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Ressonância magnética na síndrome da interseção do antebraço: ensaio iconográfico

Resumos

A ressonância magnética tem papel importante na avaliação de pacientes com dor na face dorsal do antebraço distal e do punho. Entre as causas de dor destaca-se a síndrome da interseção, um processo inflamatório dos tendões do segundo compartimento extensor do antebraço (extensor radial curto do carpo e extensor radial longo do carpo), geralmente provocado por trauma local direto ou atividades repetitivas que exigem a flexão e extensão do punho. Nosso trabalho visa a ilustrar os achados típicos da síndrome da interseção do antebraço e discutir os principais diagnósticos diferenciais.

Antebraço; Interseção; Ressonância magnética; Compartimento extensor


Magnetic resonance imaging plays a relevant role in the assessment of patients with pain on the dorsal aspect of the distal forearm and wrist. Among the causes of pain, intersection syndrome is highlighted, corresponding to an inflammatory process affecting the tendons of the second compartment of the forearm extensor (extensor carpi radialis brevis and extensor carpi radialis longus), usually caused by direct trauma or repetitive activities requiring wrist flexion and extension. The present essay is aimed at illustrating the typical findings in intersection syndrome of the forearm and discuss the main differential diagnoses.

Forearm; Intersection; Magnetic resonance imaging; Extensor compartment


ENSAIO ICONOGRÁFICO ICONOGRAPHIC ESSAY

Ressonância magnética na síndrome da interseção do antebraço: ensaio iconográfico* * Trabalho realizado na Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI)/MD.X, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Bruno Beber MachadoI; Claudio Marcio Amaral de Oliveira LimaII; Flávia Pegado JunqueiraIII; Antônio Carlos Coutinho JuniorII

IMédico Radiologista da Clínica Medimagem, Cachoeiro de Itapemirim, ES, Brasil

IIMédicos Radiologistas da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI)/MD.X, Rio de Janeiro, RJ, e do Centro de Diagnóstico por Imagem Fátima Digittal, Nova Iguaçu, RJ, Brasil

IIIMédica Radiologista da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Claudio Marcio Amaral de Oliveira Lima. CDPI/MD.X Barra Medical Center. Avenida das Américas, 6205, Loja G e subsolo, Barra da Tijuca. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22793-080. E-mail: cmaolima@gmail.com / antoniocoutinhojr@yahoo.com.br.

RESUMO

A ressonância magnética tem papel importante na avaliação de pacientes com dor na face dorsal do antebraço distal e do punho. Entre as causas de dor destaca-se a síndrome da interseção, um processo inflamatório dos tendões do segundo compartimento extensor do antebraço (extensor radial curto do carpo e extensor radial longo do carpo), geralmente provocado por trauma local direto ou atividades repetitivas que exigem a flexão e extensão do punho. Nosso trabalho visa a ilustrar os achados típicos da síndrome da interseção do antebraço e discutir os principais diagnósticos diferenciais.

Unitermos: Antebraço; Interseção; Ressonância magnética; Compartimento extensor.

INTRODUÇÃO

A avaliação do sistema musculoesquelético por métodos de imagem tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional(1–10).

A síndrome da interseção do antebraço (SIA) é o processo inflamatório dos tendões do segundo compartimento extensor do antebraço (extensor radial curto do carpo e extensor radial longo do carpo), geralmente provocado por trauma local direto ou atividades que exigem a flexão e extensão repetidas do punho(11–13).

Clinicamente caracteriza-se por dor na face dorsal do antebraço e do punho e edema proximal ao tubérculo de Lister. Um exame físico bem realizado e uma história clínica adequada limitam as possibilidades a um número relativamente pequeno de diagnósticos diferenciais, sendo o principal a tenossinovite de De Quervain. A ressonância magnética (RM) é ferramenta fundamental para o diagnóstico desta síndrome frequente e pouco diagnosticada(11–13).

Os autores apresentam, na forma de ensaio iconográfico, os achados de imagem por RM e discutem os diagnósticos diferenciais mais importantes.

PROTOCOLOS DE RM

Os exames foram realizados em aparelhos de 1,5 T (Magnetom Avanto; Siemens Medical Systems, Erlagen, Alemanha) e 3 T (Magnetom Trio; Siemens Medical Systems, Erlagen, Alemanha), com bobinas de superfície.

As sequências de pulso usadas foram axial e coronal T1, bem como axial, coronal e sagital DP com supressão de gordura. Eventualmente foram obtidas sequências em axial T1 com supressão de gordura antes e após injeção intravenosa de contraste paramagnético (gadolínio, 0,1 mmol/kg de peso).

ANATOMIA (Figuras 1, 2 e 3)




Os músculos extensor radial longo do carpo (ERLC) e extensor radial curto do carpo (ERCC) agem sinergicamente com os flexores dos dedos para a flexão do punho. O primeiro recobre o segundo e origina-se da crista supracondilar do úmero, mas, algumas fibras provêm do tendão extensor comum do antebraço. Termina em um tendão achatado, que segue profundamente aos músculos extensores profundos do antebraço, abdutor longo do polegar (ALP) e extensor curto do polegar (ECP). O ERCC origina-se do epicôndilo lateral do úmero por um tendão comum com o músculo extensor comum dos dedos e termina em um tendão achatado que acompanha o ERLC. Insere-se na superfície dorsal da base do segundo e terceiro metacarpos. Estes dois tendões atravessam o mesmo compartimento do retináculo dos extensores em uma única bainha sinovial e podem apresentar desdobramentos em dois ou três fascículos ou podem ainda se unir ou trocar fascículos musculares(14).

Entre os músculos extensores profundos do antebraço e que são de especial interesse para a SIA estão o ALP e o ECP. O ALP origina-se da superfície posterior da diáfise da ulna, abaixo do ancôneo, da membrana interóssea e do terço médio da superfície posterior do rádio e segue inferolateralmente, tornando-se superficial na parte distal do antebraço, visível como um relevo oblíquo. Termina em um tendão que se torna desprovido de fibras musculares proximalmente ao punho, que corre em um sulco lateral acompanhado pelo tendão do ECP. O tendão se desdobra geralmente em dois componentes, um que se insere no lado radial da base do primeiro metacarpo, e o outro no trapézio. O ECP fica medial e inferiormente ao ALP e origina-se da superfície posterior do rádio. Sua direção é semelhante à do ALP e seu tendão se insere na superfície dorsal da base da falange proximal do polegar. No terço inferior do antebraço o ALP e o ECP tornam-se superficiais, depois cruzam obliquamente os tendões dos extensores radiais do carpo, cobrem a terminação do músculo braquiorradial e atravessando o compartimento mais lateral do retináculo dos extensores em uma bainha sinovial única, cruzam superficialmente o processo estiloide do rádio e a artéria radial(14).

DISCUSSÃO

A SIA, uma causa pouco diagnosticada de dor na face dorsal do punho, é um processo inflamatório não infeccioso da face dorsal do antebraço, cerca de 4 a 8 cm proximal ao processo de Lister(12,13). Também conhecida como peritendinite crepitante, síndrome do cruzamento, perimiosite subcutânea, bursite do abdutor longo do polegar, síndrome do abdutor longo do polegar, punho do esquiador e antebraço do remador, entre outras(11–16), foi descrita por Velpeau em 1841, porém o termo "síndrome da intersecção" foi introduzido por Dobyns et al. em 1978 e definida como processo inflamatório dos tendões do segundo compartimento extensor do antebraço (ERCC e ERLC), geralmente provocado por trauma local direto ou atividades que exigem a flexão e extensão repetitivas do punho. Estas atividades podem ser esportivas, tais como remo, canoagem, esportes com raquetes, levantamento de peso, esqui e hipismo, ou atividades laborativas como agricultores, carpinteiros e secretárias(13). É mais prevalente em adultos jovens (idade média de 39,3 anos), sem predileção por sexo(12). Sua fisiopatogenia é incerta, porém duas teorias foram descritas. A primeira delas, proposta por Howard em 1937, relata que a fricção entre os ventres musculares do ALP e ECP e a bainha sinovial do segundo compartimento seria a responsável pela gênese da doença (Figura 4). A outra teoria, descrita em 1985 por Grundberg et al., sugeriu que a gênese do processo estaria em uma tenossinovite estenosante do segundo compartimento dorsal, com extensão do processo inflamatório para as partes moles adjacentes(13,16).


O quadro clínico típico inclui sinais flogísticos na face dorsal do punho, tipicamente entre 4–8 cm proximal ao tubérculo de Lister, com limitação funcional, e crepitação aos movimentos do punho presentes nos casos mais severos(11–13).

A ultrassonografia e a RM são métodos extensamente aplicados, em atletas ou não, para avaliação das lesões musculoesqueléticas(17–19). Na SIA a RM é o principal método diagnóstico e os achados incluem edema peritendíneo circundando o primeiro e o segundo compartimentos extensores, ao nível do seu cruzamento, com líquido ao redor dos tendões e em suas bainhas ou entre elas, notadamente ao nível do ponto de intersecção (Figuras 5 e 6). Achados adicionais incluem tendinose e edema muscular e subcutâneo(11). O uso de gadolínio é questionável, visto que as sequências pesadas em T2 facilmente identificam os achados da síndrome da intersecção, no entanto, quando utilizado, o realce peritendíneo é intenso(11–13,20). É importante o uso de marcadores cutâneos e a extensão do campo de estudo (FOV) proximalmente cobrindo a área de interseção(11–13,20). O plano axial é o principal plano de estudo para o diagnóstico(12,13), porém, um plano sagital oblíquo orientado para a interseção tendínea oferece mais detalhes que o plano sagital padrão(12,13).



O principal diagnóstico diferencial é a tenossinovite de De Quervain (Figura 7), uma tenossinovite estenosante do primeiro compartimento extensor, que geralmente ocorre vários centímetros abaixo do ponto de cruzamento tendíneo. O teste de Finkel­stein ao exame físico é patognomônico desta afecção. Os achados à RM descritos por Glajchen et al. incluem o aumento da espessura do tendão dentro do primeiro compartimento extensor ao nível da extremidade distal do rádio e aumento de sinal no interior da bainha sinovial, indicando tenossinovite. Edema subcutâneo é encontrado em alguns pacientes(20).


Outras situações consideradas no diagnóstico diferencial incluem lesões ligamentares, tendinose, tenossinovites, gânglions císticos, tumores de partes moles, infecção, síndrome de Wartemberg (neuropatia do ramo sensitivo do radial), celulite e estiramentos musculares(11–13).

O tratamento é inicialmente conservador com anti-inflamatórios não esteroides. Cirurgia para descomprimir a área de intersecção só é realizada em pacientes refratários ao tratamento conservador(13,15).

CONCLUSÃO

A RM é o método de imagem de escolha no estudo da SIA e seus diagnósticos diferenciais, uma vez que a avaliação clínica usualmente não é diagnóstica. Os radiologistas devem estar atentos a alguns cuidados durante a realização do exame e aos achados típicos que caracterizam a SIA.

Recebido para publicação em 6/11/2012.

Aceito, após revisão, em 21/12/2012.

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  • Endereço para correspondência:

    Dr. Claudio Marcio Amaral de Oliveira Lima.
    CDPI/MD.X Barra Medical Center. Avenida das Américas, 6205, Loja G e subsolo, Barra da Tijuca.
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22793-080.
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI)/MD.X, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Nov 2012
    • Aceito
      21 Dez 2012
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