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QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?

Hebert Ferro MonteiroI; Pedro Paulo Teixeira e Silva TorresII; Veronica Nogueira Garcia EdelhoffIII; Pedro José de Santana JúniorIV; Gustavo Ribeiro FioriIV; Kim-Ir-Sen Santos TeixeiraV

IMédico Residente de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), Goiânia, GO, Brasil

IIMembro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Professor Substituto do Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), Goiânia, GO, Brasil

IIIMembro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médica Radiologista do Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), Goiânia, GO, Brasil

IVMembros Titulares do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Médicos Radiologistas da Clínica São Camilo, Goiânia, GO, Brasil

VDoutor, Professor Adjunto do Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), Goiânia, GO, Brasil.

Endereço para correspondência Dr. Hebert Ferro Monteiro Rua Longitudinal, Qd J, Lt 1-5, Ed. Condomínio dos Guaranis, ap. 501A, Setor Leste Vila Nova Goiânia, GO, Brasil, 74633-300 E-mail: hebertmonteiro@hotmail.com

Paciente do sexo feminino, 11 anos de idade, com dor lombar e hematúria macroscópica intermitente com três meses de evolução, algumas vezes com coágulos. Não apresentava comorbidades e o exame físico foi normal. Todos os exames laboratoriais sanguíneos, incluindo hemograma, coagulograma, proteinograma, FAN, C3, PCR e bioquímica foram normais. O exame simples de urina apresentou-se de cor avermelhada com presença de hemoglobina e hemácias. As pesquisas de bacilos álcool-ácido resistentes e hemácias disformes foram negativas. A urina de 24 horas mostrou discreta proteinúria.

Foi realizada angiotomografia computadorizada com multidetectores (angio-TCMD) do abdome (Figura 1). A ureterocistoscopia mostrou sangramento intermitente com coágulos pelo meato ureteral esquerdo.


COMENTÁRIOS

O fenômeno do quebra-nozes (FQN) consiste na compressão da VRE, geralmente ocasionada por estreitamento do ângulo entre a aorta e a AMS. Nesta situação, é conhecido como quebra-nozes anterior, que corresponde à anatomia observada em nossa paciente. É descrito também o FQN posterior, em que a veia renal retroaórtica ou circum-aórtica é comprimida entre a aorta e o corpo vertebral. Quando associado a manifestações clínicas, ocorre a síndrome do quebra-nozes (SQN). A anatomia do FQN sem manifestação clínica pode representar uma variação da normalidade(1,2).

O uso do termo quebra-nozes (nut-cracker) geralmente é creditado a de Schepper, que, em 1972, relatou dois casos de pacientes com hematúria e compressão da VRE, embora tenham sido Chait et al., em 1971, quem primeiro utilizaram a expressão(3,4). A Figura 2 ilustra a analogia com o quebra-nozes.


A SQN é mais frequente em mulheres jovens, e em razão da variabilidade dos sintomas ou consenso nos critérios diagnósticos, sua prevalência é desconhecida, mas possivelmente é uma entidade subdiagnosticada. As manifestações clínicas mais comuns são hematúria, dor lombar ou abdominal, varizes pélvicas, varicoceles e proteinúria em graus variados. A hematúria ocorre por ruptura das finas paredes das colaterais venosas no interior do sistema calicinal adjacente, em decorrência da hipertensão venosa secundária à compressão da VRE(1,5).

No caso da nossa paciente, o diagnóstico da SQN foi realizado após exclusão de outras possíveis causas de hematúria, visualização de sangramento pelo meato ureteral esquerdo à ureterocistoscopia e caracterização dos aspectos anatômicos do FQN pela angio-TCMD.

Vários exames de imagem são utilizados na propedêutica diagnóstica da SQN, como a ultrassonografia com Doppler, a angio-TCMD, a angiorressonância magnética e a venografia. Embora a venografia com a medida da diferença de pressão entre a VRE e a veia cava superior seja considerada o método mais informativo para o diagnóstico, é invasiva e geralmente não realizada em pacientes com sintomas leves, bem como nas crianças. Além disso, não é totalmente confiável, pois pode ocorrer sobreposição de níveis pressóricos entre pacientes assintomáticos e aqueles com a SQN(1,5).

A angio-TCMD com as reformatações multiplanares permite a avaliação da relação entre aorta, AMS e VRE, sendo de fácil mensuração tanto o ângulo aorto-mesentérico quanto a distância entre a AMS e aorta. Mostrou-se superior à venografia e à ultrassonografia na identificação da compressão da VRE(6).

A distância e o ângulo aorto-mesentérico são muito variáveis, porém, são menores nos pacientes com a SQN, quando comparados com pacientes assintomáticos. Normalmente, o ângulo e a distância entre a aorta e a AMS no nível da VRE em pacientes sintomáticos são de 39,3 ± 4,3° e 3,1 ± 0,2 mm, respectivamente. Já nos assintomáticos, são de 90 ± 10° e 12 ± 1,8 mm(5). A paciente em questão apresentava ângulo com cerca de 30° e distância de 3 mm, achados compatíveis com a anatomia do FQN.

O tratamento da SQN depende da gravidade dos sintomas. Em pacientes menores de 18 anos com hematúria leve a moderada, a melhor opção é o tratamento conservador com vigilância clínica, pois há resolução completa em 75% dos casos no período de dois anos(7), tendo sido a conduta adotada em nossa paciente.

Conclui-se que a angio-TCMD pode ser utilizada como um método não invasivo bastante confiável para caracterizar a anatomia do FQN, permitindo o diagnóstico da SQN nos pacientes com apresentação clínica compatível.

Trabalho realizado no Departamento de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), Goiânia, GO, Brasil.

  • 1. Kurklinsky AK, Rooke TW. Nutcracker phenomenon and nutcracker syndrome. Mayo Clin Proc. 2010;85:552-9.
  • 2. Shin JI, Lee JS. Nutcracker phenomenon or nutcracker syndrome? Nephrol Dial Transplant. 2005; 20:2015.
  • 3. de Schepper A."Nutcracker" phenomenon of the renal vein and venous pathology of the left kidney. J Belge Radiol. 1972;55:507-11.
  • 4. Chait A, Matasar KW, Fabian CE, et al. Vascular impressions on the ureters. Am J Roentgenol Radium Ther Nucl Med. 1971;111:729-49.
  • 5. Fu WJ, Hong BF, Gao JP, et al. Nutcracker phenomenon: a new diagnostic method of multislice computed tomography angiography. Int J Urol. 2006; 13:870-3.
  • 6. Shokeir AA, el-Diasty TA, Ghoneim MA. The nutcracker syndrome: new methods of diagnosis and treatment. Br J Urol. 1994;74:139-43.
  • 7. Shin JI, Park JM, Lee SM, et al. Factors affecting spontaneous resolution of hematuria in childhood nutcracker syndrome. Pediatr Nephrol. 2005;20: 609-13.
  • Dr. Hebert Ferro Monteiro
    Rua Longitudinal, Qd J, Lt 1-5, Ed. Condomínio dos Guaranis, ap. 501A, Setor Leste Vila Nova
    Goiânia, GO, Brasil, 74633-300
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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