Acessibilidade / Reportar erro

Insuficiência venosa cérebro-espinhal crônica e esclerose múltipla

EDITORIAL

Insuficiência venosa cérebro-espinhal crônica e esclerose múltipla

Emerson Leandro GasparettoI; Claudia da Costa LeiteII

IProfessor Adjunto do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Médico Neurorradiologista da DASA, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: egasparetto@gmail.com

IIProfessora Associada do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Chefe do Setor de Ressonância Magnética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: claudia.leite@hcnet.usp.br

Em número anterior da Radiologia Brasileira, Radu e Gonçalves(1) publicaram um editorial discutindo a relação entre insuficiência venosa cérebro-espinhal crônica e esclerose múltipla, baseando-se nos artigos de Zamboni et al.(2,3). Esta discussão é recente e fervorosa no meio científico, entretanto, ainda isenta de conclusões definitivas. Sendo assim, como membros do Corpo Editoral desta revista, causa-nos preocupação a conclusão deste artigo, na qual se menciona que "a angioplastia parece ser uma abordagem promissora, principalmente no curso da forma recorrente-remissiva da esclerose múltipla, oferecendo melhoras significativas quanto aos resultados neurológicos a longo prazo, e sem recorrências em pacientes com permeabilidade venosa estável"(1). Desta forma, gostaríamos de trazer mais informações aos leitores da RB sobre esse assunto, principalmente com o objetivo de enfatizar que não há nenhuma evidência confiável, comprovada e validada na literatura de que a angioplastia apresenta qualquer benefício para pacientes com esclerose múltipla.

Cabe enfatizar, conforme publicação recente da revista Nature(4), que o estudo inicial do Dr. Zamboni era não-randomizado e não-cego, baseado numa pequena série de 65 pacientes. Sendo assim, apesar dos achados deste estudo merecerem atenção e investigação futura, ninguém no meio clínico que trata esclerose múltipla aceitou a venoplastia como opção terapêutica nestes pacientes. Além disso, diversos estudos tentaram reproduzir os achados do Dr. Zamboni, sem sucesso(5-7). Outros achados de neuroimagem não dão suporte a esta teoria(5). Estudos por venografia por ressonância magnética, como avaliação da direção de fluxo, medidas da velocidade e volume sanguíneo intra e extracranianos não confirmaram a teoria de Zamboni.

Estes argumentos, além de diversos outros detalhados em editoriais publicados pelas maiores autoridades mundiais em esclerose múltipla no Annals of Neurology(8) e no American Journal of Neuroradiology(9) , questionam a validade da teoria do Dr. Zamboni, definindo a necessidade de um debate científico sério, pautado em publicações metodologicamente indiscutíveis. Além disso, ainda cabe a hipótese de que as alterações venosas vistas nestes pacientes podem estar relacionadas à consequência da doença, e não à causa. De qualquer forma, é de extrema importância poupar a integridade física dos pacientes com esclerose múltipla durante a realização de estudos que testam tal hipótese. Alguns relatos isolados deixam claro que a colocação de stents foi efetuada como tratamento clínico de pacientes com esclerose múltipla, e em alguns casos houve complicações sérias. A migração dos stents para o coração e a perfuração da aorta ascendente são complicações incomuns, mas fatais, deste procedimento(10,11). Qualquer procedimento relacionado à angioplastia e à colocação de stents venosos deve ser contraindicada até que haja alguma evidência conclusiva que justifique tal indicação em pacientes com esclerose múltipla.

  • 1. Radu A, Gonçalves FG. O papel da insuficiência venosa crônica cérebro-espinhal na esclerose múltipla. Radiol Bras. 2011;44(2):ix-x.
  • 2. Zamboni P. The big idea: iron-dependent inflammation in venous disease and proposed parallels in multiple sclerosis. J R Soc Med. 2006;99:589-93.
  • 3. Zamboni P, Galeotti R, Menegatti E, et al. A prospective open-label study of endovascular treatment of chronic cerebrospinal venous insufficiency. J Vasc Surg. 2009;50:1348-58.e1-3.
  • 4. Chafe R, Born KB, Slutsky AS, et al. The rise of people power. Nature. 2011;472:410-1.
  • 5. Sundström P, Wåhlin A, Ambarki K, et al. Venous and cerebrospinal fluid flow in multiple sclerosis: a case-control study. Ann Neurol. 2010;68:255-9.
  • 6. Doepp F, Paul F, Valdueza JM, et al. No cerebrocervical venous congestion in patients with multiple sclerosis. Ann Neurol. 2010;68:173-83.
  • 7. University at Buffalo. NewsCenter. First blinded study of venous insufficiency prevalence in MS shows promising results. Release date: February 10, 2010. [cited 2011 Jun 10]. Available from: http://www.buffalo.edu/news/fast-execute.cgi/article-page.html?article=109370009
  • 8. Khan O, Filippi M, Freedman MS, et al. Chronic cerebrospinal venous insufficiency and multiple sclerosis. Ann Neurol. 2010;67:286-90.
  • 9. Filippi M, Rocca MA, Barkhof F, et al. Multiple sclerosis and chronic cerebrospinal venous insufficiency: the neuroimaging perspective. AJNR Am J Neuroradiol. 2011;32:424-7.
  • 10. Taylor JD, Lehmann ED, Belli AM, et al. Strategies for the management of SVC stent migration into the right atrium. Cardiovasc Intervent Radiol. 2007;30:1003-9.
  • 11. Kappert U, Schulz CG, Waldow T, et al. Perforation of the ascending aorta: a late complication of superior vena cava stenting. Thorac Cardiovasc Surg. 2006;54:63-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br