referiam crises convulsivas repetidas, sendo observado déficit cognitivo importante em ambas durante avaliação direcionada.

À ectoscopia evidenciavam-se múltiplas lesões expansivas, periarticulares (Figura 1), indolores, mais evidentes nas regiões dos joelhos, tornozelos, cotovelos, pododáctilos e quirodáctilos. As duas irmãs mostraram as mesmas alterações.


O principal achado na tomografia computadorizada (TC) foi atrofia cerebelar e hipodensidade na área do núcleo denteado (Figura 2). O exame de ressonância magnética (RM), na sequência ponderada em T1, evidenciou baixo sinal nos núcleos denteados (Figura 3A), o mesmo se repetindo nas sequências ponderadas em T2, FLAIR e gradiente-eco, sendo que nas duas primeiras a hipointensidade estava envolvida por halo de hipersinal. Foram observadas também, na seqüência FLAIR, regiões de hipersinal periventricular e nos centros semiovais (Figura 3B).



A RM do joelho evidencia os xantomas tendíneos pedunculados, que apresentam hipossinal em T1 e hipersinal na seqüência SPIR (Figura 4).


DISCUSSÃO

Xantomatose cerebrotendínea é uma doença de espectro clínico variável, geralmente se iniciando na infância com acometimento ocular bilateral (catarata), diarreia crônica e arteriosclerose, seguidos por envolvimento neurológico e xantomas tendíneos, os dois últimos raramente encontrados antes dos 20 anos de idade(4,5). As manifestações neurológicas incluem retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, epilepsia, ataxia cerebelar, paraparesia espástica, distúrbios comportamentais, demência e polineuropatia(6,7).

A RM é o exame de escolha na avaliação por imagem do encéfalo na xantomatose cerebrotendínea, destacando-se a sequência FLAIR, em virtude do aumento da sensibilidade na detecção de lesões parenquimatosas(7). Os achados de imagem mais comumente observados incluem: hipersinal da substância branca periventricular (FLAIR), lesões dos pedúnculos cerebrais, globos pálidos, atrofias cerebral e cerebelar, além de hipersinal na região dos núcleos denteados e substância branca adjacente (FLAIR), o último considerado o achado mais precoce, constantemente presente nesta condição(6,7).

Na evolução vão sendo acometidos o trato piramidal, a oliva inferior e fibras dos tratos oriundos destas estruturas, sendo observado, nas áreas desmielinizadas, sinal hiperintenso nas imagens ponderadas em T2(8). Os achados de RM não parecem guardar boa relação com o envolvimento neurológico/funcional da doença.

Inglese et al.(3), ao estudarem a técnica de transferência de magnetização de contraste em RM, observaram ser o método sensível para demonstrar lesões destrutivas do sistema nervoso central, como desmielinização severa e irreversível, perda neuronal/axonal muito além das lesões vistas nas imagens ponderadas em T2, proporcionando análise de todo o tecido cerebral, em vez de pequenas amostras do parênquima.

De Stefano et al.(7) notaram, na espectroscopia de prótons, marcado decréscimo nos níveis de N-acetilaspartato, a despeito de valores normais de colina, em comparação com os pacientes do grupo controle. Concluíram também que, apesar de não se poder excluir o processo desmielinizante crônico, a redução nos níveis de N-acetilaspartato favorece a hipótese de o defeito enzimático básico do distúrbio levar ao acúmulo de metabólitos cerebrais neurotóxicos e causar dano neuroaxonal primário. O mesmo estudo detectou, ainda, aumento na relação lactato/colina, sobretudo no grupo de pacientes sem tratamento, sugerindo que a terapia apropriada é benéfica para o metabolismo cerebral.

Correlação histopatológica das lesões nos núcleos denteados e substância branca adjacente mostra rarefação extensa dos mesmos, perda neuronal severa, desmielinização, depósitos lipídicos, fibrose, astrocitose reativa, deposição de hemossiderina e calcificações focais(6).

O tratamento baseia-se na administração de ácido deoxicólico ou combinação deste com inibidores da HMG-CoA redutase, sendo demonstrada lentificação ou reversão do curso da doença. O diagnóstico precoce é, portanto, fundamental para um prognóstico favorável(4,5,8,9).

Recebido para publicação em 4/6/2008

Aceito após revisão, em 9/2/2009.

  • 1. Wang Z, Yuan Y, Zhang W, et al. Cerebrotendinous xanthomatosis with a compound heterozygote mutation and severe polyneuropathy. Neuropathology. 2007;27:626.
  • 2. Lange MC, Zétola VF, Teive HAG, et al. Cerebrotendinous xanthomatosis: report of two Brazilian brothers. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62:10859.
  • 3. Inglese M, De Stefano N, Pagani E, et al. Quantification of brain damage in cerebrotendinous xanthomatosis with magnetization transfer MR imaging. AJNR Am J Neuroradiol. 2003;24:495500.
  • 4. Verrips A, van Engelen BGM, Wevers RA, et al. Presence of diarrhea and absence of tendon xanthomas in patients with cerebrotendinous xanthomatosis. Arch Neurol. 2000;57:5204.
  • 5. Moghadasian MH, Salen G, Frolich JJ, et al. Cerebrotendinous xanthomatosis: a rare disease with diverse manifestations. Arch Neurol. 2002;59: 5279.
  • 6. Barkhof F, Verrips A, Wesseling P, et al. Cerebrotendinous xanthomatosis: the spectrum of imaging findings and the correlation with neuropathologic findings. Radiology. 2000;217:86976.
  • 7. De Stefano N, Dotti MT, Mortilla M, et al. Magnetic resonance imaging and spectroscopic changes in brains of patients with cerebrotendinous xanthomatosis. Brain. 2001;124(Pt 1):12131.
  • 8. Gaikwad SB, Garg A, Mishra NK, et al. Cerebrotendinous xanthomatosis: neuroimaging findings in two siblings from an Indian family. Neurol India. 2003:51:4013.
  • 9. Brodsky JW, Beischer AD, Anat D, et al. Cerebrotendinous xanthomatosis: a rare cause of bilateral Achilles tendon swelling and ataxia. A case report. J Bone Joint Surg Am. 2006;88:13404.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Pedro Paulo Teixeira e Silva Torres
    Rua 122, Setor Sul
    Goiânia, GO, Brasil, 74085-500
    E-mail:
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    Trabalho realizado no Departamento de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Aceito
      09 Fev 2009
    • Recebido
      04 Jun 2008
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