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Tratamento endovascular: o papel do radiologista

EDITORIAL

Tratamento endovascular: o papel do radiologista

Marcelo Souto Nacif

Professor Doutor do Departamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, e do Centro Educacional Serra dos Órgãos (Unifeso), Teresópolis, RJ, Brasil. Site: www.msnacif.med.br. E-mail: marcelo.nacif@nih.gov

Uma rápida busca no PubMed, em 29 de setembro de 2010, com as palavras "Cardiovascular imaging" limitando o tempo para 10 anos resultou em 12.560 artigos. Quando o limite da busca foi somente para 2010, o resultado foi de 1.489 trabalhos científicos. Com estes números surpreendentes, podemos concluir que este é o maior avanço em imagem cardiovascular já vivenciado na medicina.

Este crescente interesse é movido por um tripé: a) grandes empresas que investem no desenvolvimento e apostam que com o sucesso tecnológico o resultado será de lucros incalculáveis; b) laboratórios de pesquisa, que tentam aprimorar os procedimentos técnicos, o material das endopróteses e o prognóstico dos doentes, quando validam pesquisas clínicas; c) os médicos, as clínicas e os hospitais, sejam públicos ou privados, que precisam entender o duelo entre lucro e "realidade".

Poderíamos aproveitar este editorial para escrever sobre os diversos campos deste crescimento; no entanto, vamos apenas nos concentrar no papel do radiologista.

Mavroforou et al.(1), em 2003, ressaltaram a importância da boa prática da radiologia intervencionista, baseando-se na legislação e na discussão de todos os aspectos com o paciente e seus familiares. Sendo assim, quem pratica a radiologia não invasiva terá, além do paciente, a constante interferência do médico assistente em sua prática, o que criará situações de dilema entre bom senso e ética médica.

O radiologista precisa se dedicar profundamente ao entendimento da fisiologia e patofisiologia de cada doença, mas atualmente o domínio do resultado da interferência humana neste processo é fundamental. Na tentativa de modificar o curso natural de uma doença vascular, a radiologia intervencionista pode ter sucesso ou não. Sendo assim, aqueles que se habilitam ao estudo cardiovascular precisam compreender a importância da imagem não invasiva, seja para o acompanhamento de tratamentos que obtiveram sucesso ou que falharam.

Houve um crescimento global na precisão, na detecção, no acompanhamento e no planejamento dos procedimentos endovasculares. Com isso, a conduta intervencionista pode ser mais bem planejada e estabelecida de forma definitiva após mensurações precisas, facilitando a escolha do material e da endoprótese a ser utilizada.

Neste número da Radiologia Brasileira encontramos um excelente artigo que demonstra a importância do diagnóstico por imagem na classificação dos endoleaks como complicação do tratamento endovascular de aneurismas aórticos(2). Trata-se de um dos temas mais importantes da imagem vascular não invasiva, pois mostra a necessidade de o radiologista dominar amplamente o que deve ser filtrado e reportado em um exame após o tratamento com endopróteses vasculares.

O desenvolvimento tecnológico das endopróteses, com sistemas fenestrados e ramificados, possibilitou a expansão das indicações em situações anteriormente desfavoráveis. É papel do radiologista detectar e reportar a real condição da doença para que, quando indicado, o procedimento seja realizado, e quando não indicado, o procedimento seja ao menos questionado.

Com a entrada de inúmeros tomógrafos multidetectores no país e com a necessidade do acompanhamento do desenvolvimento tecnológico, o radiologista terá que buscar o conhecimento completo sobre o estudo vascular não invasivo. Com a maior experiência na utilização dos métodos, os erros diagnósticos e a ineficiência em se diagnosticar complicações diminuirão exponencialmente.

Estas publicações e discussões são de suma importância, pois, cada vez mais o papel do radiologista será questionado, se este não se posicionar frente à importância destes exames para o manejo do paciente. Com isto, além de informar as medidas, as características e o aspecto dos achados, é de total responsabilidade a classificação das alterações vasculares com a mesma linguagem do médico vascular, cirurgião ou clínico que trabalha nesta área da medicina.

Alguns dados atualizados podem ser acrescentados, corroborando estes pensamentos.

Amiot et al.(3) publicaram a experiência francesa em 16 centros com a utilização de endopróteses fenestradas para o tratamento de aneurismas aórticos. A conclusão desse trabalho demonstra a eficácia em médio prazo do tratamento endovascular e ressalta a necessidade de se detectar obstruções ostiais, em ramos da aorta, ou endoleaks e formações aneurismáticas. Isto é importante, pois as complicações e o aumento da mortalidade estão relacionados com estes achados e com a piora evolutiva.

Antoniou et al.(4) estudaram a abordagem híbrida, entre tratamento cirúrgico e endoluminal, em aneurismas da aorta. Esse estudo aborda especificamente o arco aórtico e demonstra que a alternativa para situações de curto prazo pode ser a associação das duas intervenções. Os mesmos autores, em outra publicação(5), já alertaram para a utilização da cirurgia robótica, aumentando a eficácia da abordagem minimamente invasiva.

Outra publicação que chama a atenção é novamente do grupo francês de Haulon et al.(6), que em 13 centros conseguiram demonstrar que as endopróteses são seguras em médio prazo para pacientes de alto risco de ruptura de aneurismas.

Um dos melhores trabalhos foi o de Jim e Sanchez(7), que descreveram em um artigo de revisão a importância do tema, ressaltando que "com a correta seleção dos pacientes e perfeito acoplamento da endoprótese no segmento doente, os resultados serão de baixa mortalidade durante o procedimento (< 2%) e alta capacidade, em longo prazo, de evitar ruptura do aneurisma, ou complicações relacionadas (por exemplo: acidente vascular cerebral - AVC), ou conversão do procedimento para cirurgia".

Nos casos de pacientes mais debilitados, em que o procedimento muitas vezes é a única forma de tratamento, visto a cirurgia e a anestesia estarem contraindicadas, poderemos nos basear em trabalhos como a meta-análise realizada por Koullias e Wheatley(8). Em um total de 463 pacientes, eles observaram uma mortalidade de 8,3% em 30 dias, com 9,2% de incidência de endoleak, 4,4% de AVC e 3,9% de paraplegia. Estes resultados, neste grupo de pacientes, foram melhores do que os da cirurgia aberta.

A tomografia computadorizada, técnica que permitirá a ampliação, em nosso país, do estudo cardiovascular não invasivo, por ser mais simples e de menor curva de aprendizado, também está sendo utilizada na avaliação pré e pós-tratamento de lesões aórticas por trauma. Morgan et al.(9) demonstraram claramente esta aplicação do estudo angiográfico, além de facilitar o papel do radiologista na interpretação destes achados.

A prática diária deverá ser embasada nos trabalhos clínicos randomizados, como os realizados por Qu e Raithel(10), Rodel et al.(11) e Torsello et al.(12). O conhecimento e a base destes resultados direcionam as dúvidas do nosso dia-a-dia.

Para finalizar, gostaria de parabenizar mais uma vez os autores Chagas Neto et al.(2) e ressaltar a importância deste tipo de publicação na Radiologia Brasileira.

  • 1. Mavroforou A, Giannoukas A, Mavrophoros D, et al. Physicians' liability in interventional radiology and endovascular therapy. Eur J Radiol. 2003;46:240-3.
  • 2. Chagas Neto FA, Barreto ARF, Reis HF, et al. A importância do diagnóstico por imagem na classificação dos endoleaks como complicação do tratamento endovascular de aneurismas aórticos. Radiol Bras. 2010;43:289-94.
  • 3. Amiot S, Haulon S, Becquemin JP, et al. Fenestrated endovascular grafting: the French multicentre experience. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2010;39:537-44.
  • 4. Antoniou GA, El Sakka K, Hamady M, et al. Hybrid treatment of complex aortic arch disease with supra-aortic debranching and endovascular stent graft repair. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2010;39:683-90.
  • 5. Antoniou GA, Riga CV, Mayer EK, et al. Clinical applications of robotic technology in vascular and endovascular surgery. J Vasc Surg. 2010 Aug 27. [Epub ahead of print]
  • 6. Haulon S, Amiot S, Magnan PE, et al. An analysis of the French multicentre experience of fenestrated aortic endografts: medium-term outcomes. Ann Surg. 2010;251:357-62.
  • 7. Jim J, Sanchez LA. Abdominal aortic aneurysms: endovascular repair. Mt Sinai J Med. 2010;77:238-49.
  • 8. Koullias GJ, Wheatley GH 3rd. State-of-the-art of hybrid procedures for the aortic arch: a meta-analysis. Ann Thorac Surg. 2010;90:689-97.
  • 9. Morgan TA, Steenburg SD, Siegel EL, et al. Acute traumatic aortic injuries: posttherapy multidetector CT findings. Radiographics. 2010;30: 851-67.
  • 10. Qu L, Raithel D. From clinical trials to clinical practice: 612 cases treated with the Powerlink stent-graft for endovascular repair of AAA. J Cardiovasc Surg (Torino). 2009;50:131-7.
  • 11. Rödel SG, Geelkerken RH, Prescott RJ, et al. The Anaconda AAA stent graft system: 2-year clinical and technical results of a multicentre clinical evaluation. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2009;38:732-40.
  • 12. Torsello G, Troisi N, Tessarek J, et al. Endovascular aortic aneurysm repair with the Endurant stent-graft: early and 1-year results from a European multicenter experience. J Vasc Interv Radiol. 2010;21:73-80.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2010
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