Acessibilidade / Reportar erro

Achados de ultrassonografia transcraniana na doença de Parkinson e no tremor essencial: relato de casos

Resumos

A ultrassonografia transcraniana tem sido objeto de investigação como ferramenta diagnóstica em neurologia nos últimos anos. Ela permite boa visualização de estruturas cerebrais situadas na linha média, sítio frequente de anormalidades nas doenças do movimento. Relatamos os casos de pacientes com a doença de Parkinson e o tremor essencial em que a ultrassonografia transcraniana foi capaz de sugerir o diagnóstico.

Ultrassonografia transcraniana; Doença de Parkinson; Tremor essencial


Over the last years, transcranial sonography has been investigated as a diagnostic tool in neurology. It allows a good visualization of midline brain structures, a frequent site of involvement in movement disorders. The authors discuss cases of Parkinson's disease and essential tremor where transcranial sonography could suggest the diagnosis of the condition.

Transcranial sonography; Parkinson's disease; Essential tremor


RELATO DE CASO

Achados de ultrassonografia transcraniana na doença de Parkinson e no tremor essencial: relato de casos* Endereço para correspondência: Dra. Rita C. L. Fernandes Rua Marques de Abrantes, 171/502, Flamengo Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22230-060 E-mail: ritafernandes@ufrj.br

Rita de Cassia Leite FernandesI; Ana Lucia Zuma de RossoII; Maurice Borges VincentIII; Paulo Roberto Valle BahiaIV; Celia Maria Coelho ResendeV; Nordeval Cavalcante AraujoVI

IMestre, Médica do Ministério da Saúde, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Clínica Médica (Área de concentração: Neurologia) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIDoutora, Chefe do Setor de Distúrbios do Movimento do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIDoutor, Professor Assistente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IVDoutor, Professor Assistente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Chefe do Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VDoutora, Chefe do Setor de Ultrassonografia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VIDoutor, Professor Associado da Pós-graduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Rita C. L. Fernandes Rua Marques de Abrantes, 171/502, Flamengo Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22230-060 E-mail: ritafernandes@ufrj.br

RESUMO

A ultrassonografia transcraniana tem sido objeto de investigação como ferramenta diagnóstica em neurologia nos últimos anos. Ela permite boa visualização de estruturas cerebrais situadas na linha média, sítio frequente de anormalidades nas doenças do movimento. Relatamos os casos de pacientes com a doença de Parkinson e o tremor essencial em que a ultrassonografia transcraniana foi capaz de sugerir o diagnóstico.

Unitermos: Ultrassonografia transcraniana; Doença de Parkinson; Tremor essencial.

INTRODUÇÃO

A doença de Parkinson (DP) caracteriza-se por tremor de repouso, bradicinesia e rigidez muscular. Contudo, os pacientes que apresentam tremor isolado podem representar um desafio diagnóstico, em razão da difícil diferenciação entre a DP inicial e o tremor essencial (TE)(1). As duas condições apresentam curso clínico distinto, com maior gravidade da DP, e distintas abordagens terapêuticas. Por isso, os exames de neuroimagem são requisitados, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética cerebral, sem, no entanto, fornecer o diagnóstico de certeza de nenhuma das duas entidades, restringindo o seu papel ao de afastar causas de parkinsonismo secundário, como hidrocefalia, doença cerebrovascular, etc.(2). A neuroimagem funcional, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou a tomografia por emissão de fóton único (SPECT), teria papel relevante no diagnóstico diferencial em virtude da sua capacidade de identificar redução dopaminérgica estriatal, mas seu custo elevado e sua disponibilidade limitada, fora dos grandes centros de pesquisa nacionais, a torna impraticável para uso rotineiro(1,2).

As pesquisas sobre a ultrassonografia transcraniana (USTC) iniciaram-se em 1995, quando pesquisadores encontraram aumento da ecogenicidade no sítio da substância negra mesencefálica (SN) de pacientes com DP(3). A técnica vem sendo estudada em vários países, com grande número de publicações atestando a sua validade no diagnóstico diferencial das doenças que cursam com sintomas parkinsonianos, destacando-se a DP e o TE(4). O exame é inócuo, de baixo custo, utiliza equipamento amplamente disponível e não requer sedação do paciente. A sua maior limitação é dependência de janela acústica temporal que permita às ondas ultrassônicas ultrapassar a barreira óssea e gerar imagens bidimensionais das estruturas intracranianas. Em função disto, em 10% a 20% dos indivíduos o exame não obtém imagens de utilidade diagnóstica(1).

O achado-chave na USTC de pacientes com DP - aumento da área ecogênica da SN > 0,20 cm2 - já foi relatado por diversos autores e observado em até 90% dos casos(5). No Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) encontra-se em curso estudo sobre a utilização do método na população brasileira para o diagnóstico da DP. Em um estudo piloto, 88% dos pacientes com DP apresentaram aumento da área ecogênica da SN, corroborando a boa sensibilidade do método para a detecção da enfermidade(6). No entanto, o achado do marcador em indivíduos do grupo controle (falso-positivos) reduziu a especificidade para cerca de 82%. Estudos prospectivos multicêntricos recentes sugerem que indivíduos saudáveis com aumento da área da SN medida pelo ultrassom apresentam risco aumentado de desenvolver a DP(7), candidatando, dessa forma, a alteração ecográfica como marcador de risco(1).

Com o objetivo de trazer ao radiologista um exemplo de aplicação da USTC, apresentamos os casos de dois pacientes com DP e dois pacientes com TE, pareados por sexo e idade, em que a USTC foi capaz de fornecer informação diagnóstica adicional a favor de uma das doenças.

O estudo teve aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa do HUCFF-UFRJ. No ambulatório de transtornos do movimento do HUCFF foram selecionados dois pacientes com DP, diagnosticados pelos critérios do Banco de Cérebros do Reino Unido(8), e dois pacientes com TE, diagnosticados pelos critérios da Sociedade de Distúrbios do Movimento(9). Os exames foram realizados com aparelho AcusonX300 (Siemens; Erlangen, Alemanha) e transdutor setorial de 1,5-2,5 MHz, conforme método descrito(4,6). Cortes axiais foram obtidos com insonação pré-auricular bilateralmente. No plano paralelo à linha orbitomeatal foi visualizada a imagem hipoecoica do mesencéfalo em forma de borboleta (delineado nas figuras), circundado pelas cisternas basais hiperecogênicas. No pedúnculo cerebral ipsilateral à insonação, a área hiperecogênica da SN, visualmente identificada, foi mensurada. As medidas > 0,20 cm2 foram consideradas aumentadas, seguindo o consenso internacional(4).

RELATO DOS CASOS

Caso 1 - Mulher, 70 anos, com DP há 10 anos, estágio Hoehn e Yahr 2. USTC evidenciou aumento da área de ecogenicidade da SN mesencefálica bilateralmente (Figura 1). A área da SN à direita mediu 0,32 cm2 e à esquerda, 0,27 cm2.


Caso 2 - Homem, 51 anos, com DP há nove anos, estágio Hoehn e Yahr 2. Apresentava aumento importante unilateral da SN ao ultrassom: área ecogênica da SN à direita de 0,27 cm2 e à esquerda de 0,17 cm2 (Figura 2).


Caso 3 - Mulher, 70 anos, com diagnóstico de TE há 40 anos. Área de ecogenicidade da SN à direita de 0,12 cm2 e à esquerda de 0,16 cm2 (Figura 3).


Caso 4 - Homem, 48 anos, com TE desde a juventude. Área de ecogenicidade da SN à direita de 0,11 cm2 e à esquerda de 0,10 cm2 (Figura 4).


DISCUSSÃO

A visualização do encéfalo pela USTC fornece dados morfométricos importantes para o diagnóstico de algumas doenças neurológicas(4,5). Em razão das características físicas do método e da necessidade de suplantar a barreira óssea, a visualização mais apropriada é de estruturas localizadas na linha média, na região do tronco cerebral e núcleos da base(4). Essas características tornam o exame propício ao estudo dos distúrbios do movimento cuja origem se situa na disfunção dessas estruturas.

A área ecogênica da SN > 0,20 cm2, unilateral ou bilateralmente, correlaciona-se fortemente com o diagnóstico de DP, sendo considerado marcador estável por não se modificar com a evolução da doença(3-5). O aumento unilateral da SN associa-se com a lateralidade dos sintomas(4). Os quatro casos que apresentamos são de indivíduos com diagnóstico clínico confirmado e de longa duração, tanto de DP como de TE. A medida da área ecogênica no sítio da SN foi capaz de discriminar as duas doenças, estando > 0,20 cm2 nos dois casos de DP (bilateralmente no caso 1 e unilateralmente no caso 2) e normal (< 0,20 cm2) nos dois pacientes com TE (casos 3 e 4). O aumento da área ecogênica da SN também pode ocorrer em indivíduos saudáveis, em portadores de parkinsonismo atípico (paralisia supranuclear progressiva, atrofia de múltiplos sistemas, etc.), e mesmo no TE, o que contribuiria para a redução da sua especificidade e variabilidade de sensibilidade e especificidade entre estudos(5,10).

A causa do aumento de ecogenicidade da SN permanece objeto de debate. Como ela está presente desde o início do quadro e não aumenta com a progressão da doença, não deve ser ocasionada pela degeneração neuronal(4,7). Existem evidências de que o aumento do conteúdo de ferro no sítio da SN seria responsável pelo achado(11).

CONCLUSÃO

Por ser um exame inócuo e de baixo custo, com informações importantes ao neurologista, a USTC merece ser alvo de investigação para o diagnóstico das doenças do movimento. As suas limitações são dependência de janela óssea e baixa especificidade, o que a colocaria no rol dos exames de rastreio(10). No Brasil, já existem alguns estudos sobre a técnica que confirmam a validade dos achados no nosso meio(6,12).

REFERÊNCIAS

1. Stern MB, Lang A, Poewe W. Toward a redefinition of Parkinson's disease. Mov Disord. 2012; 27:54-60.

2. Doepp F, Plotkin M, Siegel L, et al. Brain parenchyma sonography and (123)I-FP-CIT SPECT in Parkinson's disease and essential tremor. Mov Disord. 2008;23:405-10.

3. Becker G, Seufert J, Bogdahn U, et al. Degeneration of substantia nigra in chronic Parkinson's disease visualized by transcranial color-coded real-time sonography. Neurology. 1995;45:182-4.

4. Walter U, Behnke S, Eyding J, et al. Transcranial brain parenchyma sonography in movement disorders: state of the art. Ultrasound Med Biol. 2007;33:15-25.

5. Vlaar AMM, Bouwmans A, Mess WH, et al. Transcranial duplex in the differential diagnosis of parkinsonian syndromes: a systematic review. J Neurol. 2009;256:530-8.

6. Fernandes RCL, Rosso ALZ, Vincent MB, et al. Transcranial sonography as a diagnostic tool for Parkinson's disease: a pilot study in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Arq Neuropsiquiatr. 2011;69: 892-5.

7. Berg D, Seppi K, Behnke S, et al. Enlarged substantia nigra hyperechogenicity and risk for Parkinson disease: a 37-month 3-center study of 1847 older persons. Arch Neurol. 2011;68:932-7.

8. Hughes AJ, Daniel SE, Kilford L, et al. Accuracy of clinical diagnosis of idiopathic Parkinson's disease: a clinico-pathological study of 100 cases. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1992;55:181-4.

9. Deuschl G, Bain P, Brin M. Consensus statement of the Movement Disorders Society on Tremor. Ad Hoc Scientific Committee. Mov Disord. 1998; 13 Suppl 3:2-23.

10. Lačukaitiģ‚ K, Rastenytģ‚ D, Śurkienģ‚ D, et al. Specificity of transcranial sonography in parkinson spectrum disorders in comparison to degenerative cognitive syndromes. BMC Neurol. 2012; 12:12.

11. Berg D, Roggendorf W, Schröder U, et al. Echo-genicity of the substantia nigra: association with increased iron content and marker for susceptibility to nigroestriatal injury. Arch Neurol. 2002; 59:999-1005.

12. Bor-Seng-Shu E, Fonoff ET, Barbosa ER, et al. Substantia nigra hyperechogenicity in Parkinson's disease. Acta Neurochir (Wien). 2010;152: 2085-7.

Recebido para publicação em 30/5/2012

Aceito, após revisão, em 8/8/2012

* Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

  • 1
    Stern MB, Lang A, Poewe W. Toward a redefinition of Parkinson's disease. Mov Disord. 2012; 27:54-60.
  • 2
    Doepp F, Plotkin M, Siegel L, et al. Brain parenchyma sonography and (123)I-FP-CIT SPECT in Parkinson's disease and essential tremor. Mov Disord. 2008;23:405-10.
  • 3
    Becker G, Seufert J, Bogdahn U, et al. Degeneration of substantia nigra in chronic Parkinson's disease visualized by transcranial color-coded real-time sonography. Neurology. 1995;45:182-4.
  • 4
    Walter U, Behnke S, Eyding J, et al. Transcranial brain parenchyma sonography in movement disorders: state of the art. Ultrasound Med Biol. 2007;33:15-25.
  • 5
    Vlaar AMM, Bouwmans A, Mess WH, et al. Transcranial duplex in the differential diagnosis of parkinsonian syndromes: a systematic review. J Neurol. 2009;256:530-8.
  • 6
    Fernandes RCL, Rosso ALZ, Vincent MB, et al. Transcranial sonography as a diagnostic tool for Parkinson's disease: a pilot study in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Arq Neuropsiquiatr. 2011;69: 892-5.
  • 7
    Berg D, Seppi K, Behnke S, et al. Enlarged substantia nigra hyperechogenicity and risk for Parkinson disease: a 37-month 3-center study of 1847 older persons. Arch Neurol. 2011;68:932-7.
  • 8
    Hughes AJ, Daniel SE, Kilford L, et al. Accuracy of clinical diagnosis of idiopathic Parkinson's disease: a clinico-pathological study of 100 cases. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1992;55:181-4.
  • 9
    Deuschl G, Bain P, Brin M. Consensus statement of the Movement Disorders Society on Tremor. Ad Hoc Scientific Committee. Mov Disord. 1998; 13 Suppl 3:2-23.
  • 11
    Berg D, Roggendorf W, Schröder U, et al. Echo-genicity of the substantia nigra: association with increased iron content and marker for susceptibility to nigroestriatal injury. Arch Neurol. 2002; 59:999-1005.
  • 12
    Bor-Seng-Shu E, Fonoff ET, Barbosa ER, et al. Substantia nigra hyperechogenicity in Parkinson's disease. Acta Neurochir (Wien). 2010;152: 2085-7.
  • Endereço para correspondência:
    Dra. Rita C. L. Fernandes
    Rua Marques de Abrantes, 171/502, Flamengo
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22230-060
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      30 Maio 2012
    • Aceito
      08 Ago 2012
    Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br