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Imagem e avaliação do fluxo da veia porta: comparação entre ultrassom Doppler e RM

EDITORIAL

Imagem e avaliação do fluxo da veia porta: comparação entre ultrassom Doppler e RM

Richard C. SemelkaI; Jorge Elias JrII

IMédico Radiologista, Professor do Departamento de Radiologia da University of North Carolina, Chapel Hill, NC, EUA

IIMédico Radiologista, Professor Associado da Divisão de Radiologia do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Richard C. Semelka MD. Department of Radiology, University of North Carolina at Chapel Hill CB# 7510 101 Manning Drive Chapel Hill, North Carolina 27599-7510, USA E-mail: richsem@med.unc.edu

O diagnóstico de doença hepática difusa, incluindo sua caracterização e quantificação, vem ganhando particular importância nos últimos anos, refletindo em grande medida os avanços das técnicas de imagem. Durante o mesmo período, a preocupação com o uso da tomografia computadorizada (TC) vem crescendo devido aos efeitos prejudiciais da radiação. O resultado final é que as técnicas não-invasivas de ultrassonografia e ressonância magnética (RM) têm despertado um considerável interesse.

Ambos os métodos são não-invasivos, inócuos e seguros, entretanto, apresentam diferenças marcantes e significativas entre si. Embora a ultrassonografia seja um método bem estabelecido e amplamente utilizado, refletindo seu baixo custo e portabilidade, ela apresenta grandes variações devidas à sua grande dependência do operador, baixa sensibilidade e menor especificidade. Por outro lado, a RM é um método abrangente, com múltiplas opções de aquisição de dados, além de uma capacidade incomparável de diferenciar tecidos saudáveis de tecidos doentes. As desvantagens da RM são sua menor disponibilidade, nenhuma portabilidade e custo mais elevado.

Apesar dessas e de outras limitações, discutidas a seguir, ambos os métodos vêm progressivamente substituindo as técnicas diagnósticas mais invasivas. A morfologia e a hemodinâmica do sistema portal constituem áreas ideais de aplicação tanto para a ultrassonografia com Doppler (USD) como para a RM. As indicações clínicas para as medidas de gradiente de pressão venosa hepática realizadas por angiografia são: predição de eventos clínicos, avaliação sequencial da evolução clínica, avaliação da terapia farmacológica e avaliação pré-operatória de risco em pacientes cirróticos(1). Considerando a característica invasiva do procedimento e o fato de ser um método com pouca probabilidade de se tornar mais difundido, essa técnica de medida direta provavelmente ficará restrita a estudos básicos de pesquisa e não progredirá substancialmente para utilização clínica rotineira.

Nesta edição da Radiologia Brasileira, Leão et al.(2) apresentam um interessante artigo avaliando a reprodutibilidade interobservador da USD e RM na avaliação do fluxo sanguíneo portal em pacientes esquistossomóticos(2). Um achado intrigante é a pequena concordância entre esses dois métodos. É sempre animador quando autores de literatura científica fazem observações racionais e prudentes em vez das costumeiras descrições supervalorizadas.

A avaliação ultrassonográfica do sistema portal provavelmente é adequada para a maioria dos pacientes. Uma grande exceção é o paciente excessivamente obeso, já que frequentemente há falta de uma janela sonográfica apropriada, como resultado ou devido à coexistência com um fígado gorduroso, o que complica a visualização. Com esta ressalva em mente, a USD pode adequadamente diagnosticar a esquistossomose hepática, caracterizar o fluxo sanguíneo na veia porta e demonstrar achados relacionados à hipertensão portal, a saber, esplenomegalia, ascite e varizes. Entretanto, ainda há o desafio da identificação de pacientes com risco de sangramento no trato gastrointestinal superior e isto é motivo de investigação de outros estudos(3,4).

Comparada à USD, a RM é um método de imagem muito mais abrangente na avaliação do abdome, assim como do sistema portal e do fígado em particular. A utilidade da RM na avaliação da esquistossomose hepatoesplênica crônica(5) e da doença venosa portal(6) tem sido demonstrada. A RM demonstra a anatomia tridimensional do fígado e do sistema venoso portal e possibilita a avaliação do fluxo venoso portal por meio de técnicas de contraste da fase. Além disso, a avaliação da vasculatura e do parênquima hepáticos com técnicas tridimensionais com contraste por gadolínio e ponderadas em T1 permite a caracterização da permeabilidade dos vasos juntamente com o diagnóstico e a caracterização de lesões hepáticas focais e difusas. Quando comparada aos outros métodos, a RM apresenta alta precisão na investigação do carcinoma hepatocelular (CHC) em pacientes com doença hepática crônica. Pacientes esquistossomóticos apresentam um alto risco de desenvolvimento de CHC(7). Também, devido à alta prevalência do vírus da hepatite C (VHC), há evidências de que infecção concomitante pelo VHC e da esquistossomose pode resultar em doença hepática mais grave, com incidência maior de cirrose e CHC(8). Um perigo potencial da USD, e temos observado isto em nossa prática, pode ser uma taxa inaceitavelmente alta de resultados falsos-negativos na detecção de CHC. Encontramos alguns pacientes acompanhados por ultrassonografias seriais e que, durante o período seguimento, CHCs não foram detectados, até que os pacientes fossem submetidos à RM, que detectava um grande tumor em um estágio em que o paciente já não podia mais ser tratado(9).

Quanto às tradicionais limitações da RM - claustrofobia, artefatos de movimento e presença de implantes metálicos -, muitas delas têm sido superadas por novas técnicas e estratégias. Ao mesmo tempo, tem havido um aumento na disponibilidade de sistemas de RM, assim como de especialização entre radiologistas.

O estudo apresentado por Leão et al.(2) demonstra claramente grande concordância entre observadores na avaliação do fluxo portal por USD e por RM. Portanto, ambos os métodos podem ser utilizados com sucesso na avaliação serial do fluxo portal. Seus achados relacionados à baixa concordância entre métodos (USD versus RM) são igualmente importantes e nos dão um discernimento prático de que, no momento, os valores absolutos do fluxo portal à USD e à RM não são intercambiáveis. Portanto, nas avaliações para seguimento, é importante comparar os valores do fluxo portal apenas dentro do mesmo método. O seu estudo também indica o caminho para futuras pesquisas na investigação das causas dos diferentes valores de fluxo portal à USD e à RM, para se avaliar como ambos os métodos se comparam às outras técnicas invasivas para essas medições, de modo que tais métodos possam ser tecnicamente modificados para que reflitam mais claramente a "realidade" e, portanto, venham a se tornar mais intercambiáveis.

Concluindo, ambos os métodos podem ser usados na avaliação do fluxo portal em pacientes esquistossomóticos. A RM provavelmente tem uma utilização mais ampla e abrangente na avaliação do fígado. Outros estudos sobre o uso da USD e RM serão necessários para se determinar os achados específicos que identificam os pacientes com alto risco de sangramento do trato gastrointestinal superior.

  • 1. Vorobioff JD. Hepatic venous pressure in practice: how, when, and why. J Clin Gastroenterol. 2007;41 Suppl 3:S336-43.
  • 2. Leão ARS, Sales DM, Santos JEM, et al. Avaliação do volume de fluxo portal em pacientes esquistossomóticos: estudo comparativo entre ressonância magnética e ultrassom Doppler. Radiol Bras. 2010;43:355-361.
  • 3. Arruda SM, Barreto VS, Amaral FJ. Duplex sonography study in schistosomiasis portal hypertension: characterization of patients with and without a history of variceal bleeding. Arq Gastroenterol. 2008;45:11-6.
  • 4. Ferreira FG, Ribeiro MA, de Fátima Santos M, et al. Doppler ultrasound could predict varices progression and rebleeding after portal hypertension surgery: lessons from 146 EGDS and 10 years of follow-up. World J Surg. 2009;33:2136-43.
  • 5. Bezerra ASA, D'Ippolito G, Caldana RP, et al. Differentiating cirrhosis and chronic hepatosplenic schistosomiasis using MRI. AJR Am J Roentgenol. 2008;190:W201-7.
  • 6. Shah TU, Semelka RC, Voultsinos V, et al. Accuracy of magnetic resonance imaging for preoperative detection of portal vein thrombosis in liver transplant candidates. Liver Transpl. 2006;12:1682-8.
  • 7. Yosry A. Schistosomiasis and neoplasia. Contrib Microbiol. 2006;13:81-100.
  • 8. Kamal S, Madwar M, Bianchi L, et al. Clinical, virological and histopathological features: long-term follow-up in patients with chronic hepatitis C co-infected with S. mansoni. Liver. 2000;20:281-9.
  • 9. Kanematsu M, Semelka RC, Leonardou P, et al. Hepatocellular carcinoma of diffuse type: MR imaging findings and clinical manifestations. J Magn Reson Imaging. 2003;18:189-95.
  • Endereço para correspondência:

    Richard C. Semelka
    MD. Department of Radiology, University of North Carolina at Chapel Hill
    CB# 7510 101 Manning Drive
    Chapel Hill, North Carolina 27599-7510, USA
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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