Acessibilidade / Reportar erro

Ovário ectópico torcido: diagnóstico incomum definido por ultrassonografia

Resumo

A ultrassonografia é uma importante ferramenta diagnóstica no quadro de hérnia inguinal e na avaliação do conteúdo do saco herniário. Neste relato será apresentado um caso com diagnóstico ultrassonográfico de ovário ectópico herniado na região do grande lábio vulvar direito, complicado com torção de seu pedículo vascular, assim como será feita uma breve discussão sobre herniação ovariana, suas complicações e tratamentos.

Unitermos:
Ovário ectópico; Ultrassonografia; Torção de ovário


Abstract

Ultrasound is an important diagnostic tool in inguinal hernia and in the evaluation of the contents of the hernia sac. This report presents a case in which ultrasound revealed a herniated ectopic ovary, complicated by torsion of its vascular pedicle, in the right labia majora. We also present a brief discussion of ovarian hernia, its potential complications, and the treatments available.

Keywords:
Ectopic ovary; Ultrasonography; Ovary torsion

INTRODUÇÃO

Massa labial vulvar em paciente pré-puberal tem a hérnia inguinal como diagnóstico diferencial, sendo a ultrassonografia uma importante ferramenta no diagnóstico e avaliação do conteúdo do saco herniário(11 Patel B, Zivin S, Panchal N, et al. Sonography of female genital hernias presenting as labia majora masses. J Ultrasound Med. 2014;33: 155-9.). O presente relato consiste em herniação de ovário direito para o grande lábio vulvar ipsilateral, complicando-se com torção ovariana.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, dois meses de idade, foi trazida pela mãe para o setor de emergência da instituição, que relatou ter notado "caroço doloroso" no grande lábio vulvar direito da criança. Ao exame físico, havia nodulação palpável local, não redutível, sem sinais flogísticos.

Realizou-se ultrassonografia, que mostrou estrutura sólida com múltiplos cistos periféricos, caracterizada como o ovário direito ectópico (Figuras 1 e 2). Ao Doppler não se demonstrou fluxo ovariano, achado que, aliado aos múltiplos cistos periféricos e ao aumento do órgão, sugeriram o diagnóstico de torção (Figura 3).

Figura 1
Ultrassonografia de lábio vulvar maior direito. Presença de ovário direito localizado no grande lábio vulvar ipsilateral, com dimensões aumentadas. Múltiplos cistos periféricos (seta).

Figura 2
Ultrassonografia do grande lábio vulvar direito. Notar a continuidade do pedículo do órgão para o canal inguinal (seta).

Figura 3
Ausência de fluxo vascular no ovário direito ao estudo com Doppler.

Realizou-se cirurgia de emergência, que revelou sinais de sofrimento do ovário acometido (Figura 4). Após destorção, houve melhora dos sinais de isquemia, sendo o ovário reposicionado na cavidade abdominal, ligando-se o saco herniário. A criança apresentou boa evolução pós-operatória.

Figura 4
Sinais de isquemia do ovário direito (seta) identificada na cirurgia.

DISCUSSÃO

O canal inguinal tem sua formação centrada no gubernaculum testis e no processus vaginalis(22 Shadbolt CL, Heinze SBJ, Dietrich RB. Imaging of groin masses: inguinal anatomy and pathological conditions revisited. Radiographics. 2001;21(Suppl 1):S261-71.). O primeiro é um cordão fibromuscular que, nas meninas, dará origem ao lábio maior e ao polo inferior da gônada fetal. Dele se formam os ligamentos útero-ovariano e redondo, que ligam o ovário à região mediana do útero, prevenindo sua descida pelo canal inguinal(22 Shadbolt CL, Heinze SBJ, Dietrich RB. Imaging of groin masses: inguinal anatomy and pathological conditions revisited. Radiographics. 2001;21(Suppl 1):S261-71.,33 Healey A. Embryology of female reproductive tract. In: Mann G, Blair JC, Garden AS, editors. Imaging of gynecological disorders in infants and children. 1st ed. London: Springer-Verlag; 2012. p. 21-30.). O processus vaginalis peritonei (também chamado de canal de Nuck no sexo feminino) é uma prega tubular de peritônio, que se invagina no canal inguinal. Normalmente ele se oblitera totalmente no sexo feminino(22 Shadbolt CL, Heinze SBJ, Dietrich RB. Imaging of groin masses: inguinal anatomy and pathological conditions revisited. Radiographics. 2001;21(Suppl 1):S261-71.). Raramente ocorre falha neste processo, levando a alterações congênitas, como uma evaginação do canal de Nuck no canal inguinal ou no lábio vulvar maior(33 Healey A. Embryology of female reproductive tract. In: Mann G, Blair JC, Garden AS, editors. Imaging of gynecological disorders in infants and children. 1st ed. London: Springer-Verlag; 2012. p. 21-30.).

A herniação do canal de Nuck contém o ovário em 15% a 20% dos casos(44 Ming YC, Luo CC, Chao HC, et al. Inguinal hernia containing uterus and uterine adnexa in female infants: report of two cases. Pediatr Neonatol. 2011;52:103-5.), tendo maior risco de encarceramento e estrangulamento, pois o ovário se edemacia à medida que se encarcera, aumentando progressivamente seu volume, sendo menos compressível que alças intestinais(55 Laing FC, Townsend BA, Rodriguez JR. Ovary-containing hernia in a premature infant: sonographic diagnosis. J Ultrasound Med. 2007; 26:985-7.). Também ocorre maior risco de torção com suspensão e estreitamento do pedículo vascular ovariano(66 Merriman TE, Auldist AW. Ovarian torsion in inguinal hernias. Pediatr Surg Int. 2000;16:383-5.).

O tratamento da hérnia encarcerada de ovário é controverso entre cirurgia eletiva e de urgência. No caso de estrangulamento ou torção, opta-se por cirurgia de urgência. A técnica cirúrgica envolve a exposição do saco peritoneal para a avaliação de seu conteúdo, sendo a víscera devolvida à cavidade abdominal se viável, com ligadura alta do saco herniário. Se há comprometimento da vitalidade do conteúdo herniário, colocam-se compressas mornas durante alguns minutos, para avaliação de sua melhora e definição de conduta; na ausência de melhora, a víscera deve ser ressecada(77 Gabriel E. Hérnia inguinal na infância. Rev Col Bras Cir. 2001;28: 444-52.).

A morfologia ovariana típica pode ser demonstrada por ultrassonografia, avaliando-se também a presença de fluxo sanguíneo pelo Doppler(88 Yao L, Mou Y, Wang HX. Sonographic diagnosis of an ovary-containing inguinal hernia with the formation of a corpus luteum in an adult female. Ultrasound Obstet Gynecol. 2009;34:359-60.).

O presente relato demonstrou a importância do uso da ultrassonografia para diagnóstico de torção de ovário em herniação do canal de Nuck, confirmada e tratada por cirurgia, permitindo a preservação do órgão.

  • Trabalho realizado no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Patel B, Zivin S, Panchal N, et al. Sonography of female genital hernias presenting as labia majora masses. J Ultrasound Med. 2014;33: 155-9.
  • 2
    Shadbolt CL, Heinze SBJ, Dietrich RB. Imaging of groin masses: inguinal anatomy and pathological conditions revisited. Radiographics. 2001;21(Suppl 1):S261-71.
  • 3
    Healey A. Embryology of female reproductive tract. In: Mann G, Blair JC, Garden AS, editors. Imaging of gynecological disorders in infants and children. 1st ed. London: Springer-Verlag; 2012. p. 21-30.
  • 4
    Ming YC, Luo CC, Chao HC, et al. Inguinal hernia containing uterus and uterine adnexa in female infants: report of two cases. Pediatr Neonatol. 2011;52:103-5.
  • 5
    Laing FC, Townsend BA, Rodriguez JR. Ovary-containing hernia in a premature infant: sonographic diagnosis. J Ultrasound Med. 2007; 26:985-7.
  • 6
    Merriman TE, Auldist AW. Ovarian torsion in inguinal hernias. Pediatr Surg Int. 2000;16:383-5.
  • 7
    Gabriel E. Hérnia inguinal na infância. Rev Col Bras Cir. 2001;28: 444-52.
  • 8
    Yao L, Mou Y, Wang HX. Sonographic diagnosis of an ovary-containing inguinal hernia with the formation of a corpus luteum in an adult female. Ultrasound Obstet Gynecol. 2009;34:359-60.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2014
  • Aceito
    20 Jun 2014
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br