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Rânula congênita: diagnóstico ultrassonográfico antenatal

Resumos

Rânula congênita uma rara malformação cística visualizada na cavidade oral. É um pseudocisto habitualmente localizado no espaço sublingual entre o músculo milo-hioideo e a mucosa da língua. Relata-se um caso de gestante de 24 anos, G3P2, com idade gestacional de 29 semanas, encaminhada por conta de polidrâmnio e grande massa de cavidade oral de natureza cística.

Diagnóstico pré-natal; Ultrassom; Tumor oral; Rânula


A congenital ranula is a rare cystic malformation seen in the oral cavity. This pseudocyst is normally located in the sublingual space between the mylohyoid muscle and the lingual mucosa. A 24-year-old woman, gravida 3, para 2, at 29 weeks' gestation was referred to our institution because of polihydramnios and large oral mass.

Prenatal diagnosis; Ultrasound; Oral tumor; Ranula


RELATO DE CASO CASE REPORT

Rânula congênita: diagnóstico ultrassonográfico antenatal* * Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, MA, e no Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

Livia Teresa Moreira RiosI; Edward Araujo JúniorII; Luciano Marcondes Machado NardozzaIII; Antonio Fernandes MoronIV; Marília da Glória MartinsV

IMestre, Médica do Setor de Ultrassonografia do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, MA, Brasil

IIDoutor, Professor Adjunto da Disciplina de Medicina Fetal do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

IIILivre-Docente, Professor Adjunto da Disciplina de Medicina Fetal do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil

IVLivre-Docente, Professor Titular do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

VDoutora, Professora Associada do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, MA, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Edward Araujo Júnior. Rua Carlos Weber, 956, ap. 113, Visage, Vila Leopoldina. São Paulo, SP, Brasil, 05303-000. E-mail: araujojred@terra.com.br

RESUMO

Rânula congênita uma rara malformação cística visualizada na cavidade oral. É um pseudocisto habitualmente localizado no espaço sublingual entre o músculo milo-hioideo e a mucosa da língua. Relata-se um caso de gestante de 24 anos, G3P2, com idade gestacional de 29 semanas, encaminhada por conta de polidrâmnio e grande massa de cavidade oral de natureza cística.

Unitermos: Diagnóstico pré-natal; Ultrassom; Tumor oral; Rânula.

INTRODUÇÃO

Rânula congênita é um raro tumor no assoalho da boca que eleva a língua, causado tanto por um cisto mucoso de extravasamento, decorrente da obstrução e rompimento de glândulas sublinguais ou salivares menores ou, menos comumente, por um cisto mucoso de retenção derivado da dilatação de um ducto obstruído de glândulas submandibulares, portanto, com epitélio circundando-o(1,2).

O cisto mucoso de extravasamento congênito ou mucocele é um pseudocisto comumente localizado no espaço sublingual entre o músculo milo-hioideo e a mucosa da língua. Sua prevalência está estimada em 0,74%(3). Poucos casos de diagnóstico pré-natal têm sido relatados na literatura.

Relata-se um raro caso de rânula congênita diagnosticada por ultrassonografia no período antenatal, enfatizando possíveis diagnósticos diferenciais.

RELATO DO CASO

Gestante de 24 anos, G3P2, com idade gestacional em torno de 29 semanas, foi encaminhada ao Serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) por conta de polidrâmnio e grande massa de cavidade oral de natureza cística. Antecedentes pessoais e história familiar sem dados relevantes. Realizou-se ultrassonografia obstétrica, que revelou grande massa cística anecoica homogênea medindo 5,0 cm de diâmetro, de paredes finas e regulares medindo 2,8 mm de espessura (Figuras 1 e 2). Ao estudo com o Doppler colorido não se evidenciou sinal de vascularização. O rastreamento fetal não revelou outras malformações associadas.



O volume de líquido amniótico estava aumentado. O maior bolsão mediu 112 mm, sendo que o índice de líquido amniótico mediu 317 mm (normal entre 92 e 231 mm para a idade gestacional, segundo tabela proposta por Moore e Cayle(4)). Na 30ª semana de gestação foi diagnosticada ruptura prematura pré-termo de membranas ovulares, tendo a gestante entrado em trabalho de parto pré-termo. Realizou-se cesariana, e o exame macroscópico do neonatal confirmou os achados prévios. Foi realizada descompressão via aspiração percutânea da coleção cística. O neonato faleceu algumas horas após o nascimento por complicações respiratórias.

DISCUSSÃO

A ultrassonografia, nos últimos anos, tem sido amplamente utilizada em todos os serviços de referência em obstetrícia. Dentre os recentes avanços temos o uso da ultrassonografia tridimensional (US3D), com o Doppler de amplitude na avaliação da vascularização cerebral fetal(5), ou na avaliação do volume de membros fetais(6).

Rânula é mais comum em crianças e adultos jovens e raramente ocorre em neonatos. Pode ser classificada, de acordo com sua localização, em rânula simples, localizada no assoalho da boca, rânula cervical, situada na região paracervical, e rânula mergulhante, localizada nas proximidades da via aérea superior, resultante do rompimento da rânula simples. Poucos casos de detecção antenatal de rânula têm sido relatados na literatura(2). Massas sólidas e císticas exofíticas devem ser consideradas no diagnóstico diferencial, tais como malformações linfáticas, epignatus (teratoma orofaríngeo) e outras lesões císticas da boca(2,7). As malformações linfáticas (hamartomas vasculares e linfangiomas) são sólido-císticas, de margens indistintas e irregulares, estando presentes desde o nascimento, e permanecem crescendo acompanhando o desenvolvimento do paciente(2,7,8). O teratoma orofaríngeo ou epignatus é um tumor sólido com áreas hipo e hiperecoicas, incomum, associado a alta taxa morbidade e mortalidade, e afetando entre 1:35.000 a 1:200.000 nascidos vivos(2,9,10). As lesões císticas que entram no diagnóstico diferencial da rânula congênita incluem cistos gengival e palatal, cuja resolução é espontânea(2), e mais raramente, cisto de ducto tireoglosso, de localização atípica no assoalho da boca, cisto de duplicação do tubo digestivo e cisto mucoso gástrico heterotópico(7). Nestes casos, a ressonância magnética (RM) poderia ajudar no diagnóstico diferencial. Tamaru et al.(11) descreveram um caso de rânula diagnosticado na 36ª semana, na qual a RM identificou pequena lesão na linha média da boca, no espaço sublingual, abaixo do músculo milo-hioideo, em que a incidência em T2 definiu claramente uma massa homogênea. Outro método de diagnóstico pré-natal descrito é a US3D, que pode atuar de forma adjuvante à ultrassonografia bidimensional, permitindo uma avaliação espacial da relação da massa com a cavidade oral do feto(12).

Em nosso caso, o diagnóstico da lesão cística relatada foi facilitado pela sua natureza homogênea, paredes finas e regulares à ultrassonografia, avascular ao Doppler colorido, além do conteúdo mucoso aspirado. Um diagnóstico antenatal correto assume grande importância, pois, em geral, esses recém-nascidos apresentam graus variados de obstrução de vias aéreas, necessitando de equipes multidisciplinares compostas de obstetras, neonatologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço no momento do nascimento. Esta equipe multidisciplinar é necessária para se evitar a insuficiência respiratória, sendo, muitas vezes, necessária a realização de tratamento intraparto extraútero, procedimento realizado durante a cesariana, com preservação da circulação fetoplacentária, que permite manuseio seguro da via aérea do concepto, com risco de obstrução das vias aéreas.

Em síntese, descrevemos um caso de diagnóstico pré-natal de rânula. O correto diagnóstico é essencial, de modo a obter seguimento pré-natal em serviço de referência, além de planejamento do parto com equipe multidisciplinar.

Recebido para publicação em 17/3/2012.

Aceito, após revisão, em 20/7/2012.

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  • 11. Tamaru S, Kikuchi A, Ono K, et al. Prenatal ultrasound and magnetic resonance imaging depiction of a small sublingual ranula. J Clin Ultrasound. 2010;38:14750.
  • 12. Pires P, Pereira M, Machado L, et al. Prenatal diagnosis of a ranula with 2- and 3-dimensional sonography and sonographically guided aspiration. J Ultrasound Med. 2006;25:1499502.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Edward Araujo Júnior.
    Rua Carlos Weber, 956, ap. 113, Visage, Vila Leopoldina.
    São Paulo, SP, Brasil, 05303-000.
    E-mail:
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    Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, MA, e no Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2012
    • Aceito
      20 Jul 2012
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