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Avaliação dosimétrica de pacientes pediátricos submetidos a exames radiográficos de seios paranasais* * Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil.

Resumo

Objetivo:

Estimar o kerma no ar na superfície de entrada (Ka,e) e o kerma no ar na região de órgãos radiossensíveis em radiografias pediátricas dos seios paranasais.

Materiais e Métodos:

Foram coletados os dados dos pacientes e parâmetros de irradiação em exames de seios paranasais de crianças com 0 a 15 anos, em dois hospitais infantis na cidade do Recife, PE. O Ka,e foi estimado utilizando os rendimentos dos tubos de raios X e os parâmetros selecionados. Os valores de kerma no ar nas regiões dos olhos e tireoide foram estimados utilizando dosímetros termoluminescentes.

Resultados:

Os valores de Ka,e variaram de 0,065 a 1,446 mGy para radiografias cavum, 0,104 a 7,298 mGy para Caldwell e 0,113 a 7,824 mGy para Waters. Os valores de kerma no ar na região dos olhos variaram de 0,001 a 0,968 mGy para cavum e 0,011 a 0,422 mGy para Caldwell e Waters. Na região tireóidea, os valores de kerma no ar variaram de 0,005 a 0,932 mGy para cavum e 0,002 a 0,972 mGy para Caldwell e Waters.

Conclusão:

Os parâmetros de irradiação utilizados pelas instituições foram mais elevados do que os recomendados em protocolos britânicos. Ações de otimização são recomendadas de modo a contribuir para a redução da radiação nos pacientes e, portanto, os riscos.

Unitermos:
Dosimetria; Radiografia; Seios paranasais; Pediatria; Dosimetria termoluminescente

Abstract

Objective:

To estimate the entrance surface air kerma (Ka,e) and air kerma in the region of radiosensitive organs in radiographs of pediatric paranasal sinuses.

Materials and Methods:

Patient data and irradiation parameters were collected in examinations of the paranasal sinuses in children from 0 to 15 years of age at two children's hospitals in the city of Recife, PE, Brazil. We estimated the Ka,e using the X-ray tube outputs and selected parameters. To estimate the air kerma values in the regions of the eyes and thyroid, we used thermoluminescent dosimeters.

Results:

The Ka,e values ranged from 0.065 to 1.446 mGy in cavum radiographs, from 0.104 to 7.298 mGy in Caldwell views, and from 0.113 to 7.824 mGy in Waters views. Air kerma values in the region of the eyes ranged from 0.001 to 0.968 mGy in cavum radiographs and from 0.011 to 0.422 mGy in Caldwell and Waters views . In the thyroid region, air kerma values ranged from 0.005 to 0.932 mGy in cavum radiographs and from 0.002 to 0.972 mGy in Caldwell and Waters views.

Conclusion:

The radiation levels used at the institutions under study were higher than those recommended in international protocols. We recommend that interventions be initiated in order to reduce patient exposure to radiation and therefore the risks associated with radiological examination of the paranasal sinuses.

Keywords:
Radiometry; Radiography; Paranasal sinuses; Pediatrics; Thermoluminescent dosimetry.

INTRODUÇÃO

Nos exames radiológicos da face, estruturas anatômicas radiossensíveis, como os olhos e a tireoide, são expostas à radiação ionizante, representando um risco para o paciente, pela possibilidade de produção de efeitos biológicos induzidos pela interação da radiação com os tecidos. Especial atenção deve ser dada aos exames radiográficos realizados em pacientes pediátricos, pois suas células apresentam maior radiossensibilidade do que nos adultos, e eles têm maior expectativa de vida em comparação ao adulto, o que aumenta o risco de ocorrência de efeitos estocásticos(11 [No authors listed]. The 2007 Recommendations of the International Commission on Radiological Protection. ICRP Publication 103. Ann ICRP. 2007;37(2-4):1-332.).

A solicitação clínica de exames radiográficos dos seios da face é muito frequente em crianças(22 Tagaya M, Nakata S, Yasuma F, et al. Relationship between adenoid size and severity of obstructive sleep apnea in preschool children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76:1827-30.,33 Feres MF, Hermann JS, Sallum AC, et al. Radiographic adenoid evaluation - suggestion of referral parameters. J Pediatr (Rio J). 2014;90:279-85.), com o objetivo de investigar afecções das vias respiratórias superiores, como hipertrofia da adenoide, doenças inflamatórias das cavidades sinusais, sinusites, tumores e fraturas faciais(44 T-Ping C, Weckx LLM. ENT care of children and adolescents in the Brazilian public healthy system in three different municipalities. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:571-8.,55 Vogler RC, Ii FJ, Pilgram TK. Age-specific size of the normal adenoid pad on magnetic resonance imaging. Clin Otolaryngol Allied Sci. 2000;25:392-5.).

A radiografia convencional para o estudo radiológico dos seios da face pode ser realizada nas seguintes incidências: incidência em perfil ou radiografia cavum (lateral), incidência Waters ou posteroanterior em mento-naso, e incidência Caldwell ou posteroanterior em fronto-naso(66 Jacomelli M, Souza R, Pedreira Júnior WL. Abordagem diagnóstica da tosse crônica em pacientes não-tabagistas. J Bras Pneumol. 2003;29:413-20.,77 Bontrager KL. Tratado de técnica radiológica e base anatômica. 4ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan; 1999.).

Neste sentido, é objetivo deste trabalho a avaliação do valor de kerma ar na entrada da pele de pacientes pediátricos submetidos a procedimentos radiográficos dos seios da face realizados em dois hospitais de Recife, PE, bem como a estimativa do valor do kerma ar na região da tireoide e olhos dos pacientes.

MATERIAIS E MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido em dois hospitais públicos (hospital A e hospital B), ambos especializados no atendimento a pacientes pediátricos. O hospital A possui cerca de 112 leitos, distribuídos nas mais diversas áreas clínicas. O hospital B é referência na área materno-infantil, com 714 leitos e mais de 600.000 atendimentos anuais em seus di-versos serviços. Ambos os hospitais são filantrópicos e atendem pelo Sistema Único de Saúde. O hospital B dispõe de duas salas para execução de exames radiográficos, ambas equipadas com aparelhos de raios X da marca Philips, modelo Bucky Diagnost, e o hospital A dispõe de apenas uma sala equipada com um equipamento de raios X da marca Shimadzu, modelo R 20. Os equipamentos avaliados não são dotados de controle automático de exposição, e em ambas as instituições o sistema de aquisição de imagem é baseado em filmes radiográficos.

Para a coleta de dados foi elaborada uma ficha que incluiu os dados do paciente (sexo, peso e altura), o tipo de exame/projeção e os parâmetros de irradiação empregados (kV, mAs, distância foco-pele, distância foco-filme e tempo de exposição). Os dados foram coletados pelos autores do estudo e ambas as instituições não possuem registros de assentamento dessas informações.

Foram acompanhados exames de pacientes com idades entre 0 e 15 anos. Para análise dos resultados, os pacientes foram distribuídos nas seguintes faixas etárias: 0 a 1 ano, 1 a 5 anos, 5 a 10 anos e 10 a 15 anos.

Determinação do kerma no ar na superfície de entrada

O kerma no ar na superfície de entrada (Ka,e) foi determinado a partir do valor do rendimento do tubo de raios X e dos parâmetros de irradiação (método indireto). Para tanto, utilizou-se uma câmara de ionização Radcal, modelo 20X6-6, posicionada no centro do campo de radiação, a 100 cm do ponto focal e a 30 cm da mesa. Foram realizadas medições do kerma no ar para diferentes valores de tensão (kV), com o valor da carga (mAs) fixo. Para cada valor de tensão foram realizadas três medições. O valor médio obtido foi corrigido pelo fator de temperatura e pressão e pelo fator de calibração da câmara de ionização. As calibrações foram realizadas no Laboratório de Metrologia das Radiações Ionizantes do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (LMRI/DEN-UFPE), cujos padrões têm rastreabilidade ao Laboratório Nacional de Metrologia das Radiações Ionizantes do Instituto de Radioproteção e Dosimetria/Comissão Nacional de Energia Nuclear. O rendimento do equipamento de raios X corresponde ao valor do kerma no ar (mGy) por mAs, a 1 m de distância do ponto focal. A curva de rendimento para diferentes valores de tensão foi obtida e utilizada para a determinação do rendimento nas condições de irradiação em cada exame avaliado. O Ka,e para cada paciente foi determinado pela equação(88 Davies M, McCallum H, Whiter G, et al. Patient dose audit in diagnostic radiography using custom designed software. Radiography. 1997;3:17-25.):

onde: R i é o rendimento do tubo de raios X para a técnica radiográfica usada no exame, interpolado a partir da curva do rendimento em função da tensão, do tipo Ri = a.(kV)b, sendo a e b parâmetros de ajuste da curva; Q é o produto da corrente do tubo pelo tempo de exposição (mA.s) utilizado no exame; Dref é a distância de 1 m para a qual o rendimento foi ajustado; DFP é a distância entre o ponto focal e a pele do paciente; BSF é o fator de retroespalhamento, que é função do tamanho do campo, da filtração do equipamento e da técnica radiográfica empregada no exame. Foi adotado o valor fixo do BSF de 1,30(99 Petoussi-Henss N, Zankl M, Drexler G, et al. Calculation of back-scatter factors for diagnostic radiology using Monte Carlo methods. Phys Med Biol. 1998;43:2237-50.).

Estimativa das doses na região de órgãos radiossensíveis utilizando dosímetros termoluminescentes

Dosímetros termoluminescentes de LiF:Mg,Ti (TLD-100) foram encapsulados aos pares em um invólucro plástico, fino, e foram posicionados na pele do paciente na região dos olhos e da tireoide. O conjunto de dosímetros levados a cada instituição sempre era acompanhado de um grupo de dois dosímetros que não eram irradiados. A leitura destes dosímetros (brancos) era subtraída da leitura dos dosímetros irradiados. A leitura média dos dois dosímetros contidos em cada envelope plástico foi convertida em kerma no ar, utilizando a curva de calibração obtida no LMRI/DEN-UFPE com feixes de qualidade de radiodiagnóstico médico(1010 Associação Brasileira de Normas Técnicas. ABNT NBR ISO/IEC 17025:2005 - Requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração. ABNT; 2005.).

RESULTADOS

Caracterização dos exames e dos pacientes

As Figuras 1A e 1B mostram a distribuição por faixa etária dos pacientes que realizaram exames em projeções lateral e posteroanteriores (fronto-naso e mento-naso), respectivamente.

Figura 1
Distribuição dos pacientes por faixa etária para os exames radiográficos dos seios da face em incidências em perfil (A) e posteroanteriores (B).

Foram acompanhados 159 exames radiográficos dos seios da face, sendo 103 radiografias realizadas na projeção lateral (radiografia cavum) e 56 radiografias realizadas nas projeções posteroanteriores em fronto-naso e mento-naso (radiografias Caldwell e Waters, respectivamente).

Os dados mostram que cerca de 60% do total de pacientes dos dois hospitais são do sexo masculino, e que no exame cavum realizado no hospital A 72,8% dos pacientes são do sexo masculino. Quanto aos exames em incidências posteroanteriores (fronto-naso e mento-naso), no hospital A o percentual de pacientes do sexo masculino corresponde a 62,5% e os pacientes do sexo feminino totalizam 37,5%. Considerando os exames realizados no hospital B, verifica-se que, para ambas as incidências estudadas, o percentual de pacientes do sexo masculino e feminino é de 50%, revelando uma distribuição mais equilibrada quanto ao gênero.

Parâmetros de irradiação

Os valores mínimos, médios e máximos de tensão utilizados nos exames radiográficos dos seios da face em incidência lateral e nas incidências posteroanteriores (fronto-naso e mento-naso) são mostrados na Tabela 1.

Tabela 1
Valores de tensão empregada nos exames de seios da face realiza-dos nos hospitais A e B.

A exatidão e a reprodutibilidade dos valores de tensão (kV) fornecidas pelos equipamentos de raios X foram previamente avaliadas utilizando os protocolos de qualidade do Ministério da Saúde(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes de proteção radiológica em radiodiagnóstico médico e odontológico. Portaria nº 453-98. Brasília, DF: D.O.U. 02/06/1998.,1212 Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Radiodiagnóstico médico: desempenho de equipamentos e segurança. Brasília, DF: Editora Anvisa; 2005.). Os resultados obtidos mostraram que a variação na reprodutibilidade no valor da tensão é 0,1% para os equipamentos de ambos os hospitais. Por outro lado, no teste de exatidão entre o valor da tensão fornecida ao tubo de raios X e o valor indicado no painel, no hospital A o equipamento apresentou uma variação de 2,2%, e no hospital B a variação foi 2,0% para o equipamento 1 e 4,0% para o equipamento 2.

Os valores mínimos, médios e máximos de carga (mAs) do tubo de raios X utilizados nos exames de seios da face (lateral, fronto-naso e mento-naso) estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Valores de carga utilizada nos exames de seios da face realizados nos hospitais A e B.

Kerma no ar na superfície de entrada medido pelo rendimento do tubo de raios X

A distribuição dos valores de Ka,e estimados para os pacientes pediátricos, em exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral e projeções posteroanteriores fronto-naso e mento-naso realizados nos hospitais avaliados, está mostrada nas Figuras 2A e 2B, respectivamente, que correspondem a gráficos box & whiskers, apresentando a distribuição dos valores de Ka,e calculados para cada faixa de idade dos pacientes.

Figura 2
Distribuição dos valores de Ka,e (em mGy) estimados em exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral (A) e em projeções posteroanteriores frontonaso + mento-naso (B), dentro de cada faixa etária estudada, para os hospitais participantes da pesquisa.

Nesta distribuição, os limites do retângulo correspondem ao valor do primeiro e terceiro quartis, isto é, 25% e 75% dos dados. O retângulo contém 50% dos dados. A linha no interior do retângulo indica a mediana dos dados e o ponto no retângulo indica o valor da média. As semirretas indicam os valores máximo e mínimo dos dados. Em casos de ocorrência de valores fora da distribuição, estes são indicados por asteriscos e são conhecidos como outliers.

Nos exames de seios da face em projeção posteroanterior são realizadas as duas incidências, fronto-naso e mento-naso, e os valores apresentados correspondem à soma do Ka,e dos dois procedimentos para cada paciente. Para melhor visualização, a distribuição dos valores de Ka,e estimados para os exames realizados no hospital B está mostrada nas Figuras 3A e 3B.

Figura 3
Distribuição dos valores de Ka,e (em mGy) estimados em exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral (A) e em projeções posteroanteriores frontonaso + mento-naso (B), dentro de cada faixa etária estudada, para o hospital B.

Estimativa das doses na região de órgãos radiossensíveis utilizando dosímetros termoluminescentes

As Figuras 4A e 4B apresentam os resultados dos valores de Ka,e na região dos olhos dos pacientes devidos às radiografias dos seios da face em projeção lateral (cavum), enquanto as Figuras 5A e 5B correspondem, respectivamente, à distribuição dos valores de Ka,e estimados para a região do olho esquerdo e olho direito do paciente, ao realizar o exame de seios da face nas projeções posteroanteriores (fronto-naso + mento-naso).

Figura 4
Distribuição dos valores de Ka,e (em mGy) estimados para a região olho de entrada (A) do feixe primário de raios X e olho de saída (B) do feixe primário de raios X, em exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral.

Figura 5
Distribuição dos valores de Ka,e (em mGy) estimados para a região do olho esquerdo (A) e olho direito (B), em exames radiográficos dos seios da face em projeções posteroanteriores (frontonaso + mento-naso).

A distribuição dos valores de Ka,e estimados para a região da tireoide dos pacientes pediátricos, em exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral e em projeções posteroanteriores (fronto-naso + mento-naso), está representada, respectivamente, nas Figuras 6A e 6B.

Figura 6
Distribuição dos valores de Ka,e (em mGy) estimados para a região da tireoide em exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral (A) e em projeções posteroanteriores (fronto-naso + mento-naso) (B).

DISCUSSÃO

Nos exames de seios da face, os resultados dos parâmetros de irradiação (Tabelas 1 e 2) foram comparados com os dados do guia britânico de boas práticas(13), que estabelece critérios de qualidade para esses procedimentos. De acordo com este guia, recomenda-se o uso de tensões de 65 kV para os exames posteroanteriores mento-naso em pacientes com idades entre 5 e 10 anos e de 78 kV para pacientes entre 10 e 15 anos, não recomendando a realização desses exames em pacientes menores de 5 anos. A análise dos resultados obtidos neste trabalho para radiografias posteroanteriores em mento-naso mostra que 25% do total de exames nos hospitais A e B, com pacientes com 5 a 10 anos, foram realizados com tensões superiores às recomendadas pelo guia britânico.

Nas radiografias laterais, o guia britânico aconselha valores de 62 kV para pacientes com idades entre 1 e 5 anos, 65 kV para pacientes com 5 a 10 anos e 70 kV para pacientes com idades entre 10 e 15 anos. Os resultados deste estudo mostram que em mais de 80% dos exames realizados nos dois hospitais os valores de tensão foram superiores aos recomendados pelo guia britânico. Este fato deve-se ao uso de grade antiespalhamento, que não é recomendada para esta faixa etária, pois a espessura do paciente é pequena, não acarretando radiação espalhada significativa. O uso da grade antiespalhamento obriga o emprego de tensões do tubo mais altas para aumentar o poder de penetração do feixe de raios X, a fim de não comprometer a qualidade da imagem.

Analisando os valores de Ka,e estimados para os exames em projeção lateral (Figura 2A), observa-se que quase todos os exames realizados no hospital B estão em acordo com o guia britânico, que aconselha valores de Ka,e de 0,11 mGy, 0,16 mGy e 0,37 mGy para pacientes com idades entre 1 e 5 anos, 5 e 10 anos e 10 e 15 anos, respectivamente. Apenas 2% dos valores de Ka,e estimados nesse hospital estavam acima do valor recomendado, todos pertencentes à faixa etária compreendida entre 1 e 5 anos. Por outro lado, todos os valores de Ka,e estimados no hospital A estavam acima do nível de referência britânico, alcançando até oito vezes o valor recomendado.

Para os exames radiográficos dos seios da face em projeções posteroanteriores (fronto-naso + mento-naso) (Figuras 2B e 3B), encontram-se, novamente, valores de Ka,e mais elevados nos exames realizados no hospital A, quando comparados aos realizados no hospital B, e todos muito acima do que recomenda o guia britânico, cujos valores são 0,34 mGy e 1,07 mGy para pacientes com idades entre 5 e 10 anos e entre 10 e 15 anos, respectivamente.

A explicação para valores de Ka,e demasiadamente altos encontrados no hospital A, cujos valores estimados para alguns casos foram cerca de 10 vezes superiores aos encontrados no hospital B, se deve a vários fatores. Entre estes fatores, destaca-se o uso da grade antiespalhamento, não aconselhado para pacientes pediátricos, pois acarreta aumento da tensão e carga, o que pode resultar em aumento do Ka,e.

Além disso, observou-se que no hospital A, a cada solicitação de exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral, duas incidências são realizadas pelos técnicos: uma incidência com o paciente com a boca fechada e outra com a boca aberta. Não foi encontrada citação na literatura de que a realização do exame com o paciente com a boca aberta ou fechada acarrete qualquer diferença ou benefício em termos de visualização de estruturas ou de auxílio no diagnóstico clínico. Este fato só contribui para duplicar o Ka,e.

Observou-se, também, que as distâncias foco-paciente utilizadas no hospital A são menores do que as empregadas no hospital B, o que também contribui para o aumento do Ka,e. Tomando como base os exames laterais realizados em pacientes com idade compreendida entre 1 e 5 anos, a distância foco-paciente média empregada no hospital A foi 73,4 cm, enquanto no hospital B foi 97,0 cm.

Tendo em vista que o hospital A utiliza os cilindros colimadores para a realização dos exames dos seios da face, esperava-se encontrar valores de kerma no ar na região dos olhos mais baixos do que os estimados na mesma região para os exames realizados no hospital B (Figuras 4 e 5). Contudo, os resultados mostram que no hospital A os valores de kerma na região dos olhos são superiores aos encontrados no hospital B, com exceção dos exames em projeção lateral realizados em pacientes com idade entre 10 e 15 anos e pacientes com idade entre 1 e 5 anos para exames em projeções posteroanteriores. Este fato pode ser explicado ao se analisar os dados da Tabela 2, na qual se observa que os valores de mAs utilizados no hospital A para os exames nas projeções mento-naso e fronto-naso são cerca de três vezes mais elevados do que os utilizados no hospital B. Outro fato observado é que no hospital A são realizadas duas incidências (boca aberta + boca fechada) para o exame de seios da face em projeção lateral.

Estudos epidemiológicas recentes dos efeitos da radiação ionizante têm considerado o surgimento de efeitos tardios, não cancerígenos, relacionados a alterações teciduais. Por esta razão, novas recomendações foram sugeridas pela International Commission on Radiological Protection (ICRP) com base nos recentes conhecimentos sobre os efeitos biológicos das radiações(1414 International Commission on Radiological Protection. ICRP ref 4825-3093-1464. Statement on tissue reactions. Approved by the Commission on April 21, 2011.), dentre as quais se destaca o novo limite para o cristalino dos olhos, que é de 0,5 Gy. Portanto, apesar de os valores do kerma no ar encontrados neste trabalho serem inferiores aos novos limites estabelecidos pela ICRP, é importante sempre otimizar o procedimento radiográfico de modo a se reduzir a dose na região dos olhos, em razão da alta radiossensibilidade destes órgãos.

Com relação aos valores de kerma no ar na região da tireoide, os dados obtidos no hospital A mostram que os valores encontrados nos exames radiográficos dos seios da face em projeção lateral (Figura 6A) são mais elevados do que os encontrados nos exames realizados em projeções posteroanteriores (Figura 6B). Este fato se explica pela localização da tireoide, que está mais exposta ao feixe primário de raios X quando a cabeça do paciente se encontra em perfil.

Considerando os exames em projeção lateral, da mesma maneira que para o olho de entrada do feixe, os valores de kerma no ar na região da tireoide nos exames realizados no hospital A apresentaram-se mais altos que os estimados para esta mesma região nos exames do hospital B, com exceção dos exames realizados em pacientes com idade de 10 a 15 anos. Este fato, mais uma vez, contradiz o uso de colimadores cilíndricos no hospital A, pelos mesmos motivos expostos anteriormente.

Há poucas pesquisas sobre o risco de câncer de tireoide decorrente de exames radiográficos. A maior parte dos estudos de risco de câncer na tireoide causado pela radiação está associada aos acidentes de Fukushima e Chernobyl e aos estudos com sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki(1515 Yamashita S, Suzuki S. Risk of thyroid cancer after the Fukushima nuclear power plant accident. Respiratory Investigation. 2013;51: 128-33.

16 Leung AM. The dose of ionizing radiation during childhood is associated with the prevalence of thyroid nodules even nearly 60 years later. Clinical Thyroidology. 2015;27:37-9.
-1717 Sinnott B, Ron E, Schneider AB. Exposing the thyroid to radiation: a review of its current extent, risks, and implications. Endocr Rev. 2010;31:756-73.). Os estudos sobre os efeitos das exposições às baixas doses de radiação na tireoide estão associados a alterações em seu funcionamento, como o surgimento de doenças autoimunes e cistos, principalmente em pacientes do sexo feminino, de todas as idades(1818 Memon A, Godward S, Williams D, et al. Dental x-rays and the risk of thyroid cancer: a case-control study. Acta Oncol. 2010;49:447-53.).

CONCLUSÃO

Os resultados deste trabalho permitem concluir que os parâmetros de irradiação, principalmente kV e mAs, são mais elevados do que os recomendados em protocolos britânicos. Os valores elevados destes parâmetros estão associados ao uso desnecessário de grades antiespalhamento, não recomendado para pacientes com até 10 anos de idade. Os cilindros colimadores para restrição do tamanho de campo de irradiação, recomendados para os exames radiográficos dos seios da face, foram utilizados apenas pelos técnicos do hospital A. Apesar desta proteção, os valores de Ka,e obtidos para os exames realizados neste hospital são muito acima do valor de referência britânico, alcançando até oito vezes este valor. Ações de otimização são recomendadas nos dois hospitais, de modo a contribuir para a redução da radiação nos pacientes e, portanto, do risco de possíveis efeitos deletérios.

  • Cantalupo BLVC, Xavier ACS, Silva CML, Andrade MEA, Barros VSM, Khoury HJ. Avaliação dosimétrica de pacientes pediátricos submetidos a exames radiográficos de seios paranasais. Radiol Bras. 2016 Mar/Abr;49(2):79-85.
  • *
    Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil.

Agradecimentos

Aos médicos, técnicos em radiologia, enfermeiras, diretores e demais profissionais dos hospitais participantes deste estudo. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), pelo incentivo financeiro com bolsas de pós-graduação stricto sensu.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2015
  • Aceito
    30 Jun 2015
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