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Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade, com queixas de desconforto vaginal e retal principalmente durante a evacuação, relatava saída de uma “bola” pela vagina durante aumento da pressão abdominal como tosse e evacuação. Sintomas persistiram por cinco anos até a procura de avaliação pelo coloproctologista. Relata um parto normal há 30 anos com prolongamento do tempo de trabalho de parto. Paciente encaminhada para realização de defecografia para auxílio diagnóstico (Figuras 1 e 2).

Figura 1.
Defecografia nas fases de repouso, contração e Valsalva.

Figura 2.
Defecografia nas fases de evacuação, evacuação forçada e pós-evacuação.

Descrição das imagens

Figura 1. Presença de retocele anterior medindo 5,1 cm, retocele posterior com 3,7 cm e enterocele já no repouso. A paciente apresenta discreto descenso retoperineal ao repouso. A contração foi eficiente, promovendo angulação satisfatória do reto. As alterações encontradas caracterizam flacidez do músculo puborretal.

Figura 2. A: Observar que na fase de evacuação existe piora significativa da retocele anterior, medindo 11,6 cm, protruindo em direção à vagina, associada a prolapso interno retorretal (intussuscepção) e piora da enterocele, que agora causa compressão do reto (grau II). O descenso retoperineal é nítido. B: Na evacuação forçada existe piora da retocele anterior, que passa a medir 11,6 cm, promovendo prolapso externo retovaginal, intussuscepção e enterocele com descenso retoperineal. C: Na fase pósevacuatória não existe retorno ativo das estruturas para a posição anatômica, necessitando readaptação manual.

Diagnóstico

Distopia genital caracterizada por prolapso retovaginal, enterocele e intussuscepção diagnosticado pelo exame de defecografia.

COMENTÁRIOS

A defecografia é método radiológico de estudo da defecação que fornece imagens das alterações morfofuncionais da pelve e do segmento anorretal. É um valioso método para o estudo da fisiologia da dinâmica pélvica e de distúrbios colorretais(1)1. Sobrado CW, Pires CEF, Amaro S, et al. Videode-fecografia: aspectos técnicos atuais. Radiol Bras. 2004;37;283–5..

O exame físico é muitas vezes difícil e pouco apurado, subestimando o prolapso de órgãos pélvicos em cerca de 45% a 90% dos casos. Além disso, o exame físico pode não diagnosticar prolapsos associados. A disfunção de múltiplos compartimentos é comum e o diagnóstico pré-operatório é de extrema importância, pois altera a conduta cirúrgica. A inabilidade de se fazer este diagnóstico pode acarretar no fracasso terapêutico e recorrência dos sintomas(2)2. Karasick S, Karasick D, Karasick SR. Functional disorders of the anus and rectum: findings on defecography. AJR Am J Roentegenol. 1993;160:777–82..

Define-se como prolapso genital o deslocamento das vísceras pélvicas no sentido caudal, em direção ao hiato genital. Decorre do desequilíbrio entre as forças que mantêm os órgãos pélvicos em sua posição normal e as que tendem a impeli-los para fora da pelve(3)3. Mezwa DG, Feczko PJ, Bosanko C. Radiologic evaluation of constipation and anorectal disorders. Radiol Clin North Am. 1993;31:1375–93..

Tendo em vista que existem vários órgãos suspensos na cavidade pélvica, é possível distinguir diferentes tipos de prolapso genital, que muitas vezes se manifestam em conjunto. O prolapso genital também pode ser designado como colpocele.

Em caso de colpocele anterior, ou cistocele, a bexiga pressiona o septo anterior da vagina, formando uma proeminência no interior do canal vaginal. Em caso de colpocele posterior, ou rectocele, o reto pressiona o septo posterior da vagina e forma uma procidência no seu interior. O mesmo ocorre com o enterocele, no qual o prolapso afeta a parte superior do septo vaginal posterior, proporcionando a formação de uma hérnia constituída por uma porção de intestino(4)4. Ganeshan A, Anderson EM, Upponi S, et al. Imaging of obstructed defecation. Clin Radiol. 2008;63:18–26..

As retoceles podem ser assintomáticas ou podem causar sintomas intestinais como dificuldade ou desconforto para evacuar, incontinência de flatos ou fecal; e sintomas locais como peso vaginal, pressão, dor ou dispareunia(5)5. Castro EB, Palma PCR, Herrmann V, et al. Defeitos do compartimento vaginal posterior: fisiopatologia e tratamento da retocele. Femina. 2007;35:363–7..

De acordo com o volume e a descida da cistocele, do prolapso uterino ou da retocele, elas podem ser classificadas em três graus, conforme a seguinte classificação: a) primeiro grau: quando há alguma descida da parede vaginal e órgão adjacente (bexiga, útero ou reto) durante esforços, sem atingir o introito vaginal; b) segundo grau: quando ocorre descida maior da parede vaginal e órgão adjacente, chegando a atingir o introito vaginal, porém sem ultrapassá-lo completamente. A rotura perineal de segundo grau é a rotura parcial ao nível do corpo perineal, com afastamento da musculatura do diafragma pélvico, sem atingir o ânus; c) terceiro grau: ocorre quando se forma uma protrusão envolvendo a parede vaginal e o órgão adjacente, que ultrapassa o introito vaginal. Considera-se como prolapso uterino de terceiro grau quando todo o corpo uterino ultrapassa o introito vaginal. Na rotura perineal de terceiro grau há divisão completa do corpo perineal e esfíncter anal, com aposição da mucosa vaginal à mucosa retal(6)6. Salvatore CA. Tratamento cirúrgico do prolapso uterino. São Paulo: Livraria Roca; 1982..

Existe risco para a paciente quando ocorrem complicações, por exemplo, em caso de cistocele, prolapso uterino ou retocele de terceiro grau poderá ocorrer ceratinização do epitélio vaginal constantemente exposto e ressecado, e até ulceração do segmento prolapsado decorrente da isquemia local. Em casos mais extremos, pode haver encarceramento do segmento prolapsado (geralmente o útero), devido ao edema importante e/ou à infecção da região exteriorizada, impedindo o retorno do órgão ao interior da vagina. Raramente, poderá desenvolver-se um câncer na vagina ou no colo uterino prolapsado(6)6. Salvatore CA. Tratamento cirúrgico do prolapso uterino. São Paulo: Livraria Roca; 1982..

No nosso caso, a defecografia foi fundamental (Figura 3) para melhor avaliação da fisiopatologia do ato evacuatório e que era impactante na qualidade de vida da nossa paciente. Observamos que a medida do ângulo anorretal demonstra contração e evacuação satisfatórias, promovendo a angulação esperada do reto que se torna mais agudo durante a contração e obtuso na evacuação. A medida do músculo puborretal se manteve a mesma em todas as fases (26 cm), caracterizando o não relaxamento do músculo puborretal durante a evacuação. Também, foi possível caracterizar a retocele anterior e posterior, enterocele, descenso perineal, intussuscepção retal e o prolapso retovaginal.

Figura 3.
Defecografia nas quatro fases de estudo: repouso, contração, Valsalva e evacuação demonstrando a medida do ângulo anorretal e a medida do músculo puborretal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O prolapso vaginal interfere diretamente na qualidade de vida da paciente e por isso deve ser diagnosticado o mais precocemente possível, para um tratamento rápido e adequado. A defecografia tem boa sensibilidade para a detecção precoce de prolapso interno e externo de órgãos pélvicos pela vagina e reto.

No presente caso, a paciente foi submetida a cirurgia para correção da retocele anterior e posterior, enterocele e da protrusão retovaginal, mediante abordagem via vaginal (colporrafia posterior) e via abdominal. Foi realizada, no mesmo tempo cirúrgico, correção da cistocele (colporrafia anterior). A paciente evoluiu bem após três meses da cirurgia, sem queixas pélvicas.

REFERENCES

  • 1
    Sobrado CW, Pires CEF, Amaro S, et al. Videode-fecografia: aspectos técnicos atuais. Radiol Bras. 2004;37;283–5.
  • 2
    Karasick S, Karasick D, Karasick SR. Functional disorders of the anus and rectum: findings on defecography. AJR Am J Roentegenol. 1993;160:777–82.
  • 3
    Mezwa DG, Feczko PJ, Bosanko C. Radiologic evaluation of constipation and anorectal disorders. Radiol Clin North Am. 1993;31:1375–93.
  • 4
    Ganeshan A, Anderson EM, Upponi S, et al. Imaging of obstructed defecation. Clin Radiol. 2008;63:18–26.
  • 5
    Castro EB, Palma PCR, Herrmann V, et al. Defeitos do compartimento vaginal posterior: fisiopatologia e tratamento da retocele. Femina. 2007;35:363–7.
  • 6
    Salvatore CA. Tratamento cirúrgico do prolapso uterino. São Paulo: Livraria Roca; 1982.
  • *
    Trabalho realizado na Unidade de Radiologia Clínica (URC) e no Hospital Vivalle, São José dos Campos, SP, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2013
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